Volume 1

Capítulo 3: Através do Reino dos Anões

Assim como ele havia prometido no dia anterior, Rigurd tinha tudo que eu precisava naquela tarde. Já até havia escolhido os membros para a minha expedição até o Reino dos Anões.

Entretanto, tinha mesmo que ser Rigur o líder da nossa expedição? Fiquei um pouco preocupado com isso, mas parecia que ele estava se empenhando muito.

Bem, seu pai recuperou sua aparência jovial e o entusiasmo para acompanhar seu novo posto. Talvez estivesse me preocupando demais.

Após ter pego minha bagagem, Ranga permitiu-me montá-lo. Pulei nas costas dele e me aninhei em seus pelos. Havia mais penugem do que esperava, isso fez maravilhas para o meu conforto.

Envolvi meu corpo com a Teia Pegajosa para evitar cair. Não ter pernas nem braços incomodava em momentos como este, mas, ao menos, tinha as habilidades para fazer algo a respeito. Você deve usar as ferramentas ao seu alcance.

Estava praticando um pouco com minha teia durante meu tempo livre. Qual herói não quer derrotar seus inimigos com uma rápida chicotada? Não tinha certeza se conseguiria, mas eu tinha tempo. A prática leva à perfeição.

Minha bagagem consistia, basicamente, de dinheiro e de comida suficiente para durar três dias. Se demorássemos mais que isso, teríamos de nos virar. Poderíamos carregar rações mais resistentes, que durariam mais tempo, mas quis viajar com pouco peso, se possível.

Não que eu não pudesse engolir qualquer coisa que aparecesse e levar comigo, mas não queria me acomodar demais. Não precisava me alimentar mesmo.

Quanto ao financeiro, tínhamos sete peças de prata e vinte e quatro peças de bronze. Até eu conseguia dizer que não era muito. Minhas expectativas não eram altas, então, estava tudo certo. Nós iríamos pensar no que fazer quando chegássemos.

Um goblin à pé levaria cerca de dois meses para andar até o reino dos anões. Nós iríamos seguir o Grande Rio Ameld, que flui através da floresta, até sua nascente em uma cordilheira de montanhas onde se situava o assentamento que procurávamos. 

A cordilheira das montanhas Canaat separava o Império ao leste do pequeno nicho de nações espalhadas ao redor da Floresta de Jura. Então, haviam três rotas comerciais que percorriam os dois bolsões de civilização. Uma rota passava pela floresta; outra, mais traiçoeira, passava pelas montanhas; e a última, pelo mar. A rota pela floresta seria a mais curta e segura, mas, por algum motivo, não era muito utilizada, a maioria dos viajantes desafiavam as montanhas ao invés de uma viagem custosa e com a potencial interferência de monstros do mar que a rota marítima apresentava.

Além dessas três rotas, haviam alguns caminhos úteis para chegar ao Reino dos Anões, mas todos cobravam pedágio. Isto era obrigatório, supostamente, uma maneira de evitar que as pessoas transportassem bens perigosos por essas rotas. Uma escolha bem decente para pequenos grupos, mas as grandes caravanas evitavam-nas por conta do custo e tempo consumido. Elas eram seguras, sem dúvida, e nós consideraríamos usá-las mais tarde, dependendo de como nossas finanças rendessem.

Nós não tínhamos negócios com o Império, então não havia motivos para viajar para o leste e sair da floresta. Seguiríamos reto em direção ao norte das montanhas. Pelo menos não teríamos que subir seus picos. O reino ficava na base da cordilheira, nos trechos superiores do Grande Rio Ameld. Um lindo centro de civilização, pelo que parece, construído em uma caverna natural.

Este era o Reino dos Anões.

Então, seguimos o plano, trilhando a rota rumo ao norte do Grande Rio Ameld. Com certeza não nos perdemos por conta disso. De qualquer maneira, eu tinha um mapa na minha cabeça, só por precaução. Tínhamos um guia conosco: Gobta, que já havia feito uma viagem sozinho até o reino, então seguimos sua liderança e fiquei na retaguarda. 

“Esses lobos pretos são rápidos! Parecem incansáveis.” Nós seguimos viagem por cerca de três horas sem uma única pausa e estávamos a oitenta quilômetros por hora durante todo o percurso. Navegamos por algumas formações rochosas, mas eles nem se importaram, e ainda se certificaram de estarmos equilibrados em suas costas. Isso fez a viagem ser mamão com açúcar.

Com essa velocidade, provavelmente não precisaremos nem mesmo de uma semana para chegar. Não que eu tivesse pressa. Queria resolver o problema das roupas e moradia do vilarejo, mas não era algo que resolveríamos da noite para o dia de qualquer forma.

Hey! — gritei — Não se cansem tanto!

Ranga, por algum motivo, acelerou um pouco.

Passei as últimas três horas aproveitando o vento e a sensação de estar em uma moto acelerada, mas estava começando a ficar entediado. Tentar conversar nessas condições seria impossível sem a habilidade Comunicação Mental que roubei do líder dos lobos.  Seria divertido conversar com o pessoal enquanto viajávamos. 

Em minha mente, formei a conexão mental necessária. Mas sobre o que conversar…

“Hey, uhm, Rigur? A propósito... quem deu nome ao seu irmão? “

“Ah, obrigado por lembrar meu nome, senhor Rimuru! Meu irmão recebeu seu nome de um membro da raça dos nascidos da magia. “

“Oh? Um deles visitou um vilarejo goblin aleatório?”

“Exato, senhor Rimuru, há cerca de uma década, quando eu ainda era uma criança. Ele ficou vários dias no meu vilarejo... afirmou ter ‘visto algo’ em meu irmão. “

“Huh, ele devia ser um irmão legal.”

“Oh, com certeza. Ele era meu orgulho e alegria. Senhor Gelmud, quem concedeu o nome, disse: ‘Eu adoraria ter você entre meus homens’”

“Mas ele não o levou junto?”

“Não, senhor Rimuru. Ele ainda era muito jovem. Senhor Gelmud disse que retornaria alguns anos mais tarde, quando fosse mais forte, e partiu.”

“Ohh. Ele ficará surpreso ao ver o quanto tudo mudou quando voltar.”

“Eu imagino. No entanto, agora servimos ao senhor, senhor Rimuru. Nós não seríamos capazes de seguir o senhor Gelmud e sua ilustre horda demoníaca, mas…”

“Horda demoníaca? Uau, ele tem uma, huh? Você tem certeza que ele estava disposto a convidar o resto de vocês também?”

“Eu tenho quase certeza. Meu irmão evoluiu ao se tornar um monstro nomeado, mas as mudanças que ocorreram não são nada comparadas ao que o senhor nos providenciou. Claramente esta evolução está em um outro patamar. Céus, nunca imaginei que ouviria a Fala do Mundo. Que honra!”

Os hobgobs, que estavam nos escutando, deram um sincero aceno com a cabeça. Esse tipo de coisa, huh? Nomear alguém os evolui, mas o resultado final depende do nomeador...? Adoraria recrutar alguém para me ajudar a experimentar um pouco. Poderíamos ter uma batalha de nomeação.

Mas... caraí. Uma horda demoníaca real. Sabia que haveria uma por aqui! Será que o rei de todos os demônios vai nos atacar mais cedo ou mais tarde? Na verdade, qual lado deveríamos tomar? Talvez devesse perguntar para quando acontecer, se acontecer.

Já sei que há pelo menos um ‘herói’, além disso, tenho certeza que esse rei, ou o que quer que ele seja, estará focado nesse herói. Não sei ao certo se a heroína de quem Veldora falou ainda está viva, depois de três séculos de aposentadoria, mas, dada a facilidade que é transmigrar, reviver e etc. por aqui, algo me diz que ela está em alguma cabana nas montanhas, treinando. 

Melhor fazer uma nota mental desse tal de Gelmud, no mínimo. Agora, a próxima questão.

— Ranga! — chamei o lobo preto, que de repente era meu maior fã no universo — Eu sou, tipo, o cara que matou o seu pai, não sou? Você não tem, sabe, nenhum ressentimento ou coisa assim?

— Eu tenho minhas opiniões a respeito, meu mestre. Mas para um monstro, vencer ou perder a batalha é a única certeza da vida. Não importa qual o resultado, sabemos do fato que o poder dita verdades. Vença e o dia será seu! Perca e nada permanecerá! Mas... meu mestre, além de perdoar, me deu o meu único e futuro nome para todo o sempre! Estou repleto de agradecimento e não ressentimento!

Humm... Bem, se você quiser uma revanche, estou à sua disposição.

He-he-he... A evolução clareou minha mente. Se você usasse sua força total na batalha anterior, a alcateia inteira seria dizimada. Nós viraríamos poeira, nunca realizando nosso sonho de evoluir. Nossa lealdade e nossa devoção pertencem ao nosso único mestre somente.

Tudo bem…?

Com certeza, em formato de serpente negra, conseguiria derrotá-los em um único respiro. Mas não queria fazer algo tão perigoso. 

“Ele tem altas expectativas sobre mim. Apesar de que não me importo dele ter essa ideia errada sobre mim.”

— Você percebeu isso, é? Acho que você cresceu um pouco mesmo.

Ah-hah-hah! Me agrada ouvir essas palavras.

Eu assenti a mim mesmo. “Matei o pai dele. Não tem como ele não estar um pouco incomodado com isso.” Se Ranga quiser se vingar algum dia, aceitarei meu destino. Ele pode, no mínimo, dar um cansaço na serpente negra. 

Conversamos mais um pouco, conforme avançávamos. Todos nós estávamos nos movendo bem, bem, à frente do planejado. 

— Ei, vocês não estão indo rápido demais para sua própria segurança? — perguntei.

— Não têm problemas, senhor Rimuru — Rigurd gritou — Graças a nossa evolução, eu acho. Não estamos tão cansados assim!

— Não se preocupe, mestre — acrescentou Ranga — Nós não estamos totalmente livres da necessidade do sono, como o senhor, mas não precisamos descansar por longos períodos! Nem precisamos de frequentes paradas para comer. Não haverá nenhum empecilho, mesmo se corrermos por vários dias. 

Avaliei o resto do pessoal e eles pareciam tão bem quanto quando partimos do vilarejo. "Garai, provavelmente sou o menos animado do grupo. E por que não seria? Não há nada para fazer aqui.”

Nós acabamos correndo, correndo, e correndo mais um pouco por cerca da metade do dia. Pense no tédio. 

Enquanto o grupo comia sua refeição no final do segundo dia, decidi perguntar à Gobta sobre o Reino dos Anões, que era nosso destino. 

— S-Sim, senhor! Hmm, ele é conhecido oficialmente como a Nação Armada de Dwargon! Seu líder é conhecido como Rei Herói, e ...

Algo em sua resposta gritada indicava que a minha conversa com ele o deixava nervoso. Fiquei com medo dele morder a língua por causa do pânico.

De acordo com Gobta, o rei atual era Gazel Dwargo, o terceiro de sua dinastia. Um grande herói, cujo poder e presença fizeram os anões anciões lembrarem de seu avô na juventude, mas também era inteligente e governava de maneira firme e justa. De certa forma, um herói de verdade.

Já faziam cem anos desde que Guran Dwargo, o primeiro Rei Herói dos anões, estabeleceu seu reino. Desde então, seus descendentes têm seguido sua vontade, preservando e desenvolvendo a história, cultura e habilidades técnicas de seu povo.

Em resumo, isto era Dwargon. Considerando o quanto seus reis aparentavam viver, este lugar deve ser sensacional. Fiquei animado ao ouvir sua história.

— Neste caso — perguntei — falta muito para chegarmos, Gobta? 

— Se tiver que chutar, senhor, devemos chegar amanhã! As montanhas estão ficando mais próximas!

Ele tinha razão, ontem não dava para ver os picos das montanhas. Estávamos avançando em uma velocidade impressionante. 

— Acabei de pensar em algo, Gobta. O que te levou a ir lá? Achei que havia comerciantes que visitavam o vilarejo com frequência. 

Pelo que eu ouvi de Rigurd, havia bandos de kobolds que paravam por lá em diversas ocasiões. Então, por que um goblin gastaria dois meses em uma viagem dessas?

— Si-sim, senhor! Os anões pagam bem pelas armas e armaduras mágicas, entende? Eles nos pagaram com ferramentas e afins, e os comerciantes nos ajudaram a trazê-las de volta! Nenhum dos monstros nos arredores do vilarejo conseguia usar equipamentos mágicos mesmo...

Aha, então eles vendiam as armas e as demais coisas que eles conseguiam dos aventureiros visitantes? Por isso não havia nada decente no vilarejo, tudo foi despachado para o Reino dos Anões, já que os kobolds não tinham como avaliar os equipamentos no local. Claro, os aventureiros que perderam para um grupo de goblins, na certa, eram novatos, tão inexperientes que não saberiam nem como usar uma bússola para evitar os vilarejos de monstros. Duvido que o equipamento deles valesse muito. 

— E — Rigur adicionou à resposta de Gobta — todos os produtos feitos pelos anões, predominantemente, as armas, são de primeira linha. Até os humanos os reconhecem como os melhores do continente, eles se aglomeram no reino para descobrir suas novidades, além dos monstros inteligentes e de sub-raças. Já é uma tradição há anos e qualquer conflito entre raças é proibido lá, por decreto do rei.

Então, estávamos indo para lá mais para comprar ferramentas necessárias do que vender algum lixo. O fato deles conseguirem torná-lo uma área neutra, sem serem debochados por outros monstros, deveria ser outro atrativo. 

— Tal feito — Rigur continuou — Só é possível devido ao poderio militar da Nação Armada. Pelo que os kobolds comerciantes me disseram, os exércitos anões não são derrotados há um milênio...

O reino desfrutava da defesa de um exército maciço e poderoso, movido à magia, e de uma parede de infantaria bem armada. Qualquer possível agressor seria, primeiro, bloqueado pela infantaria e, então, transformado em pó por uma chuva de magia ofensiva.

O equipamento de apoio para tamanha força ofensiva deve ser de alta tecnologia para este mundo. Segundo Rigur, ele era superior a qualquer arma ou armadura fabricada pelo homem. Duvido que alguém tenha coragem de mexer com eles a esse ponto. A ação mais inteligente, para as nações vizinhas, seria ficar amiga deles. Por isso nenhum de seus visitantes eram burros o suficiente para começar um conflito com outros monstros dentro de seu território.

Mesmo assim, negociar com todas as espécies, independente de sua aparência? “Os anões parecem ser caras legais. Talvez eu devesse fazer algumas conexões. Na verdade, vou fazer.” 

