Volume 2

Capítulo 100: Azul sem Cor

— Véu, o que está fazendo!? — exclamou Colth, sentindo-se impotente diante da situação. Sua perna ferida o deixava incapaz de se mover para intervir.

O deus de Véu permanecia impassível diante dos dois intrusos. Os olhos claros sem vida do garoto fitavam Lashir com desconfiança enquanto o Capelobus mantinha sua garra afiada pressionada contra o pescoço da mulher, e os Sirveres a mantinham imobilizada.

— Por favor, pare! — suplicou Colth, ecoando sua voz preocupada pelo grande hall. — Estamos aqui para salvar a Iara, confie em mim.

Lashir, mesmo sob a ameaça iminente de morte, manteve uma postura desafiadora. Seus olhos faiscavam determinação enquanto a brisa leve flamulava as tapeçarias penduradas nas paredes e pilastras do luxuoso hall.

— Vamos, acabe com isso, deus de Véu — incitou ela, soando firme, apesar da situação precária em que se encontrava. — Sua guardiã morrerá e, assim como o seu povo, sua magia será esquecida para o resto da eternidade.

O deus finalmente mudou sua expressão ao arquear as sobrancelhas de modo a transparecer uma mínima irritação. Disse incomodado:

— Depois do que fez ao meu mundo, você ainda tem o atrevimento de falar do meu povo?

— Não me venha com essa, Véu. Eu não sou uma das suas servas ou guardiã para você simplesmente jogar sua responsabilidade sobre mim — rebateu Lashir, sem se intimidar. — O maior culpado pelo seu mundo sucumbir, foi você mesmo.

— Calma, Lashir — pediu Colth, tentando reduzir a tensão que já pesava no ambiente. Ele se levantou com dificuldades e manteve-se de pé com apenas o apoiar de sua perna boa.

Véu apenas ignorou o rapaz. Manteve os seus olhos gélidos sobre a mulher valente rendida pelas suas criaturas. Comentou pensativo:

— Eu não consigo entender o motivo de Índigo ter sequer se envolvido com você.

— Hmph — desdenhou Lashir. — Vai ver é por causa de você ser tão chato que dá sono, sei lá.

— Rubrum fez uma péssima escolha de guardião — Véu continuava frio, mas era notável a sua tentativa de provocar a mulher.

Enquanto isso, o Capelobus mantinha sua garra afiada no pescoço de Lashir, esperando o comando final de seu mestre para encerrar com a vida dela.

Lashir não caiu na instigação, sorriu com o canto dos lábios e aguçou os olhos para responder:

— Quanta ironia, não acha? O deus que tem a responsabilidade da vida, com um mundo completamente sem vida. Nem essa responsabilidade primordial você sustentou. — Lashir sabia exatamente o que estava fazendo. Podia ver de longe os olhos claros do deus se estreitando em raiva. Ela continuou: — Você não possui nem um guardião apto a protegê-lo, Véu. Não, pior que isso, não tem nem um corpo físico, vive apenas como uma de suas conjurações, preso em sua própria magia. Seu poder é ridículo comparado ao quando era, de fato, um deus. Agora não passa de um garoto velho mimado que culpa os outros pelos seus próprios arrependimentos.

— Foi você! — disse Véu, aumentando o tom. — Você é a culpada por tudo isso.

— Por favor, deus Véu. Não faça isso! — suplicou Colth, tentando impedir a ordem fatal do garoto. Em seguida se virou para Lashir entonando uma bronca: — E você? Pare de falar essas coisas, não está ajudando!

Lashir não hesitou em rebater as palavras de Colth de forma confiante:

— O que você achou dessas tapeçarias, Colth? — Ela apontou com os olhos para as flâmulas desenhadas pelo hall. — São bem coloridas, não? Qual você acha mais bonita?

— Hã? — o rapaz não entendeu de onde surgiu aquela pergunta. Não havia motivo algum para aquilo em meio a uma discussão tão importante.

Lashir continuou, como se não houvesse uma lâmina prestes a rasgar sua garganta. Apontou com os olhos a tapeçaria mais próxima:

— Acho bem cativante a intensidade da Violeta. — Virou o rosto para a tapeçaria mais adiante: — Acho bem intrigante também o quanto o Ébano é sútil mesmo sendo tão visível.

