Volume 1 – Arco 1

Prólogo: Chamas da Revolta

Em um entardecer alaranjado, um garoto com sardas e sua amiga de cabelos ruivos chegaram a um evento.

— O herói enviado pelos deuses da Trindade para nos salvar dos ataques das bestas está aqui! — gritou um homem no palco, o público o ovacionou.

— Ele parece um metido —  disse o garoto de sardas.

— E ele é mesmo, é um prodígio da Nobreza. — A ruiva concordou com a cabeça.

— Então por que me trouxe aqui?

— Pra tentar te fazer sair um pouco, ou quer continuar desanimado assim? — disse a menina, franzindo a testa. Deixando o garoto sem graça.

Após o som dos aplausos se dissiparem, certas conversas entre as pessoas chamaram a atenção dos garotos. Eles escutaram que aquele herói era o mais apto a substituir o Rei, que adoeceu. Isso irritou a garota, que puxou o menino com sardas para atrás do palco.

— Calma, isso era verdade? — O garoto com sardas tentou fazer contato visual, mas a ruiva desviou, como se estivesse preocupada com algo.

— Eu vou ver isso agora. — Ela acenou de trás do palco para o herói.

O herói os viu e foi cumprimentá-los. A menina com a testa franzida de raiva e o garoto com vergonha.

— Olá, garotos. — disse o herói, com um grande sorriso no rosto.

— Olá... E-eu sou Toby… Toby Burn — disse ele, pego desprevenido, ainda mais envergonhado.

— Eu sei quem você é, sinto muito pelo que aconteceu com o seu pai, eu o conheci, ele era um grande homem... — O herói abaixou o rosto e ficou com um olhar perdido.

Toby se impressionou.

— Abel, que história é essa de você ser o Rei provisório quando meu pai morrer? — perguntou a garota com um olhar raivoso.

— Ah, eu nem te vi aqui, Princesa Blair. — O homem virou para ela e disse: — Isso são só rumores, não ligue pra isso. E se acontecer, eu vou só preparar tudo pra quando você tiver a idade para assumir.

— Olha aqui, você não ouse-

— Agora vamos festejar! O problema das bestas acabou! — interrompeu Abel, que abraçou os dois pelo ombro.

O herói levou os dois garotos para a festa. Toby se sentiu mais calmo, pois alguém importante reconheceu o seu falecido pai, e ainda o motivou, foi a primeira vez que ele se sentiu bem desde a perda.

O anoitecer chegou, Toby esperava Blair voltar com mais comida, até que um homem de cabelos longos e cinzas o chamou e explicou que precisava de ajuda em um galpão próximo dali, e pediu que o garoto com sardas pedisse para Abel que fosse para o galpão resolver.

O garoto explicou o ocorrido para Abel, que já estava um pouco bêbado, e juntos foram até o galpão.

Quando eles abriram a porta e entraram, perceberam um breu, com janelas apenas em locais muito altos e várias prateleiras de caixas. Isso já assustou o menino e deixou Abel em alerta. Mas o herói exclamou:

— Vamos conversar um pouco, até acharmos a luz, assim não nos sentiremos sozinhos nessa escuridão.

— Certo... Queria agradecer por mais cedo, você é uma pessoa muito atenciosa para um Nobre. — murmurou o menino, cruzando os braços e os esfregando, sentindo um vento gelado.

— Obrigado, como futuro Rei eu tenho que cuidar bem das pessoas do meu país.

— Então você vai mesmo ser o Rei? 

— Sim, hahaha! Mas não conte para Blair, ela não gosta muito de mim. Aqui, achei a luz. 

Abel acendeu a luz do galpão, que apagou logo em seguida, o som das portas trancando foram ouvidos.

— Quê? — Toby num tom de voz alto e assustado.

— Fala baixo, vai dar tudo certo, eu lembro onde é a porta.

O som de uma respiração ofegante foi ouvido.

— Isso não é você, né? — perguntou Abel.

As luzes começaram a piscar e uma Besta de três metros, sem olhos e com vários dentes enormes em sua grande boca rugiu à procura dos dois. Toby se assustou e ficou parado em choque.

— Se acalme, você consegue ver aquelas caixas? — sussurrou o Herói.

— S-sim — cochichou, tremendo.

— Vá até elas e as derrube — murmurou Abel, com os olhos arregalados.

— Assim ela não vai vir na minha direção? — O garoto continuou tremendo.

— Sim, mas só eu tenho força pra quebrar essa tranca da porta, e vai fazer barulho então se você chamar atenção eu consigo. — O herói empurrou o menino.

— Mas eu não sei se consigo fugir dela. — Toby começou a olhar para todos os lados ao mesmo tempo, procurando uma solução que ele não achava.

— Você consegue. — O homem franziu a testa e fechou o punho.

— Mas... 

— Mas nada, porra! Se você morrer não vai mudar nada, se eu morrer a cidade perde um herói e um futuro Rei, agora se coloque em seu lugar e vá até aquelas merdas de caixas chamar atenção. — sussurrou de forma ofensiva Abel, com um olhar ameaçador e bafo de cerveja.

Se eu errar… A cidade vai perder um herói por minha culpa, pensou Toby.

