Volume 1 – Arco 2
Capítulo 25: A Caravana, parte 2
Foi enquanto todos dormiam que Ethan percebeu que estava sendo observado. A sensação de perigo aumentou conforme caminhava para longe dos outros.
“Isso mesmo…” pensou enquanto se preparava fisicamente para a luta. “Venha até mim.” Antes que o confronto se iniciasse, viu alguns dos guardas o olhando torto e um deles foi até ele.
— Então é você? O desgraçado que está nos matando? — perguntou enquanto outros dois o protegiam. Ethan notou que mais dois estavam indo até ele, fechando as saídas.
— Não… eu só estou indo mijar.
Um silêncio constrangedor e então o líder riu. — Acho que é esperado que um assassino não se revele… bem, terei certeza de enviar você pessoalmente ao inferno… — Assim que falou isso tentou um soco que foi bloqueado pela Bento.
“Um soco inglês?” pensou e então pulou, um movimento errado, visto que sua perna foi agarrada por um dos outros membros da vigília. “Merda!” Teve de usar a espada para bloquear uma faca, mas a posição não era favorável e logo foi forçado para trás, onde uma foice o aguardava.
Eles formaram uma roda e não o deixavam escapar. A situação dele era ruim e matar não era uma opção. Se o fizesse só atrairia mais suspeitas e teria de viajar sozinho.
Usou a lâmina para bloquear a foice enquanto prendia o braço esticado do pugilista com as juntas e usava ele para tomar impulso e desviar de outra facada. Habilmente ele pulou pela cabeça do usuário de foice e se afastou dos adversários.
— Não quero lutar!
Tudum tudum…
— Então por que tá com esse sorrisinho no rosto? — disse enquanto tentava um soco que fora defendido pela lâmina da Bento.
Essa era a questão que assolava a mente de Ethan. Ele não era o mais inteligente mas também não era burro ao ponto de não ver algumas mudanças óbvias em sua personalidade.
Ele não queria machucar ninguém, quem dirá matar. A única coisa que ele queria era se provar e obter o sentimento de gratificação, de saber que algo nele mudou… Ele estava tão desesperado por respostas que começou a se perder no treino.
Por que seus sonhos mudaram? O que essa mudança significava? Como ele agiria daqui para frente? E, talvez a mais importante de todas, valia a pena continuar?
Não seria mais fácil só aceitar o peso do mundo e desistir? Aqueles pesadelos estavam consumindo sua mente ao ponto de mudar quem ele era? Se sim, será que não era melhor apenas morrer e proteger o mundo?
Ethan não percebeu o que acontecia ao seu redor. Sua espada cortou os corpos de dois dos agressores e, apenas quando sentiu o sangue pingar no rosto, ele percebeu o que fez.
“Não… Eu… eu não queria…” pensou, a imagem de seus irmãos mais velhos se sobrepôs a realidade e o cheiro de ferro, o calor do sangue, tudo fez com que seu coração começasse a queimar. Sua visão estava turva e o ar não parecia entrar direito no peito dele.
— Seu… assassino! — Outro gritou, puxando uma lança e indo contra ele. Ethan desviou do golpe e estava para cortar o pescoço do adversário mas hesitou. Isso foi o suficiente para que ele voltasse a lança para trás e batesse na têmpora dele com o cabo dela.
Por instinto, pôs a Bento a frente do coração, o que defletiu uma estocada para o pulmão direito. O golpe carregou mais força que ele podia segurar e foi lançado para longe com um corte no peito.
— Mas que porra é essa? — perguntou o Pugilista, vendo a forma como o sangue negro derretia e consumia tudo ali. Olhou para Ethan e permitiu que sua energia fluísse para fora, entrando no Primeiro Céu. — O que é você?
“Droga” pensou, desviando de socos muito mais rápidos. Os ataques também estavam mais pesados, ao ponto dele precisar usar toda a força para não ser arremessado para longe. Tentou tomar distância mas sempre que o fazia, o lanceiro cortava sua rota.
Observou os movimentos do oponente enquanto tentava achar uma brecha. Tentou até mesmo recriar aquele sentimento no navio. As memórias daquela luta estavam nubladas e ele não lembrava do final, mas o sentimento que teve no meio do combate ainda estava fresco na memória.
Ele conseguiu simular o sentimento e até o expandir, no entanto aquela era uma situação diferente. Enquanto estava lutando pela sua vida, a arte que tentava executar era muito mais profunda que isso e um principiante, não importava o quão talentoso era, não poderia trazer aquilo a tona por si só.
Desviou de outro soco e sentiu a lança raspar na carne. Conseguiu se afastar e deixou um rastro de sangue podre ao redor. “Que estranho…” Notou algo diferente no seu corpo. Não importava o quão ferido ele estivesse, ainda podia se manter de pé.
