Volume 5
Capítulo 1: As Qualidades de um Wiseman*
*¹
Parte 1
Raishin foi liberado bem tarde da noite.
Surpreendentemente, ele deixou o prédio— a residência oficial do Diretor da Academia, e foi em direção ao jardim da frente com uma expressão sombria.
Sua parceira o esperava do lado de fora da residência oficial, parada em frente ao resistente portão de ferro.
— Ah, Raishin!
— Yaya!
Ambos gritaram ao mesmo tempo. Raishin correu até Yaya, ignorando seu cansaço.
— Você está bem? Eles não fizeram nada de ruim com você?
— A Yaya está bem. No máximo, o inspetor fez uma magia de escaneamento circular por meu corpo. E Raishin…
— Eu estou bem. Foi apenas um interrogatório—
— Aquela mulher feroz com o sabre fez coisas lascivas com você?
— Ela não fez! No máximo, ela ficou me pressionando para—
Yaya, que sofreu um choque, endureceu.
— …Bom, desculpe. E eu até cheguei a pensar que ainda havia algo a aprender. Honestamente.
Yaya tentou retornar à residência oficial enquanto tremia.
— Ei… Yaya? Onde você vai?
— Ufufu… a Yaya não vai a lugar algum. Aquela mulher enganadora é quem vai ir para o inferno.
— Pare! Finalmente fomos liberados, então não cause problemas!
Ele deteve Yaya, segurando seus dois braços. Enquanto era arrastado por mais cinco metros, Raishin pensou na investigação de hoje.
— Eu odeio ter que lidar com problemas.
Essas foram as primeiras palavras ditas por Avril— a secretária do Diretor da Academia.
A sala de visitas da residência oficial do Diretor da Academia. Aparentemente, a investigação seria feita naquele local. O tratamento seria bom ou ruim? O sofá era da melhor qualidade possível e um chá perfumado tinha sido servido.
Entretanto, a entrada estava reforçada com seguranças e autômatos, e correntes com um selo mágico foram presas em seus pulsos. A única liberdade que ele estava tendo era poder beber o chá preto. Raishin riu ironicamente e respondeu como se estivesse zombando daquelas palavras.
— Que coincidência. Eu também odeio problemas.
— Eu odeio ter que cuidar de crianças e velhotes.
— Eu tenho a mesma opinião ah, por velhotes você está se referindo ao Diretor da Academia?
— Portanto, eu vou ir direto ao ponto e perguntar a você. Akabane Raishin, você é o [Assassino de Marionetes]?
O olhar de Avril o perfurou. O julgamento dela era tão pesado que chegava a causar dor.
— …[Assassino de Marionetes]? O que quer dizer com isso?
— Eu é que faço as perguntas aqui.
A voz dela ficou aguda. Embora ela não tivesse realmente erguido a voz, Raishin sentiu uma natureza tão afiada quanto uma espada sendo pressionada contra ele. Ela era claramente uma mulher assustadora. Raishin se virou e ficou em silêncio.
Ela iria agir dessa forma, então ele faria as coisas do seu jeito. Ele a faria perder tempo se mantendo em silêncio.
— Ora, ora… é por isso que eu odeio pirralhos. Muito bem, eu vou te contar.
Avril suspirou e fez uma simples e inesperada concessão.
Em seguida, ela ruidosamente espalhou uma série de documentos sobre a mesa. Currículos… não, pareciam registros. Departamento, curso e notas estavam anotados, acompanhados de retratos de garotos e garotas. E—
——Os números 73°, 72°, 70°, 69°, 68°, 66°… na sequência.
Alguns números estavam ausentes, mas ele facilmente adivinhou que aquelas eram entradas de participantes da Festa Noturna. A lista ia do 73° ao 55°.
Quando Raishin olhou com mais atenção, notou que os números 71 e 67— os registros das duas pessoas que tinham sido derrotadas por Frey— não estavam lá.
— Essa não é uma lista daqueles que desistiram? Mas o número 55 nem chegou a participar ainda, certo?
— Hou, você não é totalmente estúpido, hein. Sim, esta é uma lista de desistentes. Aqueles acima do número 61 ainda não foram revelados.
— Por que você está mostrando isso para mim? Por que essas pessoas desistiram? Não importa o quão assustadores possam ser a Frey e o Loki, esse número é simplesmente estranho demais.
— Por que eles desistiram, você pergunta? Você já sabe a resposta para isso, não sabe?
— …Você mencionou um Assassino de Marionetes. Isso quer dizer que eles tiveram seus autômatos destruídos?
Avril olhou fixamente para Raishin, mas no fim, ela desviou os olhos como se já tivesse visto o bastante.
— Esse cara é inocente. Soltem-no.
— Hã? Espere um pouco! O que significa isso?
— Eu disse que odeio ter que lidar com crianças. Desapareça logo!
