Volume 2
Capítulo 111: Por Quem Lutamos
— Ahh! Vocês são idiotas!
Edgar gritava, sua voz áspera reverberando pelo ar com cheiro de cinzas da noite, enquanto se debatia como um animal encurralado. Seus olhos estavam arregalados, parecendo um homem à beira do colapso.
Todos idiotas! — gritou o Gerente novamente. — Um bando de imbecis sem futuro!
Colth e Iara seguravam os braços dele com força, lutando para conter seus movimentos desordenados. O velho se agitava, torcendo o corpo magro como se fosse capaz de se livrar pela pura força da histeria. Goro e Jorge estavam focados na mochila acoplada às suas costas, tentando removê-la enquanto lidavam com a resistência descontrolada de Edgar.
— Me soltem! — gritou ele mais uma vez.
Goro, cansado da gritaria, perdeu a paciência:
— Dá para calar a boca por um segundo?!
Iara, que lutava para manter Edgar no lugar, ofegou.
— Quem diria... — Se esforçava ela, para tentar manter Edgar sobre controle. — Que o Gerente poderia agir como uma criança mimada desse modo.
Edgar parecia ignorar completamente qualquer senso de vergonha ou dignidade. Ele manteve os berros com seu corpo debatendo-se inutilmente.
— Me soltem, idiotas! Vocês são malucos! Malucos por estarem ao lado desse moleque! — Ele continuava a gritar, a voz já rouca sem receber a atenção.
— Aí, Colth. — Jorge chamou a atenção do aliado, com uma expressão negativa no rosto, disse: — A carne das costas do gerente praticamente se fundiu com o metal da mochila. Com certeza, foi devido ao calor extremo.
— Droga... — Colth sussurrou pesaroso ao notar o sangue escorrendo sobre a pele queimada do velho insano.
— Vai demorar um tempo, mas acho que conseguimos retirar a mochila com algum cuidado — comentou Jorge.
Colth acenou positivamente com a cabeça enquanto o Gerente continuava com seus gritos.
Beca e Iara finalmente alcançaram o grupo e aquela barulheira que era evidente a distância. Beca não pôde evitar um sorriso sarcástico ao notar a cena ridícula do Gerente se debatendo diante dela:
— Ah, seu velho arcaico, eu vivi para ver aquela sua compostura toda ser jogada no lixo — disse ela, com um tom de provocação mal disfarçada.
Edgar não parecia em condições de sentir o seu orgulho ferido, manteve o pânico da derrota em seus olhos. Novamente em gritos:
— Se aliaram com o mal em pessoa! — vociferou ele, cuspindo. — Vocês são o que há de mais podre nesse mundo!
Liana franziu a testa, confusa, olhando para os demais.
— Do que você está falando? — perguntou ela, sem entender o que Edgar estava tentando insinuar. O acusou: — Foi você quem se aliou ao Imperador e deixou todos aqueles que acreditaram em você naquele campo de abate, como animais.
— Não se façam de heróis! — O velho interrompeu os pensamentos de todos. — Vocês são os piores! Se aliar àquela vadia da guardiã de Rubrum, é algo repugnante!
Goro, Jorge e Colth pararam por um segundo, trocando olhares suspeitos, com dúvidas sobre o que viria a seguir.
Iara, Liana e Beca, fizeram o mesmo, mas seus rostos eram de puro desconhecimento.
— Espera aí... — Edgard deixou os gritos. — Vocês não sabem? Vocês não sabiam?
Colth, Goro e Jorge continuaram calados, mas seus rostos demonstravam.
— Do que ele está falando? — Iara percebeu a evidente omissão dos três amigos.
De repente, Edgar sorriu. Não era um sorriso de alegria ou humor, mas sim de malícia. Seus olhos brilharam com uma oportunidade desesperada.
Iara apertou ainda mais os braços do gerente e o pressionou:
— Do que você está falando? — perguntou ela, firme.
Edgar, sentindo o poder que suas palavras ganharam, respondeu com um sorriso venenoso:
— Idiota, o Colth está mantendo a Lashir viva na mente dele! — revelou, triunfante, impactando as três mulheres. — Só mesmo um guardião de Anima, alguém com a cabeça tão fodida, para fazer algo tão insano. Manter a razão de nosso mundo ter virado um inferno, vivo na própria mente!
Sem ensaios, Goro fechou a mão em um punho e desferiu um soco direto no rosto de Edgar, atingindo-o na maçã esquerda com força:
— Eu já falei para calar a boca, seu merda! — rosnou irritado.
