Volume 1 – Arco 1

Capítulo 1: Sete Distritos

Cinco anos se passaram após o incêndio no galpão. 

Um garoto estava sentado em sua cama, ele olhava atentamente para um colar. Ao observar aquele pedaço de metal, via no reflexo sua pele marrom, seu cabelo curto e seus óculos. Após ver sua própria imagem naquele objeto, pensamentos indesejáveis entraram sem licença em sua mente.

— Drake! Toby já está na porta te esperando! — gritou a mãe do garoto, de outro cômodo.

— Certo, mãe, estou indo. — Ele botou o colar por dentro da camiseta e andou até a porta.

Em outro distrito, naquela mesma cidade, Blair estava dormindo debaixo de duas cobertas, ela ouviu sua mentora a chamar como se fosse apenas um sussurro abafado. Quando levantou as cobertas, sentiu o vento gelado batendo em seu corpo e rapidamente desistiu, se cobriu de novo e ignorou o chamado.

— Senhorita, acorde. Toby e Drake já devem estar para chegar  — alertou a mulher, que continuou sendo ignorada, até ela desistir e sair do quarto.

Uma hora se passou, o brilho do sol já começava a entrar no quarto pelas frestas da janela. Um grito que chamava repetidamente o nome de Blair ecoou vindo da porta, foi tão alto que, mesmo debaixo das cobertas, a despertou.

Ela tomou coragem e levantou. Enquanto se vestia, ouviu um som de um soco vindo da porta e o grito parou, ela sorriu e foi até a porta, onde avistou sua tutora dando bronca em Toby, escondido atrás de Drake, que apenas levantou as mãos implorando para Helena não fazer nada.

— Temos uma campainha do lado da porta! Acabamos de nos mudar, se a senhorita cair mais um distrito e a culpa for sua, eu te mato! — Ela estava com um olhar penetrante e assustador para Toby, que se curvou não parava de repetir desculpas com as mãos coladas.

A princesa foi até sua tutora, colocou a mão no seu ombro para acalmá-la e sorriu.

— Está tudo bem Helena — articulou a princesa. Ela virou e foi em direção aos armários. — Eu só vou comer uma coisinha e-

Ela olhou o relógio pendurado na parede e se assustou ao perceber que estava atrasada. Se desesperou e correu para fora de casa, pegou os garotos pela gola no caminho e os arrastou junto. 

Toby acenou e gritou bem alto dando adeus para Helena. A mentora apontou para ele e passou o dedão no pescoço simulando um corte, o garoto engoliu seco espantado.

Durante o caminho, os meninos se impressionaram com a quantidade de prédios naquele distrito, com uma variedade de formas e jeitos, Toby ficou admirando o brilho cintilante do sol refletindo em um prédio de vidro. As ruas eram sempre limpas, com carros modernos e coloridos. Blair apenas os julgava, pois não achava nada demais naquilo.

Quando chegaram ao seu destino, os dois meninos animados continuaram impressionados, olharam como era bonito o carpete vermelho revestido no chão do hall de entrada, e tiravam selfies com os guardas engraçados, pois tinham caras inexpressivas e roupas vermelhas chamativas.

Blair decidiu pegar os documentos dos dois e ir sozinha até o balcão de atendimento.

— Olá, eu gostaria de me inscrever pro Exame Anual. — Blair coloca o documento dos três na mesa da atendente.

— Princesa! Certo, farei as inscrições, só um momento. — A atendente começou a digitar — Pode me dar agora as cartas de recomendações?

A frase da atendente deixou até os dois meninos distantes do balcão confusos, eles nunca haviam ouvido sobre essas cartas. A feição confusa dos três se olhando foi tão clara que a moça decidiu explicar.

— Vocês precisam trazer cartas de mentores os recomendando para o Exame. — disse a moça sorrindo para a princesa.

— E como podemos conseguir isso? 

— Para você deve ser fácil, princesa. A senhorita Helena pode te recomendar. — A mulher sorriu para a princesa, mas quando virou para os garotos mudou para uma feição de desprezo. — Agora para os plebeus, eles podem fazer boas ações pela cidade, tem mentores para os observar por toda cidade. Não que esses dois possam fazer alguma coisa.

— Olha aqui sua-

Os dois são novamente pegos por Blair e arrastados para fora do estabelecimento. 

Eles conversaram e decidiram procurar por pessoas precisando de ajuda pelo Sexto Distrito, pois a ruiva queria ser recomendada por méritos e não contatos. 