Um dos seguranças removeu as correntes. No entanto, Raishin estava insatisfeito.
Ele bateu na mesa com os pés e disse com um tom de voz gélido.
— Não brinque comigo. Você me prende por vontade própria e depois me solta sem sequer uma explicação?
Naquele momento, o sabre de Avril brilhou.
Ela realmente não tinha intenção de esfaqueá-lo. Sendo assim, a ponta da espada apenas roçou na bochecha de Raishin.
Raishin continuou olhando intensamente para Avril sem pestanejar— Ele viu através do movimento de esgrima dela. Avril ficou impressionada, mas o xingou ainda assim.
— Humm… você é um pirralho de merda extremamente desagradável.
— Você diz isso, mas não é tão diferente de mim. Comparado ao Diretor da Academia, você ainda é uma jovem garota.
De repente, as bochechas de Avril coraram.
— Não brinque comigo desse jeito!
Raishin estava pasmo. Ela estava envergonhada agora?
— A investigação continua. Prendam-no.
— O quê!? Ei, o que—
Suas mãos agora estavam presas atrás de suas costas. Sua liberdade para tomar chá preto havia desaparecido.
— Se você quer tanto saber, eu irei te contar. No entanto, se você revelar isso para mais alguém, eu não poderei garantir sua sobrevivência. Ultimamente meu sabre tem chorado durante a noite.
— Não é você que está com sede de sangue!?
— Ele faz com que os autômatos funcionem mal.
— …Hum?
— Aquele canalha ou monstro que está rondando a Academia.
E então, Avril falou. Não sobre o [Assassino de Marionetes]
Mas sim sobre um inimigo muito mais aterrorizante.
Isso foi algumas horas atrás. Avril então deixou a sala de visitas e não voltou mais. Após ter sido deixado sozinho por sabe-se lá quanto tempo, ele foi liberado ainda sem saber de nada. Que conversa terrível. Yaya estava indignada, e olhava para o alto com olhos tão sombrios quanto um pântano.
— O Raishin… está pensando naquela mulher com o sabre…
— …Como sempre, sua percepção é desperdiçada.
— Quando se trata do Raishin, eu vejo através de tudo… ufufu.
Isso foi assustador. Terrivelmente assustador.
Eles seguiram depressa em direção à rua principal tarde da noite, nem um pouco afetados por ela.
Em pouco tempo, eles chegaram ao prédio da Universidade de Medicina. Eles entraram no prédio da escola com passos furtivos, e quando chegaram a entrada, uma silhueta feminina subitamente surgiu na escuridão.
Quem estava ali era uma jovem garota com uma aura límpida e arrumada, vestida com um quimono azul.
— Irori…?
Parte 2
Fosse devido à lâmpada na mão, semelhante à luz de um vaga-lume ou a alguma outra razão, Irori parecia mais alegre que o habitual. Ela estava tão bonita que a respiração de Raishin falhou por um momento.
Irori pigarreou uma vez e com uma voz calma.
— Co-co-co-co-como está sua condição, Ra-Ra-Ra-Raishin-dono?
Ela disse, gaguejando terrivelmente.
Do que ela está consciente? Ela nem sequer tentou fazer contato visual.
Raishin inclinou a cabeça em perplexidade, e Yaya adivinhou alguma coisa.
— Nee-sama… não me diga… não me diga!
— I-i-i-isso é uma mal-entendido, Yaya. Na-na-na-não diga algo tolo, i-i-i-isso é apenas uma incumbência.
— I-i-i-isso não é nada tolo! Para a Yaya, essa é uma proposição su-su-su-suprema!
Raishin empurrou Yaya para o lado e se colocou diante de Irori.
— Qual é o problema, Irori? Você certamente não veio me visitar e ver como eu estou, certo?
— Sa-sa-sa-sabe, eu sou uma mensageira da minha mestra, então é apenas natural.
— Shouko-san? E quanto a Komurasaki?
Entrar em contato com a Shouko era basicamente o papel da Komurasaki.
Irori ficou alarmada e agitou o ar com as duas mãos, completamente em pânico.
— Não, sabe, eu nunca disse a ela que queria ser a mensageira.
— Nee-sama… como eu pensava…!
Ela desviou o rosto como se estivesse fingindo ignorância. Uma estranha tensão voou entre as irmãs.
— Aquilo não fazia sentido.
Raishin pensou por algum tempo e, no fim, decidiu apenas ignorá-las.
— De qualquer forma, você é a mensageira da Shouko-san, não é? Nesse caso, o que a Shouko-san quer?
— Raishin-dono, entre em contato com o alvo, por favor. O alvo é a Professora Eliade, do Departamento de Engenharia da Academia.
— Uma professora da Academia?
— Os militares estão investigando o que a professora está pesquisando por baixo dos panos. Raishin-dono vai ter que atrair a atenção da professora.
