Volume 1

Capítulo 46: O PRÍNCIPE DO ÉTER


A tremulação do ar e o uivar do vento era a evidência primitiva de quietude plena. Concentração máxima. Mael piscou, afastando todas as dúvidas e questionamentos que cresciam cada vez mais amplamente em seu âmago.

Que tipo de experimentos eles estiveram fazendo? Que tipos de magias mais puderam roubar? Magias raras? Feitiços proibidos? Bruxaria?

Esse grupo era, de longe, um dos mais perigosos que Mael enfrentara. E ele levou em consideração os rumores de um grupo sendo formado por orcs em outro continente.

A criação de grupos criados a partir de pessoas não associadas ao Instituto, que era responsável por intermediar a politica interracial e colocar uma espécie de coleira nos magos para que, assim, sempre estivessem sob sua supervisão, não era algo muito incomum.

Existiam vários grupos, é claro; mas todos com o aval do Instituto, e sob juramento de agir conforme a lei programada pelas três raças principais deste continente – levando em conta que aasimar e asuras não vinham muito por Reiqin e, tampouco, os dragões eram vistos há pelo menos milênios.

Agora imagine quantos grupos como este não existiam? Com uma seleção dos magos da pior espécie. Com pessoas de tão baixo nível que até mesmo os caçadores de recompensas faziam questão de trazer só suas cabeças – considerando que muitos desses valiam mais vivos do que mortos.

E, ainda assim, existirem tão poucos caçadores capazes de lidar com esse tipo de gente, que era escalonada com os níveis mais perigosos.

Mael duvidava, no entanto, que esse era o nível de todos eles que representavam este grupo. Mas e se eles continuassem com seus planos, crescendo e crescendo com a ajuda de um apoiador misterioso, juntando as piores pessoas e os fugitivos mais perigosos não só do território do homem, como também dos anões e dos elfos. Se continuasse juntando vagabundos daquela terra sem lei que era o Grande Amarelo... se estendessem sua rede para os outros continentes... para Mauvrus, Vrishar e Jinze, que estava há tantos séculos fechada para o mundo que ninguém sabia o nível de força que havia naquele continente...

E se esse grupo se tornasse tão forte que nem mesmo o Instituto, com a pouca força que já tinha, pudesse fazer algo? Que organização, que não aquela, poderia parar com seus planos?

Muitas dúvidas borbulhavam na sua mente, mas ele as afastou, pois o éter nas mãos de Tom continuava fluindo.

Enviando uma onda massiva de éter à sua lâmina, diminuiu espaço.

Tom se colocou à frente enquanto projetava uma lâmina curva e fraca de éter.

Mael apertou o cabo da espada e socou o rosto de Tom, que cambaleou para o lado e desviou facilmente da adaga recém criada, que se desfez quando este fora golpeado.

Mudando a rota, Mael ergueu a espada com uma mão, buscando cortar Jim. Repentinamente, um escudo e uma espada apareceram em suas mãos.

Ele ergueu o escudo, que foi estilhaçado ao ser golpeado pela espada. Puxando rapidamente a espada para cima, Mael golpeou-a em horizontal, mas Jim foi mais rápido.

Trocaram alguns golpes, que foram o suficiente para Jim perceber que estava em desvantagem.

– TOMEN! – Rosnou Jim.

Tom surgiu nas costas de Mael, éter fluindo por seus punhos. Tentou golpear a nuca do vitanti, que desviou para o lado contrário e ergueu o cotovelo esquerdo, acertando o rosto de Tom que cambaleou outra vez.

Ele quer usar aquele feitiço, pensou Mael, já se virando e cortando, em vertical, a espada que Jim segurava em suas mãos.

Depois acertou um golpe forte na costela do mago, que arqueou e cuspiu sangue. Estava pronto para decepar sua cabeça quando percebeu uma intenção assassina contra si.

Virou-se bem a tempo de notar o ar ondulando ao redor da mão de Tom, que sangrava bastante pelo nariz. Mantinha a expressão fria, mas num tom de puro ódio para com o vitanti.

Uma esfera luminescente e escura brilhava enquanto girava em torno de si, absorvendo os elementos e o próprio éter presente ali.

Mael ergueu o rosto. Há quanto tempo alguém não produzia aquele tipo de feitiço?