O sangue perdido era reposto por um novo, fresco e humano, e as cicatrizes eram costuradas pela tinta. Sentia-se vivo ainda, mas a sensação era diferente de quando lutou com Jack.
Se Locust despertou sua sede por se provar através da luta, ali apenas sentia um vazio que era preenchido pela vontade de viver, que parecia cada vez mais distante de si.
Ele vivia e continuaria vivendo enquanto desejasse continuar.
Desviou de um golpe de lança e defletiu um soco, e então mais um. Ethan começara a se adaptar ao ritmo da luta e, a cada gota de sangue derramada, sentia seu corpo mais leve, sua mente mais limpa.
De fato, depois de alguns minutos, o sangue que derramava voltou ao tom vermelho e, depois de dois minutos, parou de derreter as coisas ao redor. A partir desse ponto, os ataques dos seus adversários estavam mais fáceis de prever.
Ethan sabia que não era apenas uma questão de se acostumar com eles. Claro, assim que via algo ele podia replicar o movimento e, ao lutar por um tempo, se adaptava a força do adversário instintivamente.
No entanto… dessa vez era diferente.
Era como se um enorme peso fosse retirado de suas costas e ele podia enfim lutar como queria. Deu uma pancada no queixo do pugilista com o pomo da espada e então cortou a carne dele na diagonal. Em seguida, bloqueou a lança do segundo e cortou o ombro dele.
Sua expressão era neutra, prova do quão calmo estava seu coração. Olhou para os lados em busca do último mas notou que ele não se encontrava ali. Fez uma careta.
— Me-merda…
— Ainda estão vivos? Eu cortei bem profundo.
— Seu porra… só espera até eu me levantar daqui… vou te matar, seu merdinha.
Ethan caminhou para fora do local disposto a chamar um médico para os coitados mas foi bloqueado por uma multidão, que começou a se formar.
— É ele! Falei que ele era o assassino!
— Ah, merda.
Um calafrio percorreu sua espinha enquanto o vazio dentro de si crescia.
Tudum tudum…
— Vamos matá-lo!
Ethan procurou na multidão pelo seu amigo, por alguma face que o defendesse naquela situação, mas não pôde olhar por muito tempo. O barulho de aço contra aço, então sangue jorrado.
De novo…
E de novo…
E de novo!
Sua espada cortou o pescoço de um, decapitou outro e dividiu o tronco de mais um. O ciclo se repetia enquanto as sombras nas árvores se aproximavam, o vento sussurrava maldições em eu ouvido.
— Assassino…
— Desgraçado!
— Traidor!
As vozes eram uma mistura daqueles que caíam em sua frente e daqueles que se foram a meses atrás.
Mais três corpos, mais litros e litros de sangue jorrando.
“Para… já deu!”
— Magicae Sagitta! — As flechas mágicas explodiram suas costas e o rapaz bloqueou um corte de uma Katana. Os seus olhos arregalaram ao ver o medo no rosto de Hector e a raiva pura no de seu mestre.
— Eu nunca devia ter te dado essa espada! Devia ter te matado! Monstro!
“Não… por favor… não! Tudo menos isso!”
Defletiu um golpe e então decapitou seu mentor, em seguida, cravou a Bento no peito do seu único amigo.
— Por quê? — perguntou, caindo de joelhos enquanto lágrimas fluíam dos olhos. — Por que eu destruo tudo o que toco?
— Kukuku… Ethan… — A voz maldita de seu inimigo congelou o coração do rapaz. Ele queria se levantar, queria gritar e lutar contra o demônio, mas ele não tinha força para isso. Não conseguia articular nenhuma pergunta e, por alguns segundos, ficou ajoelhado em silêncio.
— Por quê? — perguntou enfim, incapaz de pensar.
— “Por quê” o que? Não fui eu que matei eles, sabia? Isso está na sua consciência… e vai pesar para o resto de sua vida, Kukuku…
“Pelo resto da minha vida?” Engoliu em seco enquanto sentia o vazio crescer, expandir-se dentro de si agressivamente. Aquela dor, aquele frio… ele não aguentaria tanto tempo…
Sentiu algo em sua mão. “É mesmo… ainda estou segurando minha espada, não é?”
— Hou, o que vai fazer agora? Ainda quer ir atrás de mim? Ou será que… vai tomar o caminho mais fácil?
Ir atrás de Agar, nesse momento, era algo impossível para ele. Seu espirito estava em pedaços e não tinha força nem para mover seu olhar para cima…
“É só um movimento… eu enfio minha espada na barriga e puxo-a para cima… só vou sentir um pouquinho de dor… É melhor do que o que estou sentindo agora…”
Levantou a Bento e levou a ponta até o umbigo… “É afiada…” notou, percebendo o tesouro que tinha nas mãos. Sem dúvidas era uma das melhores espadas, digna de um grande guerreiro…
Antes que realizasse o ato, sentiu uma força invisível segurar a arma e um forte impacto no rosto.