Esse era um reino onde as pessoas podiam interagir com monstros, uma terra que começa com uma cidade da superfície e se estende por quilômetros e mais quilômetros abaixo da terra. Um reino, armado da cabeça aos pés, que prega a paz. Nenhum outro lugar no mundo era repleto de armamentos e comércio e, ainda assim, parecia o lugar mais longe no universo de qualquer conflito. Meio irônico, talvez. 

Pelo modo como o Reino dos Anões era descrito nas conversas, mal podia esperar para conhecê-lo. 

A exatos três dias depois do início da viagem, nós chegamos às planícies aos pés das montanhas. A cidade era linda, esculpida na espaçosa caverna da montanha, um forte natural, criado pela natureza. 

Esta era a Nação Armada de Dwargon em toda a sua glória.

E, é claro, havia uma fila para entrar.

O portão de entrada era enorme, construído para impedir o livre acesso à entrada da caverna.

O portão abria quando o exército saía ou entrava, e isto, pelo que me disseram, acontecia uma vez por mês. Hoje, estava bem fechado, mas no inferior dele havia duas entradas menores, destinadas ao tráfego regular. Não havia ninguém guardando a da direita, que deveria ser a entrada para aristocratas e figuras importantes. A nossa era a da esquerda e enquanto havia alguns com passe de livre acesso, outros precisavam passar por checagem de bagagem em cômodos separados. Tudo isso era vigiado por uma equipe de segurança cujo equipamento lembrava que isto era a Nação Armada. Eles não estavam aqui para brincadeiras.

Depois de passar pela segurança, você poderia fazer de tudo na cidade, aparentemente... mas, cara, que fila. Nós estávamos fadados a gastar mais tempo esperando do que viajando desse jeito. 

— Acho que estamos mesmo aqui, huh? — Um aventureiro falou enquanto eu avaliava a fila atravessando o corredor — Que portão chique.

— Olha a armadura daquele soldado! — exclamou seu companheiro — Nós nunca conseguiríamos pagar por coisa assim, nem depois de economizar dez anos do salário.

— Aposto! Até o Império Oriental tenta manter a paz com esses caras — em público, pelo menos. Com esse tipo de equipamento, eu entendo o porquê.

— Concordo. Eles não te dariam uma segunda chance caso você tente algo. O contra ataque seria uma baita dor de cabeça para qualquer nação que tentasse. 

Talvez os anões deste mundo não fossem tão simpáticos, gentis e amigáveis como eu imaginava. Eles poderiam ser mais violentos do que isso, baseado naquilo que sei.  Ainda assim, como uma cidade livre e um centro de comércio para todas as espécies e raças, ela mantinha uma imagem pública de neutralidade. O fato de o Rei Herói nunca permitir combate dentro dela era um conhecimento comum entre os aventureiros. Aposto que até neste mundo, você só conseguiria manter uma postura neutra se tivesse o poder necessário para mantê-la.

Enquanto ponderava sobre isso, comecei a ouvir mais vozes sinistras.

— Ei! Ei, veja isso, têm monstros aqui fora! Podemos matá-los, não? Eles não entraram ainda. 

— É, por que raios vocês estão em uma fila? Acham que vamos deixar vocês fazerem isso, seus nanicos? Nos deem seu lugar ou vamos matar vocês. E deixem suas coisas aqui também, ok? Aí, deixaremos vocês irem.  

Imaginei que eles estavam fora de si, mas também, era só eu e o Gobta. 

Um grupo de goblins, montados em lobos gigantes, chamaria um pouco de atenção, e não do tipo bom, por isso decidi vir sozinho com o Gobta de guia. Rigur queria me acompanhar, mas eu o dispensei. 

Eles estavam acampados na entrada da floresta agora, esperando pelo nosso retorno. Sobrando apenas nós dois. Tenho certeza que pareciamos dois alvos fáceis e agora, esses dois aventureiros estavam nos abordando, dizendo que não foram com nossa cara e tal. 

— Ei, você ouviu isso, Gobta?

— Sim, ouvi.

— Você teve algum problema da última vez que esteve aqui? 

— Claro que tive, senhor! Eles me espancaram! Os comerciantes kobold tiveram que me carregar! Poderia ter morrido se não o fizessem!

— Foi? Então não podemos evitar isso?

Ele já esperava isso. Poxa, poderia me avisar antes. Gobta abaixou a cabeça, percebendo o que lhe aguardava. Ele estava se acostumando a conversar comigo. Eu temia que este incidente o fizesse tímido de novo. 

—Eae seus nanicos! Vocês acham que podem nos ignorar?

— Ei, um slime falante é raro, não? Talvez podemos ganhar algum dinheiro se o vendermos.

Os aventureiros continuaram falando merda. Lá em casa, as pessoas até (talvez) falavam que eu tinha a paciência de um santo, mas isso estava me cansando.

— Gobta, você se lembra das regras que te dei antes?

— Si-sim, senhor! Eu me lembro!

— Bom! Neste caso, poderia fechar os olhos e cobrir seus ouvidos? Sem espiar!

— Hm...? Ok, mas...!

Certo. Estabelecer regras para o meu povo e violar uma delas, três dias depois, não me faz um modelo a ser seguido. Mas com Gobta fora da minha cola, estava livre para “cuidar do lixo”.

De repente, o aventureiro hostil, da direita, mudou seu foco e o acompanhei. Seu olhar se fixou em outro grupo, um trio, sorrindo enquanto assistiam o espetáculo acontecer.

Um dos meus adversários levava uma espada, o outro trajava uma armadura fina. Bandidos, imaginei. Os outros três consistiam de duas figuras de robe — magos, ou monges, ou algo do tipo — e um grande e musculoso lutador. Se tivesse que chutar, eles eram todos da mesma equipe e esses dois foram mandados para nos expulsar da fila e roubar nosso lugar, enquanto os outros três terminariam de nos agredir e depois se juntariam a eles, como se nada tivesse acontecido. Este tipo de cenário.

Um jeito simples e fácil de se aproveitar dos monstros mais fracos e tomar suas posses. Bem planejado. Pena que eles escolheram o alvo errado.

— Epa, epa! Volta já pro fundo da fila! —disse para provocá-los — Estou me sentindo generoso hoje, então, deixarei isto de lado se vocês obedecerem!

A dupla ficou pasma por um momento, e em seguida, seus rostos ficaram vermelhos.

Não demorei muito para irritá-los.

— Que merda você está falando, seu bosta? — Um deles gritou, em sua melhor voz de mal-encarado — Tu vai encarar?

— Você está morto! Prometi que você viveria se deixasse seus pertences aqui, mas quer saber? Agora que me irritou, isto está fora de cogitação.

Heh. De volta ao meu papel de empreiteiro, lidava com pessoas que pareciam mais assustadoras que esses caras. Eu precisava, se quisesse conseguir alguma coisa. Alguns dos patifes tinham tatuagem por todo o corpo. Comparado a aquilo, isto é uma moleza.

— Seu bosta, huh? Você se refere a mim?

— Com quem mais eu tô falando? Um slime é o mais irritante de todos, cara!

— Venha aqui! Se você é tão eloquente, nós o faremos nosso escravo. 

“Um monstro escravo? Será que isto existe? Vamos pesquisar isso depois.” Os comerciantes e os aparentes aventureiros, que nos cercavam, começaram a notar a gritaria.

“Para começar, é melhor eles manterem a atenção em mim. Não sei se o conceito de ‘autodefesa’ existe neste mundo... mas seria bom ter o maior número possível de testemunhas”

Pena que nenhum dos humanos pareciam interessados em me ajudar. “Sério? Se eu fosse uma menininha, aposto que a história seria diferente.”

— Acham que podem me chamar de bosta e saírem ilesos, huh? E ainda me chamou de slime...?

— Bem, duh?! O que mais tu poderia ser?

— Seu pedaço de merda... Você acha que vou te deixar me tratar como um idiota? Você está morto! Tarde demais para implorar pela sua vida, cara!

Os dois pegaram suas armas. “Opa! Lá vem eles.”

“Mano. Pense num golpe de azar, ter esses caras como os primeiros humanos a falar comigo. Não acredito o quanto os monstros foram mais amigáveis.”

As pessoas ao nosso redor começaram a afastar-se para ter segurança. Supus que eles queriam evitar se envolver. Os guardas do portão devem ter notado também, pois eles estavam se apressando para onde estávamos.

Mantendo meu olhar sobre eles, me rolei para frente. 

Heh-heh-heh... Um pedaço de merda, huh?  Um slime, huh? De onde você tirou que sou um slime, huh? — Eu deixei eles preencherem o resto sozinhos.

É claro que sou um slime. Qualquer um diria que sou.

— O quê? Para de falar merda, cara!

— É! Se você não é um slime, me mostre quem realmente é! Será difícil se explicar quando você estiver morto. 

Eles estavam esperando eu me transformar. Como esperado! Tinha certeza que poderia vencer como um slime, mas era meio difícil de conter minhas habilidades. Estaria sujeito a cortar ambos em duas metades com as minhas Lâminas de Água. Suavizar meu ataque para nocauteá-los era mais complicado.

— Tudo bem! — gritei, mantendo a atuação — Permitam-me mostrar minha verdadeira forma! — Então, liberei minha aura mística, que estava escondendo. Só um pouco, claro. 

Olhei ao redor, para ver se a audiência tinha percebido algo. Alguns, dentre a dezena de pessoas que nos cercavam, tinha. Os dois idiotas à minha frente, no entanto, pareciam ignorantes.

“Cão que ladra não morde, suponho. Chega de analisá-los. Agora, no que me transformar... ?”

Uma névoa preta emanou do meu corpo, cobrindo-o completamente. Quando ela se dissipou, um monstro diferente estava ali. Um lobo preto.

Hm, espera, quando absorvi o chefe e me transformei logo em seguida, eu não havia me tornado um lobo-gigante? Agora, estava tão grande quanto Ranga e sua alcateia. Na verdade, até maior que Ranga. 

Isso e eu tinha dois chifres na minha cabeça. 

Forma: Lobo Estelar da Tempestade 

...Ok. Imaginei que se um tipo de monstro que consumi evoluísse, minha forma copiada evoluiria também.  Ainda estava um nível acima do Ranga evoluído. Apesar de tudo, ele possui só um chifre. 

Mais importante, senti uma grande quantia de poder dentro de mim. Tinha certeza que a vista faria esses tolos largarem suas armas e fugir.

Mas eles não fugiram. 

— Hah! Não me importo com o quão foda você se pareça! Tu ainda é um nanico maldito slime de bosta para mim!

— Você acha que isso foi o suficiente para nos apavorar? Por favor, cara!

“Eles não se assustaram, nem um pouco! Vocês deveriam a esta altura, pessoal ... Quero dizer, não pareço amedrontador o suficiente? E mesmo que achem que isto é uma ilusão, um slime que muda de forma não deveria lhes fazer refletir um pouco?”

Ainda assim, isto não os surpreendeu. Talvez eles imaginaram que ainda tinham seus três amigos para dar suporte.

Eu possuía mais algumas habilidades também. Cinco, de acordo com o Sábio, Olfato Aguçado, Comunicação Mental, Coerção, Deslocar Sombrio, e Relâmpago Sombrio.

Deslocar Sombrio era algo que Ranga e sua alcateia estavam praticando no momento. Eles podiam se esconder dentro da sombra de seus parceiros e reaparecer assim que fossem chamados. Eles ainda estavam pegando o jeito na parte de “entrar na sombra”, então levaria um tempo para dar certo. 

Relâmpago Sombrio, no entanto... Este eu não precisei nem testar. Se tentasse usá-lo agora, meus adversários seriam grelhados, com certeza. Subestimei a estupidez de ambos, então as coisas poderiam ficar feias por aqui. De qualquer modo, Relâmpago Sombrio estava fora de cogitação.

Seria legal se Coerção funcionasse neles! Porém, eles podem ser tão estúpidos a ponto de não acharem a bunda na parte inferior do corpo. A audiência, enquanto isso, estava tremendo até os ossos. Alguns até se desequilibraram e caíram no chão. 

— Jesus... Bem, tanto faz. Já me cansei. Venham com tudo!

Lhes dei um cartão verde pra começar.

Falando nisso, o que aconteceria com a forma que eu estava imitando se me machucasse? Testei uma vez — continuei sendo atacado em minha forma de Armadurasauro. Descobri que depois de um determinado nível de dano, volto para minha forma de slime — entretanto, os danos eram aplicados somente à réplica e não no meu corpo slime. Imagino que as mágiculas formando a réplica também protegem meu corpo dos ataques. 

As restrições com que precisava lidar eram os três minutinhos que precisava esperar antes de mudar para outra forma e a magia que tinha que consumir para cada tipo de réplica. Mas a magia não era um problema, considerando a quantidade com a qual eu podia trabalhar. 

Em outras palavras, poderia deixar eles me baterem o quanto quisessem. Mesmo se fossem mais fortes do que aparentavam, reverteria para a forma de slime e fugiria. Simples.

Hah! Prepare-se para morrer!

Em resposta à minha provocação, o espadachim investiu contra mim com um grito. 

Hrahh!! Corta-Vento!

“Isto é uma habilidade de espadachim?” A lâmina da sua espada começou a brilhar verde. Triste dizer, mas não me machucou... Minha pele quebrou sua lâmina ao meio. 

Enquanto ele atacava, seu parceiro jogou três adagas em mim. Aprecio o gesto — lançar três de uma vez deve ser difícil — mas nenhuma delas teve força o suficiente para cortar o cabelo do Lobo-Estelar da Tempestade. 

— O que foi isso? — desdenhei deles, me esforçando para agir como um vilão. Mas, sério, o que foi isso? Não recebi nenhum dano. O nome da habilidade era só para intimidar?

—N-Não! Essa sua pele...  é muito resistente!

— Não é possível... Eu... Eu... Não é possível! Minha espada é feita de prata! Deveria machucar mais os monstros! 

“... Prata é um metal meio fraco, não é? Mano.”

— E-ei! Me ajudem, pessoal!

Pelo visto o espadachim não se importou mais em manter as aparências. Imaginei que aquele trio estava com ele.

Hah! Agora você está acabado!

—Ah, cara... Realmente não achei que iríamos nos meter nessa situação, cara.

— Um slime que se transforma, huh? Interessante. Acho que vou te dissecar depois que estiver morto. 

— Você não saiu do lugar durante a batalha inteira, né? Aposto que sua mágica se desfaz quando você se move, huh? Estou certo, ou não?

