Volume 2

Capítulo 4: Vida salva

Parte 1

 

A imagem de uma Yaya ensanguentada sendo arremessada para trás foi vista por Shouko, que estava na varanda.

Agilmente ajustando seu campo de visão, ela olhou para o agressor.

Julgando a forma como Yaya fora arremessada, ela calculou o ângulo e a posição da qual veio o golpe do agressor. Ela dirigiu seu olhar para os arredores do prédio escolar e avistou alguma coisa.

Algo branco pérola emitia um reflexo.

Um solitário estudante de cabelo branco estava de pé em uma das janelas da Faculdade de Medicina.

O interior do prédio estava escuro, então ela não conseguia ver nada além do cabelo. Entretanto, não parecia haver espaço o bastante do lado de dentro para conter algo tão grande quanto um canhão.

— Você não vai repará-la?

Foi um comentário inesperado. Shouko lentamente virou a cabeça.

Parada lá estava uma professora vestindo jaleco branco, ninguém mais do que Kimberly.

Ela tinha uma expressão provocativa no rosto. Seus dois olhos estavam diretamente focados em Shouko.

Shouko riu levemente e tentou dizer algo a ela.

Kimberly olhava com diversão.

— Então você também pode anular os sons. Desculpe, mas você não poderia, ao menos, baixar a barreira para que eu possa escutá-la, Senhorita Karyuusai?

Shouko dissipou a arte mágica que a escondia com outra risada. Os estudantes ao redor saltaram como veados assustados. Considerando-se que aquela beldade de quimono havia acabado de se materializar diante deles, o choque era compreensível.

— Um bom dia para você, Professora Kimberly. Acredito que meu garoto venha lhe dando muitos problemas, não é?

— Sim e aquele lá é realmente um pirralho problemático. A memória dele é ruim, sua atitude deixa muito a desejar e, de bônus, ele não consegue se manter fora de problemas.

— Oh meu, ele não as deixa longe nem mesmo das Senhoritas?

— Esgueirando-se sorrateiramente para fora da Academia daquele jeito, você deve saber onde ele está e o que ele está fazendo. Veja, é devido a esse tipo comportamento que o seu prezado autômato encontra-se agora nessa situação deplorável.

— Da maneira que você fala, você soa como se soubesse quem foi o responsável por isso.

A atmosfera tornou-se tensa. Os estudantes ao redor engoliram em seco enquanto as duas mulheres se entreolhavam.

Depois de um momento, a primeira pessoa a quebrar o silêncio foi Kimberly.

— Esta entrevista pode esperar até a próxima vez. Mais importante, aquele autômato pertence a nós.

Empurrando o queixo, ela fez um gesto na direção da caída Yaya, deitada sobre uma poça de seu próprio sangue dentro do jardim.

— Vá em frente, vá repará-la. Não acho que você possa concordar em se desfazer dela agora, certo?

— Aprecio sua preocupação. Entretanto, ela é desnecessária. Aquela criança não é tão fraca quanto você pensa.

— Seu autômato, talvez. E quanto ao Penúltimo?

— É dessa criança que eu estou falando. Meu garoto não irá morrer tão facilmente.

Com uma voz repleta de confiança, ela elegantemente se levantou.

E então, ela se inclinou, tão graciosamente que merecia estar em um palco.

— Um bom dia para você, Professora Kimberly. Envie lembranças minhas ao Pai do Tempo.

Depois de um breve olhar para baixo, na direção de Yaya, ela partiu sem qualquer outra ação. A figura de Shouko mais uma vez foi envolta por energia mágica e desapareceu bem diante dos olhos. E, mais uma vez, os estudantes ficaram estarrecidos.

Kimberly assistiu sua figura desaparecer e sorriu timidamente.

— Que Dama misteriosa. Então, mais uma vez, eu acho que eu não tenho o direito de chamar ninguém desse jeito.

Uma única gota de suor brilhava em sua testa.

 

Parte 2

 

Provavelmente era algum tipo de alarme. A campainha continuava a tocar bem alto.

Sons de atividades podiam ser ouvidos vindos do celeiro acima deles. Muito provavelmente, eles haviam iniciado as buscas pelos intrusos. Depois de alguns momentos, assim como Komurasaki disse, sons de passos descendo as escadas puderam ser ouvidos.

— Raishin, o que... o que faremos?

Enquanto ela timidamente se agarrava ao braço de Raishin, suas pernas tremiam.

A arte mágica de Komurasaki havia sido quebrada?

Ou talvez, esta geladeira fosse protegida por uma barreira, a qual disparava um alarme ao detectar intrusos.

— Yomi, quantos outros podem nos detectar como você?

— Se eles estiverem com um marionetista, então todas as unidades Garm podem ser capazes disso.

Resumindo, havia uma chance extremamente alta de que nós estivéssemos com o risco de sermos capturados.

— Komurasaki, você pode enganar essa coisa de sensor ativo?

— Eu posso, mas... É difícil. E não posso estender o efeito para você.

Era a resposta que ele esperava. Raishin sentiu seu estômago dar um nó.

— Nesse caso, a única opção que resta é passar por todos eles.

— Você é mesmo um pirralho corajoso. Entretanto, esse seu espírito simples vai acabar matando-o.

— Você tem algum tipo de plano?

— Garoto estúpido. É claro que nós iremos escapar.

Os passos estavam ficando mais próximos. Estreitando os olhos para um Raishin afobado, Yomi caminhou para dentro da sala com passos vacilantes.

— Veja aqui, esta coisa abre.

Ela estava apontando para um ponto no chão. Raishin ajoelhou-se e tateou ao redor.

