A Maldição da Trindade Brasileira

Autor(a): Felipe Ramos


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 19: Donzela das Chamas

Uma semana se passou desde o dia dos namorados. Toby já estava na noite que precedia sua alta do hospital.

O garoto com sardas caiu no sono, e dentro de seu sonho, ele voltou para o lugar escuro onde tinha visto o porta-voz das suas chamas.

— Você até demorou pra receber as consequências de ter entrado em contato com o poder amaldiçoado, mas uma hora a conta ia chegar. — disse uma voz, que ecoou por aquele escuro eterno.

— Por que você está falando comigo? As minhas chamas me abandonaram de vez, não devo conseguir usar mais o poder delas. — Ele virou, mas não achou nada. — Onde está você?

— Em lugar nenhum, você está sozinho. Assim como vai ficar quando acabar o tal do Torneio. Diferente de você, Blair e Drake são pessoas incríveis e diferentes, que sabem enfrentar seus problemas. Eles já começaram a se afastar, e depois do torneio o laço vai se romper completamente.

— Você sabe que eu sei de tudo isso.

— E sobre a Natsumi? Você a odeia? — exclamou a voz, que fez Toby mudar a direção de seu olhar — Você nem ao menos consegue odiar alguém, quase morreu por causa dela, mas tem tanta essa empatia nojenta que consegue ver o lado dela.

— Ela foi obrigada a fazer aquilo.

— Uma hora,  você vai ser obrigado a aceitar os sentimentos ruins, mas não sobre você, se odiar é algo estúpido que nem ao menos te salvou de sofrer os danos do sangue da maldição.

— O que adianta eu aceitá-los? Minhas chamas não irão voltar.

— Você agora é só uma casca que criou para ser aceito, quando você entender que também tem um lado ruim, você será completo. Se um dia quiser ter as chamas de volta, então trabalhe nisso, ou vai sempre ser um coitado.

— Esse papo de aceitação é tão idiota, como que eu vou me aceitar e isso vai me fazer ficar forte?

— Eu acho que você não me entendeu direito, garoto. Você É fraco, você NÃO vai ficar forte como seus amigos são. — Toby franziu a testa ao ouvir aquilo. — Mas você não é você por completo.

— E como eu posso ser?

— Você sabe a resposta.

Toby despertou no meio da madrugada, assustado. Lágrimas saíram de seus olhos.

— Teve um pesadelo? — perguntou Zane.

— Zane? O que está fazendo aqui? — enxugou as lágrimas, rapidamente.

— Eu sou seu mentor, vim te visitar todos os dias, não entendi a surpresa.

— Não achei que até dormiria aqui. — Olhou para os lados procurando algo. — Geralmente quem dorme aqui comigo é minha mãe.

— Ah, sim. Ela precisou sair pra resolver algo.

— De madrugada?

— Sim. Algo que só ela pode fazer.

No terceiro distrito, no cantar da noite. Naomi Burn batia na porta de uma casa humilde.

— Deixa que eu abro a porta então, pai! 

Natsumi abriu a porta. Ao se deparar com Naomi, a garota entrou em completo estado de choque. 

— Boa noite, Natsumi. Desculpa acordar você e seu pai.

— Só me acordou… Meu pai ainda está dormindo… — respondia sussurrando, com tanto medo que seus olhos ficaram arregalados.

Naomi entrou, Natsumi serviu um café para ela e juntas sentaram na mesa para conversar.

— Então, agora posso falar para o que eu-

— Me desculpa. — Lágrimas começaram a cair dos olhos de Natsumi como se não parassem, era algo que ela estava segurando desde o acontecimento.

— Não é pra mim que você tem que pedir desculpas. Estou aqui a pedidos do seu mentor Harry e do seu pai.

— O quê?

— Estou com uma raiva descomunal de você, mas não posso só vir aqui e descontar em uma garota de quinze anos, embora vontade não me falte — encarou —, mas o problema não é você, sim quem te manipulou, então eu quero conversar com essa pessoa agora.

— De quem você está falando?

— Bertha. Ela era uma antiga amiga de sua mãe e assim como ela está tentando te manipular, e está conseguindo.

— Minha mãe…

— Sim, uma pessoa que tinha ideias ótimas e que foi pega por um ódio que atrapalhou toda a carreira dela. Eu a conheci e fui amiga dela, mas depois de um tempo ela só queria achar um jeito de acabar com o sangue real.

— E depois de matar a rainha e me ver brincando com a Blair, ela se matou.

— É disso o que estou falando. Ela não se matou porque te viu com a Blair, ela só disse isso pra você ter um ódio da princesa. — Naomi conseguiu toda a atenção de Natsumi naquele momento. — Ela achou um jeito de destruir o núcleo do sangue real, e isso ocasionou na morte da rainha, já que não conseguimos viver sem o nosso núcleo.