— Como... — chocou-se Véu, sem dizer mais.

— Do que essa mulher está falando? — pensou alto Colth.

Lashir manteve o seu raciocínio, apontou os belos olhos para a tapeçaria no início do hall e comentou:

— A pureza da Turmalina, não é muito do meu gosto, mas confesso que a primeira vez que ouvi falar, fiquei impressionado com a sua determinação. É claro que não chega nem aos pés do explosivo, mas justo, Rufus — contou Lashir, antes de finalmente mirar o rosto para a costura pendurada ao lado de Colth: — E não podemos esquecer do grandioso Índigo. O último guardião nomeado por Véu e seu péssimo gosto.

— Como sabe de todos esses nomes? — estranhou o garoto deus Véu.

— Espera, eram nomes? Esses nomes estranhos eram de pessoas? — perguntou Colth, alheio.

Lashir balançou a cabeça negativamente. Resumiu:

— Não eram só pessoas. Foram os guardiões de Véu — Lashir mirou seus olhos julgadores sobre o jovem deus. — Mas ele próprio nem faz ideia de quem foram esses heróis.

O deus de Véu ficou completamente calado, inexpressivo, quase como se admitisse os dizeres.

— O que isso significa? — perguntou Colth. — Como que um deus que nomeia o seu guardião pode esquecer dele?

Após a pergunta de Colth, um silêncio tenso pairou sobre o hall, carregado com a revelação de Lashir. Véu permaneceu imóvel, como se confrontando com a própria verdade que estava prestes a ser exposta.

— Lembra do que eu disse, de que cada mundo tem suas regras quanto ao seu guardião? — Lashir recapitulava antes de responder: — Pois bem, no mundo de Véu, além do sacrifício do guardião, o deus também tirava a sua própria vida.

Colth fitou Véu, surpreso e confuso diante da descoberta:

— Mas, por quê?

Lashir cruzou os braços, mantendo seu olhar afiado sobre Véu, enquanto explicava com um tom de voz ácido:

— Porque, independente de quantas vidas você viva, não se pode mudar quem você é. Nesse caso, um completo covarde que não consegue encarar as suas próprias escolhas.

Véu cerrou os punhos e finalmente mostrou uma expressão mais contundente em seu rosto. Uma raiva contida transbordou em seus lábios enquanto os dentes cerrados:

— Eu protegi o meu mundo.

— Olhe bem para ele, Colth — solicitou Lashir, mantendo-se áspera. — Após tantas aparências, você está diante da última forma de Véu. O deus que renascia a cada dadivar.

— Eu-eu ainda não entendi.

Lashir continuava a expor:

— O deus de véu tem a conveniente magia da vida. Além de invocar criaturas imperfeitas do seu mundo, ele pode se auto invocar em uma outra pessoa, desde que seja de véu, é claro. Em outras palavras, após o seu arrependimento de mandar o seu guardião para morte, Véu recomeçava a vida sem se lembrar das merdas que fez, sem o peso de suas decisões, em outro corpo.

O deus se sentiu pressionado a dar uma resposta:

— É apenas um efeito colateral da minha magia para que eu pudesse manter o meu mundo em segurança e...

— Ah, não me venha com essa — interrompeu Lashir, rejeitando os dizeres do deus. Olhou diretamente para Véu com a intensidade carmesim que só alguém nascido em Rubrum podia transmitir: — Dizia proteger o seu mundo, falava em manter todos em segurança, mas o único que não se machucava era você. Foi por isso que esse majestoso palácio caiu de dentro para fora. O seu próprio povo te odeia, Véu. Seu mundo pacífico era uma completa ilusão.

— É mentira!!! — esbravejou o pequeno deus. — Índigo ficou ao meu lado até o fim e...

— Não! Índigo ficou ao lado do filho dele até o fim — rebateu Lashir. — Aliás, essa era a sua intensão desde o começo, não é? Nomear o guardião e tomar o corpo do filho dele, afinal, nenhum pai ou mãe se oporia ao próprio filho ao ponto de uma decisão drástica.

— O quê? — indagou Colth, boquiaberto.

— Você ouviu bem, Colth — explicava Lashir: — Esse covarde nomeava o seu guardião antes do seu renascimento. Sempre escolhendo alguém intimamente ligado ao seu próximo corpo. Desse modo, teria certeza da lealdade do guardião. No caso de Índigo, o seu terceiro filho de pouco mais de três anos foi o escolhido.