Havia uma ligeira deformação. Parecia algum tipo de placa de metal. Aquilo parecia ser parte de algum mecanismo, porque era surpreendentemente leve para sua espessura e fácil de ser aberta. Mesmo depois que era solta, ela fechava lentamente por conta própria.

Havia uma entrada sob a abertura e, obviamente, nada podia ser visto.

Era como uma entrada para o inferno. Um suave e não natural som de algo caindo podia ser ouvido vindo daquele lugar.

— Isso é uma rota de escape secreta?

— Não, é uma saída de lixo.

— Saída de lixo? Espere, então onde é que esse túnel vai pa—

Ele nunca chegou a terminar a sentença. Ele sentiu alguém chutá-lo por trás e subitamente seu corpo estava voando através do espaço.

Ele sentiu medo e choque por reflexo, assim como uma sensação de estar flutuando.

Ele caiu por um tempo extremamente longo pelo buraco, ele sentiu como se um minuto inteiro tivesse se passado. Obviamente, isso não era verdade. Na verdade, levou apenas três segundos para que ele caísse com um splash.

Assim como o som sugeria, ele estava no meio de um corpo de água. Seus pés não podiam tocar o chão, ele não podia ver nada e, pior, a corrente estava muito forte!

— Está frio!

— Não fale desnecessariamente!

Yomi colidiu com ele. Komurasaki também parecia ter caído na água, pois ele ouviu um splash atrás dele.

A temperatura da água parecia não ser maior que cinco graus. Seu único consolo era o fato de não ter sofrido nenhuma parada cardíaca até o momento. Entretanto, as extremidades de seu corpo estavam rapidamente tornando-se sensíveis e ele podia sentir o calor de seu corpo desaparecendo lentamente.

(Isso não é bom...!)

Ele era um nadador proficiente, mas uma vez que sua roupa estava encharcada de água gelada, cedo ou tarde ele acabaria se afogando. Ele rapidamente tirou os sapatos e removeu seu cinto. A perda de suas ferramentas era lamentável, mas ele valorizava mais sua vida.

— Onde é que isso vai nos levar? Quanto tempo vai demorar para chegarmos lá? Vamos conseguir escapar de nossos perseguidores?

— Não pergunte tudo de uma vez só. Primeiramente, isso leva aos esgotos sob a Cidade das Máquinas—ou é isso o que eles dizem.

— Então, estamos contando com um boato? E isso é um esgoto!?

— Pedintes não podem escolher. E na velocidade na qual estamos indo, devemos sair daqui em breve. Obviamente, só escaparemos deles se houver um monte de idiotas lá em cima.

Havia a possibilidade de que eles tomassem a frente e os esperassem. Ou até mesmo que os seguissem.

Mesmo assim, eles não tinham escolha a não ser nadar adiante.

Yomi usava suas patas para nadar. Raishin seguia a corrente, nadando de peito. Komurasaki parecia estar indo surpreendentemente bem, apesar de seu quimono, ela parecia estar nadando sem que ele se tornasse um problema.

— ... Desculpe, Komurasaki.

Komurasaki foi surpreendida pelo súbito pedido de desculpas. Um olhar perplexo surgiu em seu rosto.

— Mesmo com um autômato ótimo como você, nós ainda acabamos nessa situação patética. Por causa da minha falta de habilidade, agora você pode, até mesmo, ser roubada por eles. Agora que a situação ficou assim, eu...

— Isso não é verdade! Não é culpa sua, Raishin! E também, isso é, no mínimo, parcialmente culpa minha... Eu acho. Eu sabia que isso seria perigoso.

— Eu não passo de um bastardo que só pode amaldiçoar a própria incompetência. Shouko já havia preparado tudo secretamente e eu ainda não fui capaz de aprender nada. Eu ainda não tenho ideia de porque a Frey quer me matar.

A única coisa que ele sabia com certeza era que a D-Works trabalhava com algum tipo de pesquisa ilegal.

Isso já estava claro para os militares. Shouko havia, especificamente, mandado Raishin até ali, o que significa que havia algo mais que ela esperava dele, algo que apenas ele era adequado para fazer.

— Droga! É por causa de falhas como essa que eu sou chamado de Penúltimo!

— Você é o Penúltimo?

Yomi exclamou com uma voz assustada. Mesmo em meio a escuridão, seus olhos brilhavam. Diante de sua repentina onda de hostilidade, Raishin foi pego de surpresa.

— ... O que tem se eu for? O que deu em você, de repente?

— Você quer saber o motivo para a Frey querer assassiná-lo?

Em uma voz baixa, como se ela estivesse tentando esconder alguma coisa, Yomi suspirou.

— É bastante simples. Se ela perder para você, o programa seria congelado.

— Programa? Que programa?

— A produção da série Garm.

Raishin lembrou-se das palavras de Charl. A competição também serviria para decidir quem iria fornecer tecnologia de última geração para o Exército Britânico— a D-Works era uma das candidatas.

— Então, o Rabi realmente estará sendo testado na Festa Noturna?

— Sim. É um campo de testes para sua performance e também para coleta de dados.

— Se o Rabi perder, o que acontece?

— Então, obviamente, a D-Works irá submeter um modelo diferente para consideração.

Do fundo de sua memória, Raishin lembrou-se de um autômato alado.

— Cherubim...

— Você parece saber sobre isso. A série Anjo são autômatos desenvolvidos por outro laboratório de pesquisas. Em uma comparação individual, eles ultrapassam em muito o potencial de combate da série Garm. Isso porque eles são produzidos com componentes inorgânicos, que são fáceis e simples de se manter. O único problema é que o custo de sua produção é alto e eles são difíceis de se controlar. Apenas um marionetista extremamente habilidoso poderia fazer isso.

