A Lenda do Destruidor Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 24: A Caravana

A tripulação acordou ao som de aço sendo brandido contra o vento. Alguns curiosos foram ver do que se tratava, Liza incluso, e tiveram uma imagem gravada dentro de suas mentes.

O corpo todo suado e cansado de Ethan, que não parava de balançar a Bento em várias repetições de movimentos do Estilo da Doninha. Vários ali não entendiam muito da fisionomia humana, mas todos podiam ver claramente que aqueles não eram movimentos fáceis de se executar.

— Desde quando ele tá nisso? — Um dos candidatos perguntou, incapaz de desviar os olhos da cena. Os olhos de Liza foram até Hector, que parecia calmo demais com aquilo.

Ela era uma médica e, como consequência, conseguia dizer bem os efeitos que movimentos como aquele tinham num corpo humano. A tensão absurda poderia facilmente romper fibras musculares com apenas um erro.

Mas a forma metódica que ele realizava tudo também era assustadora. Não havia outra forma de descrever as continuações de cada golpe se não ‘perfeitas’.

— É a primeira vez que vejo uma rotina de treino tão pesada assim — falou Suika, descendo do mastro e indo até Hector. Liza se atentou na conversa enquanto esperava que sua curiosidade fosse saciada. — Onde ele aprendeu isso?

— Quem sabe… eu só conheço ele a alguns dias e posso dizer com toda certeza que nunca vi alguém mais cabeça dura que ele — retrucou com um sorriso amargo. — Ele começou esse treino às 3 da manhã e não parou até agora.

“Mas isso dá cinco horas…” pensou incrédula com aquela informação. Nunca vira alguém tão determinado e o choque só aumentou quando um som de algo caindo ressoou na proa.

— E ele dormiu… ótimo.

Aquela era a verdade nua e crua. Ethan não aguentou mais ficar em pé e colapsou, a espada em suas mãos ainda estava firme. “Mesmo dormindo ele ainda luta?” Era a única alternativa racional para a forma como os músculos faciais se contorciam e os olhos se moviam por debaixo das pálpebras.

Hahaha, esse cara é insano — Os pés se moviam até a forma desacordada do rapaz. — O quão longe você vai ir antes de atrair a atenção deles, pivete?

— Deles? — Ethan perguntou ao abrir os olhos. — Quem são eles? — Espreguiçou-se e se levantou, estralando as juntas.

“Quem é esse cara?!”

— Bem, acho que você vai descobrir de uma forma ou outra — comentou enquanto olhava para o céu com um ar solene. — O Mundo Livre é dividido por orlas… agora, estamos na orla mais distante do centro e a com menos influência deles… dos senhores desse mundo.

— Senhores desse mundo? Isso não tem a ver com o que você me falou sobre a guilda, Hector?

— Sim. A Guilda dos Assassinos só tem sua existência permitida por conta de juras e tratados antigos, mas os membros do governo estão loucos para quebrar os pactos.

— Você conhece muito disso… — comentou Suika.

— Eu já fui parte da nobreza. Por mais que fosse de uma casta mais baixa, eu ainda pude ver um deles…

Fez uma careta com a memória. A forma como aquele Soberano tratava a vida sempre o irritou. Eles tinham poder muito acima de qualquer um e não existia certo e errado perante aquelas existências…

Mesmo ele, que matou algumas pessoas, não podia conceber como alguém ordena um extermínio inteiro de um país e nem mostra remorso.

— Bem, melhor não falarmos deles aqui… tem muitos ouvintes — pediu e escalou o mastro de novo. — Mal posso esperar para quando se tornar um Mármore, Ethan.

 

Alguns dias se passaram, o Navio atracou no caís de Blue Moon, uma pequena cidade em Chronos. Ela tinha um ar rústico e mais parecia uma vila com suas casinhas alinhadas, com o comércio local prosperando graças ao porto.

Ethan se sentiu em casa naquele lugar, um ar nostálgico se espalhou ao redor dele enquanto um sorriso calmo aparecia no rosto. Enquanto caminhavam, o grupo composto de três notou que vários jovens como eles estavam reunidos numa praça.

Aquela era a Caravana formada pelos aspirantes.

— Bem, acho que é só ir com aquele grupo — comentou, seguido por Hector e Liza. Ethan não soube quando aconteceu mas, em algum momento da viagem, a jovem decidiu que montaria um grupo com eles.

Não era incomum que Mármores formassem grupos com outros que fizeram o mesmo exame ou exames de anos semelhantes, e ela explicou para ele de forma sucinta que eles precisariam de um médico se fossem ser Mármores, ainda mais considerando que ambos eram atacantes de curta distância.

Ethan não conseguiu argumentar com a lógica dela devido ao fato que ele morreu e voltou a vida, mas Hector ainda estava desconfiado. Ele decidiu que apenas observaria e mataria ela caso tentasse alguma coisa.

Os membros da caravana logo viram o trio se aproximando e deixaram que eles se juntassem. Os locais sabiam bem que Chronos era perigosa devido as três grandes masmorras espalhadas pela ilha, o que resultou em uma alta população de monstros.

Não era seguro viajar a sós e um grande grupo deixaria os animais e aberrações longe. Ethan sabia disso e, enquanto via o mundo passar ao redor dele, não pôde deixar de expor o que pensava.

— Ainda parece um sonho…

— Oi?