– Esta é... a energia oposta ao éter... é o Nether, a... a magia escura. – Balbuciou ele, incrédulo.

Havia mais coisas aí, é claro. Como por exemplo: o uso de Nether foi deixado de lado por simplesmente ser tão inconstante que poderia matar seu usuário. E, mesmo assim, lá estava um homem, que em tese não deveria sequer aguentar o uso de éter, usando também sua contraparte.

– HAHAHA! QUE ACHA DO MEU IRMÃOZINHO AGORA, HÃ?!

Ignorando o comentário mordaz, Mael criou uma esfera de luz tão grande quanto a de seu adversário.

Tom jogou a esfera para frente, bem como Mael.

As esferas ondularam rapidamente uma ao encontro da outra, como se um imã as puxasse. Enroscaram-se e giraram tantas vezes que o ar rompeu, criando uma fenda dimensional diante de seus olhos.

Mael podia jurar que viu um espaço bruxuleante e formas escuras tentando sair dali, com garras negras já se precipitando para fora.

Mas as esferas engoliram uma a outra, com a esfera de luz de Mael ficando por cima. Com uma explosão de luz, ocorreu uma implosão.

Não houve som, ou gritos, ou choros. Apenas a luz foi diminuindo, e uma rachadura enorme ficou no lugar de onde as esferas se encontraram. Mas, ao passar dos segundos, fora diminuindo lentamente.

Mael apertou os olhos, conjurando mais éter, vendo os caminhos que este o levaria a vitória.

Mas não podia baixar a guarda nunca. Não deveria ficar de costas para esses irmãos tão traiçoeiros. Um minuto antes de ser atingido por algo, desviou para a esquerda, dando vários giros pelo chão. Quando ergueu a cabeça, percebeu que faltava um grande pedaço de terra.

Ele olhou de soslaio e Jim estava de pé, sorrindo e suando frio, com uma mão esticada. Ele ergueu a mão de novo, e dessa vez Mael percebeu algo.

Pouco antes de ser atingido, ele notou as pedras ao seu redor vibrarem, e o chão sob ele tremer.

Ergueu o rosto, um sorriso riscando sua face. Pulou novamente, sabendo que o próximo lugar onde pousaria, seria alvo do feitiço de Jim também.

Deu três pulos e parou para observar Jim, que parecia cansado ao fim daquele terceiro feitiço.

– Imaginei que você era usuário de algum feitiço de magia dimensional, pelo modo como abriu fendas e como matou meus companheiros antes. Mas você não estava os mandando para outro lugar, não é? Estava apenas os esmagando com uma magia de gravidade que juntou com sua magia dimensional, quando na verdade você criou um feitiço quase imediato, sem precisar ser lançado nem nada. Uma fenda se cria onde você quer, imediatamente esmagando quem quer que esteja no centro dela à um nível quase atômico...

“Aposto que era um mago de gravidade, mas deve ter sido o primeiro experimento do xamã... não, de Greylous, que te deu uma segunda habilidade.”

“E ela é a magia dimensional, que consome tanta mana quanto sua magia de gravidade, e é por isso que você ficou tanto tempo esperando, apenas observando a batalha de longe. Queria recuperar a mana, e como provavelmente os elixires não dão um jeito rápido devido a junção de duas habilidades, o jeito era esperar...”

Concluiu Mael, ainda de cocaras sobre um joelho.

Jimothy bateu palmas lentamente.

– Um detetive digno dos romances de Sir Conan Leblanc. Isso não muda o fato de que eu matei seus amiguinhos e matarei você, Mael.

– A troco de quê? – Indagou o vitanti, pondo-se de pé. – Tem noção de como isso pode estar te afetando? De como isso pode mata-lo? E a troco de quê? Vamos, diga. Pensa mesmo que pode brincar com os mortos, que pode vasculhar o tal hell...

Jim revirou os olhos, se forçando a suspirar.

– Chega dessa sua baboseira piedosa, vitanti. Aquele seu aluno era realmente igual a você. Cheio de um ceticismo arrogante. Diga, não há nada que você faria pela sua família? E se pudesse criar um mundo onde ninguém morre?

Mael abaixou a cabeça, percebendo a loucura nas palavras do homem. Ele estava apenas rendido ao marasmo mental.