— Sério? E o quanto isso vai ser perigoso?
— A professora é uma especialista na construção de autômatos. Ele certamente terá seus próprios autômatos para garantir sua segurança. E também, no pior dos cenários, o Raishin-dono pode acabar sendo expulso da Academia por suspeitas de espio—
— Eu não tenho motivos para recusar, e não tenho esse direito, para começo de conversa, não é? Tudo bem, eu entendi, vou fazer isso.
— Raishin!
A voz de Yaya saiu um pouco estridente.
— Está tudo bem. Consegui arrecadar dinheiro para minhas despesas escolares e cobrir meus gastos durante minha estadia aqui tudo graças a esta grande causa chamada espionagem. Se eu reclamar agora e começar a mostrar um comportamento rebelde, eu posso até mesmo colocar em risco a posição da Shouko-san. Isso é algo que você também pode compreender, não é?
Yaya baixou a cabeça de forma desanimada e recuou.
Lágrimas escorreram lentamente pelo canto de seus olhos. Ela estava profundamente preocupada com Raishin.
Sim, ele estava grato pela simpatia dela, entretanto, ele não sabia dizer o que ela estava sentindo.
— Vamos seguir para uma história concreta. Quando, onde e o que devo fazer?
— Contacte a professora por volta do meio dia de amanhã— hoje, na verdade.
— O que conseguir dela?
— A Mestra disse “Ser convidado para um chá”.
— …A dificuldade aumentou, não é?
— Nesse meio tempo, a Komurasaki e o Departamento de Inteligência irão investigar. Raishin-dono, por favor atraia a atenção da professora pelo maior tempo possível. É a mesma composição usada no caso da D-Works— algum tempo atrás.
Quando ele acabou sendo esfaqueado no peito. Porque o agente da Inteligência estragou tudo, Raishin esteve muito próximo de perder a vida— e perdeu uma pessoa que poderia ter se tornado um amigo.
— …Nós não queremos outro erro como o que aconteceu naquela vez, certo?
— Não posso prometer isso.
Ainda assim, ela o disse com toda a clareza. Raishin sorriu ironicamente e assentiu.
— Entendido. Eu aceito a missão.
— …Muito bem então, eu irei me retirar agora. Raishin-dono, por favor não… se esforce demais.
Irori, com olhos úmidos, deixou para trás essas palavras e desapareceu.
*Treme, treme, treme*
Yaya estava tremendo no lugar.
— O que houve, Yaya?
— Por favor, tire as calças!
— O quê!?
— Não há mais tempo a perder! A castidade do Raishin é uma questão de tempo!
— Por sua causa! É apenas uma questão de tempo até eu ser expulso da Enfermaria!
Um clamor nasceu, e eles correram ruidosamente e gritaram até chegarem à entrada.
No fim, a briga continuou até Kruel, na sala de operações noturnas, sair da cama.
Parte 3
O dia seguinte. Raishin, que estava na biblioteca desde a manhã, deixou o prédio um pouco antes do meio dia.
A rua principal da Academia estava repleta de estudantes. Muitas pessoas seguiam em direção ao portão. Eles usavam o intervalo do almoço para irem em grupos até a cidade.
Ao que parecia, eles estavam indo dar uma olhada na Autômato Expo da qual falaram antes. Uma vez que poderiam ver as últimas tecnologias de maquinagem, aquilo não era apenas mero entretenimento, mas também um estudo para os marionetistas. Havia vários sinais de ‘Cancelado’ no quadro de avisos da biblioteca. Os professores também já tinham dado autorização. Raishin avançou em direção ao Departamento de Engenharia, indo contra o grande fluxo de alunos.
Yaya virou-se diante de Raishin e o encarou, parecendo preocupada.
— Você parece abatido, Raishin.
— Acho que sim.
Ele respondeu com uma voz cansada, enquanto brincava com o livro em sua mão.
Um livro que ele tinha acabado de pegar emprestado na biblioteca. Uma tese escrita pela Professora Eliade— “Teoria do Superaquecimento de Circuitos Mágicos — Circuitos Mágicos e suas limitações de uma perspectiva do dispositivo”.
Francamente, era um livro que ele sentiu vontade de atirar no lixo após ler apenas o título.
— Minha nossa… que missão impensável e impossível. E pensar que vou ter que beber chá com a pessoa que escreveu essa coisa incompreensível, a Shouko-san é brutal.
— Humm, você conseguiu pensar em alguma pergunta para fazer a professora?
— Bom… o que eu não entendo, eu não entendo…
— Essas são palavras que crianças desesperadas costumam dizer.
Aquelas palavras perfuraram seu peito. Certamente, perguntar sobre coisas que você não conhecesse bem era um processo natural, mas… se não conhecer bem a especialidade da outra pessoa, fazer um monte de perguntas pode se tornar completamente inútil.
