Volume 2

Capítulo 114: Último Teatro

O homem bateu suavemente à porta, sua voz baixa ressoando no corredor com um toque de hesitação.

— Celina, eu posso entrar?

A resposta veio abafada do outro lado, de dentro do quarto luxuoso sem janelas que a guardiã de Tera havia sido aprisionada, com uma tensão mal disfarçada.

— Sim.

Aldren entrou no quarto, fechando a porta atrás de si com cuidado, mas sem trancá-la. Encontrou Celina, sentada na beira da cama, ela tinha uma expressão fechada e, ao vê-lo, sua postura se enrijeceu ainda mais, visivelmente em mágoa e indignação.

— Aldren, por que você...

Antes que pudesse continuar, ele ergueu a mão, os ombros curvados em um gesto arrependido.

— Me desculpe, Celina. — Sua voz saiu suave, beirando o frágil, enquanto se aproximava devagar. — Eu não queria ter que te trancar aqui. Fiz isso... por sua segurança. — Ele deu uma pausa, o olhar desviando, como se o peso das palavras fosse demais. — Há pessoas dispostas a fazer coisas terríveis, coisas que eu... prefiro nem imaginar.

Celina o encarou, o ressentimento visível em seus olhos.

— Eu entendo a sua preocupação, mas não precisava me trancar aqui. Eu podia ter lidado com isso de outra forma, Aldren. Seria mais fácil se...

Ele a interrompeu, inclinando-se levemente, uma expressão de pesar em seu rosto.

— Eu sei, eu sei. — Começou Aldren. Seus olhos se tornaram sombrios, e ele parou à frente dela, deixando a mão cair sobre o rosto, como se estivesse exausto. — Depois de tudo o que aconteceu... depois de tantas perdas, eu fiquei... apavorado. — Ele baixou a voz, o tom repleto de uma dor quase convincente. — Eu não sei o que faria se perdesse você também, Celina. Me perdoe. Eu sou... sou uma pessoa péssima. Eu não consegui protegê-lo...

Celina franziu o cenho, surpresa ao ouvir a voz dele embargada. Ela repetiu, sem entender completamente, as palavras dele.

— Não conseguiu proteger...?

Aldren respirou fundo, como se a dor estivesse sendo revivida ali. Ele desviou o rosto, se virando e se escondendo da visão dela.

— O Colth, Celina. Eu... eu não consegui salvar Colth.

Ela sentiu o coração apertar. Arregalou os olhos e pausou a respiração ao ser acertada por aquele nome.

— ...

— Me desculpa... Me desculpa! — Disse Aldren, em desespero previsto. Em seguida, olhou por cima do ombro e viu Celina, com os olhos fixos ao chão, sem brilho.

— O q... O que aconteceu? — perguntou ela, em um sussurro quebradiço.

Aldren aproximou-se mais, sentando-se ao lado dela na cama. Celina mantinha o olhar perdido.

— Foi um ataque surpresa, Celina... um grupo que se autodenomina Vanguarda, e um guardião... Bernard. Eles o atacaram sem piedade.

Celina sentiu o peso de seu coração alcançar a garganta.

— Não... Por quê?

— Porque aquele mundo... estava corrompido. — Aldren suspirou, deixando o silêncio tomar conta do ambiente antes de continuar. — Todos os mundos estão corrompidos, desde o início.

Ele fez uma pausa, observando-a cuidadosamente, entendendo a reação que suas palavras haviam causado. Estudava cada detalhe, cada expressão de vulnerabilidade que ela deixava escapar.

Os ombros curvados em um gesto de derrota, o rosto abatido pelo peso da perda e até a respiração desanimada. Exatamente como ele esperava.

Ele baixou a voz, um tom de lamento em cada palavra.

— Eu sei que é difícil aceitar, Celina. Eu também... eu também lutei contra isso. Não é justo, não é certo, mas os mundos... — Aldren fez uma pausa, o olhar perdido em um vazio. — Os mundos estão doentes, corrompidos desde o início.

— ...

— Eu sei que essa não é uma boa hora, mas eu não quero perder mais nada. Eu estou desesperado e nem consigo imaginar a dor que seria perder você mais uma vez. Então não importa... Celina, eu preciso de você.

