Volume 2
Capítulo 110: Solidão Contínua do Vento Sem Direção
O barulho característico e a luz proveniente do deslocamento realizado tomaram a oficina por um segundo.
— Finalmente você voltou, Garta — disse Colth, com um alivio na voz ao lado de Beca, em meio a noite silenciosa da vila nova Tera. — Deu tudo certo?
— Como você havia dito, ele concordou sem muitas perguntas — respondeu Garta, após voltar àquele mundo com o uso de seu deslocamento.
— Isso. Isso é bom. Foi uma boa decisão — comemorou Colth comedido, se sentando à mesa central da oficina.
Beca fez o mesmo enquanto comentava com o tom desacreditado:
— É impressionante a capacidade do Colth de se envolver com qualquer guardião. Bom, estando do nosso lado, eu não posso reclamar.
Garta se escorou na mesa e cruzou os braços com um olhar distante.
— Sem dúvidas — disse ela, com um tom ligeiramente grosseiro. — A decisão de Colth foi mesmo a certa.
Colth sentiu o peso nas palavras dela, um tanto confuso com o que aquilo realmente significava. Ele franziu a testa e encarou Garta, mas tentou suavizar o tom:
— Do que você está... — Iniciou a pergunta, mas foi interrompido.
— Se você não tivesse ficado parado lá... — Garta começou, mas se conteve, parecia frustrada e irritada ao mesmo tempo. Ela balançou a cabeça, desistindo. — Não... Esquece.
— Como se fosse fácil — pensou alto Colth.
— Não precisa ficar se fazendo de vítima — expressou forte Garta.
— Mas é exatamente isso. Foi você quem me beijou e nem me deu tempo para pensar — Colth aumentou o tom.
Beca, que até então só observava em silêncio, arregalou os olhos de surpresa. Cuspiu a palavra:
— Beijou?! — ela exclamou, incrédula, olhando de um para o outro, algumas vezes.
— Isso foi porque você não me deu escolha! — rebateu Garta, ríspida.
— Ah? A culpa é minha? — Colth se levantou abruptamente, apontando para si mesmo em incredulidade. — Que eu saiba, tem várias escolhas antes de se chegar a um beijo.
— Se eu não fizesse aquilo... — Garta pausou o que estava prestes a revelar, despencou os ombros em resignação. — Não importa mais. Como eu fui boba.
Sem esperar por resposta, Garta se virou e caminhou para fora da oficina.
— Eu vou verificar como estão os arredores da vila. — disse ela, antes de finalmente sair.
O som da porta se fechando atrás dela trouxe um silêncio pesado que pairou no ar.
— Droga — murmurou Colth, passando a mão pela testa e apoiando a cabeça pesada.
— Você não deveria ir atrás dela? — perguntou Beca, com os olhos julgadores sobre o rapaz.
— Não — respondeu Colth, com um suspiro. — Isso só pioraria as coisas. Além disso, tem coisa mais importante para ser resolvida.
Beca ergueu o dedo indicador frente aos seus próprios olhos e comentou séria, da sua maneira:
— E é por isso que eu trabalho com máquinas e ferramentas. São muito mais fáceis de entender.
— Tenho até inveja de você — concluiu Colth, sem nem pensar naquelas palavras.
— É claro que tem inveja de mim. — Beca, novamente séria. — Escuta, eu queria conversar sobre uma criação minha que o imperador pode usar contra vocês, mas já que a Garta decidiu caçar vaga-lumes lá fora, vai ter que ser só você mesmo. Então preste atenção.
— Eu já vi a sua máquina voadora, é realmente impressionante, tá bom?
— Óbvio que é impressionante. Mas não é só isso. — Beca focou-se nos olhos de Colth, lhe mostrando a seriedade do que viria: — Tem um equipamento em que eu estava trabalhando, que ainda estava em fase de teste quando o imperador tentou me matar, que é muito poderoso.
— É claro que é, foi você quem fez — disse Colth debochado.