Os três tagarelavam ao entrar na batalha, somando um total de cinco me cercando e atacando. O espadachim invocou lâminas mágicas de vento enquanto seu parceiro produzia uma espada curta para me atacar. O maior lutador do grupo gritou Corte Demolidor enquanto ele levantava seu grande machado e o lançava em mim. O mago arremessou algumas bolas de fogo na minha direção e seu amigo monge se protegeu com uma defesa mágica, esperando ser o meu primeiro alvo.

Este grupo era bem balanceado. Seu único problema era que nenhum de seus ataques me causava dano.

Assim que a poeira baixou, eles levantaram suas cabeças e atreveram-se a me olhar. Eles ficaram chocados. Talvez Coerção funcionasse agora.

Com um rugido estrondoso, o invoquei... mas, poxa, estraguei tudo. Não queria que a audiência desmaiasse também, com variadas substâncias manchando suas calças. 

“Que desastre. E agora? Isso vai me causar uma dor de cabeça.” Hmm? O grupo? Bem, eles receberam um golpe de Coerção à queima-roupa. Duvido que precise entrar em detalhes sobre o que aconteceu com eles.

Minha habilidade Percepção de Magia percebeu a frota de segurança dos anões se aproximando.

— É o fim — sussurrei. Sim, esse é o fim. Eu os olhei, perguntando-me como eles iriam limpar suas vestimentas depois disso — tentando manter minha nova realidade longe da cabeça por alguns instantes.

— Eu sinto muito por tudo! — Me curvei, ou pelo menos tive a intenção de me curvar, dentro da sala da guarda.

Com todo o tumulto que causamos, não tinha como a segurança nos deixar ir com um simples “tapinha nas costas”. Após alguns minutos, havia um esquadrão da guarda nos cercando. Bem, na verdade, me cercando, considerando que os outros cincos estavam desmaiados. 

“Já sei!”, pensei, “Vou me transformar em slime e escorregar fora!” E eu tentei. Mas antes de conseguir, eles me pegaram, todos ao mesmo tempo e — squish — me levantaram. Um exagero.

Os soldados me mostraram seus melhores sorrisos de “Não resista”. O suor escorria por suas testas, indicando o esforço que tiveram para me prender. 

— Es-espere! — gritei, fazendo minha melhor imitação do Gobta exaltado — Nós não fizemos nada! Nós somos as vítimas!

— Tá tudo bem, tudo bem! — Uma resposta cheia de sorrisos — Nós iremos te ouvir na sala da guarda. Não achou que ia escapar depois de tudo isso, não é mesmo?

“Não havia muito que eu pudesse fazer, eu acho. O que o Gobta está fazendo?” Olhei para trás, apenas para descobrir que ele ainda estava com os olhos fechados e os ouvidos tapados. “Ah, pelo amor... O que ele está pensando? Em nada, óbvio. Ele é muito estúpido. Pelo menos ele segue bem as ordens.”

Para minha sorte, consegui gritar alto o suficiente para chamar sua atenção. Logo, estávamos em direção à sala da guarda de segurança.

Então, o que aconteceu foi o seguinte:

  1. Fui abordado!
  2. Me transformei num lobo!
  3. Meio que uivei!

“O que acha? Não foi minha culpa, né?” Pensei enquanto encarava o soldado acima de mim.

Ele ainda sorria para mim — a expressão combinava com esse anão de aparência áspera e amigável, e com sua barba comprida e volumosa. Exceto por aquelas veias saltadas em sua testa. 

Hmm, porque o senhor me fez acompanhá-lo, senhor guarda?

— Seu maldito tolo! O que acha que está falando? Nossos chefes estão brigando conosco porque você foi abordado. 

— O quê? Sério? Me desculpe... Estraguei tudo de novo, não é?

— Bem, não há nada a se fazer dessa vez, mas tente ser mais cuidadoso no futuro, ok?

Whew. Acho que eles finalmente viram a razão” Ainda bem que minha habilidade ‘Culpe todos os outros’ dos meus anos humanos ainda é eficiente. Ela era uma habilidade avançada, conquistada com muitos anos de experiência. O segredo era não dar a seu inimigo a chance de duvidar de você. Era difícil!

Talvez eu tenha falado meio na brincadeira, mas minha história resumiu bem a situação. Parece que as testemunhas, com quem eles falaram, também disseram a mesma coisa.  

— Então, o que era aquele lobo? – O soldado que cuidava de mim perguntou “O que ele quis dizer?” — O que é ele?

— A espécie? Ele é um...

— Não, não o nome. O que eu quero saber é por que aquele tipo de monstro apareceu por aqui? De onde ele veio, para onde ele foi... quero saber tudo que você sabe!

Mmm? Falei para ele que era uma imitação. Ele não acreditou? Achei que tinha sido bem direto com ele. Sabia que era normal um herói esconder sua verdadeira identidade, mas eu não era um herói. 

— Bem, eu te disse... Aquilo era a minha transformação!

Huh? Olhe, já é raro para um slime falar e você quer que eu acredite que também pode se transformar?

— Não, quero dizer... Olhe, quer que eu te mostre?

Hmph. Nah, deixa quieto. Mas se você pode mudar de forma, como é possível? Você é um slime, não?

“Isso... Espera. Como eu deveria responder? Não acho que ele acreditaria se eu falasse que é natural, ou algo do tipo. Isso só me deixaria no mesmo nível do Gobta. Pensa, cara. Você precisa inventar uma desculpa, agora!”

— Bem... Na verdade, sou amaldiçoado.  Meu talento causou inveja, eu acho... Sou capaz de manipular magia ilusória. 

Oh, sério? Uma maldição, é? E o que mais?

— E, hm... Bem, conheço alguns feitiços ilusórios, mas ainda era um estudante na época, então, esse mago malvado me transformou em um slime... Estou em uma jornada para desfazer a maldição, e, hm, isso é tudo!

— Porque você encontraria um mago malvado? Porque ele te amaldiçoaria ao invés de te matar?

Nnngh... Isto seria mais fácil se você acreditasse em mim, cara. Você não precisa ser tão obstinado quanto a isso. Apesar de quê, acho que eu também ficaria.” Se ele acreditasse em mim, isso o faria mais ingênuo que um goblin.

Esse curto vai e volta entre o soldado e eu durou por cerca de mais duas horas.

..........

........

...

Ao final do nosso intenso debate, tinha um passado digno de uma novela. Uma (bela) jovem desamparada que foi transformada em um slime, por um mago malvado.

No meio do nosso bate-papo, se preferir se referir a isso assim, as perguntas do soldado me fizeram bolar uma história de tragédia heróica. Eu era um prodígio, uma garota com dom nas artes de transformação e magia ilusória. Uma bruxa malévola rogou um terrível feitiço sobre mim, então estava viajando para me livrar da maldição.

Por que isto aconteceu? E por que eu virei uma garota mágica no meio da história?! E a pior parte: sempre que eu falava algo que fugia do roteiro, a próxima pergunta do soldado me ajudava a consertar o erro. “Oh, é mesmo!”, me dizia enquanto o conto ia se formando.

No final, tanto o soldado quanto eu estávamos compenetrados, torcendo contra a esperança de que a garota tivesse sucesso em sua busca. Nossos olhos brilhavam com paixão — pelo menos os dele brilhavam. Nós tínhamos uma conexão que supera meras palavras. 

— Tudo bem! Isso é tudo para o relatório. Obrigado pela cooperação! Mas nós precisaremos... 

Slam!

Antes que o soldado terminasse, a grande porta atrás dele se abriu. Outro soldado entrou correndo. 

— Se-senhor! Um armadurasauro apareceu nas minas. Ele já machucou vários mineiros que estavam trabalhando!

— O quê? Bem, vocês o derrotaram?

— Nós estamos nos esforçando! Um time de supressão já está a caminho. Mas alguns mineiros estão em péssimo estado. Não sei se há uma guerra vindo ou algo do tipo, mas as lojas da cidade estão com falta de medicamentos e o castelo não nos deu acesso às suas reservas...

— E os nossos curandeiros? 

— Esse é o problema, senhor... Os feridos estão na parte mais interna, minerando o minério mágico. Os curandeiros da guarita estão respondendo a outros chamados, então nós só podemos contar com um único recruta. 

Ah, que merda!

“Parece difícil. Não que eu me importe. Só roubem do castelo, se é tão importante” Pensei, mas...

“Tenho algumas poções comigo. O que devo fazer?”

Não é como se eu esperasse que o gesto servisse para provar meu caráter e me livrar da prisão. Nós precisamos fazer do mundo um lugar melhor. Sei que soa suspeito vindo de mim, mas... A compaixão por si só é a melhor recompensa. Ainda receberei um bom carma por isso.

Hm, senhor! Senhor!

— O quê? Estou ocupado. Já terminei com você, mas ainda não posso te liberar. Permaneça nesta sala até as coisas se acalmarem!

— Não, não é isso, uhm... Eu tenho algo para você.

Eu peguei uma poção de restauração. Ou cuspi fora, deve ser como ele viu.

— ...Uhm, o que é isso?

— Uma poção de restauração. Beba ou aplique no machucado, é de alta qualidade!

Eh? Por que um slime como você tem isso?

Oh, por favor! O que aconteceu com a minha história? Por que está me tratando assim de novo? Ele estava torcendo por mim o interrogatório inteiro, não estava? Não que eu não fosse um participante ávido, mas...

— Isso meio que não importa agora, não é? Vá em frente, teste. Quantas você precisa?

— Nós temos seis homens feridos... mas você tem certeza?

O soldado, que acabara de entrar, me olhou duvidoso. Se eu fosse ele, também não aceitaria uma poção de um monstro. 

Tch... Fique aqui, ok? Vamos!

Hm? Mas, capitão, ele é um monstro...?

— Basta! Mostre-me o caminho!

O capitão barbudo pegou as seis poções que providenciei e saiu correndo. Com o conto fantástico que acabamos de criar, imagino que ganhei um pouco de sua confiança. Talvez ele seja um cara legal. Mas não esperava que ele fosse um capitão.

— Já acabou? — Gobta perguntou depois de assentir silenciosamente a tudo que eu disse antes.

— Não, mas acho que vamos aguardar e ver o que acontece.

— Entendido, senhor!

Então, ficamos olhando para o nada. O soldado, que espiava casualmente, nos olhava em confusão, fora isso, nada aconteceu por uma hora. Estava praticando com minha Teia Pegajosa quando ouvi os passos pesados do capitão. O chicote sedoso voltou para o meu corpo enquanto eu aguardava sua entrada. Gobta estava dormindo, provando que talvez ele fosse mais esperto do que eu.

— Obrigado, senhor! — O capitão barbudo falou enquanto entrava e se curvava. Com os mineradores logo atrás. 

— Você que nos deu as poções? Valeu mesmo!

— Meu braço estava bem destruído. Não achei que trabalharia de novo, se sobrevivesse... Obrigado!

— ...

O último não falou nada antes de todos saírem, mas tenho que certeza que ele também estava grato. “Fico contente em saber que as poções funcionaram.”

O sol já tinha se posto. Estava quase completamente escuro lá fora quando o capitão voltou para falar comigo de novo — seriamente, desta vez.

O quinteto que me abordou eram membros da Guilda Livre da nação. Eles tinham talento, mas tinham uma reputação de encrenqueiros

 —  Isso deve servir de lição pra eles! — O capitão falou com uma gargalhada.

O guarda tinha quase certeza de que não éramos culpados, mas eu ainda estava detido, em respeito às outras “vítimas” que incomodei com minhas ações. Porém, ninguém deu queixa — suponho que eles decidiram que pedir compensação por suas calças danificadas não era uma decisão social astuta.

Eu falei a verdade. Estava ajudando a reconstruir um vilarejo goblin e precisávamos de armas e vestimentas, assim como alguém que nos oferecesse orientação. O capitão me ouviu, mesmo com alguns de seus homens se intrometendo às vezes. Eles até fizeram algumas perguntas ao Gobta, apesar de sua aparência confusa.

No dia seguinte...

Ainda estávamos na sala da guarda. Gobta havia emprestado outra cela para dormir, assumo que ele ainda esteja a utilizando. Não tendo nada melhor para fazer, fiquei assistindo alguns anões completando seu treinamento matutino, no campo atrás da guarita. Balançando suas espadas de madeira para trabalhar sua velocidade, lutando em combates simulados, correndo algumas voltas, o de sempre. 

Me sentei, imaginando como eles se sairiam contra as diversas criaturas que eu havia predado até agora. Era como um jogo para mim... mas, será que o Sábio se importaria em ser usado assim? “Me parece um desperdício de talento — mas quem se importa? Vai ser divertido.”

Os guardas mal tiveram chance. Mesmo se eu me desse uma desvantagem, haviam poucos que conseguiriam derrotar o morcego e o lagarto. 

Em um duelo um-a-um, as escamas favoreceram os monstros, mas como os anões operam em times de quatro a seis, alguns times cooperando conseguiram se sair bem contra a aranha. No entanto, mesmo com todos os vinte anões em campo, eles não conseguiram derrotar a centopeia. Não esperava que eles fossem da Força Especial, então, esses resultados eram aceitáveis. 

Eles já estavam terminando quando Gobta acordou. O capitão apareceu no mesmo momento. 

— Muito bem — Ele disse — Vocês estão liberados. Desculpa por mantê-los aqui por tanto tempo, precisava por pelo menos uma noite. Perdão!

Oh, não, não. Isso me salvou uma pernoite de hotel pelo menos.

— Ainda bem que você vê isso dessa maneira. Aqui, deixe-me compensá-lo. Vou apresentá-lo a um talentoso ferreiro que conheço.

— Isso seria perfeito. Obrigado!

As coisas estavam dando certo. Nós tivemos entrada prioritária, uma inspeção e nós tínhamos dinheiro extra para gastar. Achei que encontrar um ferreiro que não me roubaria, seria uma tarefa árdua, mas uma referência militar era melhor do que imaginei! “Talvez possa me permitir um pouco de otimismo!”

— Em troca...

Mmm? Uma armadilha? A única “armadilha” que eu gostava era a dos sites pornôs. 

— Se você tiver mais daquelas poções de restauração, estaria interessado em se desfazer delas?

Aha. Eles devem estar precisando delas, huh? Aquele soldado falou isso ontem. Bem, eu tenho um monte que eu poderia vender... mas não sei o valor de mercado.”

E agora?

“... Ah, por que não?” Meu custo de produção é zero nessas coisas. Se ele quiser algumas, vai ter algumas.

— Tudo bem — respondi. — Mas depende de quantas. Preciso manter algumas para mim também.

— Qualquer que seja a quantidade que esteja disposto a dar está bom para mim. Mesmo que seja só uma.

