A Lenda do Destruidor Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 8: Aliança

Olhou para o estranho com clara desconfiança. Um assassino contratado para proteger? Quem acreditaria nisso? Suspirou e passou os olhos no homem, não havia nada de especial nele, nada que pudesse ligar a outra pessoa… e isso o preocupava.

— Que diabo é esse, sô. Que tipo de assassino protege alguém?

Após isso, pôs a mão na empunhadura de sua espada e olhou para o homem, ambos se encararam, num duelo de olhares, sem que ninguém desse espaço para o outro. — Agradeço pela ajuda, mas, se vai mentir, eu vou indo.

— Bem, sinto muito, mas eu não posso deixar que saia daqui sozinho. Ordens são ordens.

O rapaz apertou suas mãos, frustrado. Com um suspiro, virou-se para a direção oposta e saiu em disparada. O assassino, surpreendido, foi logo atrás, tentava alcançar o rapaz, que mostrou resistência elevada, graças a poção que lhe foi dada.

— Para de me seguir!

— Já falei que não posso!

Nisso, ambos pararam para respirar, estavam exaustos e o assassino não conseguia falar uma sílaba. Olhou irritado para seu perseguidor, mas decidiu não falar nada.

Ao que parecia, o Ladino estava obstinado em segui-lo, e não pararia a não ser que ambos lutassem… e estava sem paciência para isso.

Decidiu acreditar no homem, por enquanto. Nisso, perguntou quem queria o proteger, e de quem ou o que. Até onde sabia, o grupo que o emboscou antes era apenas um bando de bandidos.

Ao recuperar o folego, começou a explicar para Ethan sobre a Guilda dos Assassinos e da política envolvida, o rapaz ouvia com atenção capturada a história, incapaz de acreditar nos seus ouvidos.

— Nossa guilda, que existe à mais de um milênio, dividiu-se, publicamente, em duas facções, já a cinco anos. Uma em apoio ao novo Rei dos Ladrões e outra não. A facção imperial surgiu com o objetivo de derrubar o movimento Aristocrático, que são os radicais que querem lhe matar.

— Os Aristocratas argumentam que, sem o controle do Rei sobre a Guilda, poderíamos aumentar nossa rede. O soberano de Gália é jovem e ingênuo, e tirariam várias de suas alianças, para que, com o tempo, tomassem o controle de Gália e, depois, dos arquipélagos de Nevra. Com esses argumentos, eles trouxeram para a sua asa vários nomes novos e velhos.

— Mas qual o problema? Quer dizer… por que tem essa briga? Os Imperialistas não querem poder? — Sua confusão era visível em seu rosto, não conseguia deixar de estranhar aquilo. A impressão que tinha de todas as organizações era que elas querem poder e tem uma agenda por trás, por isso a forma como a Guilda foi descrita era fantasiosa demais.

O assassino abaixou a cabeça e soltou um suspiro cansado. — É simples. Nosso sistema político existe sob o comando do Rei. Somos uma monarquia parlamentar, o dever do Rei é meramente filtrar missões que considera perigosas demais…

— Mas?

— Mas, sem esse filtro, atrairíamos muita atenção indesejada. O Governo Mundial não gosta de desafios. Um governo com uma força paramilitar, mesmo que comecemos pelo Reino de Gália, seria visto como uma ameaça para seu poder. Por mais que Nevra seja um território na borda do Mundo Livre, vale lembrar que é uma localização importante para comércio.

— Mas não é apenas isso, não é?

— Não… nunca é tão simples. — O rosto coberto do assassino assumiu uma face cansada, quase exausta, algo perceptível por sua postura. — Nossa Guilda é velha. Mais velha que a OPML… e só existe um motivo pelo qual ainda não nos varreram da história.

O rapaz olhou com claro interesse para o jovem, a OPML, ou Organização dos Países do Mundo Livre, era o governo mundial, responsável pela organização dos reinos nos vários arquipélagos que compunham o Mundo Livre… e, portanto, não gostavam da ideia de alguém que pudesse os desafiar.

— Qual?

— O motivo está nas Cláusulas Antigas. Elas são as regras que todo assassino da Guilda deve seguir… obedeça, e você está dentro, desobedeça e morra. Por conta dessas cláusulas, temos uma política de boa vizinhança com a OPML… existem várias delas, mas são quatro que regem a Guilda como um todo.

Nisso, tirou um papel de seu bolso e mostrou para o rapaz, que leu com cautela as quatro: 1) A Guilda jamais deve ir contra o desejo de Amnael, deus das Artes Marciais; 2) A Guilda deve fidelidade ao Rei dos Ladrões; 3) Em caso de Conflitos Internos, a Guilda deve resolver tudo com votos do parlamento, e o lado vencedor ganha a influência do perdedor, junto com 70% de suas riquezas; 4) Em caso de traição, apenas o perdão do Rei dos Ladrões livrará o traidor do inferno na terra.