Quando ele o viu em ação anteriormente, Cherubim parecia muito vazio, parecido com uma marionete de madeira. Se você quisesse fazer com que ele desempenhasse movimentos complicados, provavelmente você teria que ter um senso muito delicado de controle.

— Quanto a esse ponto, a série Garm pode ser controlada mesmo por um marionetista iniciante. Para melhor ou para pior, é apenas um cão. A manutenção pode ser complicada, mas o custo de produção é reduzido, então você pode usá-lo assim que estiver pronto e descartá-lo quando ele não for mais necessário.

Raishin franziu a testa. Usá-lo e descartá-lo. Aquelas eram palavras desprezíveis para ele.

— Se o programa Garm for interrompido, o que acontecerá aos cães no galpão?

— Obviamente, eles serão sacrificados.

Com essa resposta, todas as peças se encaixavam.

Se ela não pudesse provar a utilidade dessa série na Festa Noturna, todos os cães seriam sacrificados.

Esta era a razão. Estas eram as circunstâncias que forçaram que ela tentasse ‘assassinar’ Raishin!

(Droga... esse tipo de motivo—)

— Raishin!

Seus sentimentos amargos foram interrompidos pelo grito de Komurasaki.

A frente deles, algo podia ser visto em meio a escuridão.

Era uma luz trêmula. Iluminando fracamente a escuridão, estava a luz de uma lamparina!

Ele sentiu uma imensa intenção assassina. Ele apertou a cabeça de Komurasaki contra seu peito e mergulhou na água.

Não muito depois, algo deslizou sobre suas cabeças. Espadas curtas chocaram-se contra as paredes, fazendo a água evaporar a medida que passavam.

A segunda rodada não era iminente. O oponente parecia tê-los perdido de vista. Fosse devido a escuridão ou a arte mágica de Komurasaki, o inimigo não notou Raishin. De todo modo, Raishin deixou que a distância entre eles aumentasse enquanto mergulhava até o fundo do esgoto. Chegando lá, ele fez impulso com os pés, voltando a superfície.

Sua mira foi perfeita, pois ele surgiu bem à frente de seu oponente.

Como ele pensava, o inimigo era um marionetista. Um autômato parecido com um manequim seguia atrás dele. Embora ele fosse diferente de Cherubim, seus braços eram cobertos por diversas pequenas espadas, parecidas com espinhos.

Seu chute foi limpo e o acertou em cheio. O marionetista, que não teve tempo de bloquear, foi arremessado, bateu na parede e caiu direto no chão.

O autômato congelou, como se tivesse encontrado algum tipo de erro. Assim como Cherubim, ações independentes não pareciam ser um dos pontos fortes deste sistema. Raishin tropeçou, caindo de joelhos no chão, e, assim que ele se preparou para tirar uma das espadas curtas de seu braço—

O som de um tiro atingiu seus tímpanos com um grande estrondo.

Havia uma sensação entorpecente do seu lado. O tiro podia tê-lo atingido... mas ele não tinha como saber. No entanto, a adrenalina e a dormência causada pela água fria o impediam de sentir qualquer dor. Raishin rapidamente levantou-se, virando-se para encarar seu novo adversário.

Era um homem de preto. A arma dele estava apontada na direção deles. Ele não parecia estar acompanhado por um autômato.

Raishin usou o chão para se impulsionar, saltando na direção do homem.

Nesse momento, seus joelhos cederam.

A água fria havia roubado mais força do que ele pensava. Suas pernas estavam dormentes e moviam-se lentamente.

Raishin se assustou. O cano estava bem diante de seus olhos. Essa... essa era uma situação perigosa, certo?

Uma fração de segundo depois, o flash do tiro preencheu o túnel.

 

Parte 3

 

— Yaya. Acorde, Yaya.

Após ouvir seu nome ser chamado várias vezes, Yaya lentamente abriu os olhos.

A primeira coisa que ela viu foi um pequeno dragão cor de aço.

— Uh... Sigmund...?

Gradualmente, sua consciência voltou.

Ao mesmo tempo, ela foi assolada por uma súbita dor aguda. Parecia que inúmeras agulhas haviam atingindo-a ao mesmo tempo. Olhando para o lugar de onde a dor estava vindo, Yaya ficou chocada.

No lugar onde deveria estar sua região intestinal, havia um grande buraco.

— Yaya, como você está se sentindo? Está tudo bem— isso não é provável, mas mesmo assim, como está sua condição?

— Isso... ainda está dentro dos meus limites... Não acho que eu vá desligar ainda...

— Isso é bom. Você fez bem em sobreviver a um ataque como aquele.

Ele apontou para o lado dela. Lá havia um projétil arredondado. Sigmund, provavelmente, havia tirado aquilo de dentro do corpo de Yaya. Estava coberto de sangue, mas a frente estava lisa e não tinha nenhuma mancha.

— Yaya é... o melhor autômato do mundo... Algo assim... não passa de um arranhão.

Ela tentou sorrir, mas acabou tossindo sangue no lugar.

— Não exagere. Vou chamar um técnico imediatamente.

— Não... Está tudo bem. Yaya é um pouco... diferente dos autômatos normais.

— Isso não é hora para bravu—espere, você está falando sobre sua construção, não está?

— Sim... Reparos normais não vão... funcionar... na Yaya.

— Nesse caso, o que eu devo fazer?

— Raishin... Eu preciso encontrar... o Raishin...

