Volume 2
Capítulo 108: Verdade Efêmera
— Ahh!!! — A voz da pequena criatura escamosa ecoou pelo estreito poço de pedra, enquanto caía em uma queda livre vertiginosa.
O impacto foi abrupto e doloroso, mas o alívio de Koza foi instantâneo ao perceber que havia caído sobre cinzas e restos de lenha, em vez de brasas ardentes. Levantou-se rapidamente, sacudindo as cinzas de seu corpo e se afastando da lareira apagada. Ele murmurou em voz alta, com alívio e um toque de incredulidade:
— Graças à deusa benevolente Tera, a lareira estava realmente apagada. — Disse enquanto se debatia para se desvencilhar das cinzas que ainda insistiam em cobrir seu corpo.
— Koza? — A voz feminina suave preencheu o quarto, paralisando a pequena criatura.
Ele ergueu os olhos, encontrando o olhar surpreso de Celina. A jovem guardiã estava ali, finalmente diante dele. Koza suspirou, meio aliviado, meio exasperado, e começou a falar com sua habitual impaciência:
— Ah, finalmente eu te encontrei, minha guardiã. Você não tem noção de como foi difícil te achar, senhorita. Eu andei por toda essa fortaleza, mais de uma vez! Quem foi que planejou este lugar? Não tem sequer uma janela, é ruim até para uma cela! — Enquanto falava, Koza varreu o quarto com os olhos, ainda confuso. — É aqui que você está aprisionada?
Ele piscou, tentando assimilar o contraste entre o que esperava e o que via. O quarto era esplêndido, digno de um nobre. Uma cama suntuosa ocupava o centro, cercada por móveis requintados, uma mesa vastamente servida com frutas frescas, pães e bebidas. Uma estante abarrotada de livros imponentes repousava diante de uma poltrona confortável, iluminada pela suave luz de uma lanterna amarelada. O ambiente parecia acolhedor, quase convidativo.
— Esse lugar tem o seu charme, não é? — murmurou Koza, perdendo-se momentaneamente na visão do quarto luxuoso.
— Independente do luxo, uma prisão ainda é uma prisão. — A voz de Celina trouxe Koza de volta à realidade.
A guardiã se sentou à cama. Estava vestindo uma simples túnica, inteiramente branca com alguns poucos enfeites comedidos bordados pelo tecido, que destacavam seus olhos firmes sobre a pequena criatura. Koza chacoalhou a cabeça para afastar as suas ideias embaraçadas diante daquele quarto cheio de requintes:
— Tem razão, senhorita. Sua liberdade deve ser prioridade aqui. Dito isso — ele ajeitou o corpo escamoso —, eu vim te tirar daqui.
— Agradeço o seu esforço, Koza. Mas eu não posso simplesmente sair.
— Não se preocupe, eu tenho um ótimo plano em mente. — A criatura avançou, ignorando a voz sussurrada da guardiã, em direção a única porta daquele quarto e continuou a explicar: — Eu consigo passar por essa abertura na porta, vou pegar a chave e então...
— Koza — interrompeu Celina, séria, se fazendo ouvir. — Eu não vou fugir.
Koza parou e se virou, surpreso com o tom decidido dela. Seus olhos se estreitaram enquanto ele observava a guardiã. Ela repousava o seu olhar sobre os livros na estante, como se procurasse alguma resposta ali.
— Hã? Não é hora para brincadeiras, minha pequena mestra.
— Eu falo sério, Koza. — Sua voz era baixa, quase resignada, mas firme.
Koza hesitou, sentindo a urgência da situação ser substituída por uma estranha sensação de desconforto. Perguntou descontente, vislumbrando-a de baixo para cima:
— Senhorita Celina, o que está acontecendo?
Ela suspirou e virou o rosto para escondê-lo. Koza apertou os olhos e não se contentou. Repetiu:
— Senhorita...
— O Aldren precisa de mim — respondeu ela, interrompendo a criatura que se surpreendeu.
Koza caminhou para perto, e saltou para ficar sobre a cama, para estar diante da guardiã. Fixou seus olhos esbugalhados ao dela e comentou descrente:
— Qual é o problema?
— Hã? Não tem problema algum, Koza. Eu só quero ficar e...
— Colth tem toda a razão — rebateu a criatura pensativa. — Se me permite, mestra. Você é uma péssima mentirosa.
— Como pode dizer uma coisa dessas? — perguntou ela, desmascarada.
— Qual foi a ameaça dele? O que o Aldren te disse que lhe fez aceitar essas condições? E não minta para mim, compartilhamos a mesma magia de nossa deusa, eu consigo sentir que tem algo errado.