Seu desespero aumentou, mas a grande pressão feita entrou como um comando em sua mente que seu corpo aceitou e andou praticamente sozinho, e assim ele foi até as caixas, as derrubou e chamou a atenção da besta que correu derrubando várias prateleiras no caminho. O menino pegou uma das caixas e se escondeu dentro.

O Nobre conseguiu quebrar a tranca e fez um grande barulho, mas ele sorriu e abriu a porta para fugir.

— Desculpa garoto, o seu sacrifício também foi necessário.

Ele se deparou com algo bloqueando a entrada e não conseguiu sair, a besta chegou desenfreada, abocanhou seu braço e bateu direto na parede.

— Toby! Faça mais barulho agora antes que ela me mate! Que merda! — disse, enquanto tentava segurar a besta com seu outro braço.

Toby apenas observou assustado de dentro da caixa, por uma fresta.

— Vai logo, merda, não vou conseguir segurar isso muito tempo, lembra que eu sou o futuro Rei! — A Besta mastigou o braço de Abel — Aaarghh!

Toby lembrou das frases que seu pai lhe contou quando ele estava prestes a falecer.

— Quando uma besta entrou no lugar em que eu estava, todos os homens tentaram atacá-la, para proteger as mulheres e as crianças lá, menos um. Tinha um nobre que se recusou a atacar, falou que a vida dele importava mais. Quando todos nós estávamos quase morrendo, os policiais apareceram e mataram a besta, só ele saiu de carro com a polícia, enquanto nós que estávamos tentando fazer algo ficamos lá agonizando.

— Isso é muito injusto! Sua vida é mais importante que a daquele merda! — gritou Toby, aos prantos.

— Por isso viva, filho. — O pai segurou a mão da criança. — Suas mãos são quentes, enquanto correr sangue pelo seu corpo, aproveite a vida, não deixe ninguém diminuir sua existência, pois ela sempre importará para alguém.

A Besta arrancou um dos braços de Abel, que jorrava muito sangue, assustado, ele tentou afastá-la com os pés, mas ela os abocanhou.

Toby fechou seu punho e observou com os olhos arregalados. Ele não sabia se estava tremendo de ódio ou de medo, apenas sentia seu corpo esquentar. Muitas coisas passaram pela mente dele, mas em nenhum momento passou pela sua mente salvar o Nobre, o que o fazia se sentir culpado por isso, mas sabia que não conseguiria ajudar, apenas também seria devorado. Em meio a vários pensamentos conflitantes seu corpo suou demasiadamente, calafrios começaram acontecer, e quando colocou as mãos em sua testa, viu que estava febril.

— A minha vida realmente vale mais que a sua! Você acha que vai o que? Virar um herói igual eu do nada? Você é um plebeu de merda! Vai morrer de algum jeito patético igual o seu pai! — esbravejou Abel, a cada palavra que saia era como se rasgasse sua garganta, com todo o desespero que sentia.

A Besta mastigava lentamente cada parte do corpo de Abel. Toby passou a noite apenas assistindo aquilo, enquanto a febre de seu corpo apenas aumentava rapidamente. Até que uma hora, ele desmaiou.

O garoto com sardas acordou num hospital, com sua mãe e Blair com lágrimas em seus olhos. Enquanto olhava para o vazio, ele explicou que estava bem e feliz de poder vê-las novamente. Após um grande abraço, Toby explicou tudo o que havia acontecido, as palavras proferidas por Abel e a besta sem olhos, mas ele ainda demonstrava estar muito traumatizado com tudo o que ocorreu.

— Eu não deveria ter te deixado sozinho, me perdoe. — disse Blair, com os olhos vermelhos e inchados de tanto chorar.

— Eu fiquei vivo, isso que importa. — Ele olhou para Blair com sua testa franzida. — Vou mostrar pro mundo que eu ter saído vivo foi a melhor coisa que poderia ter acontecido.

Blair ficou impressionada com a determinação de seu amigo, ela se preocupou, mas como foi a primeira vez que ele conseguiu fazer contato visual após o acontecido, ela apenas concordou com a cabeça.

— Filho, você não se lembra do que causou o incêndio que matou a Besta no galpão? — perguntou a mãe, assustada.

— Incêndio? —  Toby se assustou e tentou lembrar, enquanto encarava suas mãos.

Na porta da cidade, o homem de cabelos longos cinzas se preparava para fugir, mas antes ele ouviu policiais conversando sobre o incêndio no galpão e que apenas uma criança havia sobrevivido, o homem se surpreendeu e abriu um sorriso falso, ele lembrou um homem  que prestes a falecer o falou:

— Um dia as pessoas irão se cansar dos falsos heróis, e assim as chamas da revolta queimarão, essa é a maldição da Trindade.

— Você sabe que é por isso que escolhi meu caminho, Davi. Mas não é assim que funciona. — respondeu o homem de cabelos cinzas, com um sorriso falso em seu rosto.

— Um dia você verá, e vai ser o começo do seu fim, Excalibur. — exclamou Davi.

Irritado com a ousadia, o homem de cabelos longos e cinzas saiu da sala com um braço meio levantado como sinal de adeus. Quando se afastou, ele ouviu de longe uma criança entrando aos prantos no mesmo quarto.

— Pai! — gritou a criança.

— Que bom que você veio, Toby — respondeu Davi.

O homem voltou de suas lembranças.

— Mesmo morto, você ainda me irrita… — sussurrou o homem, enquanto ia embora com um sorriso no rosto.



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