Mm? Um jeito estranho de se falar isso, não? Achei que ele estivesse aumentando o estoque da guarda. Uma não será o suficiente em uma emergência, será? ... Bem, tanto faz. Talvez os tempos atuais sejam difíceis assim. 

— Ok, hm, bem que tal cinco?

— Cinco! Ah, isso seria maravilhoso!

— Certo. Oh, tenho quase certeza que elas ainda funcionariam mesmo se você as diluísse um pouco. Se for um corte normal, dez partes de água para uma de poção será o suficiente. 

O capitão assentiu, convencido. Cuspi cinco poções e ele me deu uma pequena bolsa. Dentro dela, pude ver moedas de ouro. 

— Sei que não é muito — Ele explicou — Mas espero que você aceite. Te darei cinco moedas de ouro por cada frasco de poção.

“Vinte e cinco moedas de ouro? Tudo certo. Não sei se estou me subvalorizando ou não, mas não estou em posição para pechinchar. Melhor descobrir quanto isso vale.”

Uhmm, se você me permitir...

— Não é o suficiente? Estou fazendo meu melhor aqui, senhor!

— Não, não, o valor está bom, mas precisava te perguntar...

Huh? Ele é? Então... então o que você precisa?

Ooh. Hmmm, essa não é uma boa reação. Estou mesmo sendo roubado? Sabia que devia pedir mais. Oh bem. O capitão me parece um cara legal. Duvido que ele esteja me extorquindo muito.”

— Me desculpe, mas tenho que admitir que não sei muito bem o quanto este dinheiro vale, ou como são os preços por aqui... Se você me der alguma orientação, seria de muita ajuda! Além do mais, sou só um slime!

“Belo jeito de contradizer a saga da garota mágica, cara. Bom que ele nunca acreditou nela desde de o começo.”

Nós tivemos uma longa conversa antes de eu e Gobta partirmos. Logo, eu estava no ar puro de liberdade de novo... mas não antes do almoço. O capitão insistiu. Não sentia o sabor de nada, mas a intenção era doce, eu acho.

Pela primeira vez, apreciei uma refeição.


Ugh... Por que sou tão ocupado...?” Kaijin, o anão, resmungou para si mesmo. “O que eles querem dizer com o Império Oriental pode estar na ativa? É a coisa mais ridícula que já ouvi!”

Ele tinha razão para duvidar. Paz havia reinado por trezentos anos no reino. O Império tinha toda a riqueza que desejasse — qual motivo ele poderia ter para inventar uma invasão? Isso era o que ele não entendia. 

“Claro”, Kaijin continuou, “Duvido que os forjadores de armas da cidade se incomodariam com uma guerra que encheria seus cofres. Mas... argh, por que meu trabalho aumentou de repente?!”

Esse não era seu único problema.

Ele fez uma careta. “Amaldiçoado seja, aquele maldito ministro!” Ele massageou sua testa, enquanto se imaginava espancando o ministro, e suspirou. Havia um monte de suspiros ultimamente.

Não restava muito. Uma recusa mancharia sua reputação. “Eu não consigo” não seria uma desculpa. Ele estava esperando alguns de seus amigos entrarem em contato, e, dependendo de seus relatórios, tudo poderia estar perdido.

Ele havia feito seu nome conhecido como um ferreiro, mas ele não era onipotente. Que tipo de ferreiro poderia forjar armas sem matéria-prima?

Finalmente, ele ouviu as notícias pelas quais esperava.

— Desculpe — Um anão disse ao entrar — Nós queríamos entrar em contato ontem, mas nos deparamos com uma baita distração...

Haviam três homens — anões, irmãos, o trio a quem Kaijin designou tarefas de mineração. O mais velho, Garm, era um forjador de armaduras com longos e musculosos braços. O do meio, Dold, era conhecido pelo reino por seu trabalho intricado. O mais novo, Mildo, não falava muito, mas era habilidoso em tudo que fazia — arquitetura, artes, o que puder imaginar. Um tipo de erudito.

Qualquer um deles seria talentoso o suficiente para abrir seu próprio negócio, se não fosse por uma desvantagem crítica. Tirando seus dons individuais, eles eram inúteis, mal eram capazes de se vestir sem um manual de instrução. Nenhum deles tinha cabeça para negócios ou para planejar uma carreira de sucesso. Eles preferiam deixar que outros os utilizassem. 

Foi assim que eles acabaram confiando sua loja à pessoa que, no fim, a roubou, caindo na armadilha de um aprendiz invejoso, sofrendo bullying do governo após estragar um pedido ministerial... No final, sem ter para onde ir, eles procuraram Kaijin, um velho amigo e praticamente irmão desde a infância. Kaijin queria que eles entrassem em contato antes, mas isso não importava mais — os irmãos precisavam de um lugar para ficar e ele poderia usá-los para ajudar na loja.

O único problema é que Kaijin não tinha serviço para eles. Ele era um comerciante negociador de equipamentos de batalha e já tinha contatos estáveis para todas as suas mercadorias, exceto para as armas. Ele as fez sozinho, mas imaginou que poderia ter o trio fazendo o restante... mas Kaijin não podia fazer isso de imediato. Avisar, de repente, aos seus fornecedores de armaduras e acessórios que seus serviços não seriam mais necessários resultaria em problemas evitáveis. Até que as coisas se acalmassem, ele teria que continuar seu negócio como de costume.

Então, com poucas opções, Kaijin os deixou minerando metais e outros materiais.

Os irmãos chegaram na loja de Kaijin com uma história surreal sobre um monstro. Era a última coisa que ele queria ouvir. Ele massageou sua testa.

— Bem, pelo menos vocês estão bem — Ele disse — Fico feliz que vocês fugiram antes de se machucarem.

Ele falava a verdade. Se eles não se machucassem, poderiam voltar direto para a mineração de metais. A segurança de seus amigos era importante, mas mesmo assim...

Os três irmãos se olharam de forma desconfortável.

— Bem... nós não fugimos, na verdade.

— Não. Ainda não conseguimos acreditar no que nos aconteceu ontem!

— .........

Eles continuaram a história — um conto de um slime misterioso que lhes deu um remédio salvador de vidas. Parecia uma série de delírios, mas essas pessoas não eram do tipo de inventar histórias. Eles não tinham talento para isso. 

Todo esse caos aconteceu mesmo? Talvez não importasse. Era bem real, ele sabia que as pessoas foram atacadas na mina. E isso significava sem mineração por um tempo. Os trabalhadores que ele tinha contratado se demitiram ontem e fugiram em direção às colinas no momento que souberam do ataque de monstros. E por que não o fariam? Seus entes queridos estavam feridos, sem dúvidas.

Agora seria a hora perfeita para contratar os serviços da Guilda Livre, mas isso também era impossível.  Ele havia preenchido um pedido de mineração a um tempo atrás, e a resposta foi um silêncio ensurdecedor. Ele sabia que não era o único. Os sinais de escassez começaram a aparecer.

Contratar membros da guilda também não faria diferença. Eles não eram baratos e, ainda, não faziam mais do que o combinado. Seguranças da guilda faziam somente isso — proteger — e nada mais. E se esse monstro fosse do tipo que poderia derrotar um aventureiro de classe B-...

Era impossível! Não tinha como ter lucro. Na verdade, isso o levaria à falência. Bah! Por que um monstro tão poderoso apareceu na parte mais superficial da mina?

Kaijin soltou um longo suspiro. E agora? Não havia muito tempo restante. Talvez ele deveria descer até a mina e extrair o metal por conta própria. Ele não tinha nenhuma outra ideia. Sua cabeça estava cheia com o tique-taque do seu destino passando. 

Os quatro trocaram olhares, todos sem saber o que fazer. Quando um grupo de clientes bem diferentes apareceram.

 

Yo! Você está? — gritou o capitão, Kaido, enquanto entrava.

Depois de conversar, nos tornamos amigos. Já estávamos chamando um ao outro pelo nome, e parece que seu irmão mais velho era o gerente da loja em que estávamos.

Era um lugar aconchegante, onde você espera encontrar um rude velhinho atrás do balcão. 

— Olá!

— Com licença — falei, seguindo Kaido. Assim que entramos, sentimos vários olhares desconfiados sobre nós. 

Ah

Os três mineradores que haviam me agradecido ontem levantaram suas sobrancelhas. Eles pareciam estar bem, mas suas expressões não pareciam agradáveis.

Como esperado, o homem atrás deles parecia com um rabugento velhote trabalhador com quem já tive que lidar. Ele era o proprietário, sem sombra de dúvida. Porém, não parecia nada com o Kaido.

— O que vocês querem? Vocês se conhecem?

— Kaijin, é ele! O slime! O que salvou a gente...

— É! Certeza que é ele! Você é o irmão do nosso chefe, não é, capitão?

— ....

Oh-ho. O slime, você diz? Nós estávamos falando de você! Obrigado por salvar eles de uma situação ruim. 

— Não não, não foi nada... Ok, foi alguma coisa, mas você sabe. Ha-ha-ha-ha!

Deveria ser contra a lei me elogiar. Sempre me subia à cabeça, até eu flutuar para o espaço. Não voltarei por um tempo. 

— Então — O outro senhor disse, se afastando — O que procuram?

Decidi entrar em detalhes. Nós nos sentamos nas cadeiras localizadas mais adentro e Kaito foi gentil em fazer uma recapitulação para mim. Adicionei alguns detalhes e as coisas se desenrolaram. 

“O mais novo, porém... Mildo, não era? Gostaria que ele dissesse algo. Por exemplo, como ele permaneceu na conversa sem dizer nada?” Isso me incomodou.

— Tudo bem — O velhote respondeu — Entendo. Mas o que querem? Não posso fazer nada por vocês. Tenho um pedido de um certo país que preciso dar um jeito. Não tenho tempo, mas...

Então era a vez dele falar, tirando os detalhes mais precisos, já que eram restritos. Diversos países estavam fazendo pedidos de armas e armaduras, amedrontados com uma “nação idiota” que estaria tentando iniciar uma guerra contra todos. Isso explicava porque a guarda estava sem medicamentos ontem, assim como a falta de matéria-prima que afligia as lojas. 

— Então — Ele disse, coçando a cabeça — Consegui virar a noite para terminar um pedido de duas mil lanças de aço... mas preciso fazer vinte espadas também, e ainda não fiz nenhuma. Não há material.

— Por que você não fala que não pode fazer o pedido?

— Tolo! Acha que eu não recusei? Mas aquele maldito Vester me disse: “Está me dizendo que o grande Kaijin, reconhecido por todo o reino, não consegue realizar um simples pedido como esse? É sério?” Na frente do próprio rei, para piorar! Acredita no maldito idiota?

No meio da gritaria e bate-boca, eu aprendi que Mildo, o reservado terceiro irmão, recusou o pedido do Vester de construir sua casa. O ministro se ofendeu a ponto de atormentá-lo tanto que Mildo teve que se exilar com Kaijin. Soava como um rancor estúpido.

“Esse cara estava comprando toda a matéria prima do reino para que as lojas não pudessem vender nada? Bem plausível.”

— Qual a diferença entre lanças e espadas? — perguntei.

— Preciso de metais especiais para as espadas — O velho retrucou — Metal mágico. As lanças são espinhos de aço.

Sem os materiais certos para trabalhar, até um artesão mestre é um mero homem. Deve ser frustrante. O ministro deve estar esperando ele aparecer, de chapéu na mão, implorando misericórdia. 

— Tenho até o final desta semana — Ele se lamentou — Primeira coisa a fazer na semana que vem é entregá-las para o rei. É uma tarefa para o reino, e foi exigido o mesmo de todas as lojas. Se eu não conseguir, irão tirar minha licença de artesão...

Só cinco dias restantes. Duvido que seria feito muita coisa hoje, então, apenas quatro? Que situação difícil... “Espere, por que estou me preocupando? Não tenho nada a ver com isso.”

E... hm, espera, ele falou ‘metal mágico’? Eu tenho um pouco disso, não tenho? Não que importe...”

Assim que olhei em volta, estavam todos olhando para mim. “Eu não gosto de ter todos esses caras me encarando, sabia? O que eles pensam que um slime é, afinal?”

“Tanto faz. Hora de fazer uns favores sérios. É bom eles me ajudarem a melhorar aquele vilarejo Goblin.”

Heh-heh-heh... Ha-ha-ha-ha! Aaaaaaah-hah-hah-hah!! Que coisa trivial! Velhote... Acha que pode usar isso?

Com um pequeno pulo, coloquei uma quantidade de metal extraído em cima da mesa de trabalho à minha frente. Então, pulei no sofá, me deitei e coloquei minhas pernas para o alto (ou senti que o fiz).

— ... Espere. Whoaaa! Isto é metal mágico!! E, meu Deus, veja a pureza dele!!

Heh. Não é metal mágico, cara. Já o processei para você, Isso é um monte de puro aço mágico.” — Qual é, velhote? Seus olhos estão te enganando? — perguntei. Se eles não conseguiam nem distinguir que tipo de metal era, eles não valiam muito.

“Venderei os materiais para você, mas só isso. Estou começando um negócio aqui, mais ou menos.”

— O quê..? Não... não é possível. Este pedaço todo é aço mágico?!

Ele percebeu. Sua reação me surpreendeu um pouco.

— Você... você pode me dar ele? Quero dizer, vou pagar, é claro!

Heh-heh-heh. Te peguei!”

Ohhh, sobre isso...

Nggh, o que você quer? Farei qualquer coisa por ele!

— Isso é o que queria ouvir! Você ouviu o que eu e minha equipe estamos fazendo, não? Preciso de ajuda para encontrar alguém que vá ao vilarejo nos dar orientação técnica. 

— Quê? Só precisa disso?

Pfft. Preciso de alguns contatos de fornecedores de vestimentas e armas. E armaduras. 

— Se isso é tudo, pode contar comigo!

E assim, o velho Kaijin e eu fizemos um contrato verbal pelo pedaço de aço mágico. Concordamos em definir os detalhes depois de terminado o seu trabalho. Julgando pela sua reação, poderia pedir um pouco mais dele, mas não havia porquê ser tão ganancioso. Sempre que eu era ganancioso, me ferrava. Até eu aprendo dos meus erros.

Kaido se retirou após o jantar. “Acho que o capitão da guarda da fronteira pode se dar ao luxo de tirar uma folga a tarde toda. Apesar de quê, foi legal da parte dele me acompanhar até aqui.”

Os três irmãos anões revezaram me agradecendo de novo. Eles se sentiam um pouco de fora, sem dúvida, e culpados por o governo estar zoando com o Kaijin. 