— Um jeito de destruir o núcleo?

— Sim, ela destruiu o núcleo no momento em que a Blair entrou no quarto. Isso fez a princesa se irritar, despertar a nova versão do núcleo e atacar a sua mãe, que fugiu sem nem pensar em você.

Por isso a Blair não voltou mais naquele dia, pensou Natsumi.

— Por que minha mãe tinha essa fixação com o núcleo do sangue real?

— Simples, é um poder quase que ilimitado, se ele cair nas mãos de um tirano o nosso mundo pode acabar. — Tomou um gole de café. — Mas pra conseguir isso ela precisou fazer experimentos com cobaias que não se conseguia de uma maneira que não seja por assassinatos. 

— Ela fazia experimentos com pessoas?

— Todos os tipos de pessoas, inclusive maldições.

Natsumi ficou chocada.

— Eu estou te contando isso porque de mim é mais fácil pra você ouvir, já que não tem porque eu mentir agora. — Naomi semicerrou os olhos. — Mas pra uma criança deve ser difícil de digerir.

— Criança?

— Você é uma, tem atitudes de uma, então não vou pensar o contrário. E você tem quinze anos, não tem problema em ser infantil, ao menos que quase cause a morte do meu filho.

— A Sra. não quer só entrar em contato com a Bertha, não é?

— Você percebeu direitinho. — Naomi se ajeitou na cadeira. — Você é a princesa dos plebeus, é a pessoa mais forte que nasceu com o poder de pedra e terra. Já deve saber o porquê a grande maioria dos plebeus têm o mesmo poder que você, né?

— Quem tivesse poder de terra e pedra seriam obrigados a gerar filhos e juntos serviriam os nobres, para construir a cidade.

— Sim, então você sabe a responsabilidade que estão colocando em você ao dizer que você é a mais forte, né?

— Completamente. Eles querem que eu os liberte dessas amarras.

— Então eu não quero mais o número secreto da Bertha que só você e outros informantes dela tem, eu quero que você me leve até a casa dela, agora.

— O quê? Mas isso é loucura! Ela vai mandar nos matar e vai conseguir encobrir isso tranquilamente. — exclamou a menina de cabelos castanhos.

— Confia em mim. Vou te mostrar algo sobre esse mundo. — explicou a mulher de sardas.

As duas caminharam escondidas pelo beco do terceiro distrito, tentando entrar no lugar onde a dona do lugar se escondia.

— Não me faça escalar coisas, eu não tenho mais forças, tenho só metade de um núcleo, não se esqueça. — exclamou Naomi, ofegante.

— Certo. Por aqui.

As duas entraram por uma janela baixa, e juntas chegaram até uma porta que dava diretamente para o quarto de Bertha, que estava com um roupão e tomando um vinho enquanto assistia televisão. Rodeada por vasos de plantas.

— Pronto, agora você vai até ela sozinha, qualquer coisa eu entro pra te salvar.

— Você? Me salvar?

— Não duvide de mim. Agora faça isso aqui.

Naomi sussurrou no ouvido de Natsumi e a mandou ir.

Natsumi não entendia a razão, mas sentia uma confiança extrema vinda da mulher de sardas. E assim ela foi.

— Srta. Bertha, boa noite.

— Como entrou aqui? Não mandou um aviso antes por quê? — Se assustou.

— Foi pedido que eu conseguisse que Toby Burn não participasse mais do torneio, mas eu falhei, ele vai participar mesmo debilitado.

— Eu sei muito bem que falhou, o garoto deveria estar morto. Mas até aí não é sua culpa, mas vou jogá-la toda em você. Avise ao seu amigo Ben que ele e você serão desclassificados.

— O quê? Mas eu fiz o que você pediu!

— Eu estava preparando essa surpresa no dia do torneio, mas você quis receber em primeira mão! Hahahahaha.

— Quase matei um amigo meu sem saber e você ainda vai me punir?

— Sim, o que uma plebeia vai fazer?

— Você também é uma!

— ERA! Não ouse me comparar com nojentos como vocês, eu sou uma nobre dona do terceiro distrito agora. — Cruzou as pernas. — A única mulher entre os sete donos!

— Eu vou derrubar vocês, eu juro, você e seu showzinho vão acabar.

— Posso mandar te matar por essa ameaça, mas você é tão insignificante que eu deixarei passar, agora vá embora de volta para sua vida medíocre. Avise ao seu pai que mandei um abraço.

— Entrar em um grupinho seleto de ricos te deixou mais calma sobre o fracasso que você teve em entrar pros guardiões?

— O quê?

— Isso te deixa mais calma? Mesmo que seja um grupo só de velhos nojentos que te usam como uma vitrine ilusória de que os plebeus podem ser algo?