— Hã?

— Eu quero a sua ajuda para recriar tudo, Celina. De começar de novo, purificar o que foi manchado e unir os mundos em um único. Imagine, um mundo sem sofrimento. Um mundo onde você... onde nós... poderíamos começar da forma certa, como sempre merecemos.

Ela ficou em silêncio, absorvendo as palavras. Aldren continuou, aproveitando a abertura que via.

— Eu sei que tudo isso parece assustador. Mas entenda, eu faço isso por todos. Você sofreu comigo, sabe que ninguém mais deveria passar por isso. — Aldren continuou, vendo a hesitação no rosto dela, inclinou-se um pouco mais à ela. — Imagine, Celina... um mundo que podemos moldar juntos, sem precisar seguir os erros que sempre estiveram presentes nesse mundo. Com os poderes de Lux, nós podemos recriar tudo, da maneira certa. E ninguém mais terá que sofrer.

— Isso, seria mesmo possível?

— Celina, eu quero fazer isso. Eu quero ser o imperador de um mundo onde a sua magia, sincera e pura, seja a base para tudo.

— Eu não sei. Isso seria...

Aldren não esperou a conclusão dela. A puxou gentilmente para si e aproximou seu rosto ao dela. Celina se surpreendeu e se viu refletida no olhar sereno e implorante dele.

— Celina case-se comigo.

Ela recuou levemente, surpresa, sem palavras para expressar o que sentia. Aquilo era tão repentino, tão intenso. Tentou entender o motivo daquele pedido súbito.

Aldren suspirou, percebendo a confusão dela, mas manteve o olhar fixo, buscando a resposta dela com fervor.

— Se eu te conheço bem, sei que você está se perguntando o porquê disso. “Por que esse pedido, agora?” Mas é simples, Celina. — Ele sussurrou, a voz com alguma emoção. — Eu te amo. Eu te amo.

Ela engoliu em seco, ainda mais surpresa. O silêncio se fez presente por alguns segundos, até que ela se lembrou de respirar.

— Então... Você quer mesmo que... — Ela hesitou, alvo do olhar dele, uma vulnerabilidade contida. Baixou a cabeça.

Aldren estranhou a reação, mas não deixou esfriar.

— Se não quiser, pode sair pela porta agora mesmo. Pode ir embora. Mas... — Ele diminuiu a voz, o tom entre a súplica e a resignação. — Mas saiba que eu não teria mais motivos para viver. Você... você não me ama?

Ela fechou os olhos, absorvendo o peso da confissão dele, sentindo o tumulto de emoções que se agitava em seu peito. Esperou tanto por aquele momento, sonhou com aquilo algumas vezes, mas, agora, não parecia nada como nos sonhos. Parecia algo inevitável, algo escrito para ela.

— Aldren... eu... sim. Eu amo você, mas...

— Então, confie em mim. Não precisa ter medo, eu vou estar sempre por perto. Jamais estará sozinha — respondeu rápido Aldren. Sabendo exatamente as palavras certas.

Celina ergueu o rosto, os olhos se encontrando novamente. Estava confusa em pensamentos e divergentes emoções, mas aquele era o Aldren, e a solidão era realmente algo que ela já havia vivido demais.

— Você promete? — perguntou Celina, com um fio de esperança.

— Sim. Eu prometo. — Foi breve.

Por um longo momento, Celina ficou em silêncio, o olhar perdido nos olhos de Aldren. A dúvida começava a se dissipar, substituída por uma estranha aceitação, uma resolução tímida. A ideia de recomeçar, de ser a força que daria aos mundos uma nova chance, parecia inevitável, quase... necessária.

Ela respirou fundo, uma nova esperança crescendo dentro de si. A dor e o luto ainda existia forte, mas agora estava emaranhada a um propósito, uma visão que ele havia cuidadosamente colocado ali.

Após mais alguns poucos minutos em conversa contida, Aldren deixou o quarto de Celina, seus passos firmes ecoando pelo corredor de pedra ritmados. Antes de sair, ele havia pedido a ela que aguardasse ali, no quarto, um pedido que soou mais como uma ordem velada.