– Ninguém pode escapar da morte, Jimothy. Nem vitanti, nem humano, nem mesmo dragões. Alguns podem viver mais que outros e, por vezes como é o caso de algumas raças, até mesmo milênios..., mas ninguém escapa da morte. Seja ela natural ou não. Não se pode nem deve impedir o fluxo natural das coisas, Jim... – Ele olhou para Tomen, que permanecia inalterado, apenas encarando-o, e apontou para ele. – Vi um vislumbre de humanidade em seu irmão quando o ataquei, mas agora tenho certeza... não vê que ele está sofrendo? Sua alma precisa de repouso, qualquer coisa contrária a isso, seria crueldade demais.

– Poupe-me de seu discurso, vitanti. Tom, agora.

Ambos diminuíram espaço, éter fluindo pelos punhos de Tom, e Jim, conjurando algum feitiço.

Mael, que estava no centro deles, fechou os olhos, triste pelo que precisaria fazer.

Uma explosão de energia transparente envolveu-o, e ele abriu os olhos, acertando um forte soco na garganta de Tom, que arregalou os olhos e caiu imediatamente.

Girando no eixo, Mael acertou um forte tapa no rosto de Jim, que gemeu, mas permaneceu onde estava. Agarrando a manga da blusa do vitanti, o mago humano formou garras com a mão esquerda e empurrou-a para a frente, em direção ao externo de Mael.

Algo roçou no manto de energia de éter recém criado por Mael, que sentiu suas defesas ondulando por todo o corpo. Aquilo o pegou desprevenido, mas ele acertou outro soco no rosto de Jim, que caiu para trás.

Ao longe, podia ver a maré da batalha virando. Os principais magos de Jimothy agora pereciam para os generais. Os animais que foram levados até ali, agora morriam um a um, sem ter qualquer chance contra os vitanti. A baixa do lado dos muitas cores era realmente bem pequena, considerando com a dos outros.

Mael se virou para Tom, que preparava uma série de ataques incolores.

Lançou-os contra Mael, que desviou alguns com os braços e pulou para o lado. Éter ondulou entre eles quando o vitanti torceu a mão no ar em forma de garra e puxou para si.

Tomen foi lançado para frente, a primeira vez em que apresentava uma feição incrédula em seu rosto.

Mael fechou o punho e acertou em cheio no rosto de Tom. Seus olhos viraram sob as órbitas e sangue jorrou de suas fendas. Ele caiu no chão e quase imediatamente Mael ergueu a mão esquerda sobre ele.

Uma pressão avassaladora o prendeu no chão, amassando-o mais e mais.

Mael virou-se para Jim, que lançou um feitiço de gravidade combinado com o de dimensão.

O feitiço acertou-o em cheio no braço direito, decepando imediatamente.

Mael fechou um olho, tentando não ligar para a dor, e ergueu o braço esquerdo, a magia de gravidade sobre Tom perdendo um pouco da pressão.

Jim foi paralisado onde estava e começou a olhar para baixo, assustado. Do chão, raízes secas e sem vida começaram a brotar, ganhando cor e tom cada vez que se erguiam, envolvendo Jim, que tentava se mexer, em vão.

– Ei, que é que você vai fazer?

Mael não respondeu, continuando concentrado naquilo que estava fazendo.

As raízes pouco a pouco se transformaram em algo sólido e verde, envolvendo Jim até o topo de sua cabeça, deixando apenas seu rosto para fora.

Quando terminou, uma enorme árvore havia se formado. Onde estavam seus braços, haviam galhos verdes e cheios de flores. Na copa, galhos e mais galhos com frutas de cor dourada se formaram.

Mael caiu sobre um joelho, cansado demais por causa do feitiço. Éter começou a lotear em seu braço direito.

Ele ouviu alguém pousando ao seu lado. Não precisou perguntar quem era, apenas sorriu.

– Acabaram com tudo, Saanp?

Com a feição obscurecida, o homem assentiu. Mael sorriu e se forçou a se erguer. O outro general fez menção de que ajudaria, mas o vitanti negou com a cabeça, respirando fundo.

Saanp se pôs ereto e olhou para Jim que praguejava.

– Isso... esse nível de Animancia... devo dizer, senhor... não sou adepto ao seu apelido, mas confesso estar compelido a passar a introduzi-lo.

Mael pigarreou.