Ele entendia mais coisas sobre o perfil do autor do que sobre o conteúdo do livro em si.
O tratamento de coração na noite anterior— mesmo o lado abstrato das coisas, a pesquisa sobre as estruturas das marionetes— mesmo o lado mais tangível das coisas, dizia-se que ela possuía uma habilidade de primeira linha.
Um comentário de Edward Rutherford tinha sido publicado no posfácio.
Ele dizia que se a pesquisa da professora obtivesse sucesso, a civilização mecanizada avançaria cerca de duzentos anos. A magia beneficiaria não apenas os magos, mas também a maioria dos cidadãos comuns.
Honestamente, esse tipo de coisa parecia revigorante.
— Quando chegar o momento, confio em você para consertar as coisas, Yaya.
— Sim, a Yaya será útil ao Raishin. não apenas na cama, mas também fora dela.
— Você nunca foi útil na cama, não é?
Os alunos que estavam ao redor ficaram de olhos arregalados. Raishin acelerou o passo e correu para longe dali.
Em pouco tempo, ele pôde ver o majestoso prédio escolar do Departamento de Engenharia.
A Engenharia Mecânica era um campo que estudava principalmente o corpo dos autômatos. Isso significava que eles lidavam exatamente com as partes “mecânicas” e, em conjunto com o Departamento de Ciências, eles estabeleceram os fundamentos da mecânica mágica. Como se refletisse o orgulho dos pesquisadores, o prédio escolar fora construído com um profundo estilo gótico, e passava um ar intimidador, tal qual o de uma grande catedral.
Era difícil se aproximar daquele local. Ainda assim, ele reuniu coragem e entrou. O interior estava escuro e frio. O ar estava seco e o cheiro de ferro e óleo tomava conta do lugar.
Os sons de metais sendo raspados e dos motores rangendo eram bastante ameaçadores.
Ele subiu as escadas até chegar ao último andar— e chegaram ao andar onde os laboratórios de pesquisa dos professores estavam alinhados.
Ele acabou chegando bem depressa até a porta do laboratório da Professora Eliade.
Ele respirou fundo e bateu na porta.
…E a resposta foi um grande silêncio.
— Ninguém atende.
— …Será que não tem ninguém lá dentro?
— Ela foi para a Exposição, então?
— Se fosse esse o caso, então meu trabalho seria muito mais fácil, o que seria de grande ajuda, mas— isso não se aplica aqui. Os rumores dizem que ela fica dentro do laboratório dia e noite.
Quando tocou a maçaneta, a mesma girou suavemente e a porta se abriu com um *clank*.
— …Está aberta?
— Vamos entrar? Hum… com licença.
Se houvesse um autômato de segurança, ele seria atacado.
Enquanto exposto a essa tensão, ele lentamente, silenciosamente e cautelosamente entrou no laboratório.
O que imediatamente cumprimentou Raishin foi o esqueleto de um cadáver.
——Não, aquilo não era um cadáver. E nem ossos.
— A estrutura esquelética interna… de um autômato?
Se parecia com ossos humanos, mas era uma moldura feita de metal.
A graxa espalhada brilhava viscosa. Era grotesco, mas muito bonito em alguns aspectos. O design eficiente e preciso e a fiação organizada de forma igualmente eficiente, de modo que podia ser compreendida mesmo por uma pessoa de inteligência comum, como Raishin.
Havia uma bancada de trabalho além da estrutura esquelética. Além disso, várias peças estavam postas em ordem. Os materiais estavam organizados nas prateleiras. A dona da sala parecia ter uma personalidade meticulosa.
Uma única foto posicionada em uma bela moldura decorava a mesa.
Duas garotinhas de cabelos verdes tinham sido fotografadas enquanto pressionavam os ombros um contra o outro.
Uma delas estava calma, e a outra tinha um sorriso deslumbrante.
— Raishin, eu sinto a presença de uma pessoa nos fundos.
Ele voltou a si ao ouvir o cochicho de Yaya.
Ele olhou ao redor e viu que na parede no fundo da sala havia uma entrada, de modo que o laboratório continuava para além daquele ponto.
Yaya eliminou o som de seus passos como um gato e se moveu rapidamente até lá.
A sala dos fundos era uma área de descanso— mais como um espaço de convivência.
Havia um sofá, um armário e uma mesa. Até mesmo um guarda-roupas. Os rumores pareciam ser verdadeiros, a dona do laboratório parecia mesmo viver ali.
Yaya se virou para o outro lado do sofá e deu um salto, alarmada.
Raishin inclinou-se para frente e imediatamente deu uma olhada no sofá.
E prendeu a respiração.
Uma linda garota de jaleco branco estava dormindo no sofá.
Fosse natural ou tingido, o cabelo verde era lindo como uma esmeralda.