— Então...

Lashir interrompeu Colth de forma a finalizar os seus dizeres. Ela concluiu com a informação que um dia recebeu do próprio guardião de Véu:

— Yazen. Esse era o nome de Índigo, até ter o seu filho roubado e ser nomeado o guardião do próprio ladrão.

                                               ***

— O que acha que eles estão decidindo lá dentro? — perguntou Índigo, apontando com os olhos para a enorme porta dupla no corredor vasto.

— Eu sei lá. Tanto faz — respondeu Lashir sem grande interesse frente a janela com a vista sobre as estrelas.

Suas vozes ecoavam pelas paredes luxuosas em mármore com detalhes dourados e castiçais com cristais que emanavam uma luz fria e contínua.

— Então, por qual motivo veio acompanhando o seu deus? — indagou Índigo, se apoiando no parapeito da janela ao lado da mulher de vermelho.

— Eu sei lá — rebateu ela, frente ao breu que destacava os pontos brilhantes distantes. —   Acho que eu queria ver essa vista uma última vez antes de partir.

— Ah? Desde quando você é sentimental desse jeito? — disse o homem. Ergueu uma de suas sobrancelhas e em seguida preparou o seu tom mais sarcástico: — Assim parece que você até tem um coração.

Lashir revirou os olhos mostrando o seu humor de sempre. Perguntou sem muito interesse:

— E você, Índigo, por qual motivo está aqui?

— Por você — respondeu ele, olhando para as estrelas com um sorriso sereno no rosto. — Vim ver como você estava.

A mulher se surpreendeu, se virou para o guardião com um olhar desconfiado:

— Isso foi algum galanteio?

— “Galanteio”? Quem é que fala assim? — questionou Índigo, com um sorriso em chacota.

— Em Rubrum falamos assim — rebateu Lashir, irritada com o tom dele.

— Eu duvido. Mas não, eu não estou te galanteando. Eu sou bem-casado, esqueceu?

— E como poderia? Você só fala dos seus filhos e da sua esposa.

— E tem como não falar? Eles são incríveis. O mais novo já está dizendo suas primeiras palavras. E a mais velha é a melhor que eu já vi com um arco.

Lashir, totalmente desinteressada, retornou em desdém:

— E qual o motivo para saber usar um arco? O seu mundo é completamente pacífico.

— Ah é — disfarçou Índigo —, tem razão. Mas ela é incrível, mesmo assim. Você deveria ver.

— Não, obrigada.

— Você vai entender quando... — o homem percebeu que estava prestes a dizer algo completamente equivocado. — Quer dizer, você entenderia se... é...

— Está tudo bem — Lashir interrompeu o sem jeito. — Eu estou feliz apenas servindo o meu deus. Não preciso disso, tá legal?

Ela se virou para dar as costas a janela e observar a porta dupla que levava até a sala circular de reunião. O silêncio desconfortável surgiu, mas logo foi interrompido pela pergunta de Índigo que, atencioso, percebeu o olhar de Lashir minimamente desanimado:

— E se as coisas fossem diferentes?

— Hã? Do que você está falando, Índigo?

— Sabe, se os guardiões não precisassem ser sacrificados. Se não houvesse o dadivar — ele expôs sua imaginação. — O que você faria?

— Que ideia mais estranha. Não seja tolo.

Concluiu Lashir se desprendendo da janela e do assunto para então caminhar pelo corredor de modo a se afastar.

— É, acho que é melhor continuar do jeito que está — sussurrou ele para além das estrelas.

O guardião permaneceu solitário no corredor. Foram alguns minutos no completo silêncio pensativo, até a porta dupla atrás dele se abrir.

— Índigo — solicitou o garoto que atravessou a porta e adentrou ao corredor com os olhos gélidos.

— Sim, meu deus. — O guardião prontamente se dispôs.

— Vamos voltar. Estou com um péssimo pressentimento — disse Véu.

— Algum problema na reunião dos deuses?

— As coisas estão para mudar. Isso é uma certeza após a decisão de hoje na reunião. Mas não é isso que me preocupa.

Índigo se impressionou com o tom aflito do seu deus e o seu revelar. Dificilmente o via dizer sobre os seus pensamentos, ainda mais sobre algo negativo.

