A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 2 – Arco 6: Cruzeiro

Relatório 50: Última Instrução

UT-136, 20:40 da noite

Seguindo de sentido Sul para Norte, Guto retornava para Paradise sem muita pressa. As mãos ainda tremiam, e por vezes o pé afundava no acelerador sem que percebesse, cabendo ao cérebro perceber essa ação antes que algum acidente se desenrolasse.

O coração parou ao se lembrar daquele par de olhos que o fitaram até o último momento. Além daquela determinação impressionante, também ocorreu um fator preocupante.

“Pra onde o corpo dele foi? Era pra ter derretido, mas não foi rápido demais não?”

Ele saberia dizer, isso se não tivesse ido embora antes do tempo. Tal ação gerou nada menos que dor de cabeça, e agora só podia rezar para que Victor estivesse realmente morto. Era impossível saber o que uma pessoa detentora de um Fator B seria capaz de fazer.

Porém, essa preocupação em breve se encontraria submersa em ignorância.

Aquele monumento já estava dentro de seu campo de visão fazia um tempo, mas só depois que percorreu alguns quilômetros a mais que Guto percebeu uma situação curiosa que se desenrolava ali.

Bem na entrada da rodovia que levaria ao topo de um penhasco, e consequentemente ao Arco de Pedra, havia um esquadrão de carros da polícia e pelo menos dez ambulâncias.

“Aquilo… Espera, aquele cara é!”

Não foi difícil reconhecer um homem que estava no seu time entre os policiais — na verdade, era provável que todos os agentes estivessem envolvidos.

Ao estacionar o Celta um pouco antes do bloqueio e descer como se fosse outro policial, encaminhou-se até aquele homem em específico. Assim que ele o viu, acenou alegremente e se aproximou rapidamente.

— Romanov? Que surpresa te ver por aqui. Alex disse que você estava pela área, mas não pensei que fosse realmente te encontrar.

Um curto incômodo acertou o Sarmatiano, que recuou um pouco enquanto desviava o olhar. Qual era o nome desse policial mesmo?

— Q-que coisa, né? — Fingindo demência, fitou as ambulâncias. — Mas o que exatamente tá acontecendo por aqui?

— Hã? Você não ficou sabendo? Eu pensei que você teria sido a primeira pessoa para quem o Alex ligaria.

Uma interrogação surgiu em sua cabeça. Logo que abriu a tela do celular, um mar de ligações perdidas confirmou o que ele mais temia. Se-Será que algo de ruim havia acontecido? Tratou de perguntar na mesma hora.

Com grande entusiasmo, o policial respondeu:

— Nós encontramos. O Arco de Pedra… ele é a Fonte da Juventude!

Alguns segundos se passaram, nos quais Guto não apresentou qualquer reação. Mas então, a ficha caiu. Um o que!? foi tudo que ele conseguiu murmurar enquanto os olhos saltavam as órbitas.

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3° Delegacia de Paradise, 21:55 da noite…

Com Victor — e provavelmente Hector — fora de cena, não havia mais motivos para usar o Amuleto das Formas e se disfarçar naquele lugar. Todos os policias eram confirmadamente membros ou pelo menos terceirizados da FESOL.

Com uma roupa causal que beirava um social, Guto exibia sua aparência descolada no meio daqueles homens engravatados. O cabelo prateado entregava-lhe uma aparência de alguém que beirava os 70 anos, então era difícil acreditar que tinha menos de 50. A pele contribuía para esta última, tão jovial quanto a de um adolescente. Sim, nesses quesitos, os genes Sarmatianos eram invejados por muitos.

Sentado confortavelmente — mais como um delinquente — em uma das cadeiras do corredor, só ajeitou sua postura ao notar a aproximação daquele mesmo policial de mais cedo.

— Vamos pra uma sala mais reservada — disse com um aceno, guiando Guto pelos corredores.

Ao chegarem numa sala cujas paredes eram forradas com espuma acústica, sentaram-se e começaram a discussão. Claro, quem começou falando foi o policial.