Seu inocente rosto adormecido, combinado com sua pele lustrosa, a fazia parecer tão jovem quanto um bebê. Ele notou que ela vestia um jaleco branco, então ela era uma estudante vinculada ao laboratório?
Ele se lembrou daquele rosto.
O autômato com quem ele tinha colidido no outro dia— ela era a imagem refletida de Evangeline.
No entanto, ela tinha uma presença humana.
*Kuu, Kuu…*
Sua respiração enquanto dormia era fofa.
Essa aqui é… a garota daquela foto, não é?
Ela sentiu a presença deles? A garota acordou com um bocejo.
Ela bocejou por alguns segundos. Então, olhou para Raishin e Yaya alternadamente.
— Hum… Príncipe-sama?
— Quem? Você ainda está meio adormecida.
— Por que o Raishin seria um cavaleiro em um cavalo branco…? Essa mulher enganadora…!
*Aura ameaçadora*
— Calma, Yaya! Não cause um alvoroço!
A estudante levantou-se devagar. Com aquele ritmo, o botão do jaleco branco acabou se abrindo.
Ele caiu lentamente, e Raishin e Yaya ficaram petrificados com o que havia por baixo do jaleco branco agora aberto.
Ela estava nua sob o jaleco.
Raishin entrou em pânico e afastou os olhos, mas a imagem residual acabou gravada em sua mente. Uma pele de um tom claro de rosa, e uma cor metálica imprópria para jovens garotas.
Sob o peito da jovem, um mecanismo semelhante a um relógio estava preso ao corpo dela na região do estômago.
No entanto, ele não podia se dar ao luxo de encarar aquela parte. Raishin cobriu os olhos.
— O que há com essa aparência!? Use roupas íntimas, pelo menos!
— Ah, eu tive uma ótima ideia durante o banho, então comecei a trabalhar imediatamente.
— Esqueça isso e vista logo alguma coisa! Cubra-se, pelo menos!
— Mas assim é confortável. Quando eu quiser tomar banho de novo, posso ir imediatamente.
A estudante sorriu livre de preocupações enquanto mostrava sua pele.
Ela parecia estranha em alguns aspectos… não, no geral.
De repente, Raishin foi atacado por uma intensa sede de sangue vinda de algum lugar, gelando sua espinha.
— Raishin… se você quer tanto assim ver um corpo nu, então por favor olhe para a Yaya, para a Yaya—
Yaya se aproximou dele e tentou mostrar seu peito exposto enquanto choramingava.
Um topless na frente, e uma exibicionista atrás.
Ele não sabia o que era aquilo, mas de certo modo, era uma imagem do inferno. Raishin gritou.
— Ahaha, desculpe. Agora você pode olhar.
Uma voz inocente interrompeu essa disputa idiota de forças.
Quando ele olhou para ela novamente, a frente do jaleco branco estava posicionada da maneira correta. A estudante riu.
Ele olhou porque os botões estavam presos novamente. Isso quer dizer que debaixo daquilo ela estava…
— Então, quem é você?
— …Eu sou Akabane Raishin.
— Raishin-kun. Você é Japonês, certo?
— A pronúncia do seu Japonês é muito boa. Quem é você?
— Espere, você não sabe quem eu sou? Por que você veio até aqui se não sabe quem eu sou?
— Por que, você pergunta…? Eu tenho assuntos a tratar com a professora.
*Ahem*
Ela estufou o peito e apontou para si mesma com um toque.
O rosa claro de alguns momentos atrás relampejou em sua mente, e Raishin entrou em pânico e desviou os olhos.
Uma Yaya com um meio sorriso estava no local para onde seus olhos se desviaram, então Raishin imediatamente se virou de volta na direção da estudante.
Ela ainda estava estufando o peito com orgulho enquanto apontava para si mesma.
— …Por que você está fazendo isso?
A estudante continuou a fazer aquele gesto com vontade.
— Por que sou eu, sou eu. Eu sou eu e eu.
— …Haaa…
— Ionela Eliade!
— …Haa— ahh!?
Raishin literalmente deu um salto.
— Espere… você é… a Professora Eliade?
— Isso.
— Não, sem chance. Não pode ser. Para começo de conversa, quantos anos você tem?
— Bom… 17 anos… eu acho?
— Você tem a mesma idade que eu. Mesmo assim, você é uma professora com essa idade…
— Akabane Raishin-kun.
Tensa e rapidamente, ela endureceu o rosto e disse que com uma voz que transbordava dignidade.
— Por favor, diga qual é a doutrina da Academia Real de Maquinagem, Walpurgis.
— …Meritocracia.
— Correto.
A estudante de aparência infantil— não, a professora de aparência infantil suavemente abriu um sorriso e disse,
— Bem-vindo ao meu escritório. Que negócios você tem a tratar comigo, Raishin-kun?