Ela parou de falar com um soluço. Sua fraqueza estava, provavelmente, fazendo com que suas emoções também se desestabilizassem. Yaya estava chorando como uma criança faria.

— Entendo. Então, a energia mágica dele é nossa melhor aposta.

Parecia que não havia outra forma além de confiar em seu mecanismo de auto reparação. Sigmund estava perturbado, enquanto ele tentava chegar a alguma solução, ele subitamente notou uma presença se aproximando do banco.

Era uma bonita estudante de cabelo dourado. Seus braços e pernas estavam anormalmente tensos e ela estava inquieta, procurando por algo.

— Charl, eu estou bem aqui.

— Sigmund! Não desapareça desse jeito! Eu vou reduzir o seu almoço de frango para camarão! Você tem ideia do quanto eu estava preocupada!? O que foi aquele barulho agora mesmo? Não saía por aí por conta própria!

— Acalme-se. Eu entendo o que você quer dizer, mas esse não é o lugar para isso.

Charl havia se aproximado enquanto disparava como uma arma— quando ela subitamente saltou para trás.

— O que, isso... o que houve?

— Você chegou na hora certo. Vamos ajudá-la.

— Ajudá-la... esta situação exige um médico!

O cheiro de sangue estava deixando ela mesma anêmica.

— O que as pessoas do Japão estão pensando?! Ela é uma criatura mais viva que o Sigmund!

— Nesse caso, se o próprio designer não está aqui, nós não podemos repará-la. Em outras palavras—

— Ela precisa de energia mágica. Eu sei.

Tentando o máximo possível não olhar para o ferimento, Charl arregaçou suas mangas.

Estendendo suas mãos para Yaya, ela focou sua concentração. Uma luz branca azulada começou a se formar ao redor de suas mãos e a fluir na direção de Yaya— e, quase imediatamente, os ombros dela começaram a tremer violentamente.

— O que... é... isso, eu... ahhhhhhhhh!

Algo claramente estava errado. Sigmund se preparou e forçou a si mesmo sobre Charl, derrubando-a de costas.

O fluxo de energia mágica fora quebrado e a vontade de Charl era novamente dela.

Olhando fixamente para as próprias mãos, Charl viu que suas unhas estavam esbranquiçadas e que as pontas de seus dedos haviam secado.

A umidade neles havia desaparecido e a pele estava ruim. Era como olhar para as mãos de uma velha.

— Não... exagere, por favor...

Vendo através do horror de Charl, Yaya murmurou fracamente.

Charl, ofendida, sentou-se diante de Yaya novamente.

— Não seja estúpida. Algo deste nível não é nada para alguém como eu.

— Mas... Charlotte é... uma inimiga...

— Eu sou Charlotte, da nobre casa Belew, cuja família recebeu, das mãos da própria Rainha, a insígnia do Unicórnio. Eu jurei que lutaríamos um contra o outro na Festa Noturna e pretendo cumprir esse juramento.

— Mas... eu não quero ficar em débito com uma raposa...

— Você fala demais. Apenas fique quieta e me deixe curá-la!

Reunindo seu espírito, ela começou a concentrar sua energia mágica.

Uma vez que ela havia concentrado energia o bastante, seu corpo não estava definhando como antes. Entretanto, ao invés disso, ela estava tendo sua energia mágica roubada em uma taxa veloz bem diante de seus olhos. Mesmo alguém como Charl começou a sentir sua respiração começando a ficar tensa.

Apesar disso, ela continuou a concentrar a energia mágica da qual ela estava tão orgulhosa. O corpo de Yaya começou a se regenerar imediatamente, curando seu ferimento a uma velocidade alarmante.

— Já é o suficiente...!

Uma voz trouxe sua consciência de volta. Quando ela finalmente se deu conta, a pele ao redor do ferimento de Yaya já havia crescido novamente.

— Muito obrigada, Charlotte. Yaya está bem agora.

Charlotte caiu no chão, exausta.

Em algum momento, uma multidão havia se formado ao redor delas. Membros do Comitê de Moral Pública também haviam se reunido. Eles rapidamente selaram a área e começaram a entrevistar testemunhas.

Voando pela área, um pequeno dragão sacudiu as asas quando aterrissou.

— Sigmund, onde você foi?

— Eu estava procurando. Embora, eu não tenha encontrado nada.

Ele voltou seu olhar para o projétil. Charl e Yaya fizeram o mesmo.

— ... Isso deve pesar, no mínimo, setenta pounds. Algo como isso só poderia ser atirado de um canhão e de um bem grande. Gostaria de saber onde alguém poderia ter instalado um.

— Pode não ser um canhão. Tem a forma de uma bala, mas não há nenhuma marca de tiro, há?

Assim como Sigmund disse, a bala estava limpa.

— A menos que eles estivessem em um planador, parece que o inimigo possui algum tipo de mecanismo que o permite atirar sem ter um suporte físico.

— Então, você está dizendo que a pessoa insolente que atirou isso é capaz de atirar de qualquer lugar?

— Esse é, provavelmente, o caso— oh, isso não é bom.

A voz de Sigmund abruptamente endureceu.

— Seria infinitamente mais fácil atacar alguém fora da Academia. É possível que o inimigo—ou inimigos—forcem Raishin a se retirar.

Com sua consciência ainda nebulosa, Yaya inclinou a cabeça, confusa.

Charl agarrou os ombros de Yaya impacientemente, sacudindo-a.

— Raishin está em perigo! Se ele for atingido por algo assim, mesmo um bárbaro pervertido como ele seria completamente esmagado!

— ... Raishin!