— Por que vocês não vem com a gente? — Todos ficaram atônitos. Eles começaram a discutir entre si. Para mim, essa era a melhor solução para o problema.

No dia seguinte...

Mesmo tendo todos os materiais necessários, o prazo determinado de entrega ainda parecia impossível aos meus olhos. Hora de perguntar sobre isso.

— Você tem quatro dias para terminar, Kaijin. Acha que consegue? 

— ...Não, para ser honesto. Mas eu preciso!

Não acho que uma atitude positiva vai ajudar muito. O que tenho certeza é de que se algo é impossível, ele é impossível e pronto. As coisas não se realizam até todos os elementos certos estarem posicionados corretamente.

“...Puts. Já estou com um pé dentro do rolê. Melhor aproveitar tudo de vez.”

— Bem, acho que tenho uma ideia. Para começar, será que você poderia fazer uma espada pra mim? Uma com a melhor qualidade que você puder criar.

— O quê? Mas você é um completo amador. O que você poderia fazer?

— Não posso te contar. Mas você precisa acreditar em mim! Se não, siga em frente. Continue. Você provavelmente vai perder sua licença, mas...

— ...Então eu posso confiar em você? Por que se eu não puder, é melhor você não esperar pagamento por esse aço mágico. Não vou ser capaz de cuidar de mim mesmo, quanto mais cobrir suas costas... Cumpra sua promessa, no entanto, e eu juro que cumprirei a minha. Vou te mostrar quem é o melhor ferreiro desse reino!

“Temos um acordo. E promessas foram feitas para se cumprir.”

E lá fomos nós para a oficina. Estava devendo uma para Kaijin por ele ter deixado eu descansar na câmara extra de aprendiz que ele tinha, então queria manter o meu lado da barganha.

Quando entramos, encontramos os três irmãos encarando o pedaço de aço mágico na mesa, suspirando para si mesmos enquanto viravam e desviravam o objeto nas mãos, observando cada superfície. O pedaço que eu tinha cuspido tinha cerca do tamanho de um punho. Será que era tão raro assim? Eles agiam como se fosse.

— Do que você tá falando? — Kaijin exclamou quando eu perguntei a razão por trás desse comportamento.

E de acordo com a explicação dele...

O minério mágico era uma matéria-prima que era refinada para fazer aço mágico. Até mesmo o minério base poderia rivalizar o ouro em valor, por uma simples razão: Ele era tão raro quanto útil para uma variedade de serviços.

Tudo se resumia às mágiculas que pareciam formar quase tudo nesse mundo — algo que a Terra parecia se dar bem sem mas que cumpria um papel gigante aqui.

Em ocasiões raras, quando um monstro é derrotado, ele dropa um pedaço de mágiculas, chamado de “pedra mágica.” Uma fonte de energia portátil, que também servia como combustível para algo chamado “engenharia espiritual”, uma invenção exclusiva desse mundo. 

Pedras mágicas vinham em níveis de pureza, e as mais puras eram usadas como núcleos dentro de diversos produtos. Até mesmo ornamentos poderiam utilizar essa energia para efeitos especiais. As roupas e acessórios resultantes poderiam aumentar as habilidades de quem os vestia, concedendo efeitos adicionais, e outras inúmeras coisas.

Agora, a maior diferença entre um velho minério normal e um minério mágico era que o último podia ser obtido somente em áreas onde monstros de nível mais alto se espreitavam. Ele requiria uma combinação de minério regular, uma larga concentração de mágiculas, e éons de tempo para o minério absorver a magia e passar pela transformação — um tipo de mutação geológica.

É claro, qualquer lugar com bastante magia tendia também a ter um monte de monstros. Não do tipo que aventureiros ordinários conseguiriam matar por um troco — você não acharia nenhum minério mágico perto desses. Você precisaria viajar a lugares com, pelo menos, monstros de rank B-.

Como uma tangente, Kaijin me deu uma descrição completa de como o sistema de ranking funcionava para os monstros.

Ohhh! — disse — Então eu seria, tipo, um B ou por aí, talvez?

  “““……”””

Eu imaginei todos pensando a mesma coisa. Exceto por Gobta, que era meio lento. Vamos deixá-lo sozinho por agora.

De qualquer jeito, o ponto era que o minério mágico não aparecia do nada. E tem mais, o aço mágico extraído dele levava 3%, talvez 5% da massa total. Até mesmo um pedaço do tamanho de um punho desse aço valia vinte vezes o seu peso em ouro.

Também parecia que os preços, no geral, eram em média quase iguais aos do meu velho mundo. Ouro era usado como moeda porque valia muito, assim como lá em casa. Como resultado, todos os países haviam adotado ouro como a moeda padrão.

Mantive o fato de que possuía uma grande reserva desses pedaços de aço mágico no meu estômago um segredo. Honestamente, isso estava ficando um pouco assustador. Não havia chances deles saberem, mas... E se? Ou será que isso é só a minha educação classe média-baixa saindo para dar as caras?

Agora, vamos falar do problema real.

O aço mágico era raro, certamente, mas não era isso o que o fazia tão valioso. Sua preciosidade se encontrava no quão prontamente adaptável ele era em servir como um conduíte para força mágica.

Uma pessoa podia controlar mágiculas através do poder da imaginação, até um certo ponto. A minha habilidade Percepção de Magia funcionava desse jeito, mas até mesmo Controle de Água funcionava manipulando o ambiente mágico ao meu redor. A maior parte das habilidades dos monstros o usavam de um jeito ou de outro, também. Não sabia muito sobre feitiços, mas chuto que usam a mesma premissa.

Então, o que acontece se uma arma for criada de material infundido com vastas quantidades de magia? Incrivelmente, ela se tornava uma arma que podia amadurecer!

“Que clássico! Ah, cara, agora eu quero uma!” Quase falei isso alto antes de me parar a tempo. Quero dizer, pense nisso — uma espada que gradualmente se moldava para o seu formato ideal baseado no que você queria dela. Dependendo da sua própria força mágica, você pode até ser capaz de a transformar no meio de uma batalha! E já que ela é tão compatível com magia, ela ajudaria aumentar suas habilidades, também.

Basicamente, a não ser que você fosse imensamente habilidoso com uma arma, você sempre se sairia melhor com uma que tivesse sido infundida com magia. Mas e se — mesmo que isso tomasse muita habilidade e dinheiro — você fizesse uma lâmina de aço mágico puro e inserisse uma pedra mágica nela? Será que você conseguiria fazer, tipo, espadas de chamas ou nevascas e coisas parecidas?

A parte criativa do meu cérebro começou a fritar. Meu coração cantou, demandando que Kaijin fizesse uma neste exato minuto. Mas precisaria ser paciente. “Contudo, a próxima pedra mágica em que eu colocar as mãos... Com certeza.”

Depois daquela lição rápida, Kaijin se afivelou e voltou ao trabalho. Assisti ele como um futuro aprendiz. Gobta provavelmente estava dormindo em algum canto, aliás.

Espadas, é claro, vinham em uma ampla gama de formas e tamanhos. Eu, obviamente, via uma katana do estilo japonês como a mais forte no mercado — mas até mesmo katanas vinham em todos os tipos de formatos. Isso foi o que me deixou tão curioso sobre o tipo de espada que ele faria.

Dez horas depois, ele finalizou.

A lâmina, para mim, parecia uma velha espada longa. E... Uou, ainda restava muito aço mágico. E aqui estava me preocupando sobre se um caroço do tamanho de um punho seria o suficiente para uma espada. No fim, Kaijin não conseguiu nem chutar o quanto custaria usar 100% de aço mágico em tudo. “Suponho que não. Não admira ninguém ter inventado uma espada de fogo ou nevasca ou até mesmo uma espada do trovão. O preço seria muito caro. Faz sentido.”

Como alternativa, o aço mágico formava somente o núcleo da arma, e o resto da lâmina era construída com aço normal. O núcleo era necessário para a magia encontrar um caminho pelo aço, eventualmente se fundindo com a espada inteira. Isso, ele disse, era o porquê da arma ficar mais forte ao ser usada ao longo do tempo. A lâmina nunca se enferrujaria ou perderia sua forma, conseguindo usar as mágiculas no ambiente para se regenerar.

Estranhamente, porém, até mesmo essas espadas mágicas tinham uma vida útil. Se elas ficassem muito curvadas ou deformadas ao ponto de não poderem ser reconhecidas, a magia iria vazar, levando a um rápido desgaste.

Kaijin me mostrou sua espada recém-forjada enquanto falava. Tudo era tão interessante pra mim. Tomei a arma em mãos enquanto me maravilhava sobre ela — tudo bem, não em mãos, mas perto o suficiente. Sua estrutura era simples, reta como uma flecha. Sem nada para embelezar. Não era feita estritamente para cortes como uma katana, mas a lâmina parecia adequada para golpear.

Mas essa era só a base. Com o tempo, supus, a espada se adaptaria para qualquer coisa que o usuário precisasse. Não era surpresa o ferreiro manter as coisas simples. 

Beleza.

Então Kaijin e seu time haviam construído essa amável espada para mim, como prometido. Agora era a minha vez.

— Certo! — Eu disse. — Hora de fazer um pequeno trabalho secreto por você. Mil perdões, mas se importariam de me deixar sozinho aqui por enquanto?

Não poderia deixá-los ver isso de jeito nenhum. Seria muito difícil de explicar, pra começar.

— Bem, você tem tudo o que precisa aqui, suponho. Mas, tem certeza? Ficaria feliz em ajudar.

— Vou ficar bem, obrigado! Só me prometa que você não vai dar uma espiada nesse quarto pelos próximos três dias. Jure!

— Muito bem. Vou confiar em você e esperar...

Com isso, Kaijin e seus homens saíram. Gobta, também, por alguma razão estúpida. “O que passa na cabeça dele, dia após dia, que o mantém vivo? Preciso ouvir a resposta dele sobre isso algum dia.” 

Então, a nossa receita de hoje era uma espada longa. Não podia ser mais simples! Primeiro, pegue essa amostra completa... E a coma! Depois, colocar o resto dos ingredientes alinhados aqui... E os coma também! Munch, munch... gulp! Misture bem em seu estômago, e...

[Aviso. Alvo de análise: “Espada Longa” Sucesso. Criando cópia... Sucesso.] 

Repita esse processo dezenove vezes. Bon appétit! Fácil, não é?

Crianças, não tentem isso em casa!

E com esse comentário mental ridículo, comecei a trabalhar. Caramba... Cada cópia estava demorando, tipo, dez segundos.

190 segundos — três minutos e uns trocados — e tinha dezenove espadas espalhadas pelo cômodo. Talvez cinco minutos se passaram desde eu ter expulsado Kaijin e o resto para fora daqui.

Quer dizer, imaginei que eu conseguiria fazer isso, mas foi muito fácil! Pessoas gastavam suas vidas inteiras criando coisas assim. Comecei a me sentir como se tivesse feito algo descaradamente rude para elas. Esse Predador era tão roubado.

“E agora? Pedi para eles não abrirem a porta por três dias. Devo ficar escondido aqui até lá? Não... Não posso só sentar aqui como o slime que sou. Talvez eu só deva confessar...

Assim o fiz. Abri a porta e saí. Os quatro anões imediatamente se levantaram, me dando olhares preocupados. Gobta estava... dormindo.

Misericórdia, em cinco minutos? Aham. Foi aí que decidi que precisava fazer alguma coisa a respeito disso.

— O q-que aconteceu? Teve algum problema?

— Falta alguma coisa?

— Ou... Ou só não funcionou, então?

— É, hmm... Bem, na verdade... — Eu observei os anões, seus olhos pareciam carregados de tormento. Doía só de olhar.

Mas não conseguia resistir. Precisava atuar um pouco.

Por que eu tinha a necessidade de ser ruim com as pessoas o tempo todo? Nem mesmo minha morte e renascer tinha me curado desse hábito.

...ha-ha! Tô zoando! Todas estão finalizadas, na verdade!

— ....O quê?!?!?!

“Não acho que posso culpá-los por essa reação.”

— ...Saúde!!!!

Nós estávamos em um tipo de clube noturno anão, dando uma festa de encerramento um tanto anticlimática. As armas estavam seguras nas mãos do rei, e era hora de celebrar. Quer dizer, disse a eles que não precisava...

— Ah, poxa! Tem um monte de belas moças lá, vai!

— É, é! Mais jovens e mais velhas, também, se você gosta de um pouco de tempero nelas! É o melhor lugar para qualquer cavalheiro!

— ……!!

— Vamos lá, Rimuru! A gente não pode sair sem O CARA! — Era quatro contra um, então não tive chance.

Nunca um momento entediante, hein?

O lugar era chamado A Borboleta Noturna.

As mulheres seriam borboletas, então? É melhor elas não serem traças!

...Não que eu me importasse muito. Sou um cavalheiro. Testaria tudo pelo menos uma vez, pensei enquanto entrávamos.

Ohh, bem-vindos!

— Bem-vindos, senhores!!!!

Phwoaarrrr!! Cada cantinho do lugar estava repleto de gostosas!

Whoaaa! Suas orelhas eram longas, também! “Está quente aqui, ou são só essas elfas? Caceta!

Ahhh meu Deusssss, e as roupas delas são tão finas!! Quase consigo ver através delas... Mas eu não consigo... Caralho, e eu tô colocando Percepção de Magia no máximo, também! Elas tem o limite de suas roupas bem definido, não tem? Isso faz parte de algum tipo de... desafio?”

Nnnngh!!

Ohhhh, olhe pra você, coisa fofa!

Aww, eu vi ele primeiro!!

Eep! Boing! Boiiing!

Aq-aqui está!!

O meu corpo inteiro está sacudindo! E consigo sentir algo macio balançando contra minhas costas, também! Isso aqui é o paraíso ou o quê?!

— ...Hmmm... Acho que todo esse contorcimento significa que está gostando daqui, hein?

Agh!” Ah, não. Não tive a intenção de…

Huh…? N-não, não tanto assim.

“Acho que eu não deveria ter esperado receber o mundo, então. Ninguém acredita em mim afinal. Mas, que seja. Por que me importar? Estou no colo de uma verdadeira elfa! Não consigo acreditar que isso tá realmente acontecendo!!

Ahh, me sinto tão mal pelo meu querido amigo que partiu de lá de baixo! Se ele ainda estivesse aqui! Estaria rebatendo pelas paredes!

No entanto, enquanto nos divertíamos...

— Quem diria! Veja se não é Kaijin? Deus, o que você está fazendo, trazendo esse monstro vulgar para dentro de um estabelecimento de classe alta como esse?