Edgar calou-se, com o rosto agora cabisbaixo e um hematoma crescente na face, mas ainda com um sorriso perverso nos lábios. Mesmo apanhando, ele parecia satisfeito com o impacto de suas palavras.
Colth foi, imediatamente, alvo dos olhos furiosos de Beca e Iara.
— Eu ia contar para vocês... — começou Colth, tentando controlar a situação.
— Ia contar para a gente? — A voz de Iara o cortou. Seus olhos estavam cheios de raiva e decepção. — E quando exatamente, Colth? Quando já estivéssemos todos mortos? Ou talvez depois que Lashir controlasse você completamente?
— Não é assim! — Colth rebateu, levantando as mãos como se tentasse acalmar o grupo. — Eu tenho tudo sob controle.
— "Sob controle"? — Beca se aproximou, os passos firmes e cheios de indignação. — Eu sabia que tinha algo errado com ele. Minha desconfiança era legítima.
Colth respirou fundo, sentindo o peso do julgamento em cada olhar que lhe era lançado.
— Eu entendo a desconfiança de vocês — disse ele, com a voz firme. Olhou nos olhos de Iara, sério. — E sei que isso parece... extremo. Mas eu tomei essa decisão, e assumo a responsabilidade, não foi só por mim. Não foi fácil, mas escutem, se não fosse pela Lashir, você estaria morta, Iara.
Iara, ainda com raiva, hesitou por um instante, mas não disse nada. Colth aproveitou a abertura:
— Foi a Lashir quem lhe curou após seus ferimentos contra Bernard. Se não fosse por isso, eu jamais teria conseguido utilizar a magia de Rubrum para curar. Eu sei que você tem suas razões, e talvez não queira se sentir agradecida pelo o que ela te fez. Mas ela me salvou de perder alguém que é parte vital desse time, e isso me faz crer que eu tomei a decisão certa.
Iara desviou o olhar, seu semblante ainda receoso, mas menos certo do que antes. Colth se voltou a Beca:
— E foi graças a ela que conseguimos capturar o Edgar — continuou Colth. — A sua mochila fluxie é muito forte. Sem a presença da Lashir na minha mente, eu não teria enganado esse desgraçado, não teria nem chegado perto dele, e ele nunca teria revelado a localização de Hui.
Beca cruzou os braços, ainda desconfiada, mas claramente ponderando.
— E o que garante que ela não vai tentar tomar o controle? — Iara perguntou, sua voz ainda tensa, mas com menos hostilidade. — O que garante que você não vai se perder?
Colth coçou a cabeça com um sorriso estabanado e incriminado no rosto:
— Na verdade, isso meio que já aconteceu. Por conta de um selo que estava na adaga de Sathsai, eu perdi a consciência, mas Lashir tomou o controle do meu corpo e, bom, deu tudo certo.
— Isso é sério? — perguntou Beca, brava.
— Você é tão irresponsável — complementou Iara.
— Foi exatamente o que eu disse a ele — interferiu Goro, cruzando os braços com um suspiro em superioridade. — Estou cansado de ver essas suas imprudências, Colth.
Iara se virou rapidamente para Goro, os olhos brilhando de indignação. Ela apontou um dedo acusador para o rosto dele:
— Você também é um idiota, seu idiota! Soube disso e não nos avisou!
— Me chamou de idiota duas vezes — Goro tentou mudar o tom.
Iara continuou mostrando a sua decepção:
— Vocês são tão... — ela pausou em um suspiro árduo. — E se algo tivesse dado errado e...
— Mas não deu — Colth interrompeu, a voz séria, firme. — No fim, deu tudo certo. Escuta, se vocês não confiam na Lashir, eu entendo. Depois de tudo o que ela fez, seria estranho se confiassem. Mas estou pedindo que confiem em mim... pelo menos até garantirmos a segurança da Celina e da Garta. Depois disso, resolvemos o que for preciso.
Iara bufou, enchendo as bochechas de ar e virando o rosto em claro sinal de desaprovação. Em seguida, olhou para Beca, como se pedisse algum tipo de conselho ou opinião. A inventora, no entanto, apenas ergueu uma sobrancelha e se recusou a dar o que Iara esperava.
— Ah, não me olha com essa cara — disse Beca, defensiva. — Eu não tenho nada a ver com isso. Se acabarmos escravizados pela bruxa vermelha, a culpa não será minha. A decisão é sua, eu só crio ferramentas.