— O que aconteceu?

— Sinto que a reunião estava sendo observada por alguém de fora. Diversas vezes tive essa sensação durante as discussões — Véu manifestava a sua preocupação. — Mas, além disso, a reunião em si pareceu artificial. Como se não importasse a sua conclusão, como se...

Parou pensativo. Índigo alarmado não se conteve:

— O quê?

— Meu guardião, precisamos voltar. Precisamos voltar imediatamente para o nosso mundo.

Véu apontou o seu nariz para o final do corredor e começou a caminhar em passos apressados. Índigo mais uma vez se impressionou, o seu deus realmente estava preocupado. Avançou para alcançá-lo sem contrariá-lo.

— Claro. Vamos voltar. Vou preparar o portal imediatamente.

Toda a preparação e a viagem não duraram mais do que duas horas, mas foi acompanhada de uma apreensão que Índigo nunca havia presenciado quando acompanhado de seu deus.

Os dois atravessaram o portal de volta ao seu mundo. Se encontravam na sala particular do deus, o cômodo mais interno do palácio de Véu. Um quarto que esbanjava conforto por todos os cantos, desde a cama sobre o carpete escovado até o belo lustre pendurado iluminando-os em uma cor fria.

Véu continuou com os passos apressados em direção a porta principal do quarto. Índigo ainda não entendia o motivo de tanta pressa e preocupação, mas era o seu dever seguir o deus e protegê-lo. Avançou atravessando o quarto, mas notou algo incomum no carpete aos seus pés. Uma gota de sangue fresco. Algo tão pequeno que passaria despercebido para a maioria das pessoas, mas os olhos de Índigo eram aguçados.

— Espera!

Imediatamente, o guardião gritou tentando impedir que o deus prosseguisse com o seu trajeto, mas era tarde demais. O pequeno Véu já havia aberto a porta e, assim que colocou o pé para fora do quarto, algo violentamente acertou o topo de sua cabeça.

Sem dúvidas era um porrete de madeira que atingiu em cheio a criança deus. O seu corpo desmontou desacordado ao chão enquanto Índigo se alertava e corria em alento, mas foi obrigado a parar quando o portador do porrete se apresentou na porta.

Não era apenas um, mas vários homens armados com espadas, machados, punhais e armas improvisadas. Índigo reconheceu todos eles, cada um dos doze indivíduos ali, eram pessoas do seu mundo. Camponeses, serviçais, pessoas simples. Homens e mulheres comuns e de ótimos corações. Mas surpreendentemente todos pareciam agressivos.

Um deles recolheu o corpo de Véu desmaiado em seus braços, mas o que impediu Índigo em avançar estava nos braços de um outro homem que portava uma faca e apontava para a garganta de uma refém.

— O que vocês estão fazendo? — perguntou Índigo apavorado e confuso.

— Pai, eles... — soluçava a refém em choro. — Eles mataram todos.

— Filha, o que... — Índigo ficou em alerta máximo.

Os olhos de Índigo se arregalaram de horror, incapazes de acreditar no que estava vendo e ouvindo. Uma mulher em trajes desgastados, que ele reconheceu como a cozinheira do palácio, deu um passo à frente com um semblante pesaroso:

— Perdoe-nos, senhor Índigo, mas era a única maneira de garantir que a aura de Véu não escapasse.

— Pai, eles mataram a mamãe — sussurrou a garota refém, sua voz trêmula de angústia. Era evidente o abalo que aquela situação causava em uma criança de apenas dez anos. — Eles mataram os meus irmãos.

Índigo ficou sem chão, suas pernas tremeram e seus olhos se encheram arregalados. O peso da tragédia parecia esmagá-lo enquanto ele lutava para processar a terrível realidade adiante. O ar pareceu pesado em seus pulmões e suas palavras entaladas em sua garganta:

— O quê?

— Era o único modo — disse um dos homens, mais convicto de suas decisões. O idoso calvo com olhos apertados também era conhecido, o médico do palácio. — Véu nunca mais vai tomar um dos nossos filhos.

— Por favor, diz que isso é mentira — suplicou Índigo, sem ação. — Como... como puderam fazer isso?

A voz murmurada do guardião se fazia em um sussurro cheio de dor e desespero.