— Exatamente. Mas o que importa mesmo, é que esse equipamento é essencialmente um conversor de magia — revelou ela, com uma dramaticidade na voz. Colth ergueu os ombros mostrando que não fazia ideia do que ela estava falando. Beca repetiu, como se fosse resultar em algo: — Um conversor de magia.
— E daí?
— Tá, vamos para a explicação simples. — Ela começou, seus olhos brilhando com entusiasmo. — O que esse equipamento faz, é pegar qualquer tipo de energia mágica ao redor, seja de seu usuário ou de cristais de Sathsai, e alterar a composição dessa magia para algo utilizável de acordo com a necessidade.
— Tipo o seu chuveiro aqui da oficina? — perguntou Colth, verdadeiro.
— Não. O chuveiro não é mágico. A fluxie é.
— Quem é fluxie?
— O equipamento de que eu estou falando. Ah! — Beca apertou com força os próprios punhos de modo a descontar a sua raiva repentina. Respirou fundo para se acalmar e retornou: — Escuta, esse equipamento pode transformar a energia que há nos cristais de Sathsai, em qualquer tipo de magia. Além disso, se o usuário possuir alguma magia, ela também pode ser convertida.
— Caramba... — Colth murmurou, processando a gravidade do que Beca havia dito. — Isso parece... perigoso.
— É porque é — Beca confirmou, séria. — Não foi à toa que o imperador me fez trabalhar nela. Essa mochila pode transformar a magia de Anima, ou qualquer outra, em uma das oito magias naturais. É como o poder da própria Deusa Lux.
— Espera. Você disse, mochila? — se atentou Colth.
— Sim, a fluxie foi adaptada para se tornar portátil a ponto de...
— Eu já a vi. Durante ao ataque contra a ilha voadora de Nox.
— Ótimo. Isso facilita as coisas. Então eu vou te dizer como ela funciona, e como pode tirar vantagem de seus pontos fracos. Vê se presta atenção agora.
— Certo.
***
O vento soprava forte no alto da montanha onde estava localizada a vila nova Tera. O fogo iluminava o céu e a sua própria fumaça negra que se elevava pesada. As pessoas que viviam por ali já haviam deixado os arredores, com medo de reviver os seus pesadelos de anos atrás ainda no outro mundo.
“Pronto.” A voz de Lashir reverberou pela mente de Colth, não apenas como um sussurro, mas como uma força viva. Suas concentrações se entrelaçaram e Colth sentiu a energia de Lashir junto a dele.
Colth cerrou o punho. Cinzas pelo ar, noite se revelando, magia fluindo pelo seu corpo. Os olhos do guardião brilharam com intensidade em coragem. Partiu.
Deixou para trás o calor ardente concentrado em sua carne. Cada passo o acelerava, sobre-humano. A rua se alongava a sua frente, mas o seu objetivo ao final dela se aproximava. Ele era como o vento, pronto para se impor contra a tempestade. Não demorou para ganhar a atenção de todos e tudo.
Edgar se impressionou com aquela velocidade e determinação. E então, com apenas um olhar, ele ordenou. As criaturas grotescas que emergiam dos portais obedeceram, avançaram todas de uma vez, contra Colth. Garras afiadas prontas para despedaçá-lo.
Lashir se preocupou e alertou Colth em seus pensamentos: “Essas coisas, estão todas olhando para você. Vamos recuar e tentar dar a volta.”
— Sem chance — respondeu Colth, avançando.
Ele era como o único foco de luz em meio a mariposas. Todas as bestas se entregaram de corpo e vontade a sua presença. Esqueceram todo o resto e avançaram rápido em direção ao guardião para impedi-lo.
Os aliados, percebendo a urgência da situação e a necessidade de Colth, se moveram rapidamente. Iara, agora sem ser pressionada, continuou a disparar as suas flechas, acertando as costas de inúmeras criaturas precisamente com auxílio de suas invocações Sirveres e de Jorge. Beca e Liana, com os rifles de Sathsai, colaboravam disparando rajadas de energia de Sathsai que riscavam a noite em luz para conter as criaturas que ainda insistiam a surgir dos portais.
