Volume 1

Capítulo 65: Confronto Divino

— Mamãe! Minha poderosa mãe! — gritou Hueh deixando todo o resto de lado. Correu para a mulher no centro da câmara e se ajoelhou em absoluto respeito e devoção frente àquele poder — Finalmente!

A deusa ergueu sua cabeça com a delicada coroa prendendo os seus cabelos brancos e imaculados como flocos de neve. Seu rosto, uma perfeição divina, adornado por olhos que reluziam sabedoria, exalava uma aura de poder absoluto, irradiando uma energia que ecoava através dos mundos.

Ela, a personificação da justiça e da ordem, a única que tem seu nome ressoante em todos os mundos como um suspiro sagrado nos lábios dos fiéis. Ela que é reverenciada como a protetora da harmonia e do equilíbrio cósmico, estava bem ali.

Os mortais que ousaram encontrá-la ficaram maravilhados diante de sua majestade e sentiram o peso de sua presença divina, pois ela era a personificação do poder supremo e uma força a ser admirada e, ao mesmo tempo, temida.

Todos que estavam naquela câmara não tinham relevância. Era como se nada mais importasse, como se a resposta para tudo estivesse diante de seus olhos.

A mulher poderosa finalmente deu voz aos seus pensamentos sobre o deus de Anima ajoelhado diante de si:

— Hueh, meu filho. Finalmente cumpriu o seu objetivo.

— Sim, mãe.

— E quem são esses? — perguntou a perfeição em direção ao grupo que se juntava no canto da câmara.

Colth engoliu seco ao ser atingido pela atenção do poder, as reações dos outros ao seu lado também foram parecidas e o silêncio permaneceu.

O deus de Anima se levantou explicando:

— Não precisa se preocupar com eles, são meros turvos. A ralé desse mundo lixo e...

— Hueh! — Lux invocou a voz absoluta.

— Sim, mãe — baixou a cabeça imediatamente.

— Cale a boca.

— ...

O silêncio se fez presente mais uma vez. Lux percorreu seus olhos sobre todos ao canto da sala. Um por um, ela encarou, com um olhar que parecia desvendar e consumir qualquer desejo. Nenhum, nem mesmo a indiferença de Garta ou a inquietação de Goro, ousou dizer algo.

— É isso o que você quer desesperadamente proteger, Tera? — perguntou Lux plena e julgadora. — Um rapaz que abandonou a própria família à morte, uma garota que matou dezenas de seus pares, uma outra que sua maior ambição é ser notada, e o último que é a personificação do fracasso. É isso o que quer proteger?

O dragão esmeralda colocou-se ao lado de sua deusa:

— Você diz isso como ofensa àquelas crianças, mas parece mais que está descrevendo a si própria, Lux.

— Koza... — sussurrou Tera ao ver o seu parceiro entregue aos ferimentos, mas ainda sim disposto a estar ao lado dela.

— O familiar arrogante da minha filha ingrata — disse Lux no alto de sua divindade. — