Volume 2
Capítulo 5: A Noite de Walpurgis
Parte 1
O campo de batalha estava iluminado por inúmeras lâmpadas a gás.
A luz refletida no aço de Cherubim parecia ter vida própria.
Loki não havia levantado sequer uma mão para controlar Cherubim, mantendo-as enfiadas nos bolsos. Mesmo assim, parecia haver um fluxo contínuo de energia mágica entre eles. Suas lâminas gigantescas foram empurradas na direção de Yaya, que rapidamente desviou com uma cambalhota.
Ele estava testando Raishin com um ataque surpresa. Ninguém na plateia pareceu protestar. Não havia nada que fosse injusto, uma vez que a Festa Noturna havia começado.
Raishin tirou seu casaco e começou a concentrar sua energia mágica.
— Nossa vez, Yaya. Suimei Nijuuyonshouu!
— Entendido!
Yaya avançou com um poder impressionante. Dobrando seu corpo, ela tentou acertar Cherubim diretamente com um chute. Era um ataque poderoso, mas Cherubim esquivou-se dele sem muita dificuldade.
(... Assim como eu pensava.)
Sempre que Cherubim se movia, rajadas não naturais se formavam. As correntes de ar pareciam auxiliar nos movimentos de Cherubim— esse era um circuito mágico capaz de controlar o vento?
Desequilibrada, Yaya estava sob ataque da lâmina de Cherubim.
Yaya agilmente esquivou-se com um salto para trás, mas o adversário rapidamente diminuiu a distância entre eles. No entanto, antes que ela fosse encurralada, Raishin liberou sua energia mágica, executando um comando.
— Tenken Shijuuhatsuketsu!
A força de Yaya foi aumentada. Ela agarrou, com a mão nua, a lâmina que se aproximava, segurando-a com força. Brandindo a lâmina de seu outro braço, Cherubim também a usou para atacar Yaya. Novamente, ela agarrou a lâmina com sua outra mão.
Uma disputa de força iniciou-se entre os dois autômatos. Esse por esse tipo de luta que Raishin estava esperando.
No momento em que Yaya bloqueara as lâminas gêmeas de Cherubim, Raishin já estava correndo.
Usando as costas de Yaya como um degrau, ele saltou por cima dela e acertou um chute diretamente na cabeça de Cherubim. A área do pescoço começou a dobrar, oscilando devido à pressão. A cabeça era seu ponto fraco!
Loki estalou a língua. Por um momento, ele voltou sua atenção para Raishin— que era o que Raishin esperava que ele fizesse.
Recuando após o chute, ele reuniu energia ainda no ar.
— Kouen Nijuuyonshou!
Ele canalizou a energia para ela. Yaya largou as lâminas e começou a atacar.
Ela deu um chute, outro chute e prosseguiu com um chute giratório, desencadeando uma enxurrada de ataques ferozes.
Cherubim habilmente bloqueava os ataques de Yaya com suas lâminas, retraindo-as assim que ela executava cada ataque. Seus movimentos eram suaves e fluidos, como se ele estivesse deslizando pelo ar, e seu corpo parecia ser feito da iluminação artificial refletida.
Além disso, seus movimentos eram extremamente precisos. Ele não tentava enfrentar a monstruosa força de Yaya diretamente, mas aplicava seu poder lateralmente, habilmente ajustando o vetor de cada um dos ataques, desviando os chutes de Yaya.
Raishin estava atônito. Loki realmente era um marionetista soberbo. Ele não sabia até que ponto aqueles movimentos eram devidos a própria iniciativa do autômato, mas mesmo assim, era incrível que ele pudesse fazer algo como aquilo!
A surpresa fez com que ele perdesse a concentração por um momento e, nesse momento, várias pequenas espadas foram lançadas das costas de Cherubim. Cortando o ar, elas iam na direção de Yaya.
(Telecinese...!?)
Ele havia visto esse mesmo ataque no subsolo. Parecia que essa era uma técnica própria dos autômatos da D-Works. Pela velocidade com as quais as lâminas estavam voando, ele podia dizer que aquela não era uma telecinese qualquer.
Provavelmente era alguma arte mágica genérica. Algo relacionado com o circuito mágico instalado dentro do Cherubim.
Não importava o quanto ele olhasse para aquilo, tinha que ser uma arte mágica capaz de controlar o vento, certo?
Ele observou a trajetória das espadas. Era algo do qual se poderia desviar facilmente— enquanto pensava nisso, ele notou.
Se Yaya desviasse das lâminas, elas iriam acertá-lo!
Em algum momento, a linha de fogo havia se transformado em uma só. Não, talvez aquele fosse o objetivo desde o começo.
Atacar o marionetista com uma arte mágica era considerado uma violação das regras, porém o Comitê Executivo não iria considerar isso como sendo uma falta. Relutantemente, Raishin ordenou que Yaya o protegesse.
As pequenas espadas acertaram Yaya e ricochetearam. A pele dela nem mesmo mostrava traços de ter sido atingida.
Loki franziu a testa. A resistência de Yaya era um desenvolvimento incômodo para ele.
— Hmpf. Essa resistência de vocês é um incômodo.
— Lâminas não podem cortar a Yaya.
Yaya estufou o peito com orgulho. Loki limitou-se a bufar, segurando o riso.
— Você será, em breve. Não há nada que o Cherubim não possa cortar.
Tirando as mãos dos bolsos pela primeira vez, Loki as estendeu na direção de Cherubim.
— Cherubim— Gire!
[Estou pronto.]
Uma forte rajada de ventou explodiu a partir de Cherubim.
A neblina térmica que se seguiu fez o ar ao redor dele começasse a brilhar. O cheiro de alguma coisa queimando, que Raishin odiava, e o cheiro de fogo preencheram o ar. Cherubim estava expelindo ar quente enquanto flutuava.
Era como a silhueta de um anjo grotesco. E tudo aquilo subitamente mudou.
Seus ombros, braços e lâminas começaram a se juntas, formando uma peça única. As demais partes do corpo começaram a se combinar, como em um quebra-cabeças, e, um instante depois, o anjo havia tomado a forma de uma espada.
Era uma grande espada, mais alta do que um adulto. Lindamente curva e com dois gumes, ela era inesperadamente brilhante, sem nenhuma imperfeição no metal. Na base, o rosto de Cherubim podia ser visto, o que dava a ela uma aparência estranha.
Os olhos de Raishin quase saltaram de suas órbitas. Por outro lado, isso também fazia sentido. Ele sempre achou que havia um número excessivo de placas de aço, mas descobriu que elas estavam lá para que Cherubim pudesse assumir essa forma estranha!
Loki levantou a mão direita e, em seguida, voltou a abaixá-la.
Seus movimentos pareciam estar ligados com os de Cherubim, porque a grande espada começou a atacar. Parecia que havia um gigante invisível brandindo aquilo por aí. A grande espada cantarolava enquanto girava, indo com força total na direção de Yaya.
— Desvie!
Considerando o peso por si só, o poder deste ataque era significantemente diferente do anterior.
Yaya desviou e a espada cravou-se no chão, causando fissuras que se espalharam a partir do ponto de impacto. O atrito gerado queimou o gramado ao redor.
O impulso da grande espada não foi interrompido, então ela continuou se movimentando, cortando na direção de Yaya mais uma vez.
Raishin apressadamente concentrou sua energia mágica. Ele ia aumentar ainda mais o poder de Yaya, de modo que ela ficasse extremamente resistente. Com isso, ela deveria ser capaz de parar até mesmo um tiro dado por um navio de guerra
A confiança dele se esvaiu. Abruptamente, ele usou Força contra Yaya, assumindo o controle das ações dela.
Yaya foi pega de surpresa, mas não resistiu, entregando o controle de seu corpo para Raishin.
Ele fez Yaya saltar para trás. A grande espada roçou em seu peito, fazendo uma linha de sangue escorrer pelo ar.
Raishin estava sem palavras. E pensar que existiria algo capaz de atravessar a resistência monstruosa de Yaya!
Além disso, foi apenas um arranhão. Se isso acertasse a cabeça dela, essa disputa estaria acabada.
— Hmpf. Você não é um idiota, vou admitir isso.
A grande espada agora estava diante de Loki. Fogo saía da parte de cima dela e aquecia todo ar ao redor. Era como uma imagem de uma espada de fogo empunhada por um anjo tivesse sido retirada diretamente das escrituras.
Mais uma vez, a grande espada começou a se mover, preparando-se para atacar. Raishin encontrou-se fugindo sem pensar.
Havia uma pitada de frustração na voz de Yaya quando ela disse,
— O que foi, Raishin!? Por favor, devolva a energia mágica da Yaya! Dessa vez eu me machuquei um pouco, mas um ataque desse nível é algo que a Yaya certamente pode aguentar!
— Apenas desvie! Suimei Nijuuyonshou!
Ao invés da força, Raishin estava usando o poder monstruoso de Yaya para aumentar a agilidade dela. Yaya não resistia e desviava lateralmente de todos os ataques seguidos da grande espada.
Antes que ele notasse, as costas de Yaya já estavam diante de seus olhos. Após ser encurralada, as costas dela agora estavam a menos de um centímetro de distância. Não havia mais espaço para recuar.
Inesperadamente, Raishin perdeu forças da cintura para baixo.
Obviamente, ele rapidamente se recompôs. Entretanto, um calafrio percorria sua espinha. O fracasso daquela tarde havia drenado boa parte de sua força e de sua energia mágica. Desse jeito, essa lutaria não acabaria bem!
Agora que a situação tornara-se desfavorável, seus pensamentos naturalmente voltaram-se para sua carta na manga.
(Se pudéssemos derrubá-lo com um golpe... Não, isso não funcionaria. Nessa situação ele não seria atingido.)
Nesse caso, o que ele deveria fazer então?
Ele voltou sua atenção para as pontas de seus dedos. Como o sangue fluindo por seus vasos sanguíneos, ele podia sentir a energia mágica fluindo dele. Entretanto, o fluxo era irregular. Comparado a Loki, ele era simplesmente horrível.
Talvez fosse como Yaya havia dito. Não havia outro modo além de parar o ataque dele.
— Raishin! Não podemos continuar desse jeito!
— ... Entendi. Tenken Kyuujuurokushou!
Colocando a mão sobre as costas de Yaya, ele canalizou toda a sua energia mágica em—
Naquele instante, Raishin foi assolado por uma onda de medo, caindo em poço de escuridão.
Era uma misteriosa sensação de inquietação. Ele sentia como se estivesse caindo na escuridão, incapaz de sentir qualquer coisa além de medo.
A grande espada aproximava-se de Yaya como um raio. Yaya estava preparando-se para o impacto. Raishin mais uma vez preparava-se para canalizar energia mágica para ela.
De repente, ele agarrou Yaya pelos ombros, trocando de posição com ela.
Por que ele fez isso, ele não tinha ideia.
Raishin tinha um objetivo que ele deveria alcançar. Um inimigo que ele deveria derrotar a qualquer custo. Mas, mesmo assim, ele fez o impensável.
Seu corpo moveu-se por conta própria. Provavelmente porque ele não queria que Yaya morresse.
A lâmina atravessou seu peito com toda a força.
Um calor abrasador tomou conta de seu cérebro por um segundo, queimando a sensação de dor por todo o seu corpo. Parecia que suas entranhas estavam sendo arrancadas. Algo voou de dentro dele, atravessando o ar. Era o amuleto que Charl dera a ele, o qual devia ter sido cortado pela lâmina.
Quando ele voltou a si, ele estava caído no chão, vagamente consciente de que estava deitado sobre a grama.
Ele não podia mover seu corpo. Estava frio. Seu corpo estava lento e entorpecido. Ele podia sentir o calor deixando seu corpo e o cheiro de sangue assolava suas narinas.
Sua visão começou a falhar e ele sentia como se estivesse à deriva em um mundo distante.
— Raishin... Raishin...!
Havia uma voz frenética chamando por ele. A visão do rosto de Yaya manchado de lágrimas trouxe a sua mente alguém de suas memórias.
Parte 2
— ... Nadeshiko?
Ela agarrou-se as suas costas, fazendo-o se sentir mal. Ele afastou sua irmã mais nova, mas ela ainda não estava disposta a deixá-lo ir e se agarrou ao seu peito dessa vez.
— Por favor, não vá...!
Raishin coçou a bochecha, desconcertado.
— ... Eu já disse, não disse? O velhote me expulsou, então não há nada que eu possa fazer quanto a isso.
— Mentiroso!
Uma súbita explosão.
— Você disse que ia me levar para ver os fogos de artifício no próximo ano! Você disse que até a Nadeshiko se casar, você estaria ao meu lado!
— Não diga isso. Eu posso não estar mais nessa casa, mas eu ainda posso levar você para ver os fogos de artifício.
— Odeio você...
Lágrimas caíam pelo rosto de Nadeshiko. Ela fechou os olhos e gritou para Raishin.
— Eu odeio você!
— Ah, entendo. Bem, então eu também odeio minha irmãzinha, que sempre parece não conseguir se despedir do seu irmão mais velho.
— ...!
Os dedos de Nadeshiko perderam sua força e ela soltou suas roupas.
Ela havia sido ferida. Seu rosto mostrava isso. “Merda...”, pensou Raishin, mas já era tarde demais. Antes que ele pudesse dizer algo mais, ela já havia dado as costas a ele e desaparecido atrás do portão.
Raishin suspirou, sorrindo ironicamente e dando as costas para a família na qual ele havia nascido.
Aquilo não era nada que demandasse uma grande confusão. Era apenas uma discussão infantil.
Em breve ele seria capaz de fazer as pazes com ela.
Ele seria capaz de concertar o relacionamento deles.
Em breve ele veria os pais novamente. Não era como se aquele fosse o último adeus. Em algum lugar dentro do seu coração, ele estava tranquilo com aquela situação.
Aquelas foram as últimas palavras que ele disse para sua irmã.
Parte 3
A grande espada pousou no chão com um baque.
— Raishin! Abra os olhos, Raishin!
A garota autômata estava com os olhos arregalados. Abraçando seu mestre, o desespero dela era quase cômico. Entretanto, o sangue que fluía dele recusava-se a parar. A luz vinda de baixo revelava uma ferida negra.
Os alunos que estavam assistindo ficaram em silêncio, prendendo a respiração enquanto esperavam pelo que aconteceria a seguir.
Loki olhou friamente para a figura caída de Raishin e, em seguida, deu as costas para ele.
— ... Vamos, Cherubim.
[Sim, sim... Hmm?]
A cabeça de Cherubim estava inclinada. Parecia que ele estava questionando Loki por ele ir embora sem confirmar sua vitória.
— Essa situação foi causada por esse próprio idiota. Não há dúvidas de que a culpa não foi minha. Entretanto, se ele for morto agora, eu perderia a minha Entrada. Então, no momento, vou deixar que ele receba o tratamento. Isso é tudo.
[Estou pronto]
Ele parecia ter entendido. Suas partes começaram a se separar e a se realocar, fazendo com que ele retornasse a sua aparência humanoide.
Levando Cherubim junto, Loki deixou o campo de batalha.
Com a retirada daquele com a maior classificação, um cessar-fogo foi estabelecido e a equipe médica correu na direção do campo.
Como se eles subitamente tivessem se lembrado de como fazer isso, os estudantes começaram a fazer barulho. Vendo o grande volume de sangue, alguns até mesmo desmaiaram. Loki estava, de algum modo, um pouco deprimido quando passou pela multidão e caminhou na direção da Rua Principal.
Caminhando pela rua deserta, eventualmente ele chegou até seu destino: os portões da Academia.
Depois de receber a permissão da sentinela, ele entrou. Subindo um lance de escadas, ele abriu a porta da sala de espera para encontrar-se com um elegante cavalheiro tomando chá. O cavalheiro olhava como se ele fosse o orgulho de sua vida.
— Parece que a luta acabou.
A voz era dura, com um toque de infelicidade. A garganta de Loki ficou seca.
— Eu recebi um relatório pelo telégrafo. A conclusão da batalha foi um pouco decepcionante.
— ... Sinto muito, pai.
— Por que você não tirou a luva dele?
Olhos frios estavam apontados para ele. Sentindo uma enorme quantidade de energia mágica, Loki recuou.
— ... Se eu tivesse tentado fazer isso, aquele autômato teria resistido.
— Você poderia apenas tirá-la do caminho. Ou você acha que o meu Cherubim seria derrotado por uma marionete sem um controlador?
— Ela é uma bandoll, pai. Você mesmo disse isso.
O cavalheiro ficou em silêncio, olhando para Loki, que continuou.
— Se ela resistisse por muito tempo, seu controlador poderia acabar morrendo. Qualquer participante cujo o adversário morra, será privado de sua entrada seja lá qual for o motivo da morte. Portanto...
— ... Tudo bem, chega disso. Eu confio no seu julgamento nesse caso, entretanto...
Um arrepio percorreu a espinha de Loki. A voz do cavalheiro havia se tornado penetrantemente fria.
— Por que você agiu sozinho?
Loki não respondeu imediatamente. Suor começou a se formar nas palmas de suas mãos.
— Eu estou perguntando por que você abriu mão do seu Sétimo Assento e, por vontade própria, caiu para o 99º assento?
— ... Isso era necessário para o plano, então eu exerci meu próprio julgamento.
— Oh? O que você quer dizer com isso?
— Frey não tinha nenhuma chance de vitória. Eu queria permitir que o Garm e o Angel se enfrentassem em combate, para mostrar as diferenças em suas habilidades de combate, então, primeiramente, eu tinha que eliminar o Penúltimo.
— Isso foi uma coisa desnecessária de se fazer.
— ... Peço desculpas.
— Está tudo bem. Você é um filho do qual me orgulho muito. Eu apenas terei que ficar de olho nesse seu egoísmo trivial. Eu também irei lidar com os militares se eles causarem alguma confusão sobre o caso. Entretanto— da próxima vez, se você hesitar desse jeito novamente, eu não terei alternativa além de fazer seu coração parar de bater.
— ... Entendido.
— Assim como você planejou, amanhã Rabi e Cherubim irão se enfrentar. Não há necessidade de se segurar. Lute como se você quisesse destruir seu adversário.
— Entendido.
— Eu tenho grandes esperanças em você. Vá e mostre toda a força dos seus sentimentos. Se você o fizer, também será bom para a Frey.
A testa de Loki contraiu-se levemente. Ele não sabia se o cavalheiro havia notado ou não.
— ... É claro, pai.
Sendo liberado, ele inclinou-se e se retirou.
De costas para o cavalheiro, os dentes de Loki mostravam sua fúria, enquanto ele caminhava para fora.
Parte 4
Charl correu para a Enfermaria, para onde Raishin havia sido levado.
A coisa na qual Raishin havia sido transportado era uma ideia genial da Faculdade de Medicina: uma cama simples e que poderia ser conjurada. Automaticamente ajustando-se as diferenças de altura e passando por cima dos buracos e elevações do solo, ela havia sido projetada para absorver os impactos. Além disso, era perfeitamente ajustável de acordo com as dimensões da vítima.
Dentro da Enfermaria, várias alunas da Equipe Médica e o Doutor Cruel estavam esperando.
Cruel tinha um sorriso refrescante em seu rosto, elogiando a Equipe por seu trabalho. Ao ver o rosto de Charl, porém, seu rosto murchou. Parecia que olhar para o rosto dela trazia a ele lembranças de alguma experiência particularmente dolorosa.
Raishin estava ainda mais para dentro da Enfermaria, na sala de tratamento. Com exceção da Equipe Médica, ninguém mais tinha permissão de entrar. Yaya parecia ter sido afastada de Raishin a força. Ela estava em um estado perturbado, tentando agarrar-se ao corpo dele.
— Raishin! Raishin!
Energia mágica estava vazando do corpo dela, ativando seus próprios circuitos mágicos.
(Essa idiota! Ela vai deixar que descubram que ela é uma Bandoll!)
Charl estava prestes a correr na direção de Yaya para impedi-la, mas alguém chegou até Yaya primeiro.
Seu liso cabelo prateado era lindo. Muito parecido com o verdadeiro, ele brilhava sob a luz.
Sua figura, roupas e a estrutura do corpo era surpreendentemente semelhante as de Yaya.
Yaya virou-se para a garota e clamou:
— Irori-nee-sama...!
Ela a chamou de nee-sama— mas isso não seria possível, uma vez que autômatos não são conectados pelo sangue. Parecendo dois retratos pintados pelo mesmo artista, elas passavam a impressão de possuírem o mesmo criador.
— Acalme-se, Yaya.
— Mas, o Raishin está—! É exatamente como na última vez... Ele protegeu a Yaya e então... sangue! Yaya não está machucada, mas ele recebeu o golpe... por causa da Yaya... Raishin, Raishin!
Um pequeno som agudo pode ser ouvido quando a bochecha de Yaya ficou vermelha.
— Acalme-se.
A voz dela era fria e assustadora. Yaya encolheu-se e, então, voltou a si.
— De que adiantaria causar uma confusão aqui?
O espírito de Yaya estava visivelmente afundado. Sua cabeça caiu e ela continuou a chorar silenciosamente.
Vendo o estado de Yaya, a garota chamada Irori a abraçou, falando gentilmente.
— Acredite no Raishin. Acredite e espere. Não há nada a temer. Raishin é forte. E ele não vai morrer antes de derrotar o Tenzen.
Incapaz de segurar suas emoções por mais tempo, Yaya escondeu o rosto no peito da irmã.
De todo modo, de alguma forma parece que a Yaya estava mais calma. Assim que ela recuou, Charl notou que as palavras de Irori também haviam á incentivado. Ela não sabia quem era esse ‘Tenzen’, mas desde que ele estivesse vivo, Raishin não iria morrer. Com certeza.
Orando pela segurança dele, Charl sentou-se do outro lado da sala.
Ela abriu os olhos de uma vez.
Diante dela, estava Sigmund, com um cobertor preso em sua boca. Parece que ele havia pego aquilo em algum lugar.
— Desculpe. Acordei você?
— Eu adormeci? Quanto tempo se passou? Como está o Raishin?
— Parece que ele ainda está desacordado.
Grogue, Charl esfregou os olhos. Uma vez que ela havia adormecido em uma posição desconfortável, seu pescoço estava doendo.
Olhando ao redor, ela notou que estava sentada em um banco na frente a Enfermaria. A luz vinda do corredor começava a desaparecer, mas a luz que vinha da Enfermaria ainda estava forte, iluminando o local em que ela estava.
— De qualquer forma, mesmo se ele tivesse acordado, agora seria hora dele estar dormindo. Você também deveria descansar.
— Sim...
Envolvendo-se com o cobertor, ela abraçou os joelhos sobre o banco.
— Que idiota. Um idiota brilhante. A idiotice dele é tão grande que chega ao céu. Se ele tivesse pensado por um momento, a resposta seria óbvia. Aquele ataque foi capaz de cortar a Yaya, então não havia a menor chance dele receber aquele ataque diretamente e sair ileso.
— ...Isso é verdade, no entanto.
Pousando sobre o cobertor e curvando-se como um gato, Sigmund continuou.
— Yaya possui uma força defensiva e uma resistência soberbas. Ela mesma disse. Lâminas não podem cortá-la.
— Mas ele conseguiu feri-la. E foi um corte limpo também.
— É aí que está a questão. Ele recebeu diretamente um ataque forte o bastante para ferir a Yaya, mas mesmo assim o Raishin não foi partido em dois.
— —Qual é o significado disso?
— Matar o seu oponente significa ser instantaneamente desqualificado. Charlotte, você acha que o Loki se segurou?
— Se segurou... Mas, você viu a força do golpe, certo? Cherubim já estava em um movimento avançado do golpe. Uma vez ultrapassado esse ponto, é improvável que ele fosse capaz de se segurar.
Raishin havia apenas trocado de lugar com Yaya. Ele não havia saltado na frente dela. Portanto, apenas a ponta da lâmina tocou nele. Seria essa a razão pela qual o ferimento foi superficial?
— Hipoteticamente, se você desativasse a arte mágica— não, mesmo se você rompesse a conexão, a inercia ainda forçaria a lâmina a continuar. A única maneira de pará-la seria por meio da telecinese... Ah.
Charl finalmente entendeu o que Sigmund estava tentando dizer.
— É verdade. O circuito mágico do Cherubim é de natureza telecinética.
A D-Works havia enviado o Cherubim tendo grandes expectativas sobre ele. Era um protótipo de primeira linha. Esse complicado mecanismo de transformação possuía tecnologia de ponta. Obviamente, o circuito mágico instalado nele também seria de primeira linha.
Uma arte mágica forte o bastante para cortar o corpo de Yaya. E ainda, essa arte mágica também permitia que um grande peso pudesse ser controlado com facilidade. Não apenas era capaz de permitir que uma espada gigantesca flutuasse, mas também era capaz de arremessar pequenas lâminas na direção do adversário. O que no mundo era esse circuito?
— Descobrir isso pode ser a chave para derrotar o Imperador da Espada.
— Você tem razão. Quando aquele idiota acordar, eu conto isso a ele.
— Está mesmo tudo bem em fazer isso?
— Hum?
Sigmund encarou Charl com prudência no olhar.
— Se ele vencer, Raishin ficará mais forte. A experiência faz os humanos brilharem assim como um uma pedra após ser polida. Especialmente o Raishin, que é do tipo que ganha mais força a medida em que progride dentro das batalhas.
Ela entendeu. Para os oficiais responsáveis, Raishin era apenas mais um na multidão. Porém, o potencial de batalha dele era incrível. Se ele ganhasse experiência o bastante, ele era do tipo que cresceria aos trancos e barrancos.
— Você ocupa o Sexto Assento dos Rounds— a menos que você planeje fazer o mesmo que Loki e voluntariamente cair de posição apenas para enfrentar o Raishin. Se ele percorrer todo o caminho até ficar frente a frente com você, a força dele poderá exceder as suas expectativas.
— ... Não me faça repetir. Eu sou Charlotte, da nobre casa Belew. Não importa o quão forte esse idiota fique, eu irei acabar com ele. Além disso...
Pela primeira vez naquela noite, Charl sorriu.
— ... Seria uma pena se ele saísse agora que ele também chamou a sua atenção.
— “Também” implica que ele já havia conseguido a sua atenção, sabia?
— O que— Eu—Vo—
— Sinto muito. Talvez eu tenha ido um pouco longe demais. Recentemente, sempre que eu olho para você o seu rosto parece estar tão quente quanto um incêndio.
— Fique quieto agora mesmo, Sigmund! Eu vou mudar o seu almoço de frango para leite em pó!
Sigmund sorriu ironicamente, escondendo o rosto atrás de sua cauda, para fingir que não estava escutando-a.
Charl fez beicinho. Agarrando as asas dele, ela tentou separá-las com toda a sua força.
(O que foi... Não é como se fosse grande coisa eu estar um pouco interessada, é?)
Raishin era o primeiro amigo que ela havia feito na Academia.
É melhor você não morrer, Raishin.
— ... Por que eu estou muito preocupada com você.
Em uma voz que ninguém poderia escutar, Charl sussurrou.
Corando, ela rapidamente se cobriu com o cobertor, puxando-o por sobre a cabeça.
Parte 5
Pouco antes do amanhecer, na hora em que o ar ainda estava frio.
A Faculdade de Medicina estava quieta e calma. Na entrada, uma professora de jaleco branco— Kimberly entrava no prédio. Escovando seu casaco, ela sacudia o orvalho matutino que havia se acumulado.
Algo no fim do corredor atraiu sua atenção.
— Deus, Buda ou qualquer um, por favor ajude o Raishin a melhorar...!
Uma garota solitária estava olhando para a lua, as mãos unidas em uma oração. Seu lustroso cabelo preto brilhava sob a luz da lua, dando a ela uma aparência angelical.
— A Yaya não vai mais ser egoísta. Se o Raishin for amigável com uma garota humana, a Yaya não vai ficar com ciúmes. Se o cheiro de outra mulher estiver nas roupas do Raishin, ou se ele deixar a Yaya de lado, ou até mesmo se um dia ele subitamente disser ‘Eu tenho uma namorada agora!’—
Enquanto falava, seu tom de voz gradualmente se transformava em algo monótono e a luz em seus olhos começava a desaparecer.
De repente, Yaya ergueu a cabeça e rapidamente continuou.
— Isso foi um erro. Apenas uma derrapada. Não acredite nisso. A Yaya realmente não vai mais ficar com ciúmes, então, por favor, salve o Raishin, eu imploro...!
— Essa foi uma oração muito patética.
Yaya virou a cabeça de uma vez.
— Você parece muito animada. Devo dizer que você realmente me surpreendeu. Seu controlador está naquele estado, mas o seu nível de atividade não parece ter decaído nem um pouco.
Se a situação atual fosse levada em conta, tal comportamento era realmente prejudicial. Drenar de energia mágica de um mestre naquele estado era o mesmo que infligir ainda mais danos a ele.
Yaya estava atordoada, então ela rapidamente ficou em silêncio, baixando a cabeça.
Uma sensação de culpa começou a formigar em seu peito. Particularmente, ela não odiava a Yaya ou nada do tipo, mas, de algum modo, ela não podia fazer nada além de tratar friamente autômatos superiores.
— Bem, não se preocupe tanto. Aquele garoto é como uma barata, quase impossível de matar. Tenho certeza de que aquele ferimento no peito dele não é grande coisa.
Foi uma péssima tentativa de consolá-la. Kimberly saiu do lado de Yaya e seguiu seu caminho.
Entrando na Enfermaria, ela foi assolada pelo odor de sangue e antissépticos.
Bem em frente da entrada da sala de tratamentos, estava parado o Doutor Cruel.
Com um olhar irritado no rosto, ele olhava para um grosso livro de medicina.
— Bem, você parece muito azedo.
— Claro que estou. Não há nenhuma alegria em salvar a vida de um homem.
Ele respondeu sem sequer desviar o olhar do livro. Embora ele tenha dito isso, ele ficou a noite inteira acordado, cuidando dos ferimentos, tamanho era seu profissionalismo.
— Então, como está o Penúltimo?
— Ele é um demônio sortudo, vou te dizer isso.
Ele entregou os prontuários de Raishin. Limpando os óculos, Cruel exclamou.
— Se o corte fosse um milímetro mais profundo, seus pulmões teriam sido perfurados. Se fosse um centímetro, seu coração teria sido arrancado.
— Uau.
— O ângulo do corte também foi um golpe de sorte. Ele quebrou a clavícula, mas escapou com apenas duas costelas quebradas e todos os seus órgãos internos estão bem. Além disso, para uma ferida causada pelo corte de uma grande espada, o corte foi relativamente limpo. Por causa disso, foi fácil costurá-lo— ele realmente tem uma sorte divina. Alguém lá em cima deve estar olhando por ele... esse é o tipo de sentimento que você tem ao olhar para esse prontuário.
— Então, a vida dele não está em perigo?
— Por hora, ao menos.
As palavras dele foram cuidadosamente escolhidas. Pela primeira vez enquanto falava, Cruel tinha um olhar médico no rosto.
— Ele perdeu uma grande quantidade de sangue. Por causa disso, a pressão sanguínea dele está perigosamente baixa. Também não podemos descartar a possibilidade de que ocorram efeitos negativos posteriores. A pior coisa que poderia acontecer agora é um quadro de sepse. Afinal, autômatos possuem uma grande quantidade de bactérias. Se você for cortado por um, apenas Deus sabe quando você irá acordar novamente. Além disso—
Reduzindo a voz, ele continuou com um sussurro.
— A vitalidade dele também está sendo drenada.
A imagem de Yaya no corredor subitamente veio à mente de Kimberly. Pelo que ela havia visto antes, Yaya parecia não estar ciente de que estava drenando a força vital de Raishin. Se ela soubesse disso, provavelmente estaria se sentindo mais culpada do que já estava.
— Aliás, não seria estranho se ele morresse a qualquer hora. Nem um pouco.
Kimberly fez uma careta para a sala de tratamento, pensando consigo mesma.
(Não acho que ele vá morrer assim tão facilmente, mas...)
Mesmo que ele não estivesse à beira da morte, efetivamente ele estava tão útil quanto um morto. Disso Kimberly sabia muito bem.
— Mesmo que ele sobreviva, ele não teria condições de lutar tão cedo. Droga, eu sempre pego os piores pacientes. Pacientes homens fedem e são nojentos. Não tem a menor graça trocar as roupas de um homem ou trocar as bandagens de suas feridas ou fazer exames físicos com eles.
— Entendo. Então, você está dizendo que, normalmente, você se diverte fazendo esse tipo de coisa?
— É cla— É apenas uma piada!
Vendo Kimberly segurando uma tesoura enquanto olhava para aquele lugar, ele rapidamente mudou de tom.
Depois disso, ele começou a resmungar, incapaz de conter os pensamentos à espreita no fundo de seu coração.
— Sério mesmo, o que há de errado com ele!? Maldito azarão! Eu consegui concertá-lo e expulsá-lo e, na primeira oportunidade ele é mandado de volta para cá! E o que há com aquela autômato eroticamente bonita! O que há com aquela atitude de ‘Toque-me e eu vou acabar com você’? Ah, droga, Penúltimo estúpido! Eu queria que você explodisse!
Cruel continuou a amaldiçoar. Kimberly sentiu que seria inútil interrompê-lo, então ao invés disso ela olhou pela janela.
O céu já estava ficando branco. O dia estava nascendo.
— Agora, então... Vamos ver se você se recupera antes do final da Festa Noturna.
Ela dirigiu-se a questão ao Raishin.
Entretanto, a sala de tratamento permaneceu em silêncio, sem nenhum tipo de som em resposta.
Parte 6
Raishin não recuperou a consciência, mas o tempo passou e agora era hora do início da Segunda Noite.
Como as coisas estavam, no momento era Segunda-feira. Mesmo que a Festa Noturna já tivesse começado, apenas uma pequena parcela dos estudantes estava envolvida nela. Portanto, as lições e aulas continuavam a ser realizadas.
Depois das aulas, os alunos tinham tempo livre. Por volta das seis da noite, com o sol se pondo, os estudantes novamente começavam a se reunir no campo de batalha.
Além dos habituais observadores, haviam aqueles que estavam ali para reunir informações. Uma vez que a multidão não era tão grande quanto a de ontem, havia bastante espaço para que uma tenda móvel fizesse seus negócios.
Em meio a agitação, Charl também estava presente.
Ela não estava ali com a intenção de procurar pelo ponto de fraco de Loki para que, depois que Raishin acordasse, ela pudesse contar a ele sobre isso. Obviamente, ela tinha outra razão. Uma razão completamente diferente e sem nenhuma relação com isso. Não é como se ela estivesse tentando ajudar o Raishin. Não mesmo.
Uma vez que ela não havia comido nada desde a noite anterior, o cheiro de comida fazia seu estômago roncar. Hesitando diante da tenda móvel, ela eventualmente rendeu-se ao cheiro e comprou alguns donuts. Dividindo alguns com Sigmund, ela esperou pelo início da batalha.
Esta noite, a Ruído Silencioso— Frey, faria sua aparição.
Logo, Loki apareceu no campo, com Cherubim seguindo logo atrás dele. Ele estava com as mãos nos bolsos, esperando que Frey aparecesse.
A multidão começou a sussurrar entre si.
— Veja. Sua Alteza, o Imperador da Espada está cheio de confiança.
— Ele tem todo o direito de estar. Mesmo se todos aqueles com número abaixo de cinquenta se unissem, eles ainda não seriam páreo para o Imperador da Espada. Você viu o que aconteceu ontem com o Penúltimo. Aquilo foi uma prévia das lutas que virão.
— Nesse caso, a Ruído Silencioso nem deveria aparecer. A diferença de poderes é muito grande.
— Em primeiro lugar, por que ele quis reduzir a colocação dele para um Assento tão baixo? Uma vez que você peça para mudar seu Assento, você não pode voltar para seu Assento original, certo?
— Não tenho ideia. Mas eu escutei que ele estava interessado no Penúltimo ou algo assim.
— Shh. A Ruído Silencioso está fazendo sua entrada agora.
As vozes diminuíram. Toda a atenção agora estava voltada para um único ponto e Charl também olhava para lá.
Com seu cabelo cor de pérola esvoaçando, uma estudante de aparência frágil fez sua entrada no campo. Atrás dela, um cão autômato a seguia de perto.
Era Frey. Mesmo que ela fosse um ano mais velha que Charl, não parecia ser assim. Ao contrário, Charl sentia que estava dando apoio a uma caloura ao vê-la entrar no campo.
Não havia nenhum sinal que indicasse o começo da batalha. Uma vez que você entrasse no campo, a batalha começaria. Entretanto, Loki não fez nenhuma menção de que iria atacar.
Ao invés disso, ele olhou intensamente para Frey, antes de suspirar longamente.
— Francamente, isso é uma surpresa.
A voz dele era quase como um sussurro. Frey estava surpresa, no entanto, Loki continuou.
— Eu pensei que você não fosse aparecer, que fosse fugir dessa batalha.
— ... Eu não faria isso.
— É isso que me surpreende. Não parece você. Desde que éramos crianças, você sempre foi lenta para fazer as coisas, desajeitada e costumava desistir rápido. Ficava assustada com muita facilidade e sempre se escondia atrás de mim. Certamente, você sendo assim, não poderia estar falando sério sobre me enfrentar.
— ... Loki, desde que éramos crianças, você sempre conseguiu fazer qualquer coisa.
Olhando para o chão, Frey suavemente murmurou.
— Sempre capaz de fazer as coisas direito... Esperto... Forte... Não desastrado. Eu gostava de poder me esconder atrás de você.
Ela mordeu o lábio, ficando em silêncio. Depois de um momento, ela levantou a cabeça.
— Mas, antes é antes, agora é agora. Mesmo eu sou uma estudante dessa Academia... Alguém que almeja o trono do Wiseman e uma marionetista.
Erguendo rigidamente o olhar, ela encarou Loki.
Loki parecia chocado. Charl também estava surpresa pela declaração de Frey. A aura frágil que ela emanava havia desaparecido, sendo substituída por uma forte determinação, assim como por uma aura digna.
— Loki... eu não sei se você me odeia, mas...
Frey estufou o peito— Charl sentiu seu complexo de inferioridade entrando em ação— quando declarou.
— Eu vou lutar. Se eu continuar me escondendo atrás do Loki, eu nunca serei capaz de proteger nada.
— Proteger? O que você—
— Rabi!
— Woof!
Uma luz branco-azulada começou a brilhar. Um fio de energia mágica conectou Frey a Rabi.
A batalha havia começado. Contra todas as expectativas, quem fez o primeiro movimento foi Frey.
O uivo de Rabi formou ondas sonoras, criando uma ‘bala’ que ele atirou. Ela agia como uma broca, furando o ar e fazendo com que pedaços do solo fossem arremessados a medida em que ela acelerava.
Loki estava parado. Entretanto, Cherubim reagiu, protegendo seu mestre.
Com um balanço de sua lâmina, ele dissipou a misteriosa bala. Naquele momento, era muito sutil, mas havia uma onda de energia mágica em Loki. Mesmo Charl, só conseguiu senti-la por um breve momento. Os demais estudantes nem mesmo se deram conta de que Loki havia usado uma arte mágica.
— Fraco.
Várias pequenas espadas emergiram das costas de Cherubim, e foram arremessadas uma atrás da outra.
— Rabi!
Rabi esquivou-se das inúmeras espadas com uma agilidade surpreendente. No entanto, as espadas pareciam ter vida própria e mudavam sua trajetória para acertar Rabi depois que ele desviava, tenazmente correndo atrás dele.
Uma das espadas conseguiu perfurar a perna de Rabi.
Não era um corte superficial. O sangue fluía e os movimentos de Rabi haviam ficado mais lentos.
Frey não ficou perturbada. Calmamente, ela concentrou sua energia mágica.
— Rabi! Mais uma vez!
Rabi atirou uma nova bala. Atraindo as pequenas espadas para o vórtice, ela voou na direção de Cherubim.
E, assim como antes, Cherubim agitou sua lâmina e a bala foi novamente dissipada.
— Eu disse a você que era fraca.
Loki enviou sua energia mágica e as pequenas espadas voltaram a dançar no ar.
Não havia esquivas dessa vez. Cortado em vários pontos, Rabi soltou um gemido de dor.
— Rabi!
Frey correu, abraçando-o para protegê-lo. Logo, a sombra de Loki pairava sobre ela.
Havia um sorriso de escárnio em seu rosto, mas não havia triunfo nele.
Com olhos frios, Loki olhou para Frey.
— Isso acaba agora. Sugiro que você feche os seus olhos.
Cherubim ergueu sua lâmina. Brandindo sua lâmina para baixo, parecia que ele iria cortar Rabi em dois— mas, naquele momento, algo fora do normal aconteceu.
Energia mágica forte o bastante para repelir a lâmina de e mandar Cherubim voando para trás começou a explodir de todo o corpo de Frey.
Que densidade! Eu posso até mesmo enxergar uma névoa negra no ar!
Os olhos de Charl estavam arregalados devido ao choque. Sigmund havia aberto as asas, mostrando sua preocupação.
(Que energia mágica...! Como pode um ser humano ser capaz de liberar essa quantidade...!?)
Loki e Cherubim pularam para trás, aumentando a distância entre eles.
Nesse momento, no entanto, a figura de Rabi havia mudado abruptamente.
Seus ombros estavam erguidos e suas garras a mostra. Seu pelo estava arrepiado, como se fossem espinhos de um ouriço. Seu corpo havia aumentado incrivelmente em tamanho, de modo que agora ele se parecia mais com um lobo do que com um cão. A maior mudança, no entanto, estava reservada para sua face. Seus dentes arreganhados o faziam parecer um animal vindo diretamente do inferno. Se o Cérebros da mitologia existisse, seu rosto seria igual ao de Rabi.
— Rabi... Rabi...!?
Frey estava chocada devido a repentina e massiva explosão de energia mágica.
(Seu estado mudou. Essa é realmente... a arte mágica da Frey?)
Rabi uivou alto.
Seu uivo fez a atmosfera ao redor dele tremer, e uma grande quantidade de energia mágica começou a fluir para ele, até o ponto de machucá-lo, como um choque elétrico.
— Uu... Hum...?
Frey caiu de joelhos. Liberar uma quantidade de energia mágica significava causar um dano igualmente grande ao próprio corpo. A pele de Frey começou a rasgar em alguns lugares e sangue começou a escorrer.
— Ah... Ahhh... Ahhhhh!?
Ela começou a gritar de dor. A súbita explosão de sangue que a cobria a fazia parecer um daruma. Ao lado dela, Rabi estava mostrando os dentes e uivando ameaçadoramente para Cherubim.
Ninguém poderia ter previsto tal rumo de acontecimentos, mas então, Rabi começou seu ataque feroz.