Aldren seguiu, passou pelos guardas postados ao longo do caminho, com expressões rígidas, completamente imóveis, e encontrou Hui ao final do corredor. Os dois trocaram um olhar breve e seguiram juntos, sem palavras, subindo as escadarias até o piso principal.

Alcançaram os corredores principais, extensos, frios e imponentes em direção à biblioteca. O piso de mármore, impecavelmente polido, refletia a luz suave que passava pelas frestas das cortinas das grandes janelas arqueadas quando eram atingidas pelas suaves brisas da manhã.

— Sabe que o corpo da guardiã de Tera não pode receber mais a magia de Lux, não é? — disse Hui, quebrando o silêncio entre eles, com um sorriso quase irônico.

— É claro que eu sei, Hui. Não me provoque. Foi o que eu consegui para fazê-la cooperar.

— Não seria mais fácil apenas mantê-la trancada e usá-la quando fosse a hora? — sugeriu Hui, casual, como se estivesse discutindo algo banal. — Você já fez isso uma vez.

Aldren parou abruptamente, e virou-se para Hui, o olhar carregado de raiva mal contida.

— Eu sei o que está tentando fazer. Já lhe disse, pare de me provocar — vociferou ele, respirando com intensidade, a voz sussurrada, mas cheia de ódio. — Não me compare àquele homem.

Hui ergueu uma sobrancelha e sorriu de lado, com um brilho sutil de provocação nos olhos.

— Se entendeu, é porque você mesmo já se comparou a ele, não foi?

Aldren explodiu, avançando em um passo rápido e empurrando Hui contra a parede adornada. O impacto fez um leve eco, e Hui sequer tentou resistir, apenas manteve o sorriso frio enquanto Aldren o segurava firmemente.

— Buregar era a personificação do mundo de Tera e de qualquer outro. Ele era o mal em pessoa que refletia o adoecimento dos mundos criados por Lux. Eu o matei com as minhas próprias mãos, e ainda assim, nada pareceu mudar. — Aldren apertou o punho com mais força sobre Hui, a expressão marcada por raiva e desespero contido. — Não adianta querer mudar o mundo eliminando barata por barata, isso foi o que aprendi.

— Ah, que bonitinho — caçoou Hui. — Eu te amo, sabia?

— Pare de palhaçada. Eu disse a verdade a ela. Eu realmente a amo — rebateu o imperador.

— Como da última vez — provocou novamente Hui, com a voz irônica.

— A Celina é diferente, ela me entende, de verdade. Passamos por muita coisa juntos. E ela me ama, assim como eu a amo. Você jamais entenderia.

Terminou soltando-o abruptamente. Aldren virou as costas e continuou a caminhar. Hui, ajustou a roupa, recuperou-se com um sorriso sarcástico e seguiu atrás dele.

— Mentindo para ela, dizendo que o amigo dela morreu, e ainda pedindo sua mão em casamento só para se casar com outra. Você realmente é bom nisso, Aldren. — Hui riu suavemente. — Quase parece um deus de Anima.

Aldren lançou-lhe um olhar de desprezo.

— Não foi de todo uma mentira. Colth estará morto em breve, mesmo, graças ao seu selo amaldiçoado que impregnou a adaga de Anima. Hikki já retirou o Colth da fortaleza, não deve demorar muito para que encontrem a Garta. Quando isso acontecer, Colth encontrará a adaga e a sua mente será corrompida, descolando-a do próprio corpo. Hikki então trará a Garta até mim.

Hui balançou a cabeça positivamente.

— A guardiã de Finn. A verdadeira noiva e representante desse mundo. Se isso acontecer mesmo, esse Hikki terá provado que é um grande aliado.

— Fiz uma proposta que ele não pôde recusar: A irmã dele se tornar uma nova deusa e acabar de vez com as ambições de Bernard, protegendo-a desse modo. Mesmo assim, ele relutou, o que é estranho, o que ainda me preocupa. Mas ele cumprirá o combinado, pois sabe que colocaria a própria irmã em risco se falhasse.