— Hector… ainda parece um sonho… Tudo aconteceu muito rápido e, quanto mais eu olho para trás, mais vejo o quão irreal as coisas se tornaram. De verdade, sou grato.

Os dois caíram num silêncio confortável enquanto as feras na floresta observavam o enorme grupo sair da cidade. Liza reparou que não tinha muito o que falar para eles então apenas ficou quieta.

Algumas horas se passaram e eles montaram o acampamento para a noite. As barracas foram armadas pelos mais preparados enquanto Ethan e Hector ambos ficaram junto dos que estavam do lado de fora. Os dois amigos deitaram sob a luz das estrelas enquanto falavam de seus sonhos.

Não demorou muito para enfim dormirem. Ali, na calada da noite, um par de pés seguia para um lado oposto de onde estavam, o dono tinha uma missão única e simples.

Matar.

 

Ethan acordou com um susto e olhou para os lados. Já que perdera o sono, decidiu treinar um pouco. Assim que se afastou um pouco, viu uma movimentação suspeita na ala Oeste do acampamento e, tomando a espada em mãos, correu até lá.

Quando chegou, viu um corpo cortado em pedaços e diversas pegadas. O rapaz engoliu em seco e se afastou, vários pensamentos vinham e iam de sua mente.

— ACORDEM! — gritou enfim, decidido a evitar qualquer mal-entendido que pudesse se originar disso. — Acordem logo, cambada. Acorda que deu merda!

 

Após o ocorrido, o clima na caravana mudou. Mesmo que houvesse desconfiança antes, ainda era apenas jovens querendo descobrir vantagens que poderiam usar contra outros e não uma trama de assassinato.

Ethan se viu como um dos principais suspeitos naquele momento. Ele usava uma espada e foi achado perto de um corpo decepado, além de já ter um pouco de fama devido aos outros que vieram com o navio e viram o que ele era capaz de fazer.

Havia uma discussão sobre manter ele por perto, já que podia afastar as bestas, ou jogar ele fora. Assim que ouviram isso, tanto Hector quanto Liza disseram que, se Ethan saísse, eles sairiam também, um gesto que tocou e muito o rapaz.

A discussão morreu após o Ladino demonstrar suas capacidades de combate.

Conforme as horas passavam, a noite chegou uma vez mais e todos se mantiveram acordados o máximo de tempo possível, com algumas rondas de vigília sendo mais duras do que antes…

Ethan decidiu que treinaria invés de dormir, visto que não estava com vontade de retornar aos pesadelos. Enquanto o fazia, acabou atraindo a atenção de um dos guardas, o que permitiu ao assassino fazer mais três vítimas.

 

— O que nós devemos fazer? Nesse ritmo, vamos ser ou todos mortos ou atacados por bestas… — Ethan ouviu as conversas enquanto continuava a caminhar e pensar em uma forma de resolver os assassinatos.

Hector era contra fazer algo, ambos já estavam sobre bastante desconfiança e não queria forçar a barra. Ethan entendia essa lógica, por mais que isso deixasse um gosto ruim em sua boca.

Odiava deixar os outros morrer enquanto podia fazer algo a respeito e deixou isso claro para Hector. — O que você acha? — perguntou para Liza, que acompanhava ele.

Hector ficou mais para trás devido a uma discussão que ambos tiveram sobre o assunto. Ela sugeriu que ambos ficassem longe um do outro para esfriar a cabeça e usou dessa oportunidade para falar com o alvo de interesse do irmão a sós.

— Acho que, seja lá quem está fazendo isso, está nos testando — comentou baixinho, e ficou quieta por alguns segundos. — É perigoso viajar só, e essa pessoa é confiante o suficiente para achar que pode massacrar uma caravana e ainda escapar… acho que é um examinador ou algo parecido.

Ethan assentiu, era uma boa teoria. Pelo que ouviu, seja lá quem está fazendo isso, ele é um profissional na arte e está cometendo erros primários.

Seja lá quem está matando os Aspirantes, essa pessoa quer ser descoberta.

— Eu não gosto disso… — sussurrou enquanto parava e observava o céu, memórias dos sonhos recentes vieram a sua mente, sobre como ele matava cada um de seus familiares por motivo nenhum… e a revolta que ele sentia quando repetia o ciclo infinito. — Eu decidi… vou achar o assassino e arrebentar com ele!

 

Hector olhava para as pessoas ao seu redor, cada uma desconfiada demais para se aproximar dele. “Bem… acho que mereci isso.” Enquanto refletia ele tentava achar uma forma de tirar a estigma de assassino que ficou presa em Ethan, mesmo que seu amigo não percebesse.

Teria de fazer algo sobre os mortos e, para isso, teria de descobrir o assassino. Mesmo que não quisesse fazer nada, ainda tinha um amigo sofrendo e tentaria aliviar isso da melhor forma que pudesse.

“Amigo…” pensou enquanto sorria e avançava para frente. Não imaginava que alguém como ele ganharia um amigo e se sentiria minimamente normal… mas o destino era algo engraçado.

Notou que havia alguns membros isolados de outros grupos. “Acho que esse é um bom lugar para começar…” Um assassino não quer trazer atenção para si e ser o último sobrevivente de um grupo traz suspeitas.

Ignorou a ironia da situação enquanto pensava num plano para trazer o assassino a tona.

Dessa forma, o terceiro dia chegou ao fim com mais cinco mortes.

 



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