— Você sabe que o único modo de acabar com Véu é matando o seu corpo principal e seus possíveis corpos reservas — O velho continuou, enquanto com uma espada curta manchada de sangue em suas mãos. — Eu sinto muito, mas não poderíamos arriscar que qualquer outro filho seu fosse um corpo reserva de Véu. Peço desculpas pela sua esposa, mas ela não concordou conosco, então...

— É claro que não, seus monstros! — exclamou Índigo.

— Nos chame do que quiser, mas é um sacrifício necessário agora, para que no futuro nenhum mais precise ser feito — concluiu o doutor. — Nós somos o menor mundo, nossas fronteiras são as paredes desse palácio, então você é importante para nós, Índigo. Por favor, pedimos que coopere conosco.

Índigo tinha tantos sentimentos em seu coração que parecia poder explodir a qualquer momento. Disse desesperançoso:

— Do que você está falando? É assim que vocês retribuem quem lhes ajudou, quem lhes deu moradia e proteção? Vocês não são assim. Vamos conversar, tá bom?

A mulher cozinheira, com pesar em seus olhos, tentou explicar mais uma vez, sua voz trêmula com o peso da decisão que haviam tomado:

— Por favor, Índigo, entenda. No próximo ano, Véu vai tomar mais uma criança, assim como tomou a sua. Só há um jeito disso parar. A maioria do palácio já decidiu. Por favor, nos ajude a manter o nosso mundo seguro.

O doutor apontou a lâmina da espada curta para o pescoço da garota arrancando sangue superficial de sua pele enquanto os homens ao seu lado apontavam suas armas para Véu.

Índigo rosnou em resposta:

— Eu juro que se fizerem algo aos meus filhos, eu vou acabar com vocês.

— Nós já decidimos, senhor Índigo — respondeu o médico, sem dar alternativas. — Você não pode fazer mais nada.

— Eu vou acabar com vocês — disse Índigo apontando a palma da mão trêmula em ódio para o chão.

No instante seguinte, o chão tremeu, mas nada pareceu acontecer.

— O que houve? O que foi isso? — se perguntaram os inimigos.

No instante seguinte, uma convocação de lobos surgiu do solo ao lado de Índigo, uma horda de Sirveres ferozes, prontas para defender seu mestre. Mas antes que pudessem agir, um grito angustiado ecoou pelo palácio, seguido por um som horrível de lâminas encontrando carne. Índigo mirou seus olhos para a garota, teria de agir, mas pesava em seus ombros um pressentimento terrível.

À sua frente, sua filha estava sendo segurada pelos cabelos por um dos homens, enquanto o médico levantava a espada ensanguentada. O doutor expressou com algum pesar:

— Eu disse, você não pode fazer mais nada.

— Não! Pare com isso!

Nada que Índigo pudesse fazer mudaria a ideia da multidão.

Com um golpe rápido e brutal, a lâmina cortou o ar, o sangue espirrou pela parede, e então o mundo pareceu congelar por um momento. A garota caiu, seu corpo deslizando pelo chão em um movimento lento sem vida.

O coração de Índigo pareceu parar enquanto ele assistia, impotente, à morte de sua filha. Ao mesmo tempo, Véu, o pequeno deus, estava sendo atacado por outros homens. Sua forma desacordada era agora alvo de apunhaladas cruéis e sem piedade dos homens e mulheres que ele tanto conhecia. Uma atrás da outra, as lâminas invadiam a carne e acabavam com a vida do garoto.

Um grito selvagem escapou dos lábios de Índigo, misturando-se com os rugidos furiosos das criaturas que ele invocou. Seus olhos se encheram de fúria, desespero e lágrimas.

— Ahhh!!!

Ele avançou com tudo que lhe restava. Os Sirveres, com sede de sangue, não parariam por nada, assim como o seu conjurador.

— Como que está usando a magia ainda? Como que mantém essas invocações? A magia de Véu se foi, não era para você... — disse o doutor com um passo para trás junto da multidão preocupado.

— Eu vou acabar com cada um de vocês! — vociferou Índigo apontando a palma da mão para o alvo de seu ódio e de suas invocações.

Os Sirveres avançaram sem qualquer intensão de misericórdia. Aquele era apenas o início de um dia cheio de desespero, correria e gritos por todo o palácio. O último dia do mundo pacífico de Véu.



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