Quem é esse cara? Parece estar procurando uma briga. As coisas rapidamente se silenciaram ao nosso redor. Até mesmo as garotas olharam desdenhosamente para esse visitante — elas provavelmente não gostavam dele muito, mesmo se fossem educadas o suficiente para manter a zombaria discreta.

Pelos padrões dos anões, esse cara era consideravelmente alto e magro em estatura, o fazendo... Bem, um humano normal em tamanho.

— Ei! Chefe! Vocês estão aceitando monstros por aqui esses dias?

— N-não — Uma gerente mais velha respondeu — Mas ele é só um pequeno slime, então...

Uhh? Ainda é um monstro! Não é? Tu quer dizer que slimes não são mais monstros?!

— Eu... Não, senhor, mas… — A gerente gaguejou evasiva, tentando acalmar o moço, mas o desgraçado nem estava prestando atenção.

Claramente, ele estava de mira na gente.

— Ah, ótimo — Uma das garotas suspirou. — Ele é Vester, o ministro.

“Falando no diabo! Bem, eu vou estar...” Ele parecia com o tipo de cara que se recusa a esquecer um ranço. Dava para ver na cara.

— Você sabe o que combina melhor em um monstro? — Vester gritou. — Isso! — Ele então esvaziou o copo de água em cima de mim.

Não era muito fã desse tipo de provocação, mas me mantive calmo. Esse cara era um ministro do governo — não poderia deixar meu pavio curto meter Kaijin ou a dona desse lugar em problema. Não queria que eles fossem banidos daqui. “Só vou sentar aqui certinho, deixar passar, e...”

— Ei... Você acha que pode mexer com a gente o quanto quiser?! — Com um chutão na mesa, Kajin se levantou.

— Você acha que vai ficar tudo bem essa de zombar o meu convidado, Vester? Acha que não vou me importar? Você acha?!

“…? Ei, Kaijin, esse cara é um oficial do governo com um cargo bem alto, não é não? Tem certeza que é seguro fazer isso?”

Vester, para seu crédito, estava tão assustado quanto eu e recuou.

Pulei pra trás um pouco por conta da surpresa, também, amortecido amplamente pelo peito da elfa atrás de mim.

...Não foi de propósito! Eu juro!

— Como... Como se atreve a falar comigo desse jeito, seu...! — Vester disse, ainda em choque.

— Dá para calar a boca?! — Kaijin gritou, deixando seu ponto bem claro ao lançar um murro na cara do ministro. Algum tempo depois, ele me perguntou: — Ei, Rimuru, você estava procurando alguém pra te ajudar, não é? Será que sou bom o suficiente?

Bom o suficiente? Mais do que isso. Mas... Sério mesmo? Suponho que ele literalmente acabou de ganhar uma passagem para fora do Reino Anão com um soco. Agora, ele estava fazendo um pedido verbal.

— Era isso o que eu estava querendo ouvir. Vai ser ótimo trabalhar com você, Kaijin!

Eu dizia a verdade. Poderíamos cuidar dos detalhes mais tarde. Se Kaijin estava disposto a vir, estava mais do que disposto a convidá-lo. Não precisávamos de nenhum contrato chique. “Nós fazemos o que quisermos, quando quisermos!”

Kaijin e eu fechamos o acordo com um aceno enfático.

Só falta uma coisa... Como iríamos conseguir um tíquete para fora daqui? Talvez um pouco de prudência não fosse uma ideia tão ruim assim afinal. Caso contrário, você cria imensos problemas para si. Toda a bravata do mundo não resolveria eles, resolveria?

Então.

Como qualquer um podia imaginar, dar um murro na cara do ministro governamental apresentava um número de problemas.

— Meu irmão, meu irmão — murmurou Kaido, com alguns oficiais de segurança atrás dele. — O que você fez dessa vez?

Ele estava de plantão hoje — nem mesmo ele conseguia se livrar ao cabular turnos o tempo todo. Kaijin o tinha convidado, mas ele recusou... Só pra vir ao clube noturno de qualquer forma por conta da grosseria de seu irmão. Simplesmente correr teria sido um plano fácil o suficiente para nós, mas as chances eram de que estaríamos condenados desde o começo.

Hmph! Aquele idiota! — Enquanto quatro cavalheiros arrastavam Kaijin pra fora, ele gritou e apontou um dedo selvagem para o ministro. — Ele praticamente cuspiu na cara do Rimuru, meu cliente e o melhor patrão que já tive! O que tem de errado em colocar ele no lugar que ele merece um pouquinho, hein?!

Vester, por sua parte, ainda não tinha superado seu choque. Ele estava simplesmente encarando a gente, com sangue ainda escorrendo de seu nariz. Parecia patético e cômico ao mesmo tempo. Nunca pensou que isso aconteceria, eu acho. A surpresa provavelmente impedia que sentisse a dor.

— Irmão — Kaido sussurrou com um suspiro — Você não pode colocar o ministro do governo “no lugar em que ele merece” desse jeito... De qualquer forma, todos vocês estão vindo comigo! — Ele assentiu para seus homens, e então me puxou de lado por um momento. — Só fique calmo, tudo bem? Prometo que vamos tratá-lo bem.

Não estava planejando fazer qualquer outra coisa, é claro. Antes de sair, contudo, me deslizei até a gerente do lugar e joguei cinco peças de ouro em sua mão. — Aqui algumas moedas pelos problemas causados! — Eu disse para a matrona surpresa. — Nós voltaremos!

Parecia um estabelecimento decente, no fim das contas. Não seria legal nunca mais ver o lado de dentro.

E essa foi a minha segunda apreensão pela segurança no Reino Anão... Mas estou me esquecendo de alguém.

Gobta! Ele não estava com a gente no clube. Ao invés disso, ele estava pagando por seus diversos comportamentos idiotas passando pelo o que eu gostava de chamar “inferno das mariposas.” Ponderei sobre deixar ele pendurado pelos pés primeiro, mas parecia crueldade por nada, então, o amarrei com a Teia Pegajosa e o deixei pendurado no teto.

— Espere! — Ele choramingou. — Isso é tão malvado, senhor! Quero ir com o senhor!

Não demonstrei misericórdia dessa vez. — Já chega, seu tolo! Não consigo mais aguentar o seu comportamento cabeça oca! Se você não gosta disso, invoque o seu amiguinho lobo da tempestade e peça para ele te ajudar! 

“Não que ele consiga fazer isso” Pensei enquanto fechava a porta atrás de mim.

Um goblin era uma coisa, mas um hobgoblin podia ficar sem comer ou beber por pelo menos uma semana inteira... provavelmente.

Ainda assim, se estivéssemos sendo detidos, precisaria deixá-lo descer mais cedo ou mais tarde. Por agora, porém, enviei essa preocupação para o fundo da mente.

Talvez estivesse sendo malvado com ele. Pensei que estava, por um momento.

Mas está tudo bem. Ele consegue lidar com isso.

Nós cinco fomos levados para o palácio real. Não estávamos sob guarda muito pesada. Na verdade, parecia inteiramente voluntário de nossa parte.

Acabamos tendo que passar cerca de dois dias na cela do castelo. Não era muito ruim — a comida parecia decente e nós tínhamos todo o conforto necessário no lugar. Parecia mais com um apartamento urbano compartilhado pelos nós cinco do que uma prisão. Também não fomos tratados terrivelmente.

— Eu tinha que ter perdido minha calma, e agora botei todos vocês aqui comigo... Me desculpa, gente! — Kaijin pediu perdão.

Mas nenhum dos seus amigos anões se importava muito. — Tá tudo bem, Kaijin! Problema nenhum!

— É, não se preocupe, chefe! — ……

— Aliás, assim que formos liberados, queremos ir com você, Kaijin! 

— É, a gente pode ir com vocês, Rimuru?

— ……?

Eu não era tão observador a ponto de saber o que o terceiro queria comigo, mas entendi o suficiente.

Hah! Claro, nós cuidaremos de todos vocês! É melhor se prepararem, no entanto... Assim que chegarmos na vila, vocês vão colocar a mão na massa!

— Entendido!

Já estávamos falando sobre a vida fora da prisão. Em termos de cadeia, essa daqui era bem relaxada.

Era a noite do nosso segundo dia.

— A propósito — Me ocorreu de perguntar — Por que aquele ministro implicou com você daquela forma, Kaijin? Tem alguma razão por trás?

A expressão de Kaijin imediatamente azedou. Com um suspiro, ele começou a explicar. No fim, ele costumava ser um capitão no corpo de cavaleiros reais do palácio — o líder de um dos sete exércitos que montava o sistema inteiro. Três esquadrões eram devotos a trabalho nos bastidores como engenharia, abastecimento e ajuda de emergência. Mais três — atacantes pesados, atacantes mágicos, e suporte mágico — atuavam como papel principal. O último, e mais importante, era a guarda pessoal do rei. Kaijin era o cabeça do corpo de engenharia, e Vester tinha sido o seu segundo em comando.

— Ele é o filho de um marquês — O anão gemeu. — Um título nobre que ele comprou. Acho que deve ter ficado com inveja de um plebeu como eu tomando a liderança. Era complicado, sabe? Deve ter sido humilhante para ele receber ordens de alguém abaixo dele. E vou admitir que não me importava muito sobre como as pessoas pensavam de mim. Estava muito ocupado tentando agradar o rei. Foi aí que aconteceu. 

O “caso da armadura mágica.”

Naquela época, os corpos de engenharia eram vistos como o nível mais baixo dos sete departamentos do exército — mal produzindo novas tecnologias. Vester acreditava que um reino rico em tecnologia deveria ter uma equipe de engenharia adequadamente famosa, enquanto Kaijin era mais um homem status quo quando o assunto era pesquisa e desenvolvimento. Apesar do quão intenso as discussões de ambos chegaram a ser, eles nunca conseguiram alcançar um acordo durante as inúmeras reuniões de guarnição.

Pelo caminho, o corpo lançou com a ajuda de um time de engenheiros elfos, o que foi chamado de projeto soldado da armadura mágica. Vester estava obstinado a fazer desse projeto um sucesso e impulsionar a posição da equipe na hierarquia militar. Kaijin o avisou que ele estava procedendo muito rápido com o projeto, mas até mesmo em relação a isso, Vester não tinha tempo para o conselho de um homem de berço comum.

No fim, graças aos caprichos arbitrários de Vester, um experimento deu errado e levou um núcleo de espírito mágico a ficar fora de controle — uma falha pública e um contratempo ruim para o projeto em estágio inicial.

Portanto, apesar de ter algumas das maiores mentes do mundo trabalhando nele, o projeto armadura mágica foi parado. Como o líder do corpo de engenharia, Kaijin acabou levando a culpa por isso, renunciando de sua posição no exército. Vester não somente fez Kaijin o bode expiatório; como até convenceu seus amigos entre os líderes de rank mais alto para darem falso testemunho contra ele. Isso, de acordo com Kaijin pelo menos, era a verdade.

Quando ele terminou, Kaijin deixou sair um suspiro cansado.

Conseguia entender sua perspectiva. Deve existir bastante ressentimento guardado ao longo dos anos por causa disso.

“Ainda assim... Cara, esse Vester é totalmente um vilão como os de histórias, não é? Eles não são mais fáceis de reconhecer do que isso.” Sobre o ministro, Kaijin podia voltar para o exército e ameaçar a posição dele a qualquer hora. Esse tipo de coisa.

Ele merecia a pena de morte, não merecia? Talvez não, mas... — Então — Kaijin concluiu —, talvez ele acalme o rabo se eu sair do país por um tempo.

Ele soava um pouco desamparado ao dizer isso, mas pelo menos, ele tinha apoio. Os três irmãos conosco estavam cientes da verdade, e nenhum tinha “perdido amor” por Vester, também. Inferno, até mesmo eu odiava o cara agora.

Mesmo assim, Kaijin socou um nobre, então meio que me perguntei se eles iriam somente nos libertar e dar tchau de verdade.

— Não me preocuparia sobre isso — Kaijin me assegurou. — Mesmo estando fora do exército atualmente, já fui um líder de esquadrão. Considerando minha posição social, só estou abaixo de Barão. Se a situação fosse estritamente de um plebeu contra um nobre nas cortes, bem... enforcamento poderia ser considerado.

Ele acentuou o fato mórbido com uma gargalhada.

Enquanto isso, só me sentei lá. Se as coisas ficassem sérias, meto o louco pra fora daqui — mas caso contrário, estava feliz em ser um slime bonzinho até que cabeças mais frias prevalecessem.

※ 

Nosso dia na corte chegou logo depois, e o nosso grupinho foi trazido diante do monarca.

O Rei Herói dos Anões.

Agora que eu estava vendo ele em pessoa, sua aura imponente quase inspirava admiração.

Sua Majestade Gazel Dwargo fechou seus olhos e sentou profundamente em seu trono. Ele era entroncado, a aparência era a de um anão, e seus músculos expostos pareciam uma armadura irradiando energia. Sua pele era um tom escuro de marrom, e seu cabelo preto estava puxado para trás na cabeça.

Ele exalava força pura. Meus instintos de lutar ou fugir surgiram com toda a força pela primeira vez em anos.

Dois cavaleiros estavam posicionados perto dele, um de cada lado. Eles eram igualmente musculosos, sem dúvida, mas ainda assim pareciam fracos comparados ao seu governante. Sério, esse cara era um monstro. Estava planejando bater em retirada se precisasse, mas agora... Nem tanto. No momento em que eu fui colocado frente a ele, cada nervo do meu corpo ficou tenso.

Talvez essa seja a primeira vez nesse mundo que senti um senso claro de perigo para mim de verdade. 

Um homem se ajoelhou para o rei, checando algo com ele. Depois de receber permissão, ele se levantou e leu a declaração juramentada.

— Começaremos agora o julgamento! Silêncio a todos!

Pela próxima hora, ambos os lados apresentaram seus casos. Como suspeitos criminais, não tínhamos a permissão para falar — na corte real, esse direito era reservado para aqueles com rank de conde ou mais alto. Não fazendo parte desse grupo, você precisava da autorização do rei. Ao falar fora de vez, aparentemente, provava sua culpa na hora e lhe renderia uma acusação extra de desacato ao tribunal.

Sendo inocente ou não, era assim que esse lugar funcionava. Estávamos presos, tendo o nosso representante falando por nós. Ele nos pagou algumas visitas durante nossa custódia de dois dias, discutindo a natureza do nosso caso. Ele meio que era o nosso advogado, basicamente.

Será que podíamos confiar nele, no entanto? Ansiedades como essa tendiam a aparecer por nenhuma razão...