Yaya queria sair correndo, mas ela caiu de joelhos. Sua força ainda não havia retornado.

Charl e Sigmund apressadamente a ajudaram a se levantar. Em meio à multidão, uma donzela de cabelos branco pérola estava assistindo a tudo aquilo com uma expressão pálida em seu rosto.

 

Parte 4

 

O tiro ecoou por todo o esgoto.

Logo depois disso, um grito de dor pode ser ouvido.

 Entretanto, aquele que estava gritando não era Raishin, mas o homem diante dele. O velho cão havia cravado suas presas no braço dele. Nesse momento, Raishin tomou a pistola dele e o chutou na direção da correnteza.

—— No entanto, aquilo foi algo impensado.

Ele havia, subconscientemente, assumido que eram apenas dois inimigos.

Havia energia mágica sendo concentrada atrás dele. No momento em que ele notou isso, já era tarde demais. O tempo pareceu correr mais devagar e tudo estava em câmera lenta.

Atrás dele havia um autômato parecido com um manequim e um marionetista. Quatro pequenas espadas saíram de seus ombros, voando na direção de Raishin.

Ele não poderia reagir a tempo. Era inútil. Ele iria morrer!

Naquele momento, uma sombra negra surgiu em seu campo de visão.

As espadas colidiram com um baque surdo. No momento do impacto, houve um som de lacrimejamento.

As espadas perderam força e tiveram sua trajetória alterada, então não atingiram Raishin.

Ele não tinha tempo para pensar. Sem nenhuma hesitação, Raishin atirou contra o marionetista.

Ele não atirava com uma arma de fogo desde o treinamento militar. Sem mencionar que estava escuro, mas, mesmo assim, a bala atingiu seu alvo. Acertou a coxa do marionetista, o qual começou a se contorcer de dor.

Ele não havia morrido, mas ele não estava em condições de usar artes mágicas.

Ignorando o manequim, que já havia caído, imóvel, no chão, Raishin correu na direção da sombra— Yomi.

Com apenas um olhar, ele podia dizer que ela estava em um estado terrível.

Sua metade superior havia desaparecido. Ele não sabia como as espadas tinham-na acertado, mas elas haviam efetuado um corte limpo. Se ela fosse um cão de verdade, ela teria morrido instantaneamente, mas, uma vez que Yomi era um autômato, ela ainda estava consciente.

Projetando-se de sua metade inferior, haviam alguns cabos. Entretanto, o cheiro exalado por era, indiscutivelmente, de sangue. Os cabos haviam sido inseridos e cercados por carne real!

A verdade apareceu diante dele. A maior parte do corpo de Yomi era, provavelmente, feita com partes orgânicas.

Não, era mais como se fosse o contrário—

— Aguente firme. Por que você me protegeu? Se eu morresse, a Frey não teria vencido devido a minha desistência?

Yomi riu em resposta.

Ele não teve tempo para analisar cuidadosamente a situação dela. Os sons da batalha haviam chamado a atenção dos outros e os passos deles estavam ficando mais próximos. Ele podia ver três, quatro lampiões a distância. Parecia haver muitos deles. Se eles fossem descobertos, seria o fim.

— Raishin, tem uma escada aqui! Podemos ir para a superfície usando isso!

Komurasaki estava apontando para um ponto próximo a eles, na escuridão.

— Eu vou carregar você, Yomi. Pode ser que balance um pouco, então tente ser for—

Yomi mordeu o braço de Raishin e ele a largou.

— Caiam fora daqui... seus pirralhos...!

A luz estava desaparecendo dos olhos de Yomi e suas pupilas dilatando.

Ela já não podia preservar sua existência. Seu Coração de Eve havia quebrado. Raishin bombeava energia mágica para ela, mas seus circuitos mágicos não respondiam.

— No final, eu tive... um pouco... de diversão. Eu preciso... agradecer... você.

— Eu é que deveria estar agradecendo você. Eu definitivamente irei pagar sua gentileza. Assim que passarmos por isso—

— Apenas vá...!

As fortes palavras soavam como uma súplica. Raishin encontrava-se, inconscientemente, parado.

— Eu quero... descansar aqui. Eu poderei ficar junto... das crianças desse jeito...

Raishin finalmente entendeu.

Yomi havia chamado aquele túnel de ‘saída de lixo’.

Havia apenas um significado para aquilo. Aquelas pessoas da D-Works, quando decidiam sacrificar unidades Garm, coisas que o público jamais deveria saber que existiam, eles as despejavam nos esgotos.

Este canal era um cemitério de unidades Garm abandonadas.

— Raishin! Eles estão chegando perto!

— ... Droga!

Livrando-se da dor dilacerante dentro dele, Raishin começou a subir a escada.

O sacrifício de Yomi não pode ser desperdiçado. Dizendo isso fervorosamente para si mesmo, Raishin finalmente a abandonou.

Ele se concentrou exclusivamente em subir a escada. Cerca de dez metros depois, ele sentiu suas orelhas ficarem estranhamente bloqueadas e houve uma explosão abaixo dele.

O teto do esgoto desmoronou. Se ele tivesse que adivinhar, diria que aquilo foi obra de Yomi. Com suas últimas forças, ela havia usado sua arte mágica para parar os inimigos, mortos em sua armadilha.

(Droga... Dane-se tudo isso, infernos!)

Amaldiçoando sua própria fraqueza, ele cerrou os dentes, frustrado.

Incapaz de fazer algo mais, Raishin fugiu.

 

Parte 5

 

A Cidade de Liverpool estava banhada pelos quentes raios do pôr do sol.