Raishin e Yaya olharam para o rosto da garota, Ionela, estupefatos.
Parte 4
As avenidas da Cidade das Máquinas estavam cheias de pessoas.
Havia muitas barracas de comida alinhadas nas ruas, os palhaços já tinham começado seus espetáculos e o desfile de fantasias marchava.
Autômatos de lata vendiam donuts e autômatos gigantes puxavam bandejas dos transportes de carga.
Uma banda mecanizada tocava uma música linda, animando o clima festivo.
Um automóvel em forma de caixa passou devagar por aquela rua.
Embora tivesse uma aparência externa simples e sem decorações, era possível ver através das fendas nas cortinas que seu interior era extremamente luxuoso. Assentos cobertos de pano e paredes interiores em relevo. À primeira vista, a família real era reconhecível.
Além do motorista, um jovem rapaz, uma dama e um homem que já havia passado da meia idade estavam sentados no carro.
Particularmente, o jovem rapaz atraía bastante atenção. Ele tinha um rosto bonito, e qualquer um diria que se tratava de um galã. Olhos negros estavam posicionados sob longos cílios. Seu cabelo, suas roupas e até mesmo o pingente de obsidiana, todos pretos, formavam um conjunto esplêndido.
Ao lado dele, uma garota inexpressiva. Seu cabelo verde era uma característica marcante. Ela tinha sido feita de forma extrema e requintada para imitar um ser humano. Seu rosto era uma cópia espelhada do rosto de Ionela Eliade.
O bonito rapaz de preto fechou a cortina e sorriu para o homem que o encarava.
— Sabe, General. Não importa como você olhe para a situação, uma marionete é apenas uma marionete. Isso me deixa entediado.
— Isso não é algo magnífico?
O General respondeu com uma voz baixa e profundamente severa.
— Tenho orgulho de que nosso país possua a Academia Walpurgis. Excelentes intelectos e tecnologias de ponta de países de todo o mundo se reúnem lá. Essa é uma grande honra.
— Sim, eu sei. De todo modo, aquela Academia não é o bastante.
O jovem distorceu seu lindo rosto e sorriu de forma zombeteira.
— Por que o Império não pode dominar satisfatoriamente uma única Universidade? Por que permitimos que aquele homem faça o que bem entender usando sua autonomia como pretexto? Não consigo acreditar nisso, General. Por que Rutherford monopoliza os lucros enquanto pesquisa com dinheiro público?
Particularmente, quando o nome Rutherford surgiu na conversa, o jovem olhou para o General com grande ironia.
— Isso mesmo, ele adora essa Exposição. Ele acha que somos tolos, que apenas ficamos olhando cheios de inveja e não fazemos nada enquanto as tecnologias de ponta de todos os países se reúnem aqui todos os anos?
— Por favor, acalme-se, Sua Alteza. Se alguém ou escutar—
— O homem, o General, o herói Glendan é um covarde.
— Um co…
O General estava abismado. Ele não conseguiu esconder sua surpresa ao escutar tais palavras vulgares sendo ditas pelos lábios de um nobre.
Ele tossiu e se recompôs, antes de continuar,
— Eu posso dizer que é uma honra servir ao Império Britânico. Meu Mestre, meu Senhor, Vossa Majestade é a verdadeira justiça— se Sua Majestade não possuísse ambição, a NECTAR não estaria localizada no Reino Unido. Em função disso, o poder de Vossa Majestade é reconhecido em todo o mundo.
— Ridículo. O que você acha que pode fazer com honra? Encher a barriga? Maquinagem? Truques entediantes? Meu pai não tem forças para governar o mundo inteiro. Isso é inegável, não acha?
— Sua Alteza…?
— Foi isso que eu disse a meu pai. “Você tem coragem de me dar o trono agora mesmo? Se eu me tornar Rei, o momento em que o Império Britânico dominará o mundo chegará”.
— …E o que Vossa Majestade respondeu?
— “Não tenho trono para dar a você”. Se o Rei renunciar, o Império não terá um futuro. É por isso que vou mudar as coisas.
O jovem abriu um enorme sorriso sombrio e voltou seus olhos escuros na direção do General.
— Quão útil é essa tal de “Maquinagem”?
— Peço desculpas por minha arrogância, mas essa é toda a força que posso extrair.
Um poder mágico surgiu do ombro do General. Ele se organizou na forma de um fio e voou até as costas do motorista.
O motorista desse carro era o autômato do General.
E este também era semelhante a um ser humano. E não apenas um daqueles genéricos produzidos em massa e fornecidos pelo Exército. Um famoso criador de marionetes tinha feito aquela máquina. Tinham instalado o mais recente circuito mágico também.
O jovem viu o comportamento do General e começou a gargalhar.