– Desse modo, acho que também posso começar a pôr em prática o seu, não é?

Saanp ficou extremamente corado.

– Acho melhor chama-lo de senhor mesmo.

– Hum-hum.

Mael caminhou até Tom, que estava desmaiado. Desfez a magia de gravidade e se ajoelhou.

Da sua mão esquerda, uma luz etérea e branca começou a pulsar, fraca, mas poderosa.

– Ei, que pensa que está fazendo? Deixe meu irmão.

Saanp se pôs logo atrás de Mael, tampando a vista de Jim e observando o braço decepado cuja pequena circulação de éter se formava ali.

– Senhor, não seria melhor recuperar seu membro com... com manipulação cósmica?!

Mael sabia dos riscos dessa manipulação. Apesar de ser algo capaz para usuários de éter, tinha que deter grande capacidade sobre a mesma. Não era tão simples.

– Uma reestruturação molecular seria, no melhor dos casos, uma tragédia de médio porte. Nem mesmo Abwn consegue manipular tal energia, veja bem, avalie eu. Não... deixe como está.

Saanp tinha um pensamento diferente, mas assentiu, decidindo por deixar o assunto de lado. Após alguns segundos, tornou a falar.

– Que é que o senhor irá fazer com esse aí?

Mael suspirou, cansado.

– Este homem deveria estar morto. Tudo que habita seu corpo é um espectro, um espírito obsessor que foi conjurado das profundezas de um lugar que os feiticeiros humanos e anões chamam de hell. A alma está em sofrimento, é claro, não tem culpa de ter sido perturbada em sua paz.

– Então a alma não pertence a esse corpo?

Mael negou.

– A ressurreição é, para todo adepto da teologia e necromancia, tida como impossível. Tudo o que fizeram foi pegar uma alma qualquer e coloca-la neste corpo deturpado. Reconheço as memórias musculares do corpo, mas não há nada de igual ou compatível. Simplesmente é impossível devolver uma alma que já se foi para seu corpo de origem. É desafiar as leis do plano celestial.

Mael continuou introduzindo a luz branca que latejava de vez em quando, induzida pelo fraco éter do vitanti que tinha de se virar para concentrar em curar a própria ferida.

– E o que é que o senhor está fazendo?

– Contrafeitiço. Leva algum tempo para desfazer os contratos sobre a alma e quebrar as correntes que a ligam ao corpo.

– Então essa luz branca...

– É chamada de Magia Apotropaica, a cura mística. Foi criada pelos elfos durante a era negra.

Saanp ergueu as sobrancelhas.

– É impressionante que o senhor saiba de tantas coisas, General. Sinto que há um abismo enorme entre nós... me pergunto por qual razão o senhor me indicou como general além da minha força...

Mael sorriu, a generosidade do amigo lhe dando nova onda de alívio.

– O seu coração e sabedoria, Saanp, foram cruciais para sua escolha como um dos generais.

– Sabedoria? – Saanp sorriu, sem graça. – Comparado ao senhor...

– Não confunda sabedoria com conhecimento. O que possuo nada mais é do que a habilidade de aprender rápido e facilmente em um curto período de tempo. Sua sabedoria, no entanto, é atemporal. E há de nos guiar para caminhos muito preciosos ao longo de nossa jornada como vitanti.

A risada de Jimothy começou a ecoar, fazendo Saanp se virar repentinamente. Ele franziu a testa.

– Será que tem noção de que a guerra acabou? Vocês perderam, foram subjugados.

– Acabou? – Indagou ele, olhando para o céu e rindo, os olhos brilhando e cheios de lágrimas. – Não acabou não, ela está apenas começando. HAHAHA.

Saanp olhou para Mael.

– Será que enlouqueceu de vez?

Seguindo o olhar de Jim, Mael ergueu o rosto para o céu, e não podia acreditar no que seus olhos viam.

O manto negro agora se desfazia lentamente e, parado, flutuando a alguns metros, havia um jovem de cabelos negros e desgrenhados flutuando. Seus olhos eram vermelhos e havia uma ferocidade distinta em seu rosto que fez os pelos na nuca de Mael se eriçarem.

Saanp ergueu o rosto e ficou estupefato.

– Mas este... este é Kai.

– Oh, não! – Silabou Jimothy. – Este é o meu mestre... este é Greylous. 



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