— Ah... — Ela suspirou profundamente derrubando os ombros, desistente da sua resistência. — Ele precisa de mim, o Aldren precisa de mim para manter esse mundo vivo. A Deusa Lux está definhando, por isso precisava consumir o sangue, a alma e a magia dos guardiões. Por isso criou o dadivar. E agora, sem a magia de Tera para salvá-la, Lux vai sucumbir e, em seguida, esse mundo também.
— Ele mentiu para você, Senhorita.
— Bem que eu queria que fosse mentira. Mas os livros confirmam tudo. — Ela apontou para a estante repleta de encadernados ao fundo do quarto.
— Os livros podem ter sido forjados e...
— Não. Não foram. — Celina caminhou até a estante de livros, seus passos descalços sobre o carpete de fios nobres se destacando. Puxou um volume antigo e pesado entre tantos na estante. Abriu-o com cuidado, revelando páginas desgastadas pelo tempo e pelo uso. — Aldren não é tolo. Ele sabia que eu desconfiaria. Por esse motivo, deixou tudo isso.
Koza observou enquanto Celina folheava as páginas, parando em um ponto específico. — Aqui. — Ela apontou para uma ilustração detalhada, que mostrava um pássaro em uma gaiola.
— O selo de Tera... — sussurrou Koza, enquanto corria os seus olhos sobre o livro e reconhecia o símbolo.
— Eu nunca havia o visto, mas assim que coloquei meus olhos nele, sabia que era real. Como você disse, compartilhamos a magia de Tera.
— Espera, Celina. — Koza tentou argumentar, seu tom agora desesperado: — Você entende o que isso quer dizer?
— Significa que Tera estava certa em se trancar.
Após seus dizeres convictos, Celina fechou o livro e o devolveu à estante. Se deu por satisfeita pelas suas escolhas e supôs que Koza concordaria após a evidência confirmatória sobre as palavras de Aldren.
— E daí? — indagou a pequena criatura, ousada.
— Hã? — intrigou-se Celina. — Não viu o que eu acabei de mostrar? Realmente existe um...
— Tá bom — interrompeu Koza —, o Aldren está falando a verdade. Mas e daí?
— Como? — A guardiã não entendeu o tom petulante da criatura.
— Vai deixar a sua vida para trás, por causa de uns rabiscos no papel?
— Não é apenas um rabisco. São fatos que contam a história. Tera se colocou naquele túmulo, naquela gaiola que viveu por anos, para impedir o fim de seu mundo, mas ela cometeu um erro. Deveria ter reunido todas as magias antes de descansar em seu destino final.
— O quê? — Koza se estarreceu. — Não, Celina, a senhorita entendeu errado. O Aldren está te manipulando e...
— Eu já me decidi — afirmou ela, interrompendo-o. — Vou reunir as magias, para arrancá-las dos mundos.
— Celina, você não está pensando direito — a pequena criatura parecia temer as consequências das palavras que estava ouvindo. — Tera lhe deixou a magia às pressas. Quando recebemos a notícia de que o mundo de Finn havia caído e que a qualquer momento Lux poderia chegar ao nosso mundo, Tera tratou de criar o selo e protegê-lo com a própria vida naquele túmulo, mas antes disso, ela precisava de um guardião. Alguém puro e corajoso para manter a magia de Tera viva em seu mundo. Alguém capaz de trabalhar em conjunto com os guardiões de Finn, Mutha e Anima para manter o mundo de Tera seguro. Alguém que daria sua vida para salvá-lo, assim como você deu sua vida pela sua mãe.
Celina arregalou os olhos, estarrecida. O choque dominando suas feições enquanto tentava colocar seus pensamentos em ordem. Koza continuou, com um desespero evidente em sua voz para tentar convencê-la:
— Tudo teria funcionado, se não fosse a traição de Hueh. Lux não teria pisado no mundo de Tera se não fosse aquele mald...
— Você sabia? Você sabia sobre a minha mãe? Ninguém sabe disso, nem mesmo o Aldren. — Celina colocou seus pensamentos para fora em um único sopro afirmativo ao se dar conta: — Você estava lá.
— O quê?
— Não foi coincidência. Não foi por acaso que Tera me achou no leito de morte da minha mãe. Você estava lá! Você sempre esteve lá, seu sórdido!
— Espera, Celina, você não está entendendo a situação...
— Desde quando?
— Não é o que eu quis dizer. Eu fui ordenado a apenas lhe acompanhar e...
— Desde quando?! — Ela repetiu, quase gritando, a raiva crescente em seus olhos.
Koza hesitou, sabendo que não havia como fugir da verdade. Respirou fundo antes de responder, com a voz baixa e cheia de pesar:
— Desde o dia anterior da morte de sua mãe.
Celina deu um passo para trás, como se as palavras a tivessem atingido fisicamente. Sentiu suas pernas fraquejarem e caiu sentada sobre a cama, o olhar cabisbaixo, como se o chão tivesse desaparecido sob seus pés.
— Me perdoa, Celina. Eu não podia interferir...