— Se me permite, Iara — interrompeu Liana, em seguida argumentou: — Colth não teve escolha, e ele nos ajudou de muitas maneiras.
— Mas, Liana. — A arqueira tentou rebater: — Estamos falando da Lashir, foi ela quem causou tudo isso e...
Liana respirou fundo, seus olhos refletindo a experiência de quem já havia tomado decisões difíceis.
— Às vezes, estamos tão desesperados, que acabamos por fazer alianças que jamais imaginaríamos — continuou ela, sua voz carregada de pesar. — Eu sei disso porque já estive na mesma situação.
Iara franziu o cenho, confusa.
— Do que está falando? — perguntou ela, visivelmente surpresa.
— Houve uma época... que eu tive que fazer algo que me consumiu por muito tempo — começou Liana. — Me aliei a um dos homens mais desprezíveis que conheci. Fiz isso não por mim, mas por Jorge e pelas pessoas que eu queria salvar. Não foi uma decisão fácil, e por muito tempo, pensei que estava traindo tudo em que acreditava. Mas se não tivesse feito isso, Jorge não estaria aqui, e muitas vidas teriam sido perdidas.
Iara pensou por poucos segundos. Após ponderar, ela derrubou os próprios ombros em um suspiro:
— Ah, que seja, então. — Caminhou até Colth e, diante dos olhos dele, disse em tom um tanto ameaçador: — Você tem sorte de eu ter ouvido algumas histórias de Índigo sobre essa megera da Lashir. Se não, você já estaria ajoelhado com as mãos amarradas.
Colth acenou positivamente com a cabeça, a centímetros do rosto bravio dela, para então finalizar:
— Prometo que não vai se arrepender.
Iara se virou brusca e caminhou em direção a Goro. Ainda com o rosto em expressão feroz, fixou-se nos olhos dele bem perto. Grunhiu:
— E você, não ache que vou deixar essa passar em branco. A Garta vai saber o quão você é irresponsável.
Goro engoliu seco, mas o ar parecia bem mais leve do que instantes atrás. Ele até se permitiu notar algo de diferente sobre a testa da garota à sua frente:
— Iara, o seu cabelo.
— Não tente disfarçar as suas imprudências.
— Não é isso. — Goro apontou com os olhos para o topo da cabeça dela. — É que o seu cabelo parece que ganhou um tom azul.
— Azul? — perguntou ela, apenas envergando os olhos para os fios de cabelos que se derramavam as margens de seus cílios.
Antes que ela pudesse formular uma resposta sobre aquilo, uma fonte de luz iluminou a noite e o céu. Todos tiveram a atenção fisgada para uma única direção. Uma faixa de luz que saía da fortaleza Última, distante no horizonte, e se erguia até o breu do céu.
Em seguida, um barulho percorreu toda a vila, como um trovão que acompanhou o relâmpago momentos antes.
Edgar soltou uma gargalhada alta e satisfeita. Seus olhos brilhavam à luz e a própria excitação ao vê-la ganhar o céu:
— Hahaha. Começou — disse com um sorriso pleno no rosto. — O plano do Imperador já teve início!
O grupo continuou com os olhos vidrados no horizonte, observando a luz misteriosa. O brilho pulsava, como se estivesse vivo, e a visão fez um calafrio percorrer suas espinhas.
Distraídos pela comoção da situação, um segundo de vulnerabilidade surgiu, foi o suficiente.
Jorge, que era o único ainda a fazer a guarda de Edgar, e estar mais próximo dele, foi o alvo ideal. Edgar se concentrou.
O velho levantou o braço lentamente, mirando as costas de Jorge. A energia crepitou em intensidade, distorcendo o ar ao redor de sua mão, o suficiente para em um único toque terminar com o jovem grandalhão.
No entanto, no momento exato em que Edgar fez seu movimento, Liana, que estava ao lado, percebeu a intenção. Com um grito sufocado, ela se lançou à frente de Jorge, interpondo-se entre os dois:
— Não!
O brilho maligno da magia de Edgar já havia sido lançado, e antes que ele pudesse reagir, sua palma atingiu o peito de Liana.
O impacto foi brutal. A magia negra em tons amarelados explodiu no corpo dela. Liana foi jogado para trás com violência, caiu pesadamente no chão, o brilho pulsante da magia ainda irradiando de seu peito, enquanto seus olhos se arregalavam em choque e dor.
— Liana! — Jorge gritou, virando-se em um suspiro para vê-la ser atingida. Seu coração parou por um momento, o mundo ao seu redor pareceu ficar em silêncio.
