Volume 1

Capítulo 44: OS GENERAIS DO ORQUÍDEA

 

A maré da longa batalha nunca virou; era apenas um único grupo que se sobressaia: os vitanti.

Seus números estavam em menor escala se comparados ao do inimigo, mas sua coordenação e tática provava que o desempenho de um bom treinamento se sobressaia à quantidade.

Mas, apesar disso, não se podia ignorar o cansaço das muitas cores. Isto é, para cada criatura morta, duas ou três lhe tomavam o lugar.

A batalha já se alongava por horas, e pareceu que ia finalmente ter sossego quando o general Mael derrotou o cadáver de Erde, que vinha sendo uma perigosa pedra no sapato.

Enquanto os sons da batalha iam diminuindo, Mael observava, ao longe, um Jimothy pulando de alegria enquanto lhe apontava o dedo.

Ao seu lado, Pele-pétrea permanecia do mesmo modo que uma vez ele vira: idiota e branco.

Mael sabia que aquele descanso era só o prenúncio para o que viria dali a pouco. Uma enorme quantidade de outras criaturas esperava, pacientemente, a deixa de Jimothy.

“Acabamos por aqui” Uma voz soou no objeto de transmissão neural.

“Aqui também!” Disse outra.

E ao longo de dois minutos, vários comandantes falaram confirmando que estavam terminando seu trabalho.

Mael assentiu para si mesmo. Só faltavam poucos grupos, e um em especial não dava notícias há um tempo.

“Unidade Fronteira!” Sua voz soou, tácita. “Unidade Fronteira, algum avanço?”

Nada.

Mael aguardou um longo tempo por uma resposta que não veio.

“Há algumas horas a comandante Arjuani conseguiu derrotar um poderoso de Bulgu, senhor.” Soou a voz de Asclépio, um dos comandantes.

Algumas horas? Pensou Mael.

– Não se preocupe, a jovem do clã Verband está muitíssimo bem, general.

Mael olhou de viés para a voz que chegou até ele calma e lentamente. Ele sabia a quem ela pertencia, e uma calma assombrosa o inundou.

Sabia que aquilo não era um sentimento natural, uma vez que o recém chegado causava tais sentimentos apenas com o pensamento sobre o éter.

Pousava, tranquilamente no chão enlameado, um sujeito de dois metros de altura, cujos cabelos eram da cor de amêndoa e caíam em cascata por suas costas. Sua pele era roxa escura, e ao redor de seu pescoço haviam várias tatuagens e, pendendo sobre o peito, um cordão com contas redondas feitas de âmbar e produzidas por pau-ferro.

Trajava-se de um longo manto cor de ocre com mangas largas cobrindo-lhe as mãos, que estavam postas a frente do abdome. Sua calça era longa e também cobria seus pés. Ao tocar no chão, no entanto, era como se a lama não sujasse de modo alguma aquela roupa perfeitamente impecável e livre de pregas.

– É bom vê-lo, Saanp. – Disse Mael.

– Digo o mesmo, senhor. – Sorriu Saanp, o rosto gentil e doce.

– Deixe disso – Mael suspirou. – você também é um general, ora. Encontrou-se com Arjuani?

Saanp sorriu, os olhos quase se fechando.

– Sim. Dava uma volta por aí quando dei de cara com algo realmente interessante, devo dizer.

Mael franziu a testa. Se tinha uma coisa que não gostava no homem era que, de todas as pessoas, este gostava de um bom mistério. Tinha vezes que falava como se tivesse segundas intenções, com um tom quase acusador, quase como chantageador.

Mas ele sabia que o homem não era assim, gostava apenas de tirar sarro. E era por justamente esse seu jeito que várias pessoas acabavam tendo uma opinião precipitada.

– Ah é?! Diga o que descobriu, então.

– A futura líder do clã Verband despertou para a razão, veja bem.

Aquilo veio como um choque. Mael ficou estupefato. Todo mundo que se considerasse um vitanti sabia sobre a história do clã Verband, sobre a lei marcial imposta no cerne das futuras gerações. Na incapacitação do despertar.

Então como?

Uma conversa com Abwn lhe deu certos caminhos, ideias que se clarearam.

Com certeza aquilo era coisa de Mild, o pai de Arjuani.

– Saanp...

– Sim, senhor?!

– Não diga isso a ninguém... pelo menos... pelo menos até que esta guerra acabe.

– Como queira. – A voz de Saanp era um tom divertido.

Mael suspirou.

– Que foi?

– É que eu não precisaria espalhar uma história que todos hão de saber, senhor. É que, sabe, ela causou muitos estragos no campo de batalha. Decerto, um ou dois vitanti devem ter visto, além da própria unidade dela.

Droga! Praguejou ele.

– Mas ela é esperta, sabe dos riscos que rodeiam usar esse tipo de poder na frente de outros. – Completou Saanp.

Mesmo assim... rebateu o pensamento de Mael, que já calculava um método de impedir que Arjuani fosse julgada e até sentenciada numa futura investigação.

– Os outros estão chegando também. – Disse Saanp.

Assim que sua voz caiu, o céu se partiu e uma figura desceu, pousando e causando um bom estrago.

À extrema direita de Mael, um jovem de pele ametista pousou. Trajava uma bela armadura clara; usava uma blusa de malha brilhante que cobria todo seu busto. Nos braços, usava braças de couro de urso-bege, um animal que vivia por entre as florestas do Reino Orquídea. Usava grevas de mesmo material nas canelas; no peito, havia um peitoral feito de um material muito antigo, ainda mais que o ferrofosso. Preso às suas costas havia uma haste longa feita de pau-ferro, com duas lâminas curvas e afiadas em cada extremidade.