Os solenes portões da Academia também estavam tingidos de laranja.

Logo abaixo dos portões, uma garota de cabelo branco pérola estava, distraidamente, parada.

Era Frey. Rabi estava sentado ao seu lado.

A sentinela estava, deliberadamente, apontando sua arma para eles, mas os dois não davam a mínima para isso e continuavam olhando para o horizonte. Parecia que eles estavam esperando por alguém.

— O que você está fazendo aqui?

De repente, uma voz surgiu. Assustada, ela olhou para trás. Parado atrás dela, estava Loki. A hostilidade em seus olhos era assustadora, então ela encontrou-se desviando o olhar.

— Volte para o dormitório. Você está causando problemas à sentinela. O que você está tentando fazer?

— Uu... Eu estou esperando... pelo Raishin.

— Ele nunca mais vai voltar.

O choque dela a fez esquecer do medo e ela encarou o olhar de Loki novamente.

Com sua expressão inalterada, Loki continuou.

— Isso não é bom para você? Ele desapareceu deste mundo e você nem mesmo precisou sujar suas mãos. Com isso, você deve ser capaz de participar da Festa Noturna sem problemas.

— Ele... ele está com problemas? Alguma coisa... aconteceu?

O rosto dela adquiriu uma coloração estranha. Frey se aproximou de Loki.

— Você também foi o responsável pelo ataque ao autômato dele mais cedo, Loki?

— E o que você vai fazer se eu disser que sim?

Havia um brilho perigoso nos olhos de Loki. Seu olhar era intimidador. Frey tremia— então, como se ela tivesse vergonha da própria fraqueza, ela mordeu o lábio e olhou desafiadoramente para Loki.

— O Penúltimo não era nada além de um rato imundo. Ele se esgueirou até nossa casa e tentou descobrir nossos segredos. Por causa disso, nosso pai ordenou que ele fosse exterminado. Ele já está morto.

— Não vá matando as pessoas desse jeito.

De repente, alguém interrompeu. Os irmãos viraram suas cabeças simultaneamente.

Do lado oposto do portão, com o pôr do sol a suas costas, alguém estava parado ali.

Suas roupas estavam sujas e rasgadas. Seu lado estava manchado de sangue. Por alguma razão, ele estava descalço. Ele parecia o sobrevivente de um naufrágio. A expressão em seu rosto desfigurado parecia muito diferente do habitual.

Entretanto, ele era indubitavelmente o Raishin.

Os olhos de Loki se arregalaram devido a descrença, antes dele estalar a língua em desgosto.

Dando as costas, ele se afastou.

— Heh, que cara mais antissocial.

— Uu... Eu sinto muito...

— Por que você está se desculpando?

— Porque o Loki é... meu irmão mais novo.

— ... E?

Nesse momento, Rabi subitamente se levantou e começou a cheirar a mão de Raishin com interesse. Ele parecia gostar do cheiro, pois sua cauda estava balançando, feliz.

Raishin, de repente, sentiu um vazio na boca do estômago.

Ele desesperadamente procurava por algo a dizer—mas não havia nada.

— ... Eu tenho que me desculpar com você.

Raishin se preparou. Inclinando a cabeça, ele confessou seu pecado.

— Yomi está morta.

— ...!

— Sinto muito. Eu a forcei a isso. Eu... a libertei.

Inúmeras questões surgiram nos olhos vermelhos de Frey.

Por que Raishin conhecia Yomi? Por que ele havia ido até a casa dela? E por que... Yomo havia morrido?

Frey estava perplexa, mas, olhando a expressão de dor no rosto de Raishin e seu tom sério, ela tinha certeza de uma coisa. Ele não estava mentindo.

As lágrimas dela começaram a rolar.

Ping. Ping. Ping.

— Vamos para algum outro lugar. Eu lhe contarei os detalhes, então.

— Eu quero ouvir... mas... a Festa Noturna... está prestes a começar.

Enxugando as lágrimas, Frey olhou para a Torre do Relógio. Já passava das cinco. A Festa Noturna começaria às seis, mas a Cerimônia de Abertura começaria em breve.

— Entendo... Então, desculpe-me. Isso terá que esperar até mais tarde.

— ... Obrigada.

Raishin não podia acreditar eu seus ouvidos. O que Frey havia acabado de dizer?

— ... O que... você acabou de dizer?

— Yomi... você a libertou de sua cela, certo?

— Sim, mas isso foi apenas devido ao meu egoísmo—

— Yomi... já há muitos anos, ela tinha estado dentro daquela cela. Então eu acho... ela provavelmente estava feliz, mesmo que fosse por pouco tempo...

Isso era verdade, a própria Yomi havia dito isso. Seus últimos momentos foram gastos se divertindo.

Raishin cerrou os punhos com força, a ponto de seus dedos ficarem brancos.

— Uu... Eu... vejo você mais tarde, então.

Com Rabi ao seu lado, Frey afastou-se lentamente.

Raishin podia apenas assistir seus ombros magros e a frágil figura de suas costas enquanto ela se afastava.

— ... Por que você não me culpa?!

(Não me agradeça. Culpe-me, amaldiçoe-me, repreenda-me.)

(Diga que é minha culpa. Grite comigo!)

(Eu deveria ser o vilão e então você poderia me derrotar facilmente.)

Com suas pernas parecendo chumbo, Raishin caminhou lentamente de volta para o Dormitório Tartaruga.

 

Parte 6

 

De volta ao seu quarto, o cheiro de Jasmin o cumprimentou.

