Volume 1

Capítulo 43: A IMPONÊNCIA COVARDIA


Um pouco mais cedo...


Nada perpassou a carranca escurecida de Mael. Ódio, raiva e imponência brilharam nos olhos amendoados do vitanti.

Uma sombra cruzou o rosto dele quando viu o corpo de Oren pender e cair ao chão, sem vida. Ainda tinha o mesmo sorriso de minutos atrás.

O rapaz cometera muitos erros em sua vida, principalmente os últimos deles acarretados por sentimentos como inveja, ciúmes e outras coisas mais que passaram despercebidas por tanto tempo.

Mas Oren buscava mudar, principalmente após o incidente com Kai. E algo mudou nele verdadeiramente.

Agora o que restava era apenas uma carcaça vazia, um vislumbre do que ele foi e do que poderia ser.

E era sua culpa, Mael sabia. Se demorou por demais numa luta que poderia ter sido resolvida em instantes.

Respirando fundo, éter exalou e fluiu através de seus poros. Seus irmãos morriam aos montes em seu redor e lado. Mas ele estava terrivelmente calmo. Inabalado.

Não poderia deixar que aquilo continuasse. Expulsaria todo aquele caos que ousou se atrelar aos arredores de Bulogg.

O ar ondulou entre Mael e Erde, que mantinha a carranca indiferente e desejosa de desdém.

Brilhante e fulgurante, o punho direito de Mael se ergueu enquanto que a palma da mão esquerda se esticou para o lado.

Ao diminuir o espaço num piscar de olhos, ele acertou o punho fechado no flanco de Erde que arqueou e soltou uma lamúria. Um segundo mais tarde, o som de metal cortando ar inundou os arredores. A espada de Mael veio girando compulsivamente até seu cabo longo encaixar perfeitamente na palma esquerda dele.

Mael trouxe a espada em horizontal, buscando decepar Erde, que conjurou longas sombras abaixo de si, puxando um mago para seu lugar assim que a espada de Mael estava a um fio de cabelo de distância.

A cabeça do mago caiu e rolou, seu corpo pendeu; Mael mudou o foco e partiu imediatamente para onde Erde fora parar. Um amontoado de criaturas se interpôs entre os dois, mas não lhes restou nada além de sangue e corpos fatiados.

Uma luz brilhou sobre a lâmina delgada de sua espada, e uma luz mais brilhante ainda permeou seu punho direito.

Erde, por sua vez, apertou o cabo da espada negra em suas mãos e diminuiu o espaço igualmente.

Mael ergueu sua espada com a mão esquerda enquanto que Erde desceu a sua verticalmente. As espadas se chocaram, produzindo faíscas luminescentes e resquícios negros das sombras de Erde.

Desferiram uma série de golpes de espadas, sempre um interceptando o outro quando uma brecha parecia “surgir”.

Pararam subitamente se afastando; circularam um ao outro enquanto se encaravam, buscando um caminho acessível. Era como se todas as habilidades de Erde tivessem se mantido na memória muscular em seu corpo.

À medida que as espadas se encontravam, mais Erde evoluía.

Diminuíram espaço outra vez; suas lâminas se riscaram produzindo sons cortantes e arfadas golfadas.

Erde, que não poderia se cansar por motivos óbvios de pós mortem, cansava-se.

Mael, que deveria ter sido esgotado pelo uso constante de magia, mantinha-se de pé.

Este golpeou com sua espada para a esquerda; Erde tombou para o lado quando tentou bloquear; rapidamente recompondo-se, Mael conjurou luz na ponta da lâmina. Espetou-a com força e afinco na costela de Erde, que gritou.

Sentira dor?! Talvez fosse só mais um resquício da memória muscular reagindo ao dano cometido pela luz de Mael.

Após cair, Erde se levantou de novo com destemida resistência, levantando acima da cabeça a espada que desceu sobre Mael.

Mael desviou para o lado e a espada de Erde fincou-se ao chão, pesada. Mael aproveitou e desceu sua espada sobre o tronco de Erde, que, com maestria resguardada, conjurou uma sombra tão rápido quando o ato de piscar.

Um manto negro cobriu-lhe, resvalando o impacto da lâmina de Mael e produzindo mais raiva incandescente.
Mael ergueu a espada novamente. Dobrando o éter sobre sua vontade, esticou a mão direita em forma de garra, como se estivesse segurando o manto de sombra que ia se afastando dele agora.

O manto parou repentinamente. O rosto de Mael tremeu devido à grande força que ele impunha sobre a razão para manipular um elemento contrário àquele que estivera tão acostumado.

Os cachos bagunçaram e suor caiu por sua testa, mas Mael conseguiu conjurar luz na sua lâmina.