Parecia irritado, pois lançava olhares raivosos a Saanp, que levou a mão ao rosto e sorriu graciosamente.

– Por que é tão insuportável, hein, gigante? – Indagou o rapaz, que não deveria ser mais velho que Fioled.

– Ora, vamos, senhor Pelydryn, não seja tão competitivo. Estamos numa guerra, afinal.

– Não me venha com essa de senhor – Disse ele, entredentes. – Você sabe que sempre enche meu saco, não é? Quando vai parar de fazer isso?

– Um vitanti não deveria ser tão irritadiço, ainda mais um general e do clã Manushak, pra piorar a situação. – Provocou Saanp, ainda com a mão no rosto e de olhos fechados.

– Ora, seu...

– Não vamos brigar num momento como este, rapazes. – Uma voz suave inundou o ouvido dos rapazes. – Além de estarmos numa guerra, como bem disse Auns, estamos frente ao Príncipe do Éter, não é?

A pessoa falando havia chegado sem que nenhum destes percebesse, exceto Mael, que sentiu o cheiro de longe.

Era uma moça insinuante de cabelo ralo, pele roxo clara e olhos cor de âmbar. Havia sardas preenchendo seu rosto. Usava um manto cerimonial vermelho com flores vermelhas, sem mangas. Seus braços eram repletos de tatuagens iguais à da grande maioria dos vitanti.

– Você sabe que o general não gosta dessa alcunha, Inseyftal. – Saanp ruborizou.

– É verdade. – Disse ela, fingindo engano. – Peço perdão, general, o senhor sabe que sempre me embasbaco com todos esses nomes.

Mael suspirou, ainda olhando de viés para a cena atrás de si. Apesar dos gênios diferentes, sentia-se muito mais seguro agora com estes às suas costas. Eram os generais, afinal.

– Parece que vocês estão se tornando humanos bem aos poucos, hein?

– Ora – Inseyftal sorriu; Saanp escondeu o rosto por trás das longas mangas, Pelydryn virou o rosto, seu pescoço ruborizando. – Foi o senhor mesmo que nos ensinou esses estilos quando nós despertamos para a razão... não nos culpe, hã?

É verdade, pensou Mael.

– Relatório.

– Ao leste, havia uma certa dificuldade com os comandantes do general Saanp – Pelydryn lhe lançou um olhar fuzilante. – Ratarinas se amontoavam umas em cima das outras.

– Você deu um jeito? – Perguntou Mael, já sabendo a resposta.

Pelydryn respondeu com um largo sorriso: – É claro.

Mael virou-se para Saanp.

– Dei cabo de alguns humanos, senhor, eram fortes, devo dizer. Cheguei pouco antes de um quase matar a sua Arjuani. – Ele sorriu. – Mas fui capaz de exterminá-lo sem maiores dificuldades.

Mael assentiu e olhou para frente de novo.

– Então preparem-se; é quase certo de que hajam magos com seu nível ou maior. A verdadeira luta está a frente.

Qualquer um que visse aquilo pensaria que estes não eram generais coisa alguma. Como um general poderia ser mais do que eles? A resposta era simples: havia um respeito tão grande por Mael, que era como se os generais se recusassem a usar o mesmo título que ele.

Notando um silêncio incomum, Mael se virou. – Que é, Inseyftal?

A jovem vitanti estava com um beicinho, fazendo uma careta tão fofa que os dois rapazes pareciam que iam desmaiar.

Eles ainda não se acostumaram?

O poder de Inseyftal era trajado de charme. Ela, conscientemente, fazia as pessoas ao redor dela se sentirem atraídos e com a imensa vontade de lhe agradar.

Poucas pessoas conseguiam resistir àquele poder tão especial. Mael, Abwn e alguns outros faziam parte desta seleta lista.

– O senhor não me perguntou se eu derrotei alguns malvados.

Mael sorriu.

– Preciso?

Inseyftal sorriu de volta.

– Óbvio que não. E então, que devemos fazer?

Mael olhou para frente, quieto.

– O mesmo. Vamos acabar com essa guerra sangrenta interracial aqui e agora. Não matem aqueles que se renderem.

Os três positivaram.

Lentamente os soldados e guerreiros iam se aproximando dos quatro generais.

Do outro lado, entendendo a deixa, o enorme exército de Jimothy também se moveu.

O som do ambiente ficou extremamente calmo, os dois exércitos se olhando, um esperando o outro.

Saanp levou a mão à boca, sorridente.

– Aqui há de se findar esta contenda que há meses... não, há séculos tem se desdobrado, com os dois lados tendo baixas significativas. – A voz dele soou por todo o campo vitanti. – E aqui estamos nós, prontos para mais. Vamos pelos irmãos que perdemos, por aqueles que esperam pacientemente na Orquídea. Vamos proteger nosso lar, vamos execrar a vida desses gorilas, que há muito se esqueceram do próprio propósito.

Sua voz caiu e nenhum um único ruído soou. Nenhum grito de batalha, nenhum grito de felicidade. Nada.

Eles estavam cansados; gerações e gerações de vitanti sendo mortos era a resposta.

Do outro lado, Jimothy sorriu.

– Vamos.

Os dois exércitos diminuíram espaço e logo se encontrando, o verdadeiro horror desta batalha se concretizando.

De um lado os batedores, gorilas, magos e todo o verdadeiro poder de Jimothy.

Do outro, os vitanti, os tessaya, mudanti... as muitas cores.

– O mestre logo estará aqui... – Sorriu Jimothy, irradiante.



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