— Be-Bem vindo de volta, Raishin <3

Percebendo a presença de Raishin, Yaya se levantou. Não era noite ainda, mas ela estava dormindo na cama. Os lençóis caídos revelaram bandagens cobrindo seu tronco.

— O que houve com você!?

Raishin correu para a cama, checando Yaya.

— Seu corpo parece incrivelmente pesado. Você se feriu? Está tudo bem? Dói em algum lugar?

— Yaya está bem. A ferida já se curou.

Feliz por Raishin estar preocupado com ela, Yaya sorria alegremente.

——Entretanto, tudo mudou assim que ela viu o estado de Raishin. Sua face sorridente congelou.

— Raishin, o que aconteceu com você!? Você está todo machucado!

— Eu tropecei e caí,

— Eh... Mas e a Komurasaki?

— Eu a deixei em um local seguro com o Exército. Ela está bem.

— Não é isso que eu quero dizer! Komurasaki estava com você, então por que você está machucado assim!?

— Não diga isso. Komurasaki não foi construída para combate—

— O qu—! Não me diga que você fez algo estranho com a Komurasaki e é por isso que você terminou desse jeito...!?

— Não seja estúpida. Que tipo de demônio depravado você está dizendo que eu sou?

— Não, é a Komurasaki que é a perigosa. Eu tenho que checar para ter certeza... Por favor, tire sua cueca!

— Isso outra vez!? Como se eu fosse tirá-las!

Ignorando suas respectivas lesões, os dois discutiram até que uma voz feminina os interrompeu.

— Bem vindo de volta, garoto. Você está atrasado.

Era Shouko. Atrás dela estava Irori. Irori parecia estar cuidando de Yaya, pois ela tinha um lavatório em suas mãos.

Yaya havia, tenazmente, se agarrado a cintura de Raishin. Mas a aparição de Irori fez com que ela o soltasse e rapidamente voltasse a sua posição comportada.

Shouko graciosamente sentou-se em uma cadeira e encarou Raishin.

— Você conseguiu descobrir o que desejava saber?

— ... Sim.

— Você sabe o que eles farão a seguir?

— ... Sim.

— Então você também deve saber o porquê do Exército ter mandado você até lá e porque eles estavam fazendo verificações anteriores sobre a Frey, certo?

— ... É o trabalho da Divisão de Inteligência do Exército.

— Isso mesmo. Eles queriam saber mais sobre a pesquisa que está ocorrendo no interior da D-Works.

— Então, depois de me usarem como chamariz, o Exército conseguiu alguma informação?

— Oho, muito afiado. Então você percebeu tudo isso.

Rindo alegremente, ela o elogiou, embora Raishin não se sentisse feliz com aquilo.

— Eu não vou reclamar. Mesmo que o Exército tenha me colocado nessa situação perigosa... Alguém até mesmo morreu. Mesmo assim, dois anos atrás, aquela que me salvou foi a Shouko. Por causa disso, eu não tenho direito de reclamar de nada...

Os ombros dele estavam tremendo. Yaya cautelosamente olhava para Raishin.

— Culpar a si mesmo não vai levá-lo a lugar nenhum, garoto. E não seja tão vaidoso. Mesmo se você fosse mais habilidoso, mesmo se Yaya estivesse ao seu lado, pensar que poderia ter salvo uma pessoa que está morta não passa de mera arrogância.

— Mas naquela hora, eu—

Shouko bateu seu cachimbo contra o parapeito da janela, espalhando um pouco de cinzas.

Ao seu sinal para desistir do assunto, Raishin não disse mais nenhuma palavra.

— Vamos continuar. Acredito que você já saiba disso a esse ponto, mas aquela coisa acompanhando a Frey é uma Bandoll.

Então, Rabi e Yomi eram iguais, como ele suspeitava.

— Se você inserir ‘partes’ humanas em uma Máquina, é difícil fazê-la durar por um longo período de tempo. Por outro lado, se a sua premissa é baseada em usar e descartar após concluir seu objetivo, então essa é uma solução interessante para o problema.

— ... Inserir as partes em uma criatura viva.

— Isso mesmo. Uma ‘parte’ requer nutrientes e água, ambos os quais são naturalmente disponíveis em um corpo orgânico. Durante o curto período de tempo em que o corpo ficará ativo, será possível preservar suficientemente essa ‘parte’.

Rabi não havia sido construído para ser parecido com um cão.

Ele havia nascido um e, então, modificado para se tornar um autômato.

A mente de Raishin repetias as imagens do tempo que ele havia passado naquela base escura.

A geladeira. Os numerosos equipamentos lá dentro. E os corpos de crianças flutuando no interior de caixas de vidro.

Os tipos Garm eram produzidos a partir delas?

— O circuito Sonic é um circuito mágico notável. Ele pode ser usado para ocultar, defender e até para atacar. Entretanto, por ele ser tão notável, ele coloca uma grande pressão sobre uma pessoa normal. Se você for capaz de reduzir a quantidade de energia mágica necessária para ativar o circuito, ele se tornaria mais acessível e também iria reduzir a pressão sobre os usuários já existentes.

— Então, para isso, eles criaram Máquinas vivas...

— Se algo assim fosse utilizado dentro do Exército Britânico, não acho que os líderes do Japão fossem permanecer calados.

— Por que? A Inglaterra não é uma aliada?

— Por hora.

A implicação era óbvia. Raishin podia sentir o suor frio escorrer por suas costas.

— ... O que os militares estão pensando? Eles planejam começar uma guerra com a maior potência do mundo?

— Você é apenas um cão do Exército. E um cão devia ficar quieto e seguir as ordens de seu mestre.

Com isso, Raishin ficou em silêncio.