Andaram por uma hora debaixo do sol de meio dia da cidade e nenhuma oportunidade apareceu. Eles começaram a questionar a explicação da atendente, até que Toby apontou para um mapa em uma placa na calçada onde tinha uma frase escrita “Aqui no Sexto Distrito tudo é perfeito!”.

— O Sexto Distrito é o segundo mais rico da cidade de Solária. Aqui é tudo limpo e perfeitinho por causa dos nobres. — explicou a princesa.

— Sim, também pensei nisso. O Primeiro distrito é o mais pobre e o Sétimo o mais rico, a ordem dos sete distritos é pelo capital de cada um — dissertou o garoto com sardas enquanto apontava para o mapa.

— Então vamos pro primeiro? — Arrumou os óculos.

— Helena não deixaria eu pisar lá… Se ela descobrisse estaríamos com problemas. — contou Blair. Os meninos tiveram calafrios apenas de imaginar Helena furiosa com eles. — Vamos rápido então, vamos pegar o próximo ônibus para o Primeiro.

Os garotos, assustados com a facilidade que Blair aceitou contrariar Helena e horrorizados com a possibilidade de ver a mentora furiosa, apenas foram quietos e com medo durante a viagem de ônibus do Sexto ao Primeiro Distrito. 

Blair notou como conforme mais o ônibus andava, mais feias e mal cuidadas as coisas iam ficando, os prédios de vidro não apareciam mais, agora eram prédios abandonados pichados e logo depois não haviam mais prédios, apenas barzinhos de esquina aos cacos. Toby e Drake não se surpreenderam pois moravam em distritos inferiores e já estavam acostumados. 

Quando a princesa olhou ao redor de sua cadeira, percebeu que todos os passageiros estavam a encarando.

Após uma hora e meia de viagem, eles chegaram ao Primeiro Distrito. Um cheiro ruim de esgoto dominava todo o terminal de ônibus. Drake vomitou em uma lata de lixo assim que saiu.

— Você não aguentou o cheiro, é? — perguntou Blair, que se sentia desconfortável com os olhares vindo de todas as direções.

— Não, ele mora no Segundo Distrito, não é tão diferente daqui… — Toby percebeu os olhares em direção à ruiva.

— Ônibus me deixa enjoado, a gente deveria ter vindo de trem — exclamou Drake, com sua voz ecoando de dentro de uma lixeira enquanto vomitava mais.

— Os trens pararam de funcionar tem anos, essa nova assembleia que assumiu após o meu pai fechou as estações.

— Por isso o Toby sempre me forçou a andar de ônibus. — Drake não se aguentou e vomitou de novo.

Enquanto os dois conversavam, Toby foi silenciosamente até uma barraca de camelô. Ao voltar, ele chegou perto da princesa e colocou uma touca nela. 

— Se os seus cabelos ruivos não forem vistos, aquelas pessoas não vão te reconhecer facilmente. 

Quando Drake melhorou, eles decidiram se separar e começaram a procurar pessoas precisando de ajuda.

O garoto de óculos caminhava devagar, pois ainda estava um pouco fraco de tanto vomitar. Do outro lado da rua ele avistou dois homens em uma moto, um adulto e um adolescente assaltando uma mulher. Ele correu e ficou entre a moça e os bandidos.

— Deixem ela em paz! — gritou ele, um pouco sem fôlego, enquanto arrumava seus óculos.

—  O quê? Quem é você? — O homem e o adolescente desceram da moto. — O Primeiro Distrito só tem adultos!

Drake estranhou a última frase do adulto.

— Irmão, ele parece ter quase a minha idade, é minha chance de te mostrar que sou forte! — O adolescente entrou em pose de luta.

A mulher que estava sendo assaltada fugiu. Drake percebeu que teria que se defender, ele tentou pegar algo em suas costas, mas quando notou que não tinha nada, perdeu suas forças e caiu sentado no chão.

— É agora caçula! Espanca ele!

O garoto chutou Drake no chão, até que viu o colar dele e tentou pegá-lo, mas o menino de óculos se deitou em cima do colar para protegê-lo. O bandido menor continuou a chutar o garoto no chão.

— Ele tem um colar bonito irmãozão! Vou pegá-lo pra voc-

Toby apareceu e acertou um soco de direita em cheio o rosto do adolescente e o nocauteou na hora.

— Drake, você tá bem? 

Drake apenas levantou sua mão fazendo um sinal de positivo. Toby se irritou com o estado fraco de seu amigo e virou para o adulto, que tentava acordar seu irmão caçula.

— Seu covarde de merda. Vem pra cima, grandão! 

O garoto de sardas fez um sinal o chamando e o homem levantou com ódio em seu rosto e se aproximou. 