— Algumas horas atrás nós recebemos uma ligação de alguns viajantes. Disseram que, enquanto passavam pelo Arco de Pedra, era possível ver que um amontoado estranho se localizava logo depois do monumento…

— Quando nossas equipes chegaram no local, descobrimos uma pilha de corpos. No total eram 75 indivíduos que ainda não foram totalmente identificados, sendo que apenas um deles estava morto, apresentando uma marca de tiro na cabeça.

75 pessoas num mesmo lugar? A confusão notavelmente tomou conta do semblante de Romanov. E não perdendo tempo, o agente deu explicações melhores.

— Eu disse que nem todos foram identificados. Eu digo isso pelo fato de que a cautela tomada por nós teve que ser triplicada depois que descobrimos quem era uma das pessoas envolvidas nesse estranho incidente.

Guto se inclinou, interessado.

— Suspeito n° 25. Era ninguém menos que o próprio Isaac Mon d’Arc!

O Paranoico!?? Exclamou. Alguém tão perigoso surgiu assim do nada e num local tão aleatório? O que aquele maluco estava fazendo por lá?!

— Se acalme, eu vou te explicar tudo que aconteceu enquanto você estava resolvendo suas coisas.

O agente foi bastante passivo nessas questões, como se o tempo nunca fosse passar.

Explicou sobre o artefato encontrado junto de Isaac, o Amuleto da Natureza, que anteriormente estava sob posse de Xeps, tendo desaparecido após os eventos do Dia do Tarche. Ainda por cima, explicou sobre o Amuleto e a Fonte, “um parecia atrair o outro como se fossem dois imãs”, e continuou por alguns minutos.

Por um lado fazia sentido. Visto que Isaac tinha um Fator B (e não era qualquer um!!), era óbvio que seria afetado pelo poder da Fonte. Seu corpo retrocedeu ao estado de um só, e ao invés das personalidades desaparecerem, elas tomaram corpo físico. O problema era que agora não se sabia mais qual desses corpos estava em posse da Dark Wave, muito menos se ele ainda sabia como usá-la.

— Bem, finalmente algumas boas notícias, né? — disse o policial, se espreguiçando. — Vai ser fácil se ele não se lembrar que tem um Fator B, assim só precisamos coletar uma amostra de sangue de cada uma das 75 pessoas e será mais um problema resolvido.

Guto não negou, muito menos concordou com tudo aquilo. Estava perdido pensando em outras questões mais importantes.

Agora que a FESOL havia encontrado a Fonte da Juventude, provavelmente já estavam realizando o processo de extração da água. Os punhos do Sarmatiano cerraram. Isso significava que, depois de tanto tempo…

— Ah, sim! — O agente interrompeu. — Alex pediu para que você se hospedasse no hotel de sempre esta noite. Amanhã de manhã vamos proceder com o resto da operação, então é uma boa oportunidade pra você esfriar a cabeça.

De fato, não havia erro em descansar, ainda mais considerando a total ausência de pedras no caminho àquela altura do campeonato.

Mas ainda que quisesse, Guto não fora liberado. O policial lhe impediu de levantar antes que sequer pensasse em fazer, pois agora ele explicaria ao agente de campo o que estaria ao seu aguardo para o dia seguinte.

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Já no hotel, não havia exatamente muita coisa a se fazer. Tomou um banho, vestiu a mesma roupa e se pôs a deitar na grande cama.

Para o dia seguinte, um planejamento simples. Um grande navio de cruzeiro lhe aguardaria no porto principal de Paradise. À bordo consigo, apenas marinheiros da FESOL, os quais tinham informações suficientes para dar prosseguimento com a operação sem muitos problemas.

De acordo com Alex, Guto seria enviado via mar por questões de segurança, ainda que fosse demorar mais para chegar ao destino.

Mesmo sem inimigos à vista, era impossível prever o futuro. Enquanto uma carga com 99% do conteúdo da Fonte seria transportado com o auxílio de caminhões, o 1% restante seria levado por Guto. E onde estava essa porcentagem? Bem ao seu lado.

Seu pulso esquerdo era preso por uma algema, essa cuja outra ponto se prendia na alça de uma maleta de metal. Dentro desse pacote, nada menos que uma garrafa produzida com o vidro à prova de balas, carregando exatamente um litro da água da Fonte da Juventude.