Colth e Iara se estarreceram, o receio estampado em seus rostos enquanto Goro avançou imediatamente sobre Edgar, com fúria. Ele agarrou o velho pelos ombros, derrubando-o no chão com força, mas Edgar apenas gargalhou, mesmo ao se machucar na queda.
— Vocês acham que podem parar um Deus? Acham que isso vai acabar aqui? — Edgar riu, sua voz tremendo de insanidade. — O imperador já está em movimento... e vocês... são apenas peões quebrados.
Goro socou Edgar no rosto com força absoluta, silenciando sua risada, mas o estrago já estava feito. Colth, Jorge e Iara correram até Liana, caindo de joelhos ao seu lado.
— Liana! Fica comigo! — implorou Jorge, segurando sua mão ensanguentada. O brilho da magia de Edgar ainda ressoava, espalhando-se pelo corpo dela como veneno.
Colth colocou a mão sobre o ferimento de Liana, e fechou os olhos com determinação.
— Lashir! — ele chamou em sua mente, cheio de urgência.
"Silêncio, eu preciso me concentrar," respondeu Lashir, a voz fria, mas focada, que só Colth escutava.
— Vamos te tirar daqui. Você vai ficar bem, Liana, eu prometo — disse Iara, tentando desesperadamente manter a esperança viva.
Liana delineou um sorriso em seus lábios com fraqueza. Imediatamente, Jorge respondeu à sua sutil mudança:
— Liana, por favor, não! — suplicou o rapaz.
A mulher, respirando com dificuldade, tentou abrir o sorriso ainda mais pleno. O esforço era doloroso, mas ela lutava para não mostrar fraqueza.
— Lashir! — pressionou Colth novamente.
"Estou tentando! Mas não é só o ferimento... é a corrupção... isso vai além do que posso tratar facilmente." Lashir respondeu, a tensão evidente na voz que ecoava na mente do guardião.
— Eu vou entrar — rebateu Colth.
“Não, espera.” Tentou Lashir, mas Colth já havia se concentrado.
O guardião de Anima fechou os olhos e, quando os abriu, se viu em meio a um campo. Em meio as lembranças de Liana.
O som da chuva pesada batendo contra o chão lamacento preenchia sua mente. As luzes dos holofotes das torres de vigilância varriam o campo imundo e iluminavam as dezenas de trabalhadores exaustos e as barracas improvisadas.
Os gritos distantes desesperados de prisioneiros e supervisores se misturavam no ar frio, saturado com o cheiro da terra molhada, suor e sangue coagulado. Cada respiração parecia pesada, sufocante. Colth podia sentir o peso opressivo da desesperança pairando sobre o lugar, cercado por arame farpado e muros, que reverberavam os ecos dos gritos de quem já não tinha mais nada a perder.
— Preciso achar ela — murmurou Colth, para si mesmo, sem ser notado por qualquer um naquela realidade.
Ele caminhou pelo campo, vendo trabalhadores curvados sob o peso de rochas e ferramentas. Seus corpos eram marcados por lesões, desnutrição e cansaço. A chuva batia implacavelmente em suas costas arqueadas, mas ninguém parecia se importar, afinal, não havia tempo para buscar abrigo, pois o trabalho era o único caminho da sobrevivência.
Colth sentia seus pés afundarem na lama com cada passo enquanto atravessava o campo, só parou quando notou Liana e, ao lado dela, o franzino Jorge.
O jovem, mais magro e frágil, estava inclinado sobre uma pilha de rochas, suas mãos calejadas tentando mover blocos pesados. Os olhos dele, que no presente brilhavam com força, naquela lembrança pareciam vazios, sem qualquer resquício de esperança.
— Vamos, Liana. Não fique aí parada, volte ao trabalho — disse Jorge, com a garganta seca e sem desejo.
A mulher mais velha ao lado dele, mirava os olhos entre duas torres de vigilância, onde havia um portão com alguns soldados armados. Ela respondeu com os olhos vidrados em desespero e preocupação:
— Levaram o velho Frederic. O levaram para a fortaleza — disse Liana, com os dedos das mãos tremendo de medo e exaustão.
Jorge não parou o esforço nem desviou o olhar dos blocos de pedra. Respondeu com frieza:
— O levaram, pois ele não tinha mais condições de trabalhar. Isso acontece todos os dias, não seria diferente para quem é conhecido do Gerente. Se não quer que aconteça o mesmo com você, é melhor voltar ao trabalho.