— O que a Facção Aristocrática quer é apagar a segunda grande cláusula, no entanto, ao fazer isso, irão contra a vontade de Amnael, que estipulou que essas cláusulas jamais seriam quebradas, e caso fossem, tal coisa seria o equivalente a traição. Mesmo que alguns não acreditem nas maldições que Amnael tem acesso, mesmo no túmulo, sabemos bem o que acontece sem a proteção do rei.

— A OPML vai destruir tudo o que vocês construíram ao longo dos séculos, não é? — O homem acenou, claramente frustrado. — Me diz, quem é esse Amnael?

Ficou alguns segundos quieto, considerava como responder aquela pergunta, ou talvez se tinha alguma resposta clara. A verdade era que Amnael era uma figura tão lendária quanto controversa na organização… e, por isso, poucos tinham acesso as verdades por trás das lendas.

— Ele era… o homem cujo os fundadores se aliaram para matar. — Sua voz saiu rouca e pesada, demonstrava claramente o estresse de falar aquilo com alguém que não pertencia a Guilda. — Antes da Guilda, haviam 5 seres soltos no mundo, cuja força dizia rivalizar com os antigos Grandes Reis Demôniacos. Os quatro, Uruk, o rei Orc da montanha; Zeff, o maior de todos os elfos da floresta; Strada, o infernal de coração puro; e Ferdinand, um dos antigos reis anões… eles eram os quatro maiores assassinos da história. Certa vez, Zeff recebeu um pedido vindo de um nobre poderoso… matar a irregularidade conhecida como Amnael.

— Na época, não se sabia de onde aquele homem veio, nem o porquê era tão forte. Amnael, que era conhecido como “O Destruidor de mundos”, ganhou notoriedade após salvar a princesa Kujoma de um demônio do mundo antigo… diz-se que sua espada cortava montanhas e separava os mares… naturalmente, Zeff sabia que não poderia vencê-lo, não importava que truques usasse… por isso, reuniu os outros três maiores assassinos e, juntos, lutaram contra Amnael numa batalha que durou 5 anos. Após muito esforço, mataram Amnael e, com o respeito que tinham pelo homem, junto ao vínculo que criaram na batalha, criaram a guilda dos assassinos. Cada um criou uma das cláusulas.

Ouviu todo o conto, atento demais para desviar a atenção. Algo dentro de si ressoava com uma das palavras que foram ditas. — “O Destruidor de Mundos”? — O título parecia ridículo, mas próprio para o homem, e, sem que soubesse, começou a criar um desejo de obter um título tão incrível quanto esse e de conquistar mais poder.

— Parece idiota, não é? Mas foi essa lenda que deu origem a Guilda dos Assassinos… e então? Agora entende o porquê de eu ter que te proteger?

Acenou com a cabeça, pois conseguia entender qual era o conflito, seus punhos cerrados mostravam o quão estressante aquilo era. A Guilda se dividiu em duas facções. A Facção Imperial, que apoiava o Rei dos Ladrões, e a Facção Aristocrática, que queria derrubar o sistema atual e tomar o poder. Os Aristocratas argumentavam que o Rei possuía poder demais na cidade, e que não fazia sentido para uma organização tão grande como a Guilda ser fiel a ele.

Os Imperialistas surgiram como oposição ao movimento. Diziam que desde a criação da Guilda, eles serviam aos líderes de Lockust, e que tinham uma dívida de honra e sangue com eles, o que formou a segunda cláusula.

— Ainda assim, que raios eu tenho que ver com tudo isso? Quer dizer… por que me querem morto?

— Uma patrocinadora quer a sua cabeça e ofereceu uma grande quantia… uma quantia grande o bastante para comprar os votos do parlamento e anular a Segunda Grande Cláusula. Ao fazerem isto, poderão tomar o poder do rei. Você é apenas uma chance que apareceu para eles conseguirem seus objetivos mais rápido.

Conseguiu entender o cenário que fora jogado. Um grupo extremista queria tomar o controle de Lockust. Conseguindo o controle de Lockust, eles poderiam tomar o controle da guilda e ganhar mais lucros com tal, deixando a cautela de lado.

Mas o que deixou o rapaz pálido de medo foi o fato de que um grupo forte o bastante estava atentando contra sua vida, e que quase conseguiram… não, não podia deixar isso assim. Tinha que fazer algo, essa certeza queimava em seu peito com chamas de determinação, e que tentaria conservá-la o máximo possível.