“Eu sei que é precaução pra caso aconteça algo com a carga principal, mas isso não é, tipo, perigoso demais?”

O simples contato com aquela água cristalina poderia gerar efeitos catastróficos em Romanov. Ficara até mesmo sabendo que, durante o processo de extração, um acidente colocou um dos funcionários em contato direto com o líquido. No fim das contas, aquele homem reduziu até que se tornasse um feto em primeiro mês de gestação. Ele morreu, obviamente.

Esse era apenas um dos dois efeitos possíveis da água, aquele cara apenas deu o azar tremendo de ser o pior deles. A chance era de 50% para cada possibilidade, mas isso nem de longe proporcionava sensação de segurança. Quem quer que tentasse adquirir algo com aquele líquido, estaria colocando a vida nas mãos de sua própria sorte.

Agora, debruçado naquela enorme cama, Guto se colocou a pensar na situação. Em especial, a garrafa que carregava chamou-lhe a maior parte da atenção.

“O que o Alex pretende com isso, afinal? Será que vai usar pra ele? Não, ele nunca faria uma aposta em algo que não tivesse certeza de que funcionaria.”

O que se passava na mente daquele cientista era o maior dos mistérios.

Porém, apesar de saber que Alex poderia ter sua parcela de maluquice, Romanov se perguntava se esse fator também já não assolava a si. A razão era simples, e poderia ser lida na palma de sua mão trêmula.

“Por que eu me sinto assim?”

Muitos outros tiveram o mesmo destino que o detetive, todos realizados por suas mãos. Então por quê? Qual a razão para seu corpo parecer querer fugir para longe de si mesmo de tamanha repulsa? Que fator tornou tão diferente a morte de Victor? Com alguns segundos de reflexão, ele conseguiu entender.

Escolha. Todas as outras figuras, desde professores, vereadores, até militares… todos eles haviam sido eliminados a partir de ordens superiores. Victor, por outro lado, fora uma escolha propriamente sua.

Independente do quão perigoso aquele homem se mostrasse, mesmo sabendo que ele possuía um Fator B e ligações com o Deus do Abismo, nada além de alguns homens mal treinados eram enviados na vã tentativa de contê-lo. E enquanto isso, por vezes ele quase adquiriu sucesso na captura de Guto.

“Por que eles faziam tanta vista grossa pra esse cara?”, questionou-se, incapaz de encontrar uma resposta.

Um motivo com certeza existia, e, provavelmente, o único que poderia dizê-lo seria Alex.

Com tantas questões em sua mente nessa reta final, decidiu que o melhor seria apenas esquecer o que lhe atrapalhava. Não importava mais o que havia passado, pois estava no presente! O que fez já não poderia ser desfeito, apenas lamentado ou comemorado. E com isso em vista, ele reafirmou para si mesmo: Tudo pela Frieda!

Sim! Isso mesmo! Não havia nada que pudesse impedi-lo de seguir mais adiante nesse momento. Poderiam dizer o que fosse, comentários que envolvessem sua raça, o Instinto Sarmatiano ou suas decisões até o momento, ele sentiu que nada disso poderia abalar seu fraco coração.

Ele era forte? Definitivamente. Sendo um agente de campo, por menos tempo de treino que tivesse recebido, os professores da FESOL garantiriam que ele seria o soldado mais capacitado possível.

Porém, nem todos os soldados criados por essa instituição iriam seguir suas ordens para sempre. Mesmo o mais leal dos cachorros encontrava, às vezes, razão suficiente para contrariar seu dono.

Essa razão estava em Paradise, transbordando daquele par de olhos esmeralda na forma da mais pura determinação. Estava ofegante e confuso devido à viagem extremamente rápida. Chegou a amaldiçoar Yellow novamente, mas Hector sentiu que, de alguma maneira, seu tempo estava mais curto do que esperava.

Era hora da última tentativa de captura, ou melhor dizendo, do embate final entre os principais personagens de ambos os lados daquela moeda enferrujada.

 

 


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