Dentro da mente de Colth, Lashir observava tudo: “Os seus amigos... Mas nem pedimos que eles fizessem algo.” Sua voz ecoou, suave e incerta, como se ela estivesse tentando entender algo.
— Não são só meus amigos — Colth respondeu firme.
“Hã?” Lashir permaneceu duvidosa.
— Além disso, eu não preciso pedir nada para eles. É assim que funciona. Você não está mais sozinha, Lashir! — Colth afirmou com convicção, sua voz firme, como se aquilo fosse a verdade mais natural do mundo.
Por um instante, Lashir ficou em silêncio, absorvendo aquelas palavras, e percebendo que o caminho à frente se abria e era facilitado pelas ações dos seus aliados que combatiam as criaturas. A realidade daquilo, da união, da confiança não dita entre eles, fez com que ela sentisse novamente algo que quase havia sido esquecido. Sorriu, mesmo que sem corpo.
Ela se concentrou, e a energia entre eles se intensificou.
“Desse jeito, não vai ter nem graça.” Finalizou ela. Havia uma centelha de algo que quase parecia... gratidão. Mas ela não se permitiu afundar nisso. O foco voltava ao que estava por vir, ao desafio iminente. Afinal, caminho facilitado não queria dizer caminho livre.
Algumas das criaturas não foram interrompidas a tempo, e se colocaram no caminho da ameaça do guardião sem pensar duas vezes.
Colth encontrou o primeiro par de asas que tentava impedi-lo de continuar. A criatura, enquanto em voo, ergueu suas afiadas garras ao encontro do guardião na direção contrária, mas antes que pudesse atacar a sua presa, Colth saltou.
No chão, sobrou apenas um buraco no formato da sola de sua bota. No ar, o homem girou o corpo com a adaga de Sathsai empunhada com firmeza e cintilando a energia condensada de seu poder.
Apontou a lâmina para baixo e apenas passou, por cima das asas da criatura. Como um vulto em um único movimento, a lâmina penetrou a carne podre da criatura, cortando-a com uma facilidade brutal. Tão rápido, que a própria besta perdeu a presa de vista.
Quando a criatura finalmente percebeu, a pele de suas costas se abriu em duas metades, rasgada até os nervos. A dor sequer teve tempo de viajar por seu corpo antes que ela caísse morta sobre a pedra polida do calçamento e em seguida coberta pelo próprio sangue quente.
Colth mal perdeu um segundo após exibir sua agilidade, mas mesmo esse breve atraso foi o suficiente para várias das criaturas se aproximarem. À sua frente, cinco monstruosidades se aglomeraram, não por estratégia ou inteligência própria, mas porque foram ordenadas.
Todos ao redor arregalaram os olhos em preocupação. Não seria possível desviar, saltar ou enfrentar um por um, afinal, mais criaturas ao redor iriam se aproximar. Ainda assim, Colth não hesitou.
— Você queria um pouco de desafio, não é? — disse ele a si próprio enquanto avançava.
Lashir respondeu em sua mente: “Bom, você ouviu a engenheira, se você parar agora, Edgar vai recuperar toda a temperatura daquela mochila abominável dele.”
— E pensar que, há um minuto atrás, você queria recuar — rebateu Colth.
“Recuar? Não fale besteiras!”
Colth sorriu seguro sem precisar responder.
Com um impulso feroz, ele avançou. Seus pés se moviam em uma velocidade absurda. A magia, que não só se originava de Anima, pulsava em seu corpo e o movia.
Quando a primeira criatura tentou agarrá-lo, ele se abaixou com um movimento destro, esquivando-se por um fio. Com um giro rápido, sua adaga de Sathsai refletiu a sua magia concentrada, e ele cortou com precisão o ventre da segunda besta que se dobrava à sua frente.
— Lashir — pediu Colth.
Foi respondido em sua própria mente com a voz confiante dela: “Deixa comigo.”
