Volume 3

Capítulo 2: Proposta de Ruína

Parte 1

 

Sete dias atrás, Charl estava violenta e ruidosamente andando em círculos dentro de seu quarto.

Ela caminhava até a porta, parava e voltava atrás antes de dar outra meia-volta.

Seu pé bateu na mesa, fazendo com que a montanha de livros sobre ela caísse no chão.

Isso acordou Sigmund de seu cochilo da tarde e ele bocejou enquanto se levantava da cama.

— Se você está assim tão preocupada, deveria ir ver como o Raishin está.

— O- O QUE— Eu na-na-não estou nem um pouco preocupada com ele!

— Você já está a três dias sem conseguir estudar. Isso não significa que você não está conseguindo se concentrar?

— Só- Só- Só porque isso é verdade não significa que você possa saltar para essa conclusão. Não distorça a verdade. Eu não poderia estar menos preocupada com a condição daquele idiota. Com a constituição dele, aquele idiota vai ficar bem. Além disso... visitantes não são permitidos, em primeiro lugar.

— Estou certo que se você pedir para a senhorita Kimberly ela iria ajudar você. Desde que estaria partindo de você, ela não recusaria.

— Po- Po- Por que eu teria que ir tão longe por causa de alguém como ele?

Cruzando os braços, ela virou a cabeça.

— Pare de ser tão teimosa. Se um amigo está ferido, é apenas natural se preocupar. Quanto mais obstinada você age, mais você mostra seus verdadeiros sentimentos.

— ...verdadeiros sentimentos?

— Você finalmente está reconhecendo o Raishin como macho, não?

— O- O QUE— Não há nenhuma maneira disso ser possível. Não diga coisas tão estranhas ou eu vou mudar o seu almoço de frango para arenque enlatado. Seu dragão irritante!

— Veja, você está tentando negar veemência. E por que isso?

— Eu não estou negando com veemência...

Charl ainda tentou refutar Sigmund mais um pouco, mas ela parou.

Sigmund estava com Charl em todos os momentos. Acima disso, ele tinha estado ao seu lado desde que ela nasceu. Quando era sobre ela, Sigmund podia facilmente enxergar através da máscara que ela usava.

— ...quero dizer, e daí se eu acabar gostando dele—

Tendo percebido o que havia acabado de dizer, Charl explodiu.

— Isso é apenas uma situação hipotética! Um trabalho de ficção! Nós estamos apenas falando da possibilidade de isso acontecer!

— Sim, sim, eu entendi. Pelo bem da argumentação, vamos dizer que você nutre alguns bons sentimentos por ele, e daí?

— Isso não me faria... parecer uma garota fácil...?

Lenta, mas firmemente, o canto externo dos olhos dela estava tingido por causa da umidade. Charl parecia estar à beira das lágrimas, mas ao mesmo tempo ela poderia apenas estar com raiva. Para Sigmund, ela estava apenas fazendo uma cara estranha.

— Hum. Vocês seres humanos têm suas próprias preocupações pelas quais passar. No entanto, quanto a sua preocupação...

Naquele momento, a porta se abriu com um clique, a pessoa não havia se incomodado em bater.

Enquanto empurrava um carrinho de mão, a gentil responsável pelo dormitório entrou no quarto.

— Oh, Charl. Ainda não saiu do seu quarto? Já fazem três dias, sabia?

— Senhorita Zeth— o que é isso? Uma mala?

— Você deveria ficar feliz. Você finalmente vai ganhar uma companheira de quarto!

— O QUE... por favor, não decida isso por mim assim tão de repente! Como é que você pode surgir com uma companheira de quarto para mim assim do nada!?

— Eu não irei tolerar reclamações, jovem senhorita. As regras do Dormitório Grifo afirmam que um quarto deve ser compartilhado entre duas garotas.

— Mas eu tenho estado sozinha durante todo esse tempo!

— Isso porque você está sempre causando problemas, não é? Você empurrou a Ravena pela janela e depois fez a Nancy chorar.

— Uu... mas!

— Acalme-se. Estou certa de que você vai gostar da nova garota. —Entre!

Com uma voz cantante, ela gritou para o corredor.

Eventualmente, quase como se pedindo desculpas, uma jovem entrou timidamente.

Ela parecia ser muito tímida. Sua boina estava abaixada, escondendo seus olhos, como se ela estivesse tentando esconder seus cabelos loiros.

Ao ver o rosto da garota, Charl literalmente saltou em sua direção.

— Henri!

Ela não podia acreditar. Passando pela responsável pelo dormitório, ela correu em direção à garota.

Ela estendeu as mãos com medo. Seus dedos tocaram a carne da garota. Não era uma ilusão.

— Você está bem!? Aconteceu alguma coisa com você!? Onde você esteve esse tempo todo!? Como está a mamãe!? Por que você está na Academia— por que você é minha companheira de quarto!?

— Calma, Charl. Seu comportamento deixaria qualquer um desconfortável e a Henri não é exceção.

Sigmund a repreendeu. Batendo suas asas, ele pousou sobre a cabeça de Charl.

— Já faz muito tempo que não te vejo. Como você tem passado?

O nervosismo de Henri diminuiu um pouco. Ela sorriu levemente.

— Já faz muito tempo, Sigmund...

— Estou feliz em ver que você está bem. A Charl tem estado preocupada com você há bastante tempo.

Charl virou a cabeça, mas Sigmund a forçou a voltar a olhar para frente.

Quando ele fez isso, as lágrimas dela espalharam-se no ar, brilhando a medida em que caíam no chão.

— O- Onee-sama...?

— ...está tudo bem eu chorar, entendeu? Não tem nada de estranho nisso!

Finalmente incapaz de se segurar, ela abraçou Henri com firmeza.

Ela tinha crescido um pouco, mas seu cheiro e o sentimento ao abraçá-la deixaram claro para Charl de que aquela era mesmo Henri.

Ela estava viva. Ela estava viva e agora estava aqui...!

Enquanto estava sendo abraçada, em algum momento Henri também tinha estendido os braços em volta de Charl.

A princípio, ela estava um pouco tímida, mas eventualmente seu abraço ficou cada vez mais apertado.

Sigmund e a responsável pelo dormitório olhavam carinhosamente para as duas irmãs presas em seu abraço.

— Tudo bem, o que houve com você? Por que você está na Academia agora?

O rosto de Henri imediatamente escureceu. Afastando-se de Charl, ela aumentou a distância entre elas.

— ...eu estou aqui para desempenhar um papel.

— Um papel? De que tipo? Por que você veio para este lugar?

Henri fechou os olhos com força, antes de resmungar angustiada.

— Eu estou aqui... para trazer a desgraça para você.

 

Parte 2

 

Depois que Sigmund tinha voado para longe, Raishin permaneceu de pé onde estava por um momento.

Ele olhou para a árvore em que Yaya estava. Ela estava parada sobre um galho com uma mão na testa, olhando para longe.

— E então, Yaya?

— Eu sinto muito, Raishin. Eu não os vejo em lugar algum.

Raishin inclinou a cabeça ligeiramente. Considerando o corpo maciço de Sigmund, ele se destacava como um polegar inchado. Teoricamente, o número de lugares em que eles poderiam se esconder deveria ser limitado, certo...?

— Tudo bem, nesse caso, vamos procurá-los a pé.

Levemente pousando no chão, Yaya olhou para Raishin com uma expressão dura em seu rosto.

— Mas a Yaya não tem permissão para sair das dependências da Academia...

— Não se preocupe. Nós só iremos procurar dentro da Academia.

— ...então você acha que a Charlotte está dentro da Academia, afinal?

— Se ela fugisse para algum lugar distante, seu voo certamente seria notado por alguém. Uma vez que ela desapareceu tão depressa, isso quer dizer que ela deve ter pousado em algum lugar nas proximidades.

— Mas e se ela estiver usando uma arte mágica para ocultar sua presença, como a Yaegasumi da Komurasaki?

— Claro, estou ciente dessa possibilidade. No entanto, se esse for o caso...

— ...se esse for o caso?

— Então é impossível. Nós não seremos capazes de fazer nada.

Se ela estivesse se escondendo fora da Academia, o campo de procura aumentaria e teria muito terreno para ele cobrir sozinho. Portanto, ele estava apostando na possibilidade de que ela ainda estivesse dentro da Academia.

Assim que ele começou a caminhar, Raishin de repente examinou os arredores com um olhar afiado em seus olhos.

— Raishin? Qual é o problema?

— ...eu pensei que alguém estava... não, não é nada. Vamos lá.

Com Yaya o seguindo, ele correu na direção em que Sigmund havia voado.

Raishin nem sequer parou para comer a medida em que várias horas se passaram enquanto eles continuavam sua busca.

Mesmo depois que o crepúsculo havia caído, eles continuaram a procurar quaisquer vestígios de Sigmund com a luz de uma lâmpada. Considerando o corpo maciço de Sigmund, o terreno seria perturbado e a grama seria pisoteada quando ele se transformasse.

No entanto, eles não foram capazes de encontrar nem mesmo um único vestígio.

Yaya olhou para o céu noturno antes de se virar para encarar Raishin com preocupação.

— Raishin... está na hora.

Ela tinha uma expressão sonolenta em seu rosto e estava fazendo força para manter seus olhos abertos.

— Você está cansada?

— Não. A Yaya é um fantoche construído pela Shouko, por isso o meu corpo é mais resistente que o do Raishin.

Ela riu em pânico. No entanto, Raishin sabia que ela estava realmente muito fraca.

— ...tudo bem, vamos voltar para a Festa Noturna, então. Desculpe, mas vou estar contando com você para isso também.

— Está bem. Deixe isso com a Yaya.

Ela assentiu, aliviada. Então ela realmente estava cansada, afinal.

Raishin olhou para o céu, usando as estrelas para se localizar. Com a perda da torre do relógio, ele não conseguia mais identificar sua posição exata e ele achava isso inconveniente.

— Por aqui. É melhor nos apressarmos, logo serão onze horas.

— Hoje à noite, o 87º Assento entrará na luta. Você acha que a essa hora a Frey já o derrotou?

— Nós vamos descobrir quando chegarmos lá.

Saindo do bosque, eles encontraram-se diante de um jardim bem cuidado. Atravessando-o, ele seguiu para o norte, ao longo da rua principal.

Ao longo do caminho, ele avistou os restos da torre do relógio.

Mesmo que estivesse tão tarde, um grande número de estudantes estava reunido em torno dela. A montanha de entulho estava isolada com uma corda e os membros do Comitê Disciplinar estavam vigiando o local. Haviam também diversos alunos comuns misturados com eles.

Os estudantes que estavam ali pareciam estupefatos. Olhando mais de perto, ele notou que algumas garotas também estavam chorando.

Era como um funeral. Como um espectador, Raishin não entendia, mas, mesmo assim, estava claro para ele que aquela não era apenas uma simples torre do relógio. Muito provavelmente, aquele tinha sido o símbolo da Academia.

Com sentimentos complicados em seu peito, ele passou por eles.

Pouco depois, ele passou pelas Faculdades de Direito e de Medicina, alcançando o campo de batalha.

As luzes de gás iluminando o lugar eram deslumbrantemente brilhantes, mas como esperado pela hora atual, as arquibancadas estavam escassamente preenchidas. O campo de batalha em formato de Stonehenge estava completamente deserto, no entanto.

— A Frey não está aqui. Será que ela já foi embora?

— Quem sabe? Não deixe sua guarda baixa, no entanto. Durante a Festa Noturna, nós somos inimigos um do outro.

Yaya franziu a testa, inquieta. Ela olhou para Raishin.

— Raishin... se tivéssemos que lutar contra a Frey agora...

— Sim, eu sei, seria muito difícil. Eu ainda estou desgastado porque alguém me atacou durante a tarde.

— Uu...

Yaya ficou calada. Parece que ela se sentia responsável por isso e visivelmente arrependida.

Normalmente, a Frey era acompanhada por seus treze autômatos do tipo Garm. Durante a batalha, porém, ela só conseguia controlar cinco deles. Raishin ainda não era capaz de compreender completamente o circuito de magia Sonic, por isso, se eles acabassem lutando, havia a possibilidade real de que ele acabasse sendo nocauteado.

Dito isso, no entanto, era inevitável que eles tivessem que se enfrentar algum dia.

Escutando partes da conversa nas arquibancadas, ele vagamente entendeu a situação. O convidado de honra desta noite— o 87º Assento, ainda não havia aparecido.

— O Penúltimo entrou no campo de batalha às 22:55.

Com uma voz estrondosa, não muito diferente da de uma cantora de ópera, a garota do Comitê Executivo anunciou a entrada dele.

Parado no meio do campo, ele esperou a chegada de seu adversário enquanto o vento noturno continuava a soprar.

Quem era o 87º Assento? Ele não conseguia se lembrar.

Ele percebeu que deveria ter feito sua lição de casa e pesquisado sobre o inimigo. Geralmente, se a Charl estivesse aqui, ela iria dar a ele todas as informações sobre o inimigo, sem falha.

(É quase como se ela fosse minha assessora ou algo assim...)

Charl tinha uma lista de todos os participantes da Festa Noturna, na qual ela tinha informações detalhadas sobre cada um dos cem participantes.

Olhando para o lado, ele de repente percebeu que os olhos de Yaya eram como lagos sem fundo enquanto ela olhava para ele.

— Raishin... Você estava pensando na Charlotte...

— Como você sabia?

Yaya não respondeu, dando a ele um sorriso ao invés disso.

Raishin ficou surpreso. O que era aquele sorriso? Era muito assustador.

Ele esperou assustado— não, irritado por uma hora.

No fim, o 87º Assento não apareceu e a meia noite chegou.

Uma vez que a torre do relógio foi destruída, não houve o som alto do sino. Um estudante do Comitê Executivo tocou um sino de mão para sinalizar o fim da competição. Relaxado, Raishin sentiu sua tensão se dissipando.

Os estudantes nas arquibancadas bocejaram enquanto iam embora. Lançando um olhar disfarçado para os membros do Comitê Executivo que estavam limpando a área, Yaya deu um suspiro aliviado.

— É bom que no fim não tenha acontecido nada. Raishin, você deve se apressar e voltar para o dormitório para poder descansar.

— Não. Eu não vou voltar ainda.

Ao dizer isso, ele começou a andar.

— Eh? Por favor espere um pouco. Onde você está indo?

— Bem, tem uma garota que eu quero ver antes de ir para a cama.

Houve um estalo estranho quando Yaya subitamente parou de se mover.

— Espere... Yaya? Não é o que você está pensando, tudo bem? Eu apenas quis fazer isso parecer legal— Espere! Acalme-se!

Ele rapidamente arregalou os olhos. Antes que Yaya pudesse fazer qualquer coisa a ele, Raishin começou a correr, fugindo do perigo.

 

Parte 3

 

Dentro de um dos quartos do Dormitório Grifo, logo após a meia-noite.

Henri estava sentada em sua cama abraçando os joelhos. As luzes estavam apagadas.

O quarto de Charl era extremamente grande, mesmo que isso signifique que ele era para duas pessoas. Haviam duas camas de casal e uma mesa para quatro pessoas. Havia uma grande mesa de estudos e estantes o bastante para rivalizar com uma biblioteca, assim como sofás que pareciam confortáveis. Tudo havia sido fornecido pelo dormitório.

Haviam treze autômatos protegendo o lugar... com esse tipo de segurança excessiva, era assegurado que nada aconteceria. O lugar era muito parecido com a sala de estar em que Henri costumava passar boa parte de seu tempo quando era mais nova.

A luz da lua estava entrando pela janela aberta, batendo na mesa. Uma almofada de alfinetes, um carretel de linha para bordado e um par de tesouras estavam iluminados pela luz, revelando o gosto de Charl pela costura. Lembrar-se desse lado inesperado de sua irmã fez com que Henri sorrisse sem querer.

Seus olhos se voltaram para a tesoura de costura.

Com o brilho solene do metal frio, a lâmina afiada se destacava.

Engolindo sua própria saliva, Henri saiu da cama.

Movendo-se como se estivesse sendo irresistivelmente atraída por ela, a mão dela se estendeu em direção a tesoura como se estivesse sendo sugada.

A tesoura parecia robusta e pesada em sua mão.

A tesoura brilhava lindamente. A respiração de Henri ficou espontaneamente selvagem.

Era uma ferramenta usada para o corte. Como um objeto, seu único propósito era cortar e cortar apenas. Henri a segurou perto de seu pescoço. Aquilo não havia sido feito para cortar tecidos, mas sim a pele, músculos, veias—

— Henri! Não!

De repente, seus braços foram contidos com muita força.

A responsável pelo dormitório tinha entrado no quarto em algum momento e firmemente segurado os braços da Henri.

— So- Solte-me!

— Não, eu não posso fazer isso!

Com grande facilidade, a responsável pelo dormitório tirou a tesoura da mão da Henri.

Henri se afundou no chão com grandes lágrimas caindo de seu rosto.

— Apenas me deixe morrer... por favor...!

— Eu não vou deixar você morrer!

No entanto, não foi a responsável pelo dormitório que rejeitou a súplica de Henri.

Do lado de fora da janela aberta, a voz de outra garota penetrou o quarto.

O quarto ficava no terceiro andar. No entanto, a voz da garota estava emanando claramente do lado de fora. Em cima de um dragão, seu cabelo dourado esvoaçava ao vento enquanto ela olhava diretamente para Henri com fogo nos olhos.

Charl soltou das costas de Sigmund, entrando suavemente pela janela.

— Charl!

Enquanto Charl se aproximava de Henri, a responsável pelo dormitório permaneceu entre elas com um olhar irritado no rosto.

— Você finalmente voltou. O que você estava fazendo correndo por aí noite a dentro desse jeito?

— ...eu sinto muito, Senhorita Zeth. Mas era algo que eu tinha que fazer a qualquer custo.

— Espero que você me conte sua história com detalhes mais tarde. Eu terei que relatar isso aos superiores, afinal.

Depois de dizer isso, o olhar severo em seu rosto relaxou e ela deu um passo para o lado.

Charl deu de ombros e marchou em direção a Henri com passos firmes.

Henri tinha virado de costas, com medo. Charl a encarou.

— Não faça nada estúpido!

De repente, ela gritou— em seguida, ela a abraçou com força.

— Não... faça algo tão estúpido... por favor...

A voz de Charl estava tremendo.

Não era apenas a voz dela, no entanto. Seus ombros e braços também estavam tremendo de ansiedade.

— ...você disse que estava aqui para me trazer desgraça. No entanto, ser capaz de encontrar minha irmã e saber que minha mãe ainda está viva— como você pode chamar isso de desgraça!?

Sentindo sua irmã desesperadamente agarrada a suas costas, Henri quebrou.

— Eu sinto muito... eu sinto muito... eu sinto muito...

— Você não tem nada com o que se preocupar. Tudo vai ser resolvido amanhã.

— Sinto muito...!

— Não se desculpe. Assim que tudo estiver acabado, poderemos viver juntas mais uma vez. Está bem?

Ela foi incapaz de suportar mais. Henri agarrou as mãos de Charl enquanto continuava a chorar.

Charl continuou a abraçar com força aqueles ombros delgados.

Sob o manto da noite, alguém estava espionando-as.

Fora da janela, atrás do lugar em que Sigmund estava pairando, ele estava empoleirado no galho de uma das grandes árvores do jardim.

Encostada contra o tronco, a sombra estava de braços cruzados. Embora fosse noite, ele estava escondendo seus olhos atrás de óculos escuros. Seu cabelo era tingido de loiro platinado e seu corpo tonificado tinha um olhar destemido no rosto.

O homem estava emitindo uma estranha presença, mas ela era extremamente fraca. Nem mesmo alguém como Sigmund era capaz de detectar sua presença.

Ao ver a situação que se desdobrava dentro do quarto, ele desapareceu silenciosamente.

Ele fez um movimento de salto, mas não houve nenhuma reação no galho em que ele estava.

A única coisa que ele deixou para trás foi o silêncio.

 

Parte 4

 

No fim, o jogo de esconde-esconde de Raishin e Yaya continuou por todo o caminho até o prédio da Faculdade de Física.

Ao chegar na entrada, ambos caíram no chão.

— Por que você está fugindo, Raishin...?

— Porque você está me perseguindo!

— Mas isso é porque o Raishin fugiu primeiro!

Ambos falavam enquanto recuperavam o ar. A medida em que suas vozes desapareciam e suas respirações voltavam ao normal, seus ouvidos foram agredidos por um silêncio ensurdecedor.

As luzes estavam todas apagadas. Como esperado para a hora atual, não havia nenhuma alma viva nos corredores.

Raishin levantou-se e começou a caminhar pelo corredor, com base em sua memória difusa para guiá-lo.

Subindo as escadas, ele chegou ao andar mais alto, que era reservado exclusivamente para os professores. Ele podia sentir a presença de outras pessoas, mas eles certamente não eram espíritos e sim apenas pesquisadores entusiasmados... certo?

Caminhando pelo corredor fracamente iluminado, ele parou na frente de uma determinada sala.

Ele verificou o nome na placa. O nome da garota que ele queria encontrar estava inscrito nela.

Batendo na porta, houve um abafado ‘Entre’ e Raishin abriu a porta.

Vendo o interior, se ele tivesse que descrever o quarto em uma única palavra, essa seria ‘ninho’.

O quarto era uma bagunça total. Mesmo que a residente daquele quarto fosse descrita como uma pessoa organizada, haviam pilhas muito altas de revistas acadêmicas por todos os lados. Haviam estantes e os livros não estavam apenas arrumados verticalmente, mas também haviam alguns ordenados horizontalmente, para preencher os espaços vazios. Haviam tantos livros que alguns deles tiveram de ser empilhados em cima do sofá.

— O que você quer a esta hora da noite?

Girando na cadeira, a proprietária do ninho— do quarto, virou-se para encará-lo.

Jaleco branco e cabelo vermelho, era a professora Kimberly.

— Tem algo que eu preciso perguntar a um professor.

— Então você finalmente despertou para os prazeres do estudo— como se isso fosse possível. Bem, eu esperava que você aparecesse mais cedo ou mais tarde, de todo modo. Você já se recuperou?

 — Sim. Estou completamente bem agora.

Ele riu como se sua mentira acabasse de ser exposta. No entanto, Kimberly escolheu não o repreender por sua imprudência.

— Vamos ouvir a sua pergunta. Yaya. Tem um bule ali, você pode usá-lo para fazer um chá.

— Ah, tudo bem.

O bule estava em cima da mesa. Deixando de lado as garrafas e as caixas de lanches que estavam sobre a mesa, Yaya pegou o bule, tomando cuidado para não derrubar a montanha de livros.

— Sente-se, Penúltimo... então, o que você quer?

— Embora você seja uma professora desta Academia, você também pertence a Associação Mágica.

Tomando um assento no sofá empoeirado, ele iniciou com uma declaração do tipo ataque surpresa.

— A razão pela qual a minha excursão ilegal foi encoberta e dos autômatos da Frey e do Loki não terem sido confiscados foi você, não foi?

— Eu não vejo nenhum sentido em esconder isso agora. No entanto, eu não gostaria de ver essa informação ser tratada de forma descuidada. Se vazar meu segredo, você pode esperar que todos os favores que eu estive fazendo a você vão acabar.

— Eu estou em dívida com você. Portanto, você pode ter certeza de que esse segredo vai para o túmulo comigo.

— Oh, que admirável. Isso não combina com você.

— Isso combina totalmente comigo. Como você pode ver, eu sou um homem de honra.

— Eu gostaria que você tivesse essa mesma atitude e a aplicasse em seus exames.

Raishin fez uma expressão parecida com a de alguém que havia acabado de encher a boca com mostarda.

— Continue. O que é que você quer me perguntar?

Havia um olhar afiado nos olhos de Kimberly. Raishin sentiu que não havia necessidade de perder tempo com explicações. Indo direto ao ponto, ele perguntou,

— A Charl está sendo controlada por alguém?

— Oh? Você não acredita que ela tenha destruído a torre do relógio por vontade própria?

— Ela é excessivamente violenta, tende a exagerar nas coisas e frequentemente se baseia na força do Sigmund.

Enquanto olhava diretamente para Kimberly, Raishin continuou com convicção em sua voz.

— No entanto, ela não é o tipo de pessoa que usaria o poder do Sigmund para matar!

— ...porém, esse é o fato nessa questão. Charlotte foi a pessoa que destruiu a torre do relógio.

— Muitas pessoas morreram?

— Felizmente, não. Mas várias pessoas se machucaram.

— Veja, ela não é do tipo que iria matar... então, quem era o alvo?

— Você está anormal hoje. Nós ainda estamos no meio da investigação, mas o mais provável...

Ela se aproximou um pouco mais dele e baixou a voz para um sussurro.

— Era o Diretor, Edward Rutherford.

Os olhos de Raishin se arregalaram devido ao choque. Até mesmo Yaya, que estava trazendo o chá, engasgou de surpresa.

— ...será que a Charl tem algum tipo de rancor contra o Diretor?

— Não. O mais provável é que, assim como você disse, alguém a esteja usando.

— Quem?

— Quem você pensa que é?

Kimberly respondeu a sua pergunta com outra pergunta. Ela parecia estar tentando testá-lo.

Raishin não tinha ideia de como era o funcionamento interno da Academia. No entanto, Kimberly não parecia ser o tipo de pessoa que faz perguntas irrespondíveis. Nesse caso, ele já sabe a resposta...?

Raishin estava imerso em pensamentos. Se o Diretor morresse, quem mais se beneficiaria?

No âmbito de seu conhecimento limitado, o único que poderia guardar rancor contra o Diretor era.

— Felix... entendo, a Família Kingsfort...

Kimberly sorriu como um gato, balançando a cabeça com satisfação.

— Essa é uma teoria extremamente possível.

— Mas isso é ridículo!

— Isso não é verdade. Por exemplo— durante a cerimônia da tarde, um mensageiro secreto da família Kingsfort veio sorrateiramente e teve uma reunião secreta com o Diretor.

A afirmação de Kimberly deve ter tido um significado oculto.

— Um mensageiro secreto... o que é isso?

— Como o próprio nome indica, é um mensageiro transportando um comunicado secreto. Recentemente, tem havido uma série de conversas acontecendo atrás de portas fechadas. Parece que aconteceu algo entre o Diretor e o Governo Britânico.

— ...não importa como você olhe, isso é estranho. Se eles quisessem atingir alguém, por que não mirar em mim?

 A pessoa que trouxe vergonha para a famosa casa Kingsfort foi o Raishin. Em vez de matar o Diretor, seria melhor se eles ordenassem a sua morte em vez disso, conseguindo assim a vingança contra Charl e Raishin ao mesmo tempo.

— Essa seria uma vingança muito simples.

Brincando com a xícara de chá vermelho, Kimberly o repreendeu.

— Ouça com atenção, Penúltimo. Ao contrário de você, que é movido pela emoção o tempo todo, os adultos primeiro avaliam algo antes de decidir a melhor forma de agir.

— ...o que é esse algo?

— Benefícios.

Embora isso parecesse vulgar, ela estava completamente certa.

— Se eles te matassem, eles seriam capazes de se livrar de você sem problemas. No entanto, isso não iria beneficiá-los em nada. Se você fosse um Kingsfort, qual seria seu maior e mais importante desejo?

— ...restauração?

— Exatamente. Restaurar a honra de seu nome significa que o Sir Walter será capaz de lucrar no mundo político. Para fazer isso, primeiro eles precisam ‘apagar’ o motivo de sua queda.

Ele entendeu. Se ele olhasse para a cadeia de eventos que ocorreram até agora com essa nova perspectiva em mente....

— Foi o Diretor que denunciou o Felix como Canibal Candy.

— Correto. Pode ter sido a minha análise que confirmou isso, mas a pessoa que confirmou os crimes de Felix e os denunciou publicamente foi o Diretor. Mesmo o meu julgamento está, no momento, sob suspeitas de ter sido influenciado pelas intenções do Diretor.

— Então, se eles não podem comprá-lo... eles querem apagá-lo e espalhar uma teoria de conspiração? Isso é estúpido. Assassinar o Diretor é o mesmo que admitir a culpa.

— O ponto é transformar algo que seja preto e branco em algo cinza, mesmo que para isso eles precisem recorrer a medidas brutas e ásperas para atingir seus objetivos. Na verdade, utilizar métodos violentos pode ser ainda mais eficaz em termos de silenciar os covardes lá fora, impedindo que eles levantem suspeitas.

Raishin rangeu os dentes. Isso era desagradável de se ouvir, mas a justiça não tinha poder neste mundo. Em vez disso, aqueles que tinham poder eram considerados a justiça.

— Os Kingsforts são conhecidos como filantropos e são uma família muito querida. Por outro lado, desde o escândalo de alguns anos atrás, os Belews tornaram-se uma Casa desprezada.

— Escândalo?

— Você não sabia? Durante uma viagem de caça do Príncipe herdeiro, um dos premiados autômatos do Conde tornou-se selvagem e despedaçou uma parte da vida do Príncipe Edmund.

—  ...!

— A Casa Belew é inimiga da Família Real. Além disso, a opinião pública pode ser muito instável. Mostre o menor indício de inconsistência e eles irão preencher o resto dos espaços em branco com o que eles quiserem pensar.

— Acima disso, se a Charl fosse exposta como culpada...

— Seria uma inversão completa em termos de quem é o vilão. Se você puder fazer com que as pessoas que escreveram sobre o caso ficarem vistas como ‘tabloides que vomitam lixo’, então todos os seus adversários políticos passariam a ser vistos como ‘tolos que foram manipulados pelos meios de comunicação’. Os Kingsforts seriam capazes de silenciar as vozes dissidentes através desse quadro e retomariam sua posição social e, possivelmente, iriam florescer ainda mais prósperos e brilhantes do que antes.

Raishin cerrou os punhos com tanta força que suas unhas cravaram-se em sua pele.

Sua impotência o fazia sentir como se tivesse levado um soco no estômago. Ele finalmente havia entendido porque Shouko havia proibido todas as suas ações. Raishin era apenas um único indivíduo. Uma existência impotente e fraca.

Observando-o com um olhar frio, Kimberly falou com frieza.

— Penúltimo. Lave suas mãos para este assunto.

— O QUE!?

— Não deixe o sangue subir a sua cabeça. Você vai acabar fazendo julgamentos ruins. Eventualmente, um desses julgamentos ruins irá acabar te custando a vida.

— Como eu posso voltar atrás agora!? Se os Kingsforts estão fazendo seu movimento, é mais uma razão para que eu...

— Eu desprezo idiotas. Você ainda não entendeu? Eu estou dizendo que você não tem nenhuma evidência para apoiá-la.

Raishin sentiu o suor frio escorrendo por seu rosto.

Ela estava certa. Não havia sequer um fragmento de evidência que ligasse a Família Kingsfort a esse caso e também não havia nenhuma evidência de que a Charl estivesse sendo controlada.

— O que eu acabei de dizer foi apenas uma conjectura. Se você iniciasse um incidente apenas porque foi vencido por suas emoções, então você acabaria colocando as irmãs Belew em posição de desvantagem. Você entende agora?

—  ...

— Vá esfriar sua cabeça e aja de forma mais adulta. Não é hora para um comportamento infantil.

— ...nesse caso, vai ficar tudo bem desde que eu tenha uma evidência, não é?

Seus olhares se chocaram.

Kimberly olhou para Raishin, que estava olhando diretamente para ela, como se estivesse tentando averiguar algo. Finalmente,

— É isso mesmo. Se você tivesse uma evidência, então não teria nenhum problema.

Ela riu enquanto falava com um tom de voz instigante.

 

Parte 5

 

Saindo do prédio, Raishin e Yaya finalmente voltaram para o Dormitório.

Era uma da manhã. O duro vento noturno ainda soprava no momento. A umidade no ar frio fez com que ele baixasse a cabeço por reflexo.

Yaya parecia bem. Ela estava estranhamente de bom humor, quase saltitando enquanto andava alguns passos à frente dele.

— Já faz um bom tempo desde que estivemos no Dormitório, não é?

— Sim.

— Isso não te faz se sentir um pouco nostálgico?

— Sim.

— O Dormitório não é um espaço público, certo?

— Sim, mas se você tentar algo estranho eu vou te expulsar, tudo bem?

— Tch...

— Você acabou de estalar a língua? Você acabou de fazer isso descaradamente, não foi?

— Mas tem feito tanto frio ultimamente... a Yaya vai congelar se ela for deixada sozinha.

— Não minta! Você tem coragem de dizer isso, considerando o fato de você ter tirado suas roupas sem sequer hesitar!?

Saindo do bosque, eles chegaram ao Dormitório Tartaruga.

No momento, o responsável pelo dormitório estava dormindo. Obviamente, isso significava que a entrada estava fechada... no entanto, Raishin tinha uma chave reserva. Esse era um dos privilégios de ser o portador de uma luva... um Gauntlet.

Voltando a trancar a porta após entrar, ele se dirigiu para o seu quarto.

Aquele era seu próprio castelo, onde ele se sentia estranhamente calmo. Tomando seus analgésicos, ele tirou seu uniforme e escovou os dentes. Os analgésicos logo fizeram efeito e uma onda de sonolência o atacou.

Resistindo ao sono, ele se reclinou em uma cadeira e começou a pensar.

Ele pensou no que Kimberly tinha acabado de lhe dizer.

— Você ainda está acordado, Raishin? Por favor apresse-se e vá dormir.

— Sim, eu vou assim que você sair da minha cama.

Yaya relutantemente saiu da cama dele e cambaleou até a sua própria.

No lugar dela, ele mergulhou sob as cobertas de sua cama. Os lençóis e o local em que Yaya tinha ficado estava quente por causa do calor do corpo dela. Deixando escapar um agradável suspiro de alívio, Raishin finalmente fechou os olhos.

Sentindo sua consciência se afastar, ele murmurou para a cama a sua frente.

— ...Yaya, uma pergunta sobre essa tarde. Por que estou tão desesperadamente tentando ajudar a Charl— mesmo depois da proibição da Shouko?

Ele sentiu um aumento na intensidade na respiração que vinha do outro lado. Yaya estava tensa.

— Nem eu mesmo estou muito certo do motivo.

— ...eh?

— Eu não me sinto atraído pela Charl. O Sigmund é, sem dúvidas, um oponente formidável e se ele fosse embora, isso poderia ser, na verdade, uma vantagem. Entretanto, se eles estiverem em problemas, então eu gostaria de ajuda-los.

— Raishin...

— Não apenas a Charl, mas a Frey também. Obviamente, isso também inclui você. O Loki— bem, deixando nossas diferenças passadas de lado, ele também é alguém que eu ajudaria. Acho que eu realmente tenho que ajudar a Charl, afinal. Além disso...

Henri estava pesando fortemente dentro de sua cabeça.

Ele sentiu uma afinidade com ela. Como alguém que também tinha um irmão mais velho superior, ele sentia um tipo distorcido de simpatia por ela, uma vez que ele sentia que ela se parecia um pouco com ele. Talvez tenha sido um mal-entendido arbitrário de sua parte, mas mesmo assim...

— Amanhã, vamos procurar pela Henri mais uma vez.

— Henriette? Não a Charlotte?

— A própria Charl disse para ‘não me envolver com ela’. Infelizmente para ela, eu sou um demônio antagonista.

— Está bem. A Yaya vai fazer como o Raishin diz, então.

Yaya humildemente respeitou a decisão dele.

Tentando dissipar sua tristeza, Raishin usou um tom suave de voz quando prosseguiu.

— Desculpe por sempre sobrecarregá-la com coisas incômodas.

— Não diga isso... enquanto a Yaya puder ficar ao lado do Raishin, a Yaya vai ficar feliz.

— Algum dia, eu vou fazer algo por você.

— Raishin... isso significa que...

Aquilo foi um grande baque no peito de Yaya.

— Você vai pedir a Yaya em casamento...?

— Que diabos!?

— Mas você não disse que ia ouvir qualquer pedido da Yaya?

— Eu não pretendo ir assim tão longe! Tudo o que eu disse é que eu iria fazer as pazes com você!

— Nesse caso, por favor, faça da Yaya a sua esposa!

— Não me venha com essa de ‘Nesse caso’! Eu não estou assumindo nenhum tipo de compromisso desse tipo!

Os lençóis na cama diante dele voaram.

Em meio a escuridão, ele podia sentir a presença de um animal feroz se aproximando.

Agarrando firmemente o seu cobertor, ele se preparou para o ataque da fera voraz.

Lutando contra o cansaço, Raishin mais uma vez passou a noite em claro.

Finalmente, na manhã seguinte.

No primeiro andar do Dormitório Tartaruga havia uma grande sala de jantar e os estudantes que ali viviam estavam todos reunidos lá.

Era hora do almoço e uma freira estava fazendo com que todos dessem graças.

Vagamente acompanhando as palavras, Raishin estava passando manteiga em sua torrada queimada quando deixou escapar um bocejo.

Sua falta de sono era óbvia. Seus olhos estavam vidrados e pareciam pesados. E também haviam olheiras sob eles.

Ao lado dele, Yaya também estava com sono. Com um olhar meio adormecido em seu rosto, ela estava lentamente tentando tirar a casca de seu ovo cozido.

Visualizando a atitude suspeita de ambos, o responsável pelo dormitório veio até eles.

— Olhe aqui, Raishin...

Ele estava prestes a dizer alguma coisa, mas parou. Balançando a cabeça.

— Não, não é nada. Eu também já passei por essa fase. Na sua idade, se você não encontrar alguma maneira de liberar esses impulsos a cada noite, isso vai acabar afetando sua capacidade de estudar.

— Não olhe para mim desse jeito! Eu não tenho feito nada do que você está pensando!

— Eu sinto muito, responsável pelo dormitório. O Raishin estava tão vigoroso na noite passada... <3

— Não dê a ideia errada para as pessoas de propósito! A única coisa em que eu fui vigoroso na noite passada foi na minha resistência!

Os estudantes que os cercavam caíram na gargalhada. Sentindo uma enxaqueca chegando, Raishin mordeu sua torrada queimada. Bebendo seu leite fresco e mastigando as grossas fatias de bacon, ele também colocou sal sobre seus ovos mexidos e estava prestes a coloca-los na boca quando,

— Ei, você ouviu? A T-Rex supostamente é a pessoa por trás da destruição da torre do relógio.

Ouvindo isso, Raishin colocou toda a sua concentração em sua audição.

— Isso não é algo de que as pessoas possam apenas rir e sair impunes.

— Ela, essencialmente, está desafiando a autoridade da Academia, não é? Eles vão impor a punição máxima para ela.

— Mesmo que o diretor a perdoe, nós não iremos.

Pelo tom de suas vozes, eles não estavam brincando. A hostilidade estava lá e eles estavam emitindo uma presença perigosa.

— No fim, a T-Rex é uma vilã depois de tudo.

— Nesse caso, depois do incidente envolvendo o Felix...

Em meio aos zumbidos na sala de jantar, uma estranha atmosfera começou a preencher a área.

— Eu não posso acreditar que alguém como o Felix seria um assassino...

— Sim, se estamos falando sobre isso... eu acho que tem alguma coisa suspeita nesse assunto. Eles não disseram que a Academia tinha recusado uma oferta de ajuda vinda do próprio núcleo de investigação do Governo? Se for assim, então é tudo coisa do Diretor...

— Se a T-Rex é uma vilã, então o Penúltimo provavelmente também está envolvido. Ele acabou de se transferir para a Academia e subitamente já está na Festa Noturna. O timing é perfeito demais...

Houve um som alto de uma cadeira raspando o chão quando alguém subitamente se levantou ruidosamente.

O silêncio tomou conta da sala em um instante. Todos os olhos se voltaram para a pessoa que não havia demonstrado nenhuma etiqueta.

Era Raishin.

Yaya olhou para ele com uma expressão preocupada no rosto.

O grupo que estava falando sobre Charl, silenciosamente encarou Raishin.

A tensão na sala era tão grossa que poderia ter sido cortada com uma faca— No entanto, Raishin despreocupadamente pegou sua bandeja, a levou até a pia e a lavou rapidamente antes de deixar a sala de jantar. Yaya rapidamente o seguiu.

Assim que ele saiu da sala, risadas puderam ser ouvidas lá dentro.

Yaya olhou para a sala de jantar com irritação.

— Que rude...

— Não se preocupe. Se eles querem rir, deixe que riam.

Ele estava acostumado a ser ridicularizado, mas isso não era importante.

Pelo que ele ouviu, Charl agora era inimiga de todos na Academia.

Se ele não resolvesse o problema rapidamente, ele logo se tornaria incapaz de fazer qualquer coisa para ajudá-la. Mesmo que ele destruísse os registros da Academia, ela não seria capaz de voltar para este lugar.

— Eu estou me declarando de folga das aulas de hoje. Primeiro vamos encontrar a Henri, em seguida, vamos atrás da Charl—

— ...Raishin? Qual é o problema?

— É a Henri.

— Eh?

Raishin estava olhando pela janela. Seu olhar estava fixado em alguma coisa.

Falando no Diabo. Em um pequeno caminho dentro do bosque, havia a figura de uma garota correndo apressadamente para algum lugar.

Seu cabelo cor de linho e uma boina fora de moda se destacavam. Não haviam dúvidas de que era a Henri.

— Ela está tramando algo outra vez?

Pelo que ele podia ver, ela não parecia estar carregando uma corda para se enforcar. No entanto, ainda havia a possibilidade de que ela estivesse escondendo uma faca em algum lugar de seu corpo. Raishin se aproximou, agarrando o parapeito da janela, para obter uma visão melhor de para onde ela estava indo.

Naquele momento, Yaya subitamente gritou.

— Raishin! É a Charlotte!

Yaya estava apontando para um caminho entre as árvores. As densas copas das árvores não eram capazes de ofuscar seu reluzente cabelo dourado.

Isso significava que Sigmund estaria nas proximidades. Lá estava ele!

Diretamente abaixo de Charl, seu grande corpo estava escondido em meio as árvores.

Charl estava olhando na direção das ruínas da torre do relógio. Henri estava indo na mesma direção.

(Alguma coisa está acontecendo...?)

Raishin saltou sobre o parapeito da janela, estendendo o corpo para fora.

As árvores estavam bloqueando sua visão. Mesmo assim, ele podia ver várias figuras nas ruínas da torre do relógio. Todos estavam vestindo ternos e mantinham um olho nos arredores. O brilho da luz do sol estava sendo refletido em alguma coisa, provavelmente armas.

Por fim, de pé atrás das pessoas armadas, havia um grande homem de físico notável.

Era o Diretor. Por que ele estaria ali nesse momento do dia...?

— ...ele está conduzindo a investigação sobre a torre do relógio!

Ele provavelmente estava lá para determinar a razão para sua queda e para conferir o seu estado atual.

Em um instante, Raishin deduziu o plano de Charl.

(Eu sou muito idiota. A Professora Kimberly me disse tudo sobre isso ontem, não disse!?)

Sigmund estava se remexendo dentro do bosque. Assim que ele percebeu que Sigmund estava prestes a levantar voo, Raishin saltou pela janela.

— Raishin!?

Yaya foi pega de surpresa. Sem parar seu movimento, Raishin gritou para ela por cima do ombro.

— Não me siga! Entre em contato com a Shouko!

— Eh... não! A Yaya também vai!

— Apresse-se e vá! Estou contando com você!

Virando a cabeça de volta para ver sua frente, Raishin continuou a correr. Sigmund se ergueu do bosque diante dele. Charl deu um leve salto do galho em que estava, aterrissando nas costas de Sigmund.

Erguendo-se das copas das árvores, eles subiram ao céu. Não parecia que eles tinham notado a presença de Raishin, que estava correndo abaixo deles. Olhando para cima, ele viu que a mandíbula de Sigmund estava aberta.

(Como eu pensei, ele vai atacar!)

As ruínas da torre do relógio e o diretor estavam em sua linha de fogo.

Além disso, havia também a figura de Henri, que estava correndo em direção aquele lugar.

— Onee-sama! Pare! Onee-sama!

Henri estava gritando para ela. No entanto, sua voz se perdia em meio ao vento e ao farfalhar das folhas.

Charl não tinha notado a presença de Henri. Sigmund ainda estava se preparando para disparar. Raishin tinha uma sensação sinistra. A esse ritmo, a Henri iria acabar morrendo!

Ignorando a dor em seu ombro, Raishin começou a correr.

(Permita que eu consiga a tempo!)

Passando pelo túnel de árvores em um só fôlego, ele voou em direção à rua principal.

Henri estava bem à frente dele. Ironicamente, os gritos dela haviam alertado os guardas de segurança. Finalmente percebendo a figura de Sigmund, eles começaram a criar uma confusão.

No entanto, uma vez que era apenas um tiro, o Canhão Lustre não era algo de que eles pudessem se defender.

Finalmente, a luz escapou da mandíbula de Sigmund.

Era uma torrente de luz explosiva. O ambiente ficou saturado com seu brilho, fazendo com que o campo de visão de Raishin ficasse completamente em branco.

Raishin chutou o chão com toda a sua força, estendendo a mão para as costas de Henri.

No instante em que seus dedos roçaram os ombros dela, o feixe de luz atingiu os escombros da torre do relógio, fazendo com que o lugar parecesse ter sido completamente varrido. Houve um rugido que soou como uma avalanche e, então, o chão subitamente desapareceu.

O chão abaixo deles desmoronou, dando origem a um enorme abismo.

Sem entender completamente o que tinha acabado de acontecer, Raishin caiu no fundo do abismo.



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