Adentraram a biblioteca e se viram em meio as diversas estantes de livros e mapas sobre a tapeçaria refinada e aconchegante com a grande mesa de estudo e cadeiras ao redor. Hui manteve o tom intrusivo e finalizou a caminhada de frente a Aldren.

— E então, o contrato será selado em conjunto com o dadivar. A noiva será a Deusa, o noivo um imperador que vai recomeçar o mundo, e a garota traída, apenas um sacrifício.

Aldren continuou com o olhar sério, inabalável.

— Ela não será “traída”. Eu não sou esse tipo de pessoa.

Hui ergueu as sobrancelhas, o sarcasmo evidente no sorriso que se formou.

— Não, não. Claro que não.

— Eu já disse. Não será como da última vez. Celina me entende. Ela concordará. Vai aceitar de bom grado e coração.

— E o que te faz ter tanta certeza disso? — provocou Hui, deslizando a mão sobre a madeira lisa da grande mesa de estudos ao centro da biblioteca.

Aldren sentou-se à mesa repleta de livros, cruzou as pernas de forma elegante, olhando para o vazio à frente, mas com uma confiança em sua voz.

— Por que é a Celina, eu a conheço melhor do que ninguém. Ela me deve muito e vai aceitar, sem pensar duas vezes, ao saber das minhas boas intenções.

Hui lançou-lhe um olhar cético.

— Se está tão certo, por que não conta tudo para ela de uma vez? Ou será que tem medo de que ela recuse? Igual a última?

Aldren fechou os punhos sobre a mesa, os olhos faiscaram de raiva.

— Já lhe disse para parar de me provocar, Hui. Celina vai concordar... Ela vai. — Terminou em um sussurro.

                                               ***

— Muito bem, Celina. Vamos acabar com isso — disse Aldren, aproximando-se, a expressão fria.

Os dois homens encapuzados ainda cercavam e mantinha Celina imóvel. Os outros quatro estavam reunidos ao centro do salão circular, enquanto Lux era mantida acorrentada sobre o altar. Mais ao canto, Hikki guardava Garta, desacordada ao chão.

Celina, de joelhos e imobilizada pelos encapuzados, ergueu o olhar com esforço.

— Para, Aldren... — suplicou, em um sussurro, a voz quebradiça pela dor e pela decepção.

Aldren apenas inclinou a cabeça, os olhos vazios e implacáveis.

— Parar? Mas nós nem começamos, Celina. Ainda há um mundo inteiro para erguer das cinzas. O seu sacrifício... não será em vão.

— Por favor... — ela murmurou, olhando fundo nos olhos dele, buscando o amigo que um dia conhecera, mas encontrando apenas o vazio inquietante de um caos frio.

— Você sempre foi forte, Celina — continuou Aldren, a voz firme, mas nada que ele dizia parecia seguir um raciocínio único. — Mas agora é apenas... Você se agarrou ao passado como se isso fosse algo que importasse. Mas o passado é uma prisão. E você era a prisioneira. Eu te tirei daquele porão, esqueceu? E agora eu vou libertar todos também.

Celina recolheu suas forças, fechou os olhos por um instante, reunindo as últimas reservas de coragem. Quando voltou a encará-lo, seu olhar era determinado, desafiador.

— Você acha que é forte, ao fazer isso? — ela murmurou, com revolta. — Isso é apenas... covardia. Você destrói porque tem medo de aceitar que o mundo não é perfeito. Você se esconde atrás dessa ideia de recriação porque não quer enfrentar a realidade!

— Cala a boca!

O grito de Aldren ecoou pelas paredes do salão, reverberando como um trovão, mas Celina não desviou o olhar. Ela o encarava, os olhos azuis ardendo em coragem, o coração acelerado pela iminência do fim.

Ele se aproximou mais, as mãos trêmulas de fúria, moldado por anos de frustração. Aldren respirou fundo, tentando recuperar a compostura. As figuras encapuzadas se mantinham ao redor de Celina, a rendendo e aguardando um comando do imperador.

— Você deveria me entender, Celina. — A voz dele baixou, um sussurro áspero. — Vivemos o mesmo inferno. Rastejamos pela lama e fugimos pelo mesmo bueiro para encontrarmos os mesmos problemas na superfície. Apenas podridão, por todo o lugar!