— Então lá estava Senhor Vester — Ele continuou — Sentando em um certo clube, curtindo uma bebida alcoólica, quando essa gangue invadiu o lugar e o expôs a uma violência terrível! Esse tipo de comportamento nunca deverá ser perdoado!

— Essa é a verdade?

— Sim, meu soberano! Ouvi isso do próprio Kaijin, e também tenho testemunho escrito dos donos do clube. Não há como se enganar sobre o curso de eventos daquela noite!

“...O quê? O que ele acabou de dizer? Pensei que ele estava do nosso lado, e só levou cinco minutos pro vira-casaca. Isso não pode ser bom, pode?

Eu dei uma olhada em Kaijin — seu rosto havia ficado vermelho brilhante, e então começou a perder a cor lentamente.

“Já imagino.” Nosso advogado nem estava se incomodando em dar desculpas para nós.

Nem precisa falar que os representantes da parte culpada da corte não podiam mentir. Se o crime fosse descoberto, outro enforcamento estaria a caminho. Era impossível pensar que qualquer aspirante a advogado tentaria isso, exceto em circunstâncias extremas, e ainda assim, cá estava o nosso fazendo isso bem em frente de nós.

— Meu soberano! — Vester exclamou, o incitando. — O senhor ouviu isso por conta própria! Imploro que lide com esses canalhas severamente.

Ele nos deu um sorriso de suprema confiança.

“Bastardo Talvez eu deveria ter batido nele afinal.”

O rei permaneceu imóvel, olhos fechados. Em seu lugar, um dos guardas ao seu lado falou.

— Ordem! Eu agora darei o veredito! Kaijin, o líder por trás desse crime, está sentenciado a vinte anos de trabalho nas minas. Seus cúmplices estão sentenciados a dez anos de trabalho nas minas. Com isso, esse tribunal fica...

— Espere — Uma voz grossa e quieta interrompeu.

O rei abriu seus olhos e olhou para Kaijin.

— Já faz um tempo, Kaijin. Você continua com boa saúde?

— ...Sim, meu soberano! — veio a resposta imediatamente. Presumivelmente, ele tinha o direito de falar agora. — Me alegra que você também esteja!

— Sim. Agora, você e seus amigos — disse olhando para nós —, tem algum desejo de retornar para nós?

A audiência na corte real murmurou entre eles mesmos. Esse deve ser um desenvolvimento incomum. Vester imediatamente empalideceu. Nosso representante traíra, no entanto, já tinha a aparência de um defunto.

— Imploro por seu perdão, meu soberano, mas já achei um mestre para servir! Fiz meu voto, e ele se tornou meu tesouro. Um tesouro tão bom que, de fato, nem mesmo uma ordem direta do meu soberano poderia me afastar dele!

Isso claramente enraiveceu a audiência. Conseguia ver os guardas enfiando adagas na testa de Kaijin mentalmente. Mas ele continuava forte — peito pra fora, a imagem de dignidade.

O rei, vendo isso, fechou seus olhos novamente. — Eu... entendo. — Silêncio reinou por outro momento.

— Tomei minha decisão. Escutem bem a sentença! Por meio deste, Kaijin e seus amigos estão exilados do reino. Depois da meia-noite de hoje, quando um novo dia vier, eles serão oficialmente não mais bem-vindos em minhas terras. Isso é tudo. Vão embora de uma vez! — Abrindo seus olhos, o rei fez sua proclamação em voz alta.

Ah, a honra de um líder nato. Sua presença avassaladora enviou calafrios pelo meu corpo. No entanto, ser rei por aqui parecia um trabalho terrivelmente solitário de se ter.

Então lá estávamos nós, depois do julgamento, de volta à loja de Kaijin. Aquela pequena saída para beber como celebração acabou bem mal, não é? Agora a gente precisava arrumar as malas e sair de vez.

“Ah, pera, o Gobta tá bem? Ainda estamos no dia três com a punição dele, não é?” Estava um tanto nervoso ao abrir a porta para a sala onde ele ficou.

Ooh! Bem-vindo de volta, senhor! O senhor se divertiu? Poxa, espero que o senhor me leve com o senhor na próxima vez!

Lá estava ele, pulando do sofá para me cumprimentar! Como isso foi acontecer…? Ele não poderia ter escapado da minha teia tão fácil!

Dando outra olhada, percebi que a almofada que o Gobta estava usando no sofá era, na verdade, um lobo da tempestade. Espera, eu tô vendo direito? Ele realmente invocou o cara?

Uh, Gobta, como você trouxe esse lobo aqui?

Oh! Certo! Isso! Só pensei pra mim mesmo: “Ei, dá pra você vir aqui, por favor?” E ele veio, senhor!

Ele fazia soar simples, esse degenerado. Nenhum dos outros hobgoblins havia conseguido essa façanha de um alcance tão grande antes.  Talvez as células cerebrais dele estejam concentradas em seus talentos naturais ao invés de, você sabe, inteligência real. Parecia maluco pra mim. Conclui que deve ter sido uma coincidência.

Então percebi que a visão de um lobo da tempestade havia paralisado os anões no lugar. — O que foi? — Eu perguntei. — Precisamos ir andando, não precisamos?

— E-espere um segundo! — Kaijin disse em pânico. — Que caralhas esse lobo preto gigante está fazendo aqui?!

— Sim! Você precisa correr! Ele é um monstro de rank B-! — E agora eles estavam entrando em pânico.

Eles pareciam ridículos, eu estava entretido, na verdade.

— Ah, tá tranquilo! De verdade! Não tem problema! Ele é, tipo, um cachorrão! A gente mantém ele dentro de casa e tudo!

As minhas tentativas de acalmar os nervos de todo mundo recebeu um silêncio ensurdecedor.

Lobos pretos gigantes, aliás, eram meio que uma versão avançada dos lobos gigantes normais. Se eles evoluíssem de uma maneira mais orientada para a magia, sua pelugem se tornaria preta. Os casacos dos lobos gigantes da tempestade eram pretos também, mas com um brilho de uma cor única.

Lobos gigantes não evoluíam realmente para o elemento “tempestade” em primeiro lugar — isso foi só o efeito colateral do nome que eu dei.

Em regiões vulcânicas, lobos gigantes evoluíam para o elemento fogo e se transformavam em lobos gigantes vermelhos. Perto de corpos de água, você encontraria lobos gigantes azuis. Nas florestas, lobos gigantes verdes. Em outras palavras, adotar elementos era um padrão evolutivo razoavelmente comum para esses caras. Os pretos, com magia infundida, eram aparentemente uma ameaça notória para qualquer humano ou humanóide próximo. O elemento tempestade deu a nossa matilha de lobos um brilho levemente roxo para a cor preta, algo que você não notaria se não estivesse prestando atenção.

“Desculpa por assustar os anões, eu acho.” Não tínhamos tempo para explicar a história inteira.  “Só vou chamar ele de animal de estimação do Gobta e mudar de assunto.”

Depois de apressar os anões para colocarem as melhores roupas de aventureiro que tinham, os empurrei para fora da loja, voltei pra dentro sozinho e engoli tudo o que tinha na construção. Em termos de capacidade, eu ainda era A-, mas engolir a construção inteira provavelmente chamaria atenção demais, então deixei assim.

Quando nossas preparações para a viagem acabaram, fomos até onde Rigur e os outros goblins estavam esperando.

 

O espaço estava silencioso, uma grande diferença da discussão barulhenta de um momento atrás.

Após os cinco acusados saírem do tribunal, ninguém presente ousou mover um músculo. Vester engoliu seco, nervosamente. O silêncio persistente do rei colocava ele e todo mundo no limite.

Então, Gazel quebrou a quietude.

— Agora, Vester. Gostaria de dizer algo?

— M-mil perdões, meu soberano, mas isso tudo é um engano! Deve ser simplesmente um erro!

A voz de Vester era um gorjeio nervoso ao defender seu caso. O rei o olhou friamente, não deixando revelar suas emoções.

— Um engano? Então esse engano me custou um de meus mais fiéis servos.

— Como podes dizer uma coisa dessas, meu soberano?! Você chama o que ele te ofereceu de “lealdade”? Ele é só um homem das ruas...

— Vester. Vejo que entendeu algo errado. Kaijin deixou meu exército por vontade própria. Quando digo que perdi um servo leal... Me refiro a você.

O coração do ministro se acelerou. “Preciso achar alguma desculpa...” Mas sua mente estava em branco. As palavras se recusaram a sair de seus lábios. Seus pensamentos demoravam para se formar. “O que ele acabou de dizer? Ele se referia a mim? Então…”

— Irei perguntar mais uma vez, Vester. Deseja falar algo para mim?

Medo, puro medo, dominou a cabeça de Vester. O rei tinha perguntado algo a ele. Ele precisava responder. Mas sua capacidade de falar tinha o abandonado.

— Eu... Meu soberano, temo que... Eu...

— Eu tinha grandes expectativas de você, Vester. Estive esperando por tanto tempo. Até mesmo durante o acidente da armadura mágica, esperei que você finalmente falasse a verdade. E agora vejo que, de novo...

A expressão que Gazel mostrou a Vester quase podia ser descrita como a de gentileza. As palavras do rei atravessavam o ministro como a mais afiada das espadas.

— Olhe para isso.

O rei apontou para os dois itens que um de seus atendentes havia produzido. Vester, com olhos vazios, observou os objetos. Um era uma esfera cheia de um líquido que ele nunca viu antes; o outro, uma única espada longa.

— Você sabe o que esses são?

O líquido continuou um mistério para Vester, mas ele se lembrou da espada longa. Kaijin tinha trazido ela.

— Explique pra ele — O rei ordenou seu atendente. O discurso que se seguiu levou um tempo razoavelmente longo para Vester entender por completo.

O líquido era um elixir que regenerava a vida, um extrato quase perfeito dos sucos das hervas hipokute. Uma poção chamada de “completa”, nomeada por suas propriedades de recuperação miraculosas.

Mesmo com a melhor tecnologia que os anões tinham na ponta dos dedos, o extrato mais puro que conseguiam chegar era de 98%. O que fazia apenas uma poção “nível alto.” Esse líquido, no entanto, era de 99%

As feições de Vester se contorceram em choque. Ele precisava saber! “O que eles fizeram para produzir um nível tão...? Mas antes dele poder perguntar, o atendente tinha notícias ainda mais assombrosas para ele. A espada longa possuía um núcleo de aço mágico que já estava arranjando um caminho para o resto da lâmina.

Impossível. Esse processo só começava após um procedimento de adaptação de dez anos! O choque mandou a mente de Vester pro espaço. Se isso fosse verdade...!

— Ambas essas maravilhas foram criadas por aquele slime — O rei disse. — E graças a sua atitude, nós perdemos nossa conexão com uma criatura dessas. Deseja falar algo?

Vester então, percebeu a extensão total da raiva do rei. Não havia nada que ele pudesse falar.

— Eu... Eu não tenho nada, meu soberano.

Lágrimas começaram a encher seus olhos. Ele sabia muito bem — seu lorde o abandonou. Tudo o que ele queria era servir seu rei. Ganhar sua aprovação. Só isso. “Onde que foi que eu errei? Quando comecei a ter inveja de Kaijin, ou antes...?” Ele não sabia. Tudo o que ele sabia era que ele havia traído a confiança do rei.

— Eu... entendo. Nesse caso... Vester! Daqui em diante, proíbo você de entrar no palácio. Não apareça diante de mim novamente. Te deixo as seguintes palavras: Estou cansado de você!

Ouvindo isso, Vester se levantou e curvou-se profundamente para seu lorde.

Ele então, saiu para pagar penitência por sua imbecilidade. 

Nesse momento, um guarda correu e prendeu o representante, servindo como cúmplice de Vester.

O rei assistiu eles de canto de olho. — Meu agente sombrio! — gritou com um pouco de urgência. — Rastreie os movimentos daquele slime! Não o deixe escapar de sua atenção. Nunca!

A ordem enfática do normalmente quieto rei causou uma pequena pausa a todos na câmara.

— Pela minha vida, meu soberano! — O agente sombrio disse antes de desaparecer.

O rei começou a se perguntar.

“Quem era aquele slime?”

Um tipo de monstro, sem dúvida. É esse o nível dos monstros sendo soltos, então?

Seus instintos de herói estavam lhe dando um sentimento que ele não poderia ignorar. Confiando neles, ele começou a tomar ações.

Rigur e a gangue estavam todos seguros na borda da floresta.

Entre isso e aquilo, gastamos um total de cinco dias na cidade — praticamente o que esperávamos. As coisas não foram muito de acordo com o plano, mas nós realizamos o que queríamos em grande parte.

Uma pena não conseguirmos ir até a Guilda Livre na cidade. Parecia como um clubinho de aventureiros pra mim, o tipo exato de lugar em que um forasteiro ou dois talvez possa dar uma passeada. Seria bom ter checado todo o ouro e armadura pelos quais os anões eram conhecidos, também. Mas, que coisa. Tínhamos um bando de mestres artesãos conosco. Já era uma recompensa incrível. Isso, e eu ainda tinha aquelas vinte peças de ouro. Ponto pro time.

Reservei um tempo para introduzir Kaijin e seus amigos desafortunados para os goblins. Estaríamos trabalhando todos juntos por um bom tempo, então queria que as relações começassem com o pé direito. Pensando nisso, não vi muito racismo casual por parte dos anões — a maioria deles, pelo menos. Dada as origens semi mágicas que todos compartilhamos, suponho que fazia sentido. Eu conseguia nos imaginar cruzando caminhos algum dia.

Estávamos quase preparados para ir. O único problema era o transporte. Ranga, é claro, estava balançando o seu rabo, como se eu andar nas costas dele fosse o ápice de sua vida. Expliquei pra ele que eu precisava dos quatro metros dele por um período de tempo para colocar dois dos três anões em cima dele.

Ranga não era muito fã da ideia. Sua cara instantaneamente ficou carrancuda enquanto ele cambaleava para trás e jogava a bunda no chão. Ele olhou para os recém-chegados como se estivesse sugerindo que ele podia comê-los e livrar todos de muitos problemas.

Os anões quase perderam a alma bem ali. Mesmo quando o viram pela primeira vez, eles tinham choramingado em uníssono. — Gaaahhh!!! Como você tem a coragem de fazer...?! — E assim por diante.

Isso ou era uma rotina bem praticada deles, ou Ranga realmente os assustava desse jeito. Havia algo que eu precisava fazer.

— Segura a onda, Ranga — disse. — Tentei me transformar em um de vocês mais cedo, e gostaria de testar pra ver como funciona. É por isso que eu quero que você deixe esses anões subirem, tudo bem?