— Cala a porra da boca! — Bertha jogou a taça de vinho em cima de Natsumi, que apenas a impediu de a ferir, com sua proteção de pedra. — Os guardiões fracassaram! Todos estão mortos! Eu estou viva e feliz, sendo a dona do… Meu próprio distrito!

Bertha abriu seus braços e fez com que todas as plantas em volta de sua cama crescessem.

— Você não mudou nada, Bertha. — Naomi entrou no quarto.

— N-Naomi!? Quem te disse que eu estava aqui!?

— Você manipulou uma criança a quase matar o meu filho só porque seu superior mandou? Achou mesmo que isso não teria consequências? 

— Você não tem poder algum, eu posso te matar tranquilamente a hora que eu quiser! — As plantas de Bertha não a respeitaram e acabaram murchando. — O quê? Elas estão com medo? De você?

— Não finja que as plantas que estão com medo, você me conhece muito bem, mas a garota aqui não sabe, poderia falar pra ela? — Naomi inclinou a cabeça na direção de Natsumi.

A garganta de Bertha travou, mas com muito medo ela decidiu falar.

— Os guardiões que são conhecidos hoje em dia, são apenas aprendizes dos antigos, que nunca foram descobertos em suas épocas. Diferente da segunda formação que foi acabada por uma traição, a primeira formação manteve por muito tempo o equilíbrio dos humanos e maldições. 

— E quem sou eu?

— Naomi Burn é… — Bertha hesitou. — Isso é um assunto confidencial, não podemos espalhar isso.

— Eu conto pra quem eu quiser, e eu quero que ela saiba.

— Naomi Burn foi a Guardiã do fogo da primeira formação. Ela era conhecida como a donzela das chamas.

Natsumi arregalou seus olhos.

— E por que vocês não podem contar?

— Por ser uma guardiã da primeira formação, Naomi sabe de segredos importantes que o mundo não está preparado para saber, após ela sair da primeira formação dos guardiões para ter seu filho junto de seu marido, ela fez um acordo com o rei e futuramente ameaçou a assembleia, que se dessem uma vida digna pra família dela, ela não contaria.

— E vocês tentaram matar o meu filho, minha vontade é de acabar com tudo e contar as coisas, mas pra sorte de vocês, o meu filho está vivo e vai participar da merda do torneio. — Apontou para a menina. — Ela e a equipe inteira dela também irão participar.

— Certo, não vou mais impedir.

— Uau, ela aceita tudo o que você fala como se fosse uma cachorrinha. — exclamou Natsumi.

— Legal, né? Agora vamos embora.

— Sua hora vai chegar, Naomi. O dia em que nós vamos conseguir se livrar de você está chegando! — gritou Bertha, com muito ódio.

Naomi andou até ficar bem perto de Bertha.

— Estou ansiosa pelo dia — sussurrou no ouvido de Bertha, quando se afastou um pouco, acertou um soco em cheio no rosto da dona do distrito, que a jogou contra a parede e a nocauteou.

ELA É INCRÍVEL!, pensou Natsumi.

Voltando para casa, Natsumi estava muito empolgada para dizer algo, mas com vergonha ao mesmo tempo.

— Desembucha. — disse Naomi.

— Isso foi demais! Mas como você pode ser tão segura de que eles não vão te matar?

— Eles são fracos e medrosos, um dia talvez tenham coragem de me matar de verdade, mas não vai ser por agora. Para nobres de merda como eles, a imagem é tudo.

— Então por que não conta a verdade e acaba com tudo?

— A verdade não pode ser exposta agora, não estamos em um momento de urgência. — A mulher com sardas parou de frente para Natsumi e colocou a mão no seu ombro. — Eu torço para que um dia vocês consigam expor essa verdade, e assim acabar com eles, mas vocês ainda não estão prontos.

— Você vai contar pra gente?

— Vão descobrir sozinhos, mas terão que ser fortes pra aguentar o tranco, estou confiando em vocês.

— Por que a gente? 

— Eu confiei tudo na segunda formação dos guardiões, não acho que eles estão mortos e nem que deram errado. Mas agora eu quero confiar em vocês, afinal, ver o meu filho ajudando nisso, vai ser incrível.

— Você acha que ele vai conseguir usar os poderes de novo?

— Ele vai conseguir, se com as chamas ou não, isso não importa, eu confio que ele vai conseguir.

— Eu quero pedir desculpas pra ele, mas não agora, tenho que ter um momento certo pra pedir.

— Nas finais do torneio, você pode pedir. Sei que os dois estarão lá.

Natsumi olhou com brilho em seus olhos, ela tinha descoberto muito sobre tudo naquele mundo naquele dia, mas o mais importante de tudo, ela agora sentia que tinha um primeiro objetivo para libertar os plebeus. Derrubar a assembleia.



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