— Vou ser muito claro. Arrogância torna tudo pior. Especialmente quando eles pensam que podem me prender. Ótimo, eu gostei disso!
Ele bateu nos próprios joelhos e disse com bom humor.
— Entretanto, eu não posso usar Maquinagem realmente útil. De todo modo, eu não posso demonstrar uma atitude fraca. O princípio de liberdade do Império permitiu que Rutherford se empolgasse demais, levando a este cenário em que ele monopoliza todos os lucros obtidos com as pesquisas. Como as coisas estão, nossa arqui-inimiga França irá nos ultrapassar. Também não estou satisfeito com os movimentos dos Grandes Ursos da Rússia. A nação emergente da América também é bem pretenciosa. Sendo assim, deveríamos roubar completamente suas tecnologias para tê-las em posse do Império. O Império Britânico deveria reinar sobre o mundo— não, não o Império Britânico.
De repente, ele sorriu.
— Eu.
Ele estava são? Porém, a extraordinária autoconfiança do jovem dava poder a toda essa conversa.
O General visivelmente engoliu em seco.
Ele estava impressionado pelo discurso incrivelmente megalomaníaco feito pelo jovem.
Com dificuldade, o General disse,
— …Que pensamento perigoso. Eu gostaria de dizer que prefiro continuar ao lado do seu pai. Isso é possível?
— Continue, se quiser. No entanto, lembre-se de que há outra opção, certo?
— Outra opção?
O jovem estendeu a mão para a garota ao seu lado e acariciou rapidamente o queixo da mesma.
— Ao meu lado, você assistirá a minha libertação mundial. Prepare um assento especial, entendido?
— Com todo o respeito, mas— você tem mesmo certeza disso?
— Tenho. E você tomar meu partido é a resposta certa. Porque eu sou a solução.
Ele declarou sem sequer um pingo de hesitação.
— Venha comigo, General Glendan— o homem que fez aquela pessoa, o tal do Rutherford, dizer “que existe igualdade”.
O General ouviu as risadas do jovem enquanto suor frio escorria por suas costas.
Ele nem sequer piscava os olhos, como se estivesse encantado.
Pelo Primeiro Príncipe do Império Britânico— [O Príncipe Negro Coroado], Edmund.
Parte 5
Raishin ainda não conseguia acreditar, ele repediu o nome que foi dito a ele.
— Você é… a Professora Eliade…?
Ionela sorriu despreocupadamente.
— Ionela é muito longo, então pode me chamar apenas de Io.
— Yaya também é muito longo, então pode me chamar apenas de Ya também!
— Humm, eu posso recusar isso? Não faz nenhum sentido.
— Então pode usar meu amor!
— Não estabeleça um fato assim do nada!
De repente, os olhos de Ionela brilharam com encanto.
— Que garota interessante. Quem é ela?
— A Yaya é a esposa da Raishin.
— Eu não lembro de ter me casado!
— Então a Yaya é a esposa do Raishin de facto!
— Um autômato, hein.
Ela declarou com confiança. O instinto de Raishin emitiu um sinal de perigo.
Ela era astuta. A aparência e a forma de pensar de Yaya eram iguais às de um ser humano. Por isso era difícil concluir tal coisa apenas verificando externamente. E ela— acabou vendo através de tudo isso em apenas um instante.
Sem piscar, Io fixou o olhar em Yaya enquanto girava ao seu redor, como se estivesse obcecada. Yaya deu um passo para trás, parecendo estranha, mas Io aproximou-se assim mesmo.
Yaya abriu a boca, levantou as pálpebras e suspirou um pouco agitada.
— Incrível… ela praticamente se parece com um ser humano! Igual as bonecas do Magnus-kun!
— Não me confunda com ele.
— ——Por acaso você é…
Raishin ficou assustado no momento em que os olhos esmeraldas se fixaram nele.
Uma expressão semelhante a de um filósofo transbordando sabedoria apareceu em seu rosto. Ela tinha olhos que pareciam enxergar através de tudo.
Sua espinha congelou. De jeito nenhum, mas será que ela podia ver através das intenções dele?
— ——Akabane Raishin-kun?
Raishin se fez de bobo.
— Você mesma estava me chamando assim!
— Ehehe, eu não me toquei disso. Então, Raishin-kun, tenho algo a lhe perguntar. Você não daria essa criança para mim?
— —O quê?
— O preço é de pelo menos três navios de guerra. Meu orçamento anual.
— Eu recuso. Ela é minha preciosa parceira. Eu não a daria, mesmo se você me oferecesse todas as riquezas do mundo.
Yaya ficou profundamente comovida, com os olhos marejados.
— Raishin… ♡
— Se eu a vendesse, eu não poderia encarar a Shouko-san.
— Lá vai você com isso de Shouko de novo… Shouko, Shouko, Shouko…!