A cada passo que o deixava mais próximo, Toby se assustava mais com o tamanho do homem, ele se encolhia mais a cada instante. Sua barriga começou a doer como se o estômago estivesse queimando. 

— Vou te espancar pelo que você fez com o meu irmão, seu baixinho sardento! — O bandido preparou o soco. 

Toby fechou os olhos e apenas esperou sofrer o impacto do soco, mas alguns segundos se passaram e o impacto ainda não tinha acontecido. Quando abriu novamente os olhos, viu Blair segurando o soco do homem grande apenas com um braço, ela entortava mais o braço do bandido a cada momento.

— Some, verme. — Ela apenas o encarava com seus olhos amarelos, que brilhavam.

O homem pegou seu irmão caçula, subiu na moto e fugiu.

— Estava tudo sobre controle, não precisava ajudar. — O garoto das sardas vira o rosto, fazendo bico.

— Estava nada, já estava com a dor de barriga de sempre, hahaha! 

Essa cena já se repetiu tantas vezes que seria um déjà vu eu falar que tive um déjà vu com isso, pensou o garoto arrumando seus óculos, com um sorriso tímido no rosto.

— Muito obrigado — disse a mulher que havia fugido — Sou muito grata, de coração.

Blair e Drake sorriram para a moça que chorava ao agradecer, mas aquela cena marcou mesmo a Toby, que sentia seu coração quente com o agradecimento, seus olhos brilhavam como estrelas em uma noite de verão.

— Me chamo Paula, sou balconista em uma loja do comércio do distrito.

— Nós somos estudantes recém formados, estamos aqui pra conseguir nossas cartas de recomendação. —  Blair sorri para a moça e os garotos se apresentam. Quando a princesa se apresentou, ela usou outro nome para não causar euforia.

— Bem que eu estranhei três crianças aqui, não existem crianças neste distrito… — contou a mulher.

— O homem que estava te assaltando me falou a mesma coisa… — Drake olhou e para todos os lados que ele olhava, cartazes de crianças desaparecidas estavam colados. — Esses cartazes também, qual a razão?

— Existe uma lenda. — Quando a mulher falou essa frase, ela ganhou a atenção completa dos garotos. — Todas as crianças neste distrito são levadas por uma velhinha, mas nunca se sabe para onde. Apenas que é uma velhinha bem estranha, que só aparece ao anoitecer.

Os dois meninos começam a ficar bem assustados, enquanto Blair também ouve atentamente, como se estivesse muito interessada naquela história.

Boo!

Drake e Toby gritam de medo com o susto que a moça os deu, Blair apenas se desapontou.

— Aqui é um lugar comercial bocós! Só adultos que trabalham duro pisam aqui!

— E como isso explica as crianças desaparecidas? — perguntou Blair.

— Err, eu não faço ideia… — A moça ficou sem graça — Mas se vocês quiserem, tem mais pessoas precisando de ajuda, posso ajudar vocês a conseguir essa carta — explicou a mulher.

Os três se animaram novamente e foram ajudar as pessoas do comércio. Dessa vez, a situação foi completamente diferente em relação ao Sexto Distrito, aqui em todos os cantos tinham pessoas precisando de ajuda, seja para limpar lugares, entregar panfletos ou carregar coisas. Eles tiraram a tarde para ajudar as pessoas. A barriga de Blair roncava, pois nem café da manhã havia tomado. 

O pôr do sol chegou, o trio já estava cansado de tanto trabalhar. Blair comprou alguns biscoitos na última loja que ajudaram.

— Isso vai servir pra me encher até eu chegar no Sexto de novo. — Blair comeu muito rápido, parecia que ela nem mastigava, os garotos ficaram olhando chocados com aquilo. — Uma pena ninguém ter aparecido pra nos recomendar.

— Espero que alguém tenha nos observado, fazer isso todo dia não vai ser fácil. — disse Toby.

— Trabalhar tanto me deu até calor. — Blair tirou a touca.

— Espera! — Toby olhou um lugar aberto com três caixas na entrada. — Ali! Nosso último trabalho!

Com muito esforço, ele conseguiu convencer seus amigos de carregar as caixas para o porão, coisa que já haviam feito naquele dia. Um homem de branco observou os três entrando no estabelecimento.

— Certo, agora é só esperar o dono cheg-

— Quem são vocês? Por que colocaram pra dentro as caixas que nós levamos pra fora? — gritou um homem furioso.

Drake e Blair olharam com um olhar de raiva para Toby, que devolvia com um sorriso falso de vergonha.

Dois homens adultos de uniforme apareceram, aproximaram suas mãos da cintura e se prepararam para sacar as espadas que carregavam.



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