Antes que o sangue enegrecido da criatura tocasse o chão, Colth já havia dado mais um passo à frente. Com um movimento ágil da mão esquerda, ele controlou o líquido escarlate coagulado que se ergueu no ar como uma serpente sinuosa. Em um instante, o fluido se cristalizou por completo, assumindo a forma de uma lança afiada. A arma improvisada, rígida como vidro, avançou velozmente em direção à boca cheia de presas da quarta monstruosidade. O impacto foi devastador, perfurando o crânio pútrido com um estalo oco e surdo, enquanto a ponta da lâmina emergia pela nuca careca da criatura já completamente sem vida.
Colth continuou avançando sem olhar para trás.
“O que achou?” Perguntou Lashir, com um tom convencido na voz.
— Nunca vai deixar de ser nojento — disse Colth, sincero.
“Chamar as habilidades de uma mulher de nojento, é a pior coisa que um homem pode fazer e isso é... Cuidado!”
Colth ergueu os olhos para cima, de onde a última criatura descia em um mergulho mortal. A besta, caindo com uma velocidade brutal, revelava claramente sua intenção suicida de esmagar o guardião. Sem hesitar, Colth ergueu a mão direita, com a palma aberta em direção ao céu, enquanto seus dedos se mantinham firmemente entrelaçados no cabo da adaga de Sathsai. Ele se concentrou e a energia mágica pulsou.
No instante em que a criatura estava prestes a atingi-lo, algo brilhou intensamente entre eles, um traço horizontal de luz reluzente por um breve segundo. A testa da criatura colidiu violentamente, com a barreira invisível, o escudo de Agnes. Colth passou ileso enquanto a barreira mágica se despedaçou, explodindo em milhares de fragmentos brilhantes, refletindo as chamas ao redor como se fossem estilhaços de vidro incandescente.
“Não precisava fazer todo esse show.” Reclamou ela.
— Lashir, se prepara — disse Colth, em seriedade. — O próximo é o último.
Edgar, ao longe, observava o avanço imparável do Guardião. Seus olhos arregalados revelavam o medo que a tanto não demonstrava. O velho sentiu a espinha gelar ao ter a visão de Colth abrindo caminho através de sua horda grotesca.
— Isso... não é possível — sussurrou o Gerente, ao mesmo tempo que sentia o metal da mochila as suas costas mais quente. No instante seguinte, Colth já estava alguns passos a sua frente.
Ele finalmente chegou diante da barreira, Colth não parou. A adaga brilhou intensa enquanto ele a erguia, pronto para destruir a última linha de defesa de Edgar. Com um grito de puro esforço, Colth desferiu o golpe. O impacto fez a ponta da lâmina atravessar e ressoar uma vibração pela barreira. A energia da incisão ganhou forma através de rachaduras crescentes pela superfície. Em seguida, Colth forçou o corte com a adaga, de cima para baixo, e então, a barreira se estilhaçou.
Edgar cambaleou para trás com os olhos arregalados em surpresa e temor. O som da barreira mágica se despedaçando ecoou, e os fragmentos brilhantes dissiparam-se no ar como poeira.
Colth não deu tempo para Edgar se recompor. Seu olhar estava fixo no alvo. Ele avançou com a adaga de Sathsai ainda pulsando com a energia residual do impacto, cada passo parecia fazer o chão tremer sob seus pés.
Mas, antes que Colth pudesse desferir o golpe final, Edgar estendeu a mão, se concentrando desesperadamente em uma última magia para afastá-lo.
Colth foi atingido pela magia, sem tempo de reagir. O cenário caótico, de fogo, fumaça e criaturas por toda parte se desfez. A realidade ao redor desapareceu, sendo substituída por um vasto e denso vazio. Se viu em meio a escuridão. Sem luz, sem som, sem chão. No absoluto silêncio solitário, se sentiu familiarizado, ainda assim completamente desconfortável.
— Isso é... — pensou alto, mas foi interrompido.