Sua cabeça levantou imediatamente. — Entendido, meu mestre!

Kaijin e Garm, o mais velho dos três irmãos, iriam nas minhas costas; Ranga levaria Dold e Mildo. Assim que eles se ajeitarem, vou usar um pouco da Teia Pegajosa para ter certeza que eles continuariam no lugar. Esses caras chegavam a quase cinquenta em seu melhor estado. Nesse mundo livre de motos, a experiência provavelmente faria eles desmaiar. Não que eu soubesse se eu mesmo conseguiria aguentar a velocidade ou se eu queria aguentar.

Agora.

Mímica: Lobo-Estelar da Tempestade.

— Espantoso! Sua brilhante força não conhece limites, meu mestre!

Ha-ha-hah! Sim, eu aposto! E você se parecerá comigo algum dia em breve, se você continuar treinando!

— Faremos o nosso melhor para corresponder às suas expectativas, meu mestre!

Os olhos de Ranga brilharam com essa nova missão de vida. O resto dos lobos da tempestade ficaram igualmente animados. É sempre uma boa ideia motivar as tropas um pouco.

Eu me virei para Kaijin e Garm para subirem, e...

“Bem, que coisa estranha. Todos estão inconscientes e espumando. O que será que esses caras estão fazendo?” Bom... Eu sabia que praticar iria ajudar alguma hora! Um pouco de Teia Pegajosa de mim, e todos foram puxados e postos em seus lugares firmemente. Sucesso!

Anões desmaiados não seriam grandes acompanhantes de viagem, mas de qualquer forma, partimos.

Aliás, pretendia começar com um trote calmo, só pra me encontrar indo mais rápido do que sessenta milhas por hora. Talvez fosse uma boa coisa meus passageiros não estarem acordados para ver isso. Se estivessem, a nossa aceleração teria os feito perder seus lanches.

Olhei para Dold e Mildo nas costas de Ranga. Eles tinham mais coragem... Ou foi isso que pensei. Então percebi que eles estavam inconscientes com os olhos abertos. “Minhas condolências.”

Ignorando um pouco os anões, continuei pelo caminho de volta pra casa. Pelo menos eles não morderiam a própria língua por acidente estando inconscientes. Se eu fosse eles, não iria querer acordar no meio dessa máquina de gritos. Será melhor para todos se eles continuarem dormindo até a viagem acabar. “Vou dar comida pra eles, é claro, mas… Eu realmente sou ruim pras pessoas, não sou? Aliás...”

— Rigur! Você já conseguiu invocar algum dos lobos pretos antes?

— ...Não, Senhor Rimuru, isso me envergonha mortalmente.

Hmm. Ele não tinha conseguido, e isso frustrava os outros goblins, também, sem mencionar seus parceiros lobos. Então por que só Gobta?

— Verdade? É que parece que Gobta conseguiu.

— O quê? Gobta, isso é verdade?

— S-sim! Eu chamei, e ele veio até mim!

Havia um espírito de luta nos olhos de cada um (até dos cães) agora.

— ...Não é impossível — Rigur refletiu. — Gobta foi forte o suficiente para fazer a viagem até o Reino Anão a pé uma vez!

“Ah, certo...” Pensei que ele fosse um idiota babão, mas aparentemente ele era bem bom quando em apuros. Ele era um idiota, com certeza, mas não inútil.

Sobreviver uma jornada de quatro meses na selva e forragear a terra não era algo que qualquer um podia fazer. Ele precisava lidar com monstros ao longo do caminho, também. Embora possivelmente fracos.

Coloquei Gobta alguns degraus mais alto na minha hierarquia interna. Ele provavelmente cairia de posição logo logo.

Decidimos fazer acampamento quando a noite caiu. Eu não estava nenhum pouco cansado, mas todo o resto precisava descansar — eu podia testar minhas habilidades no meio tempo.

Um lobo-estelar da tempestade, para falar o mínimo, era abençoado fisicamente. Eu praticamente podia sentir o poder pulsando dentro de mim. Um salto leve, e estava lá em cima no céu; na terra, eu rasgava qualquer caminho que encontrasse pela minha corrida. Acrescente alguns reflexos rápidos, e me parecia que eu tinha o necessário para fazer bom uso dessa forma.

A maior parte das minhas batalhas até agora envolveram eu soltando algumas Lâminas de Água e elas acabavam. Nem tinha pensado muito nisso, mas força — e reflexos — seriam muito mais importantes pra mim se as coisas dessem errado. Nessa frente, o lobo estelar da tempestade parecia ter quase tudo o que eu poderia querer.

Com o suporte do Grande Sábio, esse lobo provavelmente conseguiria matar instantaneamente aquela serpente negra naquela caverna — sem precisar usar as habilidades. Aprendi na cidade que o lagarto era classificado como rank B-, e dali, usei as habilidades de simulação do Sábio para imaginar como o pessoal se sairia contra ele.

Ele me disse que a serpente negra não era rank A, e que eu podia vencer contra dez daquelas centopéias de uma vez, então eu seria um A- ou quase isso? Parecia correto.

Um lobo-estelar da tempestade que não estivesse sob meu controle seria mais forte do que uma serpente negra, mesmo que provavelmente não conseguiria ir contra dez delas de uma vez. No entanto, parando para pensar, havia aquela habilidade estranha, Relâmpago Sombrio...

Meus instintos me diziam que ela conseguiria destruir um bando inteiro, então vou testá-la na forma slime primeiro. “Isso deve dar uma enfraquecida nela para eu observar.”

O Relâmpago Sombrio que eu lancei era... Vamos chamar de “inacreditável.” Houve um clarão, seguido de um rugido de trovão ensurdecedor. A grande rocha que eu escolhi como alvo, desintegrada. Pude ver o relâmpago descendo mais rápido do que a luz... Mas testemunhar sua força medonha por si só simplesmente me maravilhou. Muito além das expectativas.

Heh-heh-heh... Vamos fingir que isso não aconteceu!” Fiz minha decisão no instantâneo.

Certo! Eu não estava fazendo nada! Foi só uma mini tempestade com raios.

“Vamos deixar as coisas assim. Guardar para depois, assim como o Sopro Venenoso.” Seria melhor se eu salvasse isso para depois de aprender como moderar a força dos meus ataques. Além do que, com toda a magia interna que me custava, seria melhor aprender como ajustar as coisas em breve. Não vou jogar essa coisa pra lá e pra cá quando quiser e como quiser. Poderia acabar ficando sem magia no meio da batalha.

Levando em consideração o alcance daquele golpe de raio, porém, o movimento poderia ser um ás na manga algum dia. A esfera inteira de vinte metros ao redor da pedra desintegrada estava queimando. Algo para se pensar.

Rigur, é claro, enviou alguns hobgobs até lá para descobrir o que estava acontecendo. Disse que foi só um raio aleatório. “Desculpa por interromper o sono de vocês, povão.” Precisava deixar as experiências mais perigosas para algum local onde eu possa trabalhar em paz. Isolamento de som seria legal, também. Caso contrário, seria bem difícil flexionar meus músculos.

Ainda assim, dados para analisar tinham sido conquistados. Repeti a simulação na minha cabeça. De acordo com os resultados, um lobo-estelar da tempestade sem estar sob meu controle poderia usar Relâmpago Sombrio e provavelmente matar dez serpentes negras de uma vez. O que significava que o ataque devia ser mais alto do que rank A.

A indicação para atingir rank A era ser capaz de destruir uma pequena cidade — nível “desastre”, em outras palavras. Melhor evitar me transformar em áreas urbanas.

Meus experimentos continuaram, embora muito mais quietos, até a manhã.

No dia seguinte...

Deixei Rigur e seu pessoal cuidarem do café da manhã. Comida de goblin era, bem, bastante simples. Só esquentar e comer. Não era uma cozinha gourmet, mesmo se eu não pudesse sentir o gosto. “Se conseguir meu paladar novamente, terei que ensiná-los os pontos mais delicados, eu acho. Um banquete pelo qual uma pessoa espera e quer é um dos primeiros passos para uma cultura avançada.”

Poderiam esses goblins se adaptar a “cultura”, no entanto? Imaginei que sim. Não tinha nenhuma ideia de como, mas queria testar tudo que podia. Se ficássemos presos ao cozinhar, esse seria um começo ruim.

Os anões estavam de pé, ainda brancos como lençóis.

— Vocês estão se sentindo bem?

— S... Sim... Onde que a gente tá?

Enquanto lentamente sacudiam as teias de aranha, perceberam que estavam em território desconhecido. Isso os deixou nervosos. Expliquei que o nosso destino era a vila que esses goblins chamavam de casa.

— O q-quê? Essa é uma jornada de dois meses, normalmente! Nós não teremos comida o suficiente a não ser que procuremos uma carroça em alguma cidade próxima!

“Um pouco tarde pra se surpreender com isso, não é?” É o que eu queria dizer, mas — pensando nisso — não tinha realmente explicado muita coisa pra eles, tinha? Coisas como o quão rápido chegamos aqui e quão rápido estávamos indo. Não tínhamos pressa hoje, então decidi reservar um tempo para explicar com detalhes o que estávamos fazendo.

O café da manhã, por coincidência, foi servido bem na hora. Eram apenas algumas lebres selvagens assadas, mas o estímulo era mais do que o bastante para os estômagos dos anões começarem a roncar. “Acho que eles conseguem manter a comida dentro, pelo menos.” 

Enquanto eles comiam, revisei nossos planos futuros. Nós estaríamos na vila em outros dois ou três dias, eu expliquei.

— Não...

Eles sussurraram em uníssono, percebendo exatamente o quão rápido esses lobos estavam levando eles.

— Não se preocupem! — Eu respondi. — Assim que se acostumarem, fica fácil!

Seria legal se eles pudessem se acostumar, mas imaginei que provavelmente chegaríamos ao fim da jornada antes disso.

Começamos a descer a estrada.

Hora de abrir a Comunicação Mental para nós. Agora que já fiz isso algumas vezes, se tornou natural pra mim. Os anões pegaram a manha, também, um alívio.

Comunicação Mental era um tipo de versão superior da Telepatia, te deixando criar ligações e falar com múltiplas pessoas de uma vez. Também fazia com que coisas como reuniões estratégicas ficassem mais fáceis para nós. Continuava efetivo com um alcance de por volta de meia milha, o que era mais do que o suficiente para meus objetivos.

No segundo dia, os anões pareciam amplamente capazes de permanecer em seus assentos sem desmaiar. A força do vento os impedia de abrir os olhos, então construí meio que um visor de seda para eles. Quase como um substituto para um capacete, suponho, e parecia fazer o trabalho bem.

Também comecei a notar que podia controlar minha Teia Pegajosa até um certo nível via Telepatia. Assim que você se acostuma a controlar mágiculas, o que você podia fazer com elas era incrível. A Teia Pegajosa provavelmente não era a única coisa que eu poderia aplicar a essa teoria. Essas pequenas partículas eram a essência da magia.

De qualquer maneira, os anões estavam pegando o jeito da coisa, e seus capacetes improvisados estavam tendo o efeito que eu queria. Podia falar com eles agora, e eles eram gentis o suficiente para me ensinar uma coisa ou duas sobre a vida no reino deles enquanto seguíamos. Os goblins estavam escutando também, acrescentando suas próprias experiências, e tivemos uma confabulação agradável e amigável por boa parte do dia. “Isso deve continuar na vila, também.” Eu esperava.

Anões, sendo parcialmente espíritos, tinham uma vida extraordinariamente longa. Goblins, sendo parcialmente nascidos da magia, tinham uma vida notoriamente curta. Evolução — ou talvez condições de vida — tinha criado uma diferença um tanto quanto grande entre os dois.

Algumas vezes me perguntava se os goblins estavam realmente um degrau mais baixo na escada evolucionária.

Hobgoblins, o próximo passo deles, parecia um pouco como o equivalente monstro dos anões para mim. Como se tivessem voltado para suas raízes ancestrais, de um jeito, com muito mais força mágica à disposição. Não saberia com certeza, mas imaginei que a evolução fazia maravilhas para a duração de vida deles.

Eles ainda não eram os mais habilidosos, no entanto, havia uma diferença gigante entre monstros e fadas. Mas ainda assim...

Anões, por sua parte, eram provavelmente mais próximos a monstros do que, digamos, elfos, outra raça espiritual. Talvez isso ajude as duas espécies a se comunicarem bem, também.

Foi então que repentinamente me lembrei de outra coisa e decidi trazê-la à tona.

— Kaijin. Eu sei que é um pouco tarde pra perguntar, mas você está de acordo com isso? Você respeitava aquele rei de verdade, não respeitava?

Ah, sobre isso? Eu respeitava, sim. Não existe um anão vivo que não respeite ele. Imagine ter o herói dos contos de fada que você ouviu antes de dormir a vida toda servindo como seu rei na realidade!

Era uma coisa interessante a se considerar — os míticos heróis do passado, ainda vivos e protegendo o seu povo como reis. Isso iria me ajudar a criar um respeito bem saudável, sim. Eu iria querer dar suporte a ele — esse rei ideal, um que sempre fazia a coisa certa e nunca dava oportunidade a erros.

Ponderei sobre o quanto ele teve que sacrificar para manter esse ideal funcionando.

De um certo modo, era assustador. Levava muito espírito, tenho certeza, para ser um líder como esse. É isso que fazia com que as pessoas acreditassem nele.

...Estava pronto para isso? Eu tinha virado, mais ou menos, o mestre dessa vila goblin. “Mas o que vem depois disso?”

— Bem, então, deixe-me lhe perguntar algo, Kaijin. Por que você veio comigo? Não seria a melhor coisa da sua vida voltar para o lado do rei?

Gah-ha-ha-ha! Bem! Muito mais sensato do que imaginava, hein, Rimuru! Eu vim porque pareceu divertido. Foi instinto, sabe? Tipo “Ei, esse cara vai sair e vai fazer algo!” E essa era toda a razão que eu precisava, entendeu?

“...Sim. Talvez. Justo. Ele tá certo!” 

Heh — retruquei. — Bem, não venha chorando pro meu lado mais tarde se as coisas azedarem. Sou bem famoso por ser mau com as pessoas!

Era verdade. Eu praticamente não fazia nada sozinho. Confiava tudo para outra pessoa. Mas sempre queria ajudar. Queria que alguém dependesse de mim. Queria ser o tipo de pessoa que consegue cuidar disso.

Ah, eu sei! — Kaijin respondeu.

Eu assenti, satisfeito.

Dois dias mais tarde, nós chegamos na vila no tempo marcado. Missão cumprida.



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