— Perdoar?! — Ela ergueu o rosto, os olhos em chamas, a dor transformada em fúria. Suas palavras saíram afiadas: — Eu cresci presa em um porão, com um homem que me perfurava com agulhas toda manhã para tirar meu sangue. Sem saber se no dia seguinte eu seria descartada ou coisa pior! E você estava lá, e não fez absolutamente nada!
Koza se encolheu diante da ira dela, tentando desesperadamente justificar suas ações:
— Não é bem assim, senhorita, me escuta, por favor. Tera já havia perdido o seu guardião anterior e não queria cometer o mesmo erro...
— Ah — Celina não estava disposta a escutar. Ela se lembrou de algo que sempre a atormentou, uma dúvida que nunca conseguiu resolver. Sua voz, imersa em um tom severamente obscuro, cortou o ar entre eles: — Você disse que não podia interferir. Então, me diz, os papéis da pré-seleção para o ministério da Defesa. Aldren nunca me disse de onde ele tirou aquelas fichas de inscrição. Aqueles que, convenientemente, tinham as mesmas figuras de corvos. As mesmas figuras dos papéis da Garta e do Colth. Então me diga, Koza, e não minta. Foi você?
— O emissário de Hueh e a Garta já planejavam isso e...
— Foi você, Koza? — Celina repetiu, sua voz fria como o gelo. Se levantou da cama e ficou diante da criatura.
Koza desviou o olhar, incapaz de sustentar o peso da acusação. Com um suspiro, finalmente admitiu:
— Eu só os coloquei no caminho do Aldren. — A confissão pareceu escapar de seus lábios.
Ele tentou, em vão, encarar os olhos de Celina que refletiam uma enxurrada de sentimentos. Raiva, decepção e uma tristeza profunda se amontoavam em apenas um olhar.
— Foi você... — sussurrou Celina, ainda com alguma incredulidade. — Você nos juntou naquele exame, e ainda tem a coragem de me dizer que não podia interferir.
Vendo a situação se deteriorar rapidamente, Koza tentou se adiantar a desconfiança plena dela, em máxima urgência: — Me escuta, vamos sair daqui e eu vou te mostrar que tudo isso foi para o seu bem.
Celina apenas balançou a cabeça negativamente, levando os seus olhos para o canto do quarto, como se não acreditasse na ousadia de Koza ao dizer aquelas palavras.
A pequena criatura tentou novamente, qualquer argumento era válido para convencê-la:
— Por favor, Celina, não entregue a sua vida a Lux. Ela vai consumir sua magia e nada vai pará-la.
Celina voltou a encará-lo, sua resposta veio com um tom que o deixou atordoado:
— E quem disse que eu vou me entregar a ela?
— Hã? — Koza foi surpreendido pela resposta e o tom convencido da guardiã.
— Você sabe que deuses e guardiões não podem quebrar pactos, não é, Koza?
— Como? — Ele mal conseguiu processar o que ela estava insinuando.
— Sou eu quem vai consumir a magia de Lux. Eu vou me casar com o Aldren.
O silêncio se fez, frio e penetrante no arregalar de olhos de Koza:
— ... um pacto matrimonial — sussurrou ele.
Foram apenas alguns instantes, mas pareceu uma eternidade dolorida e surpreendente. Koza ainda não havia processado a informação e, quando pensou em tentar reagir de alguma forma, alguém bateu à porta.
O som da batida na superfície da madeira reverberou pelo quarto tácito. A voz masculina do guarda no corredor veio em seguida:
— Senhorita, me foi ordenado a lhe dizer que é chegada a hora.
— Já estou indo! — respondeu Celina, em voz alta para alcançar os ouvidos do guarda do lado de fora.
Em seguida, seus olhos fixaram-se em Koza, e ela disse com uma calma assustadora: — Adeus, emissário da mentira.
Caminhou em direção a porta, decidida. Passos pesados em raiva.
— Não, não. Calma, Celina. Espera — suplicava Koza, seguindo os passos dela.
A guardiã se virou rápida. Olhos em fúria, dedo indicador apontado para a criatura, e palavras cuspidas:
— Eu juro, se você for atrás de mim, eu te dispenso da sua atribuição, Koza.
A ameaça de Celina congelou Koza instantaneamente. Sua respiração parou surpreendida. Aquela não era apenas uma simples ameaça, era uma sentença de morte. Um ser familiar de pura magia ser dispensado de sua função era o mesmo que a fria e solitária morte. Ele deixaria de existir, e Celina sabia disso. Mesmo assim, ela proferiu aquela ameaça.
Toda a motivação de Koza se esvaiu. Observou quieto e soturno a guardiã se virar fria, caminhar para fora do quarto e fechar a porta sem olhar para trás.
Koza permaneceu imóvel, mergulhado em um vazio profundo, sem saber o que fazer, sem saber o que pensar.