— O seu passado e o seu futuro — afirmou Edgar, sem forma, apenas o som de sua voz áspera reverberando pelo vazio. — Você estará sozinho. Como sempre, vai decepcionar seus amigos e aqueles que dependem de você.
Colth balançou a cabeça, tentando afastar a sensação crescente de desamparo. Ele reconhecia aquele lugar, aquele sentimento sombrio. Entendia que estava preso em sua própria mente. Em seguida, disse balbuciante:
— Isso não vai funcionar, Edgar. Eu já vi esse truque barato de Anima ser usado contra a Celina. — Colth se forçou a falar aquelas palavras para se afastar do sentimento que gritava em si.
Frente aos olhos de Colth, o corpo de Edgar tomou forma vindo da escuridão. Imediatamente o guardião rangeu os dentes, e o Gerente continuou com suas palavras elucidadoras:
— Não é truque, rapaz. Acha que eu tentaria algo assim contra o próprio guardião de Anima? Eu não sou imbecil, e você sabe disso.
Colth estreitou os olhos, mas, mesmo assim, ouviu o que Edgar tinha a dizer. O homem bem vestido de cabelos grisalhos falava com uma clareza quase hipnótica, cada palavra cuidadosamente escolhida, enquanto se aproximava a passos calculados:
— Você já esteve aqui antes, não é? — Edgar se aproximou ainda mais, sua voz absoluta em empatia e astúcia. — Sozinho, com frio, com medo.
Ele parou a centímetros do rosto de Colth, o olhar fixo nos olhos do jovem.
— Eu sei como é, porque eu também estive aqui. Perdemos tudo, Colth. Nossas casas, aqueles que amávamos, nossa esperança.
Colth hesitou, e então desviou o olhar, relutante ao se lembrar de Toesane e sua família. Viu na escuridão os rostos de Nya e Agnes, como uma memória viva, retornou a dor.
— Você não quer passar por isso de novo, não é? — Edgar suavizou a voz, quase em um sussurro. — Ninguém deveria. E é apenas isso que eu desejo. Evitar o sofrimento. E com a sua ajuda, Colth, podemos concretizar isso.
— A magia de Hui, usada para colocar as pessoas em sono profundo, realmente não gera nenhum sofrimento? — perguntou Colth, ponderando.
— Nem um pouco. Eu posso garantir — afirmou Edgar, parecendo sincero. — Você é bem nobre, Colth. Pensando nos outros desse modo.
— Você acha? — O rapaz voltou seus olhos ao gerente.
— Sim — respondeu Edgar, imediato. — É impressionante como eu não havia percebido o quão somos parecidos.
O Gerente sorriu com os olhos, um pouco mais descontraído. Colth cumprimentou em feição similar. Em seguida, pareceu pensativo antes de comentar com um ar desconfiado:
— Eu não sei, Edgar. Assim como Hueh, Hui parece um manipulador. Ele poderia estar mentindo, não só para mim, mas até mesmo para você e para o imperador.
— Não, não. Eles têm um pacto — Edgar se adiantou, tentando reverter a desconfiança de Colth.
— O Aldren e o Hui?
— Não é óbvio? Você achou que o Aldren, sozinho, seria capaz de tudo isso? — disse Edgar, antes de retornar ao assunto principal: — Independente disso, se não acredita nas palavras de Hui, você poderia fazer um pacto com ele também, garantindo que as pessoas não sofram no sono profundo. Você é um guardião, sabe como os pactos são poderosos.
— Tem razão — Colth pareceu empolgado. — Mas esse pacto teria que ser feito agora. O mais rápido possível, para termos certeza de que todos não sofram e ele não venha nos trair.
— Claro — Edgar concordou. — Eu posso levar você até ele, para firmarem o pacto. Você acha que consegue garantir minha segurança até lá? Quer dizer, eu poderia usar a mochila conversora de magia, para nos levar até a cidade, mas ela não vai aguentar nem mais um uso. Provavelmente explodiria se eu tentasse algo. Além disso, você vai ter que convencer os seus amigos a não me matarem.