Aquele feito fez alguns vitanti que lutavam próximos perderem o foco. O homem estava conjurando magias opostas e ao mesmo tempo. De repente, a alcunha ganha por ele fazia sentido pouco a pouco.

A lâmina pulsou com a magia de luz ao passo que seu controle sobre a sombra ruiu. Mas o tempo que ganhou foi crucial.

Sem tempo nem de respirar, Mael se impulsionou com alavancas de terra criadas abaixo dos pés. Foi lançado para a frente, preparando sua espada para uma investida.

Pousou com sua espada estilhaçando a sombra em mil pedaços, que voltou ao seu habitat natural. Não havia nada ali.

Ele olhou ao redor e viu Erde correndo, a mão ainda nas costelas. Conjurou imediatamente uma dúzia de lâminas feitas de terra e permeadas pelo fogo. Lançou-as em Erde, que trocou de lugar com outro mago. O pobre coitado foi empalado.

Aquele feitiço já estava dando nos nervos. Sempre que ele se aproximava e estava a um passo de matar Erde, o cadáver trocava de lugar com outro mago e se distanciava ainda mais.

Erde continuou correndo, sempre trocando de lugar aqui e ali; estava prestes a fazer isso outra vez, mas Mael buscou interceptar. Buscando se jogar para trás e com as mãos às costelas. Uma sombra se precipitou do chão e estava prestes a engoli-lo.

– Cansei disso! – Mael esbravejou.

Ele ergueu a mão e uma quantidade exorbitante de éter se reuniu na sua palma em um espaço de tempo absurdamente mínimo.

À medida que o éter era sugado dos arredores, ia se convertendo em pura luz. Um orbe cresceu e cresceu em questão de segundos, ficando maior do que a cabeça de um gorila.

Mael lançou-o para cima; o orbe flutuou até bem alto, sendo que ao atingir certa altura, tinha a aparência de um segundo sol.

– Sol do Amanhã: Luz da vida!

A magia era tão poderosa que matou vários dos cadáveres abaixo. Ao invés de ficar mais longa e escura, como se é normal ao ficar exposto à uma luz alta, forte e central, a sombra dessas criaturas queimou-se, levando o último sopro deles consigo.

Vozes saiam dos corpos junto das sombras que eram execradas.

A sombra de Erde diminuiu consideravelmente, e ele caiu no chão, espalhafatoso e fraco.

Mael sabia que o gene do alto clã Vildret é o que o mantinha vivo mesmo após uma magia de luz tão forte ser lançada. Mas era evidente que estava fraco.

A gavinhas que ondulavam na espada negra se desfizeram feito gota d’água em solo árido.

Restou apenas o fio duplo gasto e ondulante.

Mas Erde se ergueu, ainda mantendo a espada em mãos, cambaleante.

Para Mael, manter aquele feitiço era muito arriscado, por uma série de fatores muito óbvios.

Ele, no entanto, não ligava. Diminuiu espaço, um pouco mais lento, e ergueu sua espada.

Outra troca se deu início. Erde estava cauteloso e midiático; Mael agressivo e contundente.

Não dava espaço, não dava descanso. Golpeou três vezes seguidas com destreza e tamanha rapidez. Éter fluiu por seu punho e ele socou Erde no peito, que arqueou e lamuriou outra vez.

Soltando a espada, Mael ergueu os punhos e a luz começou a se formar nas suas mãos. O sol foi perdendo tamanho e brilho, mas o estrago que ele buscou deu frutos.

O brilho da luz de Mael era muito prejudicial para ele, que estava em contato há bastante tempo com aquele feitiço.

A luz viva queimava suas mãos, e os golpes que ele dava em um Erde cansado ajudavam mais. Ele redirecionou o éter, iniciando um processo de cura sempre que suas mãos ficavam em tremenda carne viva.

Erde não parecia mais suportar os golpes de Mael; já havia soltado a espada há tempos, e recebia todos os socos com um ar de descanso esperado.

Mael socou-o tão forte que os ossos de sua mão se partiram, mas o éter curou.

Este último soco findou a curta passagem desse ser intruso.

Erde caiu de joelhos, sua sombra espiralando acima de sua cabeça. Por um momento, os sons de batalha ficaram abafados.

– Descanse em paz, velho amigo. – Disse Mael, a luz fraquejando em seus punhos preenchidos pelo seu próprio sangue.

O corpo de Erde finalmente começou a se transformar em cinzas. Ele manteve sua cabeça baixa.

– Obrigado, meu irmão...

Mael ergueu os olhos, surpreso. Uma fina e fraca luz subia lentamente, ondulante.

– Cuidarei para que Oren descanse nos lençóis de Eteyow... isso... isso é uma promessa.

Os olhos de Mael marejaram, a emoção preenchendo seu rosto. As lágrimas começaram a cair, mas ele permaneceu firme, encarando a escuridão irreal causada pelos magos do xamã.



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