Celina cerrou os lábios, os olhos fixos nos dele, inabalável.

— Não é verdade.

— Miséria, sujeira, podridão por tudo!

— Está mentindo! Está mentindo para si próprio, Aldren! Essa podridão está em você. Você a vê em tudo porque carrega isso dentro de si.

Ele fechou os olhos por um breve instante, o rosto contorcendo-se numa expressão de frustração que ele logo suprimiu. Quando os reabriu, sua determinação estava mais feroz do que nunca.

— Você não entende! Não tem motivos de você ter se apegado a essa realidade nojenta.

— Eu sinto muito... — Celina murmurou, o tom suave, mas afiado como uma lâmina.

— O quê?!

— Sinto muito por não ter conseguido te fazer ver além dos seus próprios medos. De não ter conseguido te tirar do seu porão.

Aldren perdeu o controle. Com um movimento brusco, agarrou o rosto dela, forçando-a a olhar nos olhos dele. Explodiu em fúria.

— Não diga isso! — rosnou, o rosto a poucos centímetros do dela. — Você não entende o quanto eu lutei para construir isso! O que sacrifiquei... Mesmo aqui e agora. Você vai cumprir seu papel, Celina, quer queira ou não.

Celina engasgou, a respiração presa enquanto os dedos dele apertavam mais firmemente. Mas, apesar da dor, seu olhar permanecia firme, desafiante.

Os olhos de Aldren se estreitaram, o desprezo acumulado. Ele se preparou para finalizar tudo aquilo. Levantou a mãos diante do pescoço dela.

No entanto, antes que pudesse completar o ato, um estrondo soou pelo salão. A porta principal foi escancarada, e três conhecidos entraram. Colth estava à frente, com sua adaga de Sathsai cintilando à luz tênue, seguido por Goro, que erguia o revólver brilhante, e Iara, com seu arco pronto para disparar uma flecha apontada para Aldren.

— Solte ela, Aldren! — Colth bradou, a voz firme e resoluta.

Celina, ainda de joelhos e ofegante, levantou a cabeça ao ouvir a voz. Seus olhos se arregalaram, e ela quase não conseguiu conter o sobressalto. — Colth? — sussurrou, incrédula, as lágrimas acumulando-se em seus olhos. — Colth, você está... vivo...

A expressão de Aldren se contorceu entre surpresa e desprezo ao ver Colth e os outros. — Como... vocês chegaram aqui?

Goro, ao lado de Colth com seu revólver em punho, respondeu sarcástico:

— Pegamos carona numa ilha voadora, não é óbvio? — Em seguida, ele viu Garta inconsciente, ao lado do irmão no canto do salão. Apenas apertou os dentes para evitar que a raiva transbordasse dele.

— Acabou, Aldren! — vociferou Colth, avançando um passo.

Aldren contorceu o rosto em desgosto, mas antes que pudesse responder, sentiu uma dor aguda perfurar sua perna. Algo havia o mordido com força, ele grunhiu, se virando para ver um Sirveres, a criatura feroz e sombria invocada por Iara, cravando os dentes em sua carne.

— Que merda... — reclamou rangendo os dentes.

Iara não parou, já havia se concentrado em suas outras invocações. Mais duas das criaturas surgiram invocadas sob os pés dos encapuzados que rendiam Celina. Os lobos negros abocanharam as pernas dos homens, fazendo-os abrir uma brecha para a libertação de Celina.

A guardiã de Tera se desvencilhou dos braços dos encapuzados, enquanto eles se preocupavam com os dentes caninos cravados em suas panturrilhas. Ela se recuperou e levantou-se, para então, notar Colth, com a adaga em punho, avançando rapidamente em uma ofensiva na direção de Aldren.

Imediatamente, Celina teve um pressentimento sombrio, como um frio na espinha.

Aldren girou sobre o próprio eixo e chutou o Sirveres, de modo a se desprender da criatura. Em seguida, mesmo com a dor da mordida ainda latejando em sua perna, observou o ataque de Colth com frieza. Levantou uma sobrancelha, como se estivesse sendo desafiado, e ergueu o braço com a palma da mão voltada para o guardião de Anima.