— Precisamos dar um jeito nisso — rebateu Liana, com amargura.
— ... — Jorge continuou a ignorá-la, talvez entorpecido pela rotina brutal.
— Algum dia, eu vou sair daqui — afirmou Liana, sua voz ganhando força. — E vou sair com você, Jorge.
O jovem rapaz magricelo permaneceu em silêncio, indiferente à esperança que ela tentava plantar.
Colth sentiu uma forte vertigem ao final das palavras dela, piscou os olhos com força para se livrar da sensação estranha. Mas quando voltou a abriu os olhos, novamente se viu um outro ambiente completamente diferente.
Agora, Colth se encontrava em uma sala espaçosa e fria. As paredes e o chão de concreto cinza exalavam uma atmosfera opressiva. O ar era pesado, como se o próprio ambiente estivesse impregnado com o peso de incontáveis batalhas e traições, marcadas por grandes arranhões e velhas manchas de sangue no concreto ao chão. A única cor que quebrava aquela monotonia vinha das armas penduradas de maneira quase ornamental nas paredes, velhos armários metálicos manchados pelo tempo e ferrugem, e objetos de valor, que mais pareciam troféus macabros, símbolos de vitórias à custa de muitos. A sala parecia gritar por poder.
No centro do lugar, um homem de cabelo desarrumado se sentava em uma cadeira luxuosa. Seu olhar era penetrante, destemido, enquanto observava Liana, de pé, à sua frente.
— Como você me achou? — perguntou o homem, sua voz carregada de arrogância.
— Passei pelo inferno para chegar até aqui — Liana respondeu, com a respiração pesada e os olhos cheios de ansiedade. — Por favor, Bernard, eu imploro.
— E o que eu ganharia com essa ideia? — retrucou Bernard, elevando uma das sobrancelhas em instigação. — Não me diga que espera que eu te ajude a tirar essas pessoas do campo de trabalho do imperador por capricho ou peso na consciência.
Liana apertou os punhos, o amargo visível em seus lábios trêmulos.
— Você é perverso — Liana sussurrou, as palavras ressentidas. Mesmo assim, manteve-se firme. — Se me ajudar, além de enfraquecer o imperador, você vai ganhar acesso ao mundo de Finn, não?
— Interessante... — disse ele, a voz suave como uma serpente. — Continue. Acho que sua lealdade será bem-vinda.
Liana deu um passo à frente, a tensão em seu corpo evidente.
— Não faço isso por lealdade, faço para salvar uma pessoa daquele pesadelo — rebateu ela. — Enfim. Eu descobri algo enquanto atravessava a fortaleza Última, no caminho para cá. Uma informação importante, algo que você poderá usar...
Liana pausou, como se tivesse guardado uma carta na manga. Os olhos de Bernard estreitaram-se, atentos, agora sem esconder a curiosidade.
— E o que seria? — perguntou ele, seu tom agora mais sério, impaciente para ouvir.
Antes que Liana pudesse responder, o mundo ao redor de Colth começou a estremecer. Um tremor profundo percorreu a sala, as paredes rangendo como se a própria estrutura estivesse prestes a ruir. Fissuras começaram a se formar no chão, espalhando-se rapidamente.
— Droga... Que merda é essa? — esbravejou Colth, tentando manter o equilíbrio enquanto o chão se despedaçava sob seus pés.
As rachaduras cresceram, a escuridão começando a devorar tudo ao redor. Os sons do ambiente foram se distorcendo, a voz de Liana e Bernard desaparecendo, sendo consumidos pelo vácuo. Colth sentiu uma mão invisível apertar seu ombro, um puxão forte que o arrastava para fora daquela lembrança.
De repente, tudo se desfez. A sala, Bernard, as memórias, tudo foi engolido pelo nada, e Colth foi lançado de volta à realidade, com uma vertigem violenta que o fez perder o fôlego. Ele piscou, tentando se reorientar, até que a visão de Liana caída no chão, ensanguentada, voltou a preencher seus olhos.
— Lashir, o que você fez? — sussurrou Colth.
“Eu te tirei da mente dela. Mais um segundo, e você teria virado um corpo sem mente ou alma. A corrupção tomou Liana.”
Colth sentiu o coração apertar, a tristeza se infiltrando em seu corpo ao ver Jorge chorando ao lado do corpo de Liana.
— Colth? — Beca chamou por ele. Foi ignorada.