Um clarão irrompeu e Ethan despertou.
— Seu idiota! No que estava pensando?
“Essa voz…” Sem perceber onde estava, ele olhou para o rosto raivoso de seu amigo e lembrou do sonho que acabara de ter. — Me… me desculpa! Por favor, eles me atacaram e… e uma coisa levou a outra!
— Do que está falando? — questionou. Ethan olhou para ele com confusão até sentir o impacto de uma pedrinha na nuca.
— Cala a boca, tô tentando dormir!
— Mas… mas eu…
— Foi outro pesadelo? — questionou Liz, olhando com preocupação para os dois.
— Como sabe?
— Eu tenho dormido do lado de vocês todas as noites… é meio difícil não perceber a sua agitação.
Ethan deixou a tensão no ombros o dominar e olhou para a Bento. A lâmina pristina foi sobreposta por sangue e, num único instante, ele estava lá de novo. No dia que Agar matou toda a sua família… no Eclipse.
“Foi só um pesadelo?” pensou enquanto recebia olhares de preocupação dos outros dois. "Foi só um pesadelo…”
Enquanto a caravana se movimentava para Alamar, um único homem chegou a Locust.
A cidade ainda estava se reconstruindo, de fato, mas o clima era mais leve e as pessoas sorriam mais, por mais que ainda tivessem desconfiança umas com as outras, algo que encheu o homem de desgosto.
Sua visão foi até um terreno baldio. Sob as ordens do Rei dos Ladrões, os mortos seriam enterrados ali, então, em sua mente, aquele era um ótimo lugar para começar a procurar.
Enquanto caminhava, as pessoas olhavam para ele com claro receio. Seja pela estatura digna de um colosso ou pelo manto escuro que ocultava tudo nele, o que importava era que ele era temido e só um tolo interagiria com ele.
Uma pena que tem tolos em todos os lugares.
Três facas foram cravadas na nuca, a ponta perfurou o cérebro e o sangue jorrou. O homem parou de andar e apenas olhou para trás.
— Sério… não fez nem cócegas? Podia reagir um pouco mais, grandão — o Halfling pulou na direção do colosso e, com mais uma faca, perfurou a jugular do colosso.
Em seguida, suas facas cravaram nos olhos e, com um rápido e preciso movimento, quebrou o pescoço do enorme ser.
— Bem, que tipo de bens você esconde? — perguntou ao empurrar o corpo do gigante para frente, esperando que o mínimo de força fosse o suficiente para tombar aquele brutamonte.
Um silêncio permeou o lugar enquanto o pé dele continuava firmemente plantado. “Mas… o quê?”
Antes que pudesse piscar, sua cabeça foi arrancada de seu corpo com um simples movimento da mão do gigante. Assim que bateu numa parede, ela também foi esmigalhada, restando apenas sangue e pedaços de carne.
Todos ali engoliram em seco ao ver a demonstração de força bruta. Um deles, o irmão de criação do Halfling, gritou em pura fúria e avançou contra o imenso ser.
Em alguns segundos, aquilo se tornou uma briga generalizada, que chamou a atenção do rei para aquele ponto. Alvaro caminhou até lá, esperando ver uma briga de facções.
O que ele não esperava era a figura solitária do homem de quase três metros olhando para si, com todos aqueles cadáveres ao redor…
— Tu que és chamado de Rei dos Ladrões? — perguntou enquanto tirava algumas flechas cravadas em seu corpo. Continuou até as espadas e lanças, aguardando que o Rei o respondesse.
— Sim… sim, esse sou eu — disse, finalmente recuperando a língua.
— Ótimo… dê-me o corpo de Maximillian e vossa cabeça — exigiu, jogando uma espada nos pés do monarca.
— Não sei quem é… mas você chegou em minha cidade arrumando confusão e matando meu povo… e ainda tem a pachorra de ordenar que eu exume o corpo do meu amigo e me mate em seguida? — A raiva era palpável no tom de Alvaro. O gigante suspirou ao ver que teria de lutar. — QUEM PENSA QUE É?
— Alguém mais forte que você…
Esse foi o dia em que Locust, a vila dos ladrões, foi varrida do mapa.
Esse evento seria apagado de todos os arquivos e os nobres da OPML retirariam o nome ‘Locust’ de cada registro histórico, usando da força dos Mármores para manter todos quietos sobre isso.
Apenas duas perguntas restavam na cabeça dos nobres… ambas giravam ao redor de um único ser.
Quem era o ‘Titã Enegrecido’ e qual o motivo dele ter roubado o corpo de um Infernal.