— Meus amigos? Não se preocupe com eles. Sei exatamente o que dizer para evitar qualquer problema — afirmou Colth. — Mas por que iríamos para a cidade? Achei que Hui estivesse na Fortaleza Última.
— Não. Agora, com a captura de Garta, ele vai estar nos arredores da cidade Última. Parte do ritual vai acontecer por lá, onde os vindos de Tera estão... trabalhando.
— Entendi. Então é lá que Hui estará? — Colth perguntou, com um brilho de curiosidade prevista.
— Sim — Edgar respondeu, mas sua expressão finalmente trouxe uma pitada de desconfiança.
— Você ouviu? — Colth falou com um sorriso confiante, a postura relaxada como se o peso da conversa tivesse sumido.
"Sim, eu ouvi." A voz de Lashir ecoou pelo vazio. Ela emergiu das sombras, as mechas vermelhas de seu cabelo destacando-se contra a escuridão, assim como o brilho ardiloso de seus olhos.
Ela avançou pelas costas de Edgar e, quando o velho se virou para tentar reagir, Lashir já havia tomado o seu pescoço enrugado com as mãos poderosas emergidas em magia de Rubrum.
— Mas que porra é essa?! — Gritou Edgar, surpreendido.
— Você é uma piada. Parece até um ratinho desesperado correndo para as garras do gato — Lashir sussurrou, a magia rubra pulsando na palma de sua mão.
Edgar gemeu, sentindo o próprio sangue se revolver dentro de suas veias, perdendo parte do controle de seu corpo. Tentou virar o rosto, forçando-se a encarar Colth, que o observava com um olhar impassível.
— Você está com ela? Na sua mente? Você é maluco! Completamente insano! — Edgar vociferou, carregado de ódio, e a dor o incapacitando.
— Sua última alternativa era me convencer desse seu devaneio. Apostou tudo nisso, não foi? — disse Colth. Cruzou os braços e continuou observando com os olhos plenos em segurança. — Mas olha só, não somos iguais. Eu jamais trairia quem confia em mim.
Colth finalizou e acenou discreto com a cabeça para Lashir.
A guardiã se concentrou mais firme em sua magia e Edgar se contorceu em dor. A palma da mão de Lashir brilhou escarlate, enquanto sua voz ecoava fria:
— Não é o Colth que está comigo, imbecil. Sou eu quem está com ele.
Desesperado, ele gritou:
— Espera! E você, Lashir? Podemos nos unir e... Argh! — Agonizou.
Edgar não resistiu a dor crescente e foi forçado a deixar a realidade daquele sonho. Seu corpo se desfez. Simplesmente desapareceu, deixando os dois guardiões sozinhos no vazio silencioso.
Colth descruzou os braços e comentou em tom bem humorado, provocando:
— Está comigo?
— Cala a boca — rebateu Lashir, imediatamente. Se virou indiferente e caminhou em direção a escuridão. — Volta logo para a sua realidade e acaba com esse velho nojento.
Ela desapareceu no breu, deixando Colth para trás. Ele suspirou, ainda com o sorriso no rosto, e fechou os olhos. Concentrando-se, sentiu a magia fluir e, ao abrir os olhos novamente, estava de volta ao caos da Vila Nova Tera, mas agora estava diferente de antes.
Ao seu redor, todas as criaturas de Anima estavam mortas estiradas ao chão, enquanto Iara e Jorge permaneciam de pé, ofegantes. Mais distantes, Beca e Liana se aproximavam carregando os rifles de Sathsai ainda ferventes. E a sua frente, Edgar estava ajoelhado, rendido e agoniado, com Goro mantendo o revólver de Sathsai apontado firmemente para o velho.
— E então? Parece que os seus planos deram certo — perguntou Goro, ao amigo. Cobrou: — Espero que tenha descoberto algo útil.
— Sim — Colth respondeu, com um olhar afiado. — Mais do que eu esperava. E agora, vamos ver o que essa mochila conversora pode fazer.