— Dá para tratar essa corrupção, Lashir? — perguntou Colth, para si mesmo, quase implorando por uma resposta diferente.
"Não acho que seja possível." Lashir admitiu a incerteza.
— Colth! — gritou Beca novamente, seu tom ainda mais urgente.
— O que foi?! — Colth se virou, colocando os olhos em aflitos na engenheira.
— A fluxie! — Beca apontou para Edgar. — Está instável!
Os olhos de Colth seguiram o olhar de Beca, e ele viu a mochila de metal acoplada às costas de Edgar começando a ganhar um tom vermelho profundo. Calor emanava dela, e uma fumaça branca, com cheiro de queimado, começava a subir, preenchendo o ar ao redor.
— Isso não é bom, não é? — perguntou Goro, dando um passo para trás enquanto observava a mochila de metal nas costas do velho desacordado.
Colth se impactou com a visão do Gerente sendo consumido pela cor vermelha da ferramenta em suas costas, mas não conseguiu nem pensar em como resolver aquilo, teve sua atenção novamente roubada para a mulher ferida a sua frente quando um novo grito de Jorge ecoou.
— Liana! — berrou Jorge, as lágrimas escorrendo, enquanto segurava sua mão com mais força, tentando desesperadamente mantê-la presente.
A mulher respirou fundo como se fosse o seu último:
— Não se... preocupem — sussurrou ela, a voz fraca e o sorriso frágil, mas cheia de intenção. — Vocês... têm coisas maiores para lidar...
Sua voz foi se apagando, assim como o brilho de seus olhos e da magia obscura em seu peito. Seus olhos começaram a fechar, enquanto o silêncio pesaroso dos outros era absoluto.
— Não... — Colth sussurrou.
“Não pude fazer nada. Eu sinto muito.” Resumiu Lashir, em tom neutro, mas com pesar em sua mente.
Colth ergueu a cabeça lentamente, os olhos marejados fixos na fortaleza Última, distante, mas imponente no horizonte. A pilastra de luz emanava como um farol de poder que alcançava o céu noturno.
Colth se levantou, seus músculos tensos, o corpo exausto, mas ainda assim determinado.
“O que vai fazer?” Perguntou Lashir, soando alerta, e até preocupada.
— Não vai ser em vão — Colth murmurou, a dor na sua voz se transformando em pura resolução.
Seus olhos pousaram na mochila de Edgar, que ainda irradiava um calor intenso, uma fornalha de energia instável. Sem hesitar, ele começou a avançar na direção dela com seus passos firmes.
“Espera, se fizer isso...,” Lashir tentou impedir, ao perceber, mas Colth a ignorou, seus pensamentos estavam focados apenas em um objetivo.
— Colth, não se aproxime da fluxie! Ela pode... — Beca gritou, sua voz evidenciando a urgência do perigo iminente.
Ele não parou. O calor emanado pela mochila já estava distorcendo o ar ao redor, criando um zumbido baixo e ameaçador que ressoava em seus ouvidos. O corpo de Edgar, desacordado, estava quase completamente consumido pela energia que a mochila sugava implacavelmente. O suor escorria pelo rosto de Colth enquanto ele se aproximava, sentindo a intensidade da irradiação de calor crescente.
Cada passo parecia mais pesado, mesmo assim, ele esticou o braço com esforço, seus músculos tensos contra o calor sufocante. O metal da mochila brilhava num tom vermelho incandescente enquanto ele sentia suas forças serem drenadas aos poucos.
“Você tem noção do que pode acontecer se fizer isso?” A voz de Lashir estava cheia de preocupação, quase implorando para que ele parasse.
— Eu disse... — Colth sussurrou entre os dentes, o suor escorrendo de sua testa enquanto suas mãos tremiam pela proximidade do calor — ...não vai ser em vão.
Um silêncio momentâneo se instalou, seguido apenas pelo chiado da energia que escapava da fluxie.
“Edgar tinha razão...” Lashir suspirou resignada, caçoou: “Você é insano, mesmo.”
Colth ignorou o comentário e, sem hesitar, tocou o metal incandescente com a palma da mão. Imediatamente, uma onda de calor insuportável atravessou seu corpo, mas ele manteve a mão firme. O zumbido se intensificou, quase como o rugido de um animal.
Ele cerrou os dentes, sua mente focada no que precisava ser feito, ignorando o calor que parecia estar derretendo sua pele.
A fluxie brilhou mais forte, irradiando luz vermelha e amarela como se estivesse à beira de explodir. Pura magia.