— Colth, não! — gritou Celina, a voz rasgando o ar com urgência desesperada.

— Morra, Colth — murmurou o imperador.

Tudo pareceu acontecer em um instante.

Colth sentiu o escudo de Agnes, ao seu redor, se estilhaçar, desintegrando-se como vidro fino sob a pressão esmagadora de uma força invisível. Passou a pressionar seu corpo, sem mais defesas, começou a ceder... mas, de repente, algo o empurrou.

Colth piscou, confuso, e se viu no chão, fora da trajetória do ataque. Quando olhou para trás, viu Celina, de pé, exausta, lutando para se manter, mas firme.

A respiração dela estava apressada, mas seus belos olhos reluziram com serenidade. Seus cabelos se apressaram tremulando com a brisa crescente os castigando. Os lábios esboçaram um leve sorriso, talvez satisfeita. Definitivamente, não era mais a Celina vazia, sem emoção e apenas vivendo por viver. Era a guardiã de Tera que prezava por todos, mas tinha o seu favorito.

Ela abriu a boca, como se quisesse lhe dizer algo, mas não foi possível. Um estrondo colossal ressoou pelo salão. E então, silêncio.

Absoluto silêncio.

Celina não estava mais lá.

O mármore do chão, onde ela estivera um instante antes, estava rachado, completamente destruído, como se uma força imensa o tivesse atingido e deixado aquelas cicatrizes.

Ao fundo, um dos encapuzados caía, sem vida.

— Celina... — sussurrou Colth, a voz trêmula, enquanto seus olhos vasculhavam o salão. Ele não a encontrava em lugar algum. Colth sentiu o coração se apertar, e seu olhar fixou-se em Aldren, que ainda permanecia na mesma posição, a mão estendida e os olhos com um brilho inconsequente. — O que você fez?!

Aldren lançou um olhar ao redor, como se compreendesse a gravidade do que ocorrera. Sua expressão oscilava entre orgulho e confusão. — Não era exatamente o que eu queria, mas... acho que isso completa o sacrifício. — murmurou, quase como se buscasse justificar a si mesmo. Ele olhou para Lux, a Deusa, ainda imutável no centro do salão, esperando algum sinal que não veio.

— Do que você está falando? Onde está a Celina, Aldren?! — rugiu Colth, cambaleando ao se levantar, a voz carregada de um desespero confuso e ódio crescente. Lágrimas fervendo começaram a se desprender de seus olhos.

Aldren virou-se para ele, a expressão vagamente vazia, as palavras escapando como se nenhum sentimento as prendesse.

— A Celina? Ela... ela se sacrificou... por mim — murmurou, tentando agarrar-se nessa ideia. Então, algo em sua expressão se quebrou. Uma centelha de compreensão passou pelos seus olhos, e ele balançou a cabeça em negação, como se rejeitasse o próprio pensamento que lhe vinha à mente. — Não... não, não, não. Ela morreu... se sacrificou, mas... não foi por mim que ela... Foi para te salvar, Colth? — Sua voz enfraqueceu, a respiração pesada, os olhos trêmulos, encarando Colth em evidente choque e repulsa. — Não, não, não pode... não foi... não pode ter sido por você!

Atrás de Colth, Goro e Iara ainda absorviam a ausência de Celina, e o horror disso preenchia seus rostos. Ela não estava mais lá, e ambos não sabiam como reagir àquilo, congelaram.

Aldren, por sua vez, começou a desmoronar diante da revelação. Um choque crescente ao perceber que Celina não o escolhera, e que seu sacrifício fora uma rejeição completa a sua visão, e não o contrário.

A insensatez de Aldren, a insanidade dele, atingiu Colth como uma onda de fúria. E a ideia de que Celina havia morrido, de que seu último ato fora salvar a ele, surgiu em Colth com força, intensificando o ódio que o atravessava. Ele fixou os olhos sanguinários, pulsantes, no homem que ocasionou tudo aquilo.

— ALDREN! — gritou, ira pura, a adaga erguida e a lâmina reluzente em uma promessa. — Eu vou acabar com você!

Colth correu em direção ao imperador, gritando seu ódio, invocando sua retaliação e ardendo em frenesi.

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