“Isso é algo que terei que investigar depois de me tornar um Mármore.” Estava certo disso, não podia correr riscos, mas tinha um objetivo claro em sua mente e não poderia esperar mais 6 meses… seu mestre foi claro em suas instruções.

— Por isso tenho que te proteger.

“Ok, isso vai dar em rebosteio.” Seu olhar sereno pousou no outro, e imediatamente percebeu que estava calmo demais, quase como se fosse uma besta, que fingia calma. — Sinto muito, mas preciso prestar o exame dos Mármores, e ter alguém me protegendo não vai agradar muito os examinadores.

Ficou pensativo, tentava descobrir alguma forma de resolver todos esses problemas, alguma forma que pudesse realizar seu sonho sem correr mais riscos que o necessário, e a falta de uma solução simples o frustrou. Não podia ficar ali, mas não teria segurança até que resolvessem isso. Foi então que decidiu tomar as rédeas.

— Vamos fazer o seguinte… eu vou ajudar a destruir essa facção oposta, e depois vou prestar o exame.

— Perdão?

Após falar isso, começou a ir em direção a saída, passos determinados e quietos mostravam o quão sério estava.

O assassino sorriu por baixo da máscara e o seguiu. — Você realmente está planejando se meter nisso? Mesmo com tantos querendo sua morte?

— Sim. Eu preciso me tornar um Mármore, custe o que custar.

O jovem continuou sua caminhada no esgoto escuro em tranquilidade, seu companheiro suspirou em frustração e cansaço, mas não falou mais nada. Sua missão era protegê-lo e não tentar por um pouco de bom-senso nele. Os dois enfim chegaram ao final do esgoto e subiram as escadas.

Ethan checou de forma cautelosa o perímetro antes de decidir se era seguro ou não. Satisfeito com o resultado, pôs seu corpo para fora e notou, surpreso, que estava numa rua diferente de antes.

O Ladino começou a caminhar em direção ao centro, seguiu-o com atenção em cada canto, não confiava naquela cidade e sabia que quanto mais cedo resolvesse tudo ali, melhor. Enquanto andavam, o rapaz conversou mais um pouco com seu guarda. Não conseguiu nenhuma informação pessoal, mas foi um bom passatempo.

Algumas ruas a frente, ele parou. Ethan fez o mesmo, a mão, que tremia em uma mistura de tensão e precipitação, foi até a sua espada. Passos silenciosos foram a indicação que o assassino precisou, com frieza e calma absoluta, moveu-se para interceptar o tridente, que por pouco não perfurou o crânio do outro.

Ouviu o som do choque de metal contra metal, virou-se com um olhar determinado e frio, que mostrava o quão preparado estava, e, com alguns passos para a esquerda, tentou perfurar o estômago do elfo negro.

O mesmo usou o tamanho de sua arma como vantagem e se afastou, a graça do seu movimento era escondida pelo sorriso feral no seu rosto. O espadachim deu uma boa olhada no adversário, e a raiva lhe subiu a cabeça, de forma que esqueceu que quase matou outra pessoa.

— Você?

— Opa, vejo que decidiu acatar minha sugestão!

— Ora, seu!

E com isso, tentou novamente a Andorinha Raivosa. Para sua frustração, que crescia a cada segundo, seus ataques foram defletidos, e o sorriso alargado — que mostrava claro êxtase — do elfo negro, só o deixou mais irritado.

— Não consegue fazer melhor?

Usou o tridente para atacar de baixo para cima, um golpe que levantou o rapaz e o forçou para longe, a frustração não foi registrada, pois teve que se defender dos ataques do Ladino e num rápido movimento, deu uma rasteira que foi evitada com um salto.

Antes que pudesse atacar, girou o tridente para parar a espada, que alternava entre a Andorinha Raivosa e o Falcão Ascendente. Sorriu com clara satisfação ao empurrá-lo para longe, ficou ainda mais feliz quando o outro se recuperou e correu contra si.

— Seus golpes são bem previsíveis depois de um tempo, sabia disso?

— É mesmo? Então vamos ver como lida com isso. Pendulo Inverso!

O golpe foi defendido pelo elfo, mas a força foi tanta que o mesmo quase perdeu seu equilíbrio além das rachaduras que se formaram no chão. Uma expressão espantada surgiu no seu rosto, mas se recompôs rapidamente ao ver as adagas vindo em sua direção.

Com um rápido movimento, deixou o jovem cair em direção ao outro assassino, que parou seu avanço em clara frustração, e então atacou com a lâmina do tridente, o que forçou o rapaz a pôr sua espada na frente do corpo. Pôr não estar com os pés no chão, o golpe o fez voar.