— Hum… Yaya? Espere! Acalme-se!
De algum modo, Raishin conseguiu gritar enquanto era estrangulado e erguido no ar.
— De qualquer modo, isso é inútil! A Yaya não está à venda!
— Eh? Por favor! Por favor, por favor, por favor, por favor, por favor!
— Você é uma criança?
Ionela mordeu o lábio inferior, parecendo descontente.
— Não importa a oferta?
— Não importa a oferta.
— Como eu pensava… não usar meu corpo como moeda de troca foi uma má ideia?
— Vai ser inútil mesmo que você use! Quero dizer, o que foi esse “Como eu pensava”!?
— Raishin… nesse meio tempo… você estava… você ia fazer algo tão…!?
*Treme*
Um misterioso terremoto aconteceu. Raishin tremia violentamente.
— Por que a Yaya é tão indispensável assim!? Você é uma artesã de marionetes brilhante, não é? Não deveria ser boa o bastante para construir o seu próprio autômato!?
— Bom, é porque eu sou uma grande fã da Karyuusai-sensei ♡.
Ionela disse isso com os olhos brilhando.
— Eu tenho todos os livros da Sensei. Eu queria ler os originais e para isso aprendi Japonês. Desde sempre, eu desejo obter um trabalho da Sensei, mas nenhuma peça autêntica aparece no mercado. O que eu queria era algo do nível de um segredo de estado, e molhava meu travesseiro todos os dias por não conseguir. E pensar que hoje um apareceu bem diante de mim… sim, obrigado, Deus! E Raishin-kun!
— Não me agradeça! Eu disse que não vou fazer isso!
Raishin estava tão surpreso que gritou.
Essa mulher… como foi que ela descobriu que a Yaya era uma Karyuusai…?
Ionela adivinhou o pensamento de Raishin e disse como se tivesse acertado na mosca.
— É tarde demais, você vai conseguir nada mesmo se tentar esconder. Essa criança é um autômato da série [Lua], uma preciosa obra-prima da Karyuusai-sensei e uma das três [Setsugekka]. A— Eu a quero! Eu— a quero!
Seus olhos esmeralda mostravam ferocidade. Como esperado, Yaya correu até se colocar atrás de Raishin.
Raishin manteve-se alerta e questionou Ionela com precaução.
— Como você sabe que a Yaya é da série [Lua]?
— Havia várias pistas. Shouko é a mais recente alcunha da Karyuusai-sensei, e eu fui capaz de ver através do circuito mágico artístico e do estilo de trabalho da Sensei, que sempre usa muitos materiais orgânicos, e essa garota é muito forte. Além disso, ela iniciou o circuito mágico mesmo sem receber poderes mágicos seus, Raishin-kun— em outras palavras, ela é uma boneca proibida. Uma vez que ela preencheu todos esses requisitos, então eu pude dizer quem ela é de verdade.
Que raciocínio magnífico. Ela parecia ser descuidada, mas na verdade era uma pessoa muito sorrateira.
Ionela fez seu corpo se contorcer completamente, tal qual uma criança mimada.
— E queria muito ver o trabalho de manufatura da Karyuusai-sensei em pessoa— Ah, eu não vou fazer nada de ruim com ela. Não vou machucá-la, vou cuidar muito bem dela!
— Eu recuso. Ela é minha parceira!
Quando ele falou e se colocou contra ela, subitamente a expressão desapareceu do rosto de Ionela.
— …Você vai se arrepender?
— Assista enquanto eu faço isso. Vamos embora, Yaya.
— Eh? Mas, Raishin…
— Está tudo bem. Vamos!
Raishin deixou o laboratório de Io terrivelmente desconfortável durante sua missão.
Ele avançou pelo corredor em um ritmo imprudente, enquanto pisava forte no chão com passos altos.
— Por favor, espere, Raishin. Do que você está com tanta raiva?
— Eu não entendo, mas… alguma coisa… me deixou louco. Entregar você, não entregar você… tratar você como um objeto… droga!
Yaya piscou— e subitamente corou.
— Fufu… fufufu…
— O que é tão engraçado?
Yaya deu a volta em Raishin e disse alegremente,
— Eu não sei! Eu não sei, mas por alguma razão eu estou feliz.
Ela imitou para si mesma as palavras de Raishin. E então,
— Assim que chegarmos à enfermaria, eu vou te oferecer meus serviços!
— Eu declino! Eu recuso!
— Por favor, não se segure. Faça como de costume!
— Não minta! Não transforme isso em um fato estabelecido!
Sua discussão habitual começou.
Porém— a paz não duraria muito.
Foi decidido que Raishin estava em seu juízo perfeito, mesmo que ele… ele não tivesse arrependimentos.
Nota:
1 – Wiseman significa sábio, em tradução livre. Aqui mantemos o termo em Inglês porque também é um título na série.