— Se você entende a situação, eu lhe darei suas próximas ordens. Recupere o circuito mágico de Rabi.

— ...!

— Não precisa ser inteiro. Mas a Inglaterra ou a Academia não devem suspeitar de nada. Aproveitando-se da Festa Noturna, você deve roubá-lo quando ninguém mais estiver vendo. Os pesquisadores militares então irão fazer uma análise—

— Espere um pouco! O circuito de magia está diretamente ligado ao Coração. Se eu extraí-lo a força, não há garantias de que nada aconteça ao Coração também.

— Criança tola, quem você acha que te ensinou isso?

— Você está me dizendo para... matar... o Rabi?

— Eu não vou dizer isso novamente.

Sua respiração aumentou. Suprimindo sua raiva, ele rangeu os dentes.

Yomi havia sido seu escudo e ele havia deixado que ela morresse daquela forma—

Acima disso, agora ele também iria tirar Rabi de Frey?

Yomi havia o salvado da morte e agora era assim que ele iria usar a vida que foi salva?

— ... Está na hora. Você deveria ir. A Festa está para começar.

Shouko não estava mais sorrindo, mas sim friamente ordenando que ele partisse. Seu tom não deixava qualquer espaço para recusa ou desafio. Sem respondê-la, Raishin silenciosamente tirou suas roupas e vestiu um novo conjunto do uniforme escolar.

Yaya estava olhando para Raishin com preocupação nos olhos, mas ela também não dizia nada, silenciosamente amarrando suas botas.

Tendo completado suas preparações, Raishin franziu o cenho para Shouko, mas desviou o olhar quando disse:

— ... Vamos, Yaya.

— Ok.

Jogando seu casaco sobre o ombro, ele deixou o quarto.

 

Parte 7

 

O campo designado para a Festa Noturna não era ao ar livre.

Atrás do Auditório Central, havia um campo localizado entre a Faculdade de Medicina e a Faculdade de Direito. Era o campo no qual aconteceria a batalha. Pilares brancos de pedra haviam sido fixados no chão, no formato de Stonehenge, demarcando o campo de batalha.

Em frente a eles, os estudantes estavam organizados em filas.

Raishin posicionou-se no fim da fila, recebendo olhares estranhos de todos que estavam próximos a ele. A frente dos estudantes, o Diretor estava de pé, dizendo:

— —E eu espero que todos vocês apliquem isso de forma diligente em suas atividades.

Ele havia chegado a tempo de escutar o final do discurso de abertura. Parecia que ele estava atrasado para a Cerimônia. Todos os professores tinham olhares atônitos em seus rostos. Charl tinha uma expressão particularmente chateada, mas Raishin apenas passou calmamente por trás da última fila.

Os únicos que eram obrigados a participar da Cerimônia eram os Gauntlets. Mesmo assim, parecia haver mais de mil estudantes ali. No entanto, eles não estavam apenas cumprindo seus deveres acadêmicos de modo diligente. A loja da escola havia aberto um stand móvel e os arredores haviam sido decorados em estilo de Festival. Para aqueles que não iriam batalhar, aquele era um lugar agradável para se divertirem.

Após o fim do discurso do Diretor, os participantes da Festa Noturna fariam um juramento.

O representante era o estudante com o primeiro assento— desnecessário dizer que era o Magnus.

As seis garotas vestidas em estilo Lolita-góticas estavam ao seu lado. Elas pareciam bonitas como flores, mas elas eram uma esquadra. A força delas era equivalente a vários navios de guerra.

 

“Reunidos aqui, sobre este solo santificado

Nós fazemos uma promessa, pela qual somos

Obrigados a proteger as artes mágicas com nossas vidas

Nos comprometendo a uma luta eterna.

O assento real, o trono é desejado.

Todo resto não importa.

Então, enquanto participamos deste jogo sangrento,

Juramos honrar o nome de Walpurgis.”

A banda tocou uma música alta e os corvos reunidos voaram pelo céu noturno. Os estudantes que assistiam irromperam em aplausos, bem na hora em que o sino na Torre do Relógio começou a soar.

Uma, duas, três— Finalmente, o sino ecoou pela sexta vez.

— Eu agora declaro oficialmente o início da 49ª Noite de Walpurgis.

Ao mesmo tempo da declaração do Diretor, todos aqueles em posse de uma luva, a vestiram simultaneamente. Tendo esquecido do procedimento, Raishin rapidamente removeu sua luva, com a palavra Penúltimo escrita nela, antes de recolocá-la.

Uma estudante do Comitê Executivo deu um passo à frente e, com uma voz de ópera, anunciou:

— O 100º assento, Penúltimo, por favor venha para o campo.

Ele já estava sendo chamado. Raishin deixou a fila e passou por uma coroa de flores, que parecia funcionar como entrada. Entrando no campo, Yaya seguia atrás dele.

Uma vez que ele estava no centro do campo, seu oponente também foi chamado para o campo.

— O 99º assento, Lâmina Sagrada, por favor venha para o campo.

— O que?

Os sentimentos amargos em seu peito e o clima sombrio desapareceram em um instante.

A multidão a suas costas estava inquieta e um jovem apareceu diante dele.

A apresentadora não estava errada. Era o Imperador da Espada, Loki, um dos Rounds. O som metálico anunciava que seu autômato de ferro estava logo atrás dele.

Com intenção assassina em seus olhos, Loki falou com um tom irritado.

— Eu disse a você que desistisse, não disse?

— ... Eu disse a você que eu me recusava, não disse?

Seus olhares se chocaram. E com isso, a noite de abertura da Festa Noturna começou.



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