O Ladino, surpreendido, desviou do corpo lançado contra si e, com tranquilidade oposta a situação em que estava, usou suas adagas para parar a lança, foi com um salto para trás que pôde evitar todo o peso do ataque, seu olhar se tornou como aço, e numa corrida determinada, pulou e tentou cortar a garganta do inimigo ainda no ar.

Mesmo surpreso, conseguiu usar o ferro do tridente para evitar as lâminas, um forte empurrão com o lado cego da arma fez ambos retrocederem.

Ethan observava a luta que ocorria, tão rápida para seus olhos acompanharem.

Podia vê-los apenas quando paravam, e usou esses raros momentos para guardar bem o que viu em sua memória. Levantou com um salto e correu em direção aonde viu os dois pela última vez, para sua satisfação, seus sentidos conseguiam acompanhar melhor a luta e, com um giro de sua espada e um salto para trás, conseguiu defender-se de uma estocada.

“Mas o quê?” Não fazia sentido algum. Após a primeira vez que o viu, soube que não tinha experiência alguma em lutas, talvez o bastante para seguir os seus movimentos, mas não o bastante para nulificar seu golpe daquela forma.

A surpresa foi interrompida pela lâmina, que se aproximava rapidamente de si, e então usou sua lança para bloquear duas adagas, rolar para longe de um corte horizontal, que vinha de trás de si, para tentar perfurar as costas do outro.

“Merda…” Sabia bem o que viria a seguir, assim como o fato de que não conseguiria impedir o próximo golpe. Podia defleti-lo, mas isso lhe custaria um pulmão, e precisaria desistir de sua ambição caso isso ocorresse.

Nem mesmo lembrou da magia de cura, apenas fechou os olhos em desespero “Ainda não… ainda não quero morrer!”

Para sua confusão, sentiu alguém puxá-lo para longe e então ouviu o choque de metal, junto ao som de sangue derramado. Hesitou, mas abriu os olhos e viu algo que o surpreendeu e muito. A sua frente, o garoto que precisava defender lutava com sua vida contra o elfo.

O tridente estava cheio de sangue, e um corte aberto foi feito no ombro esquerdo do rapaz. Não demorou muito para entender o que acontecera. “Ele me puxou para longe e defletiu o ataque, mas…” Com um grito irritado, levantou-se e correu em direção a luta que ocorria, as duas adagas eram seguradas com determinação.

Ele havia sido cortado para cobrir um erro seu. Podia ter morrido, e provavelmente morreria, apenas para lhe proteger… Com suas adagas, que foram tão rápidas quanto um flash, cortou o abdômen do inimigo, que parou com a dor, algo que fora utilizado com maestria por Ethan, que usou a distração para cortar a cabeça do elfo.

Um jato de sangue escorreu do pescoço, um que banhou o jovem. Isso não importava para si, não… o mais frustrante foi o que acabara de fazer, novamente. Foi ter que matar outro adversário, algo que, para seu horror, parecia mais e mais normal para si.

Da primeira vez que cegou alguém, sentiu uma culpa imensa corroer suas entranhas. Após a primeira vida que tomou, essa culpa não foi tão grande. Na verdade, era como se alguém sussurrasse dentro de si que estava tudo bem, que não precisava se segurar mais…

Dessa vez, sentiu-se satisfeito com o sangue em sua espada. Mesmo que não devesse, sentiu naturalidade no ato, e isso o assustava. Não queria ser um monstro, não queria decepcionar Ittai, mas acima de tudo… não queria se parecer com Agar.

O rapaz sentiu uma mão tocar em seu ombro, olhou para trás e viu a máscara, que parecia conter certa empatia. Engoliu em seco e balançou a cabeça, não poderia pensar nisso agora, não com a possibilidade de serem atacados a qualquer hora.

— É a primeira vez?

— Não… é a segunda.

— Entendo… — Nisso, virou-se para trás e começou a caminhar, com o jovem logo atrás. — Não perca… essa pureza em seu coração. Não importa quanto sangue derrame, não pode perder isso de forma alguma. — A sua voz era mecânica, sem qualquer emoção mas, havia certa hesitação nela, assim como transmitia um pouco de pesar.

Assentiu, não sabia o que dizer ante aquele conselho. Ambos então seguiram em direção a próxima área, num silêncio confortável, que transmitia bem os sentimentos que cresciam em cada um.

Companheirismo.

Nisso, um calafrio percorreu a espinha de Ethan, que começara a desenvolver um sentido para batalhas. Parou e então fitou a escuridão num dos becos, desconfiado. O seu companheiro também olhou em direção a outro beco, que era oculto por dois Meio-Orcs, ambos portavam uma expressão de alegria e excitação.

Outros cidadãos saíram dos becos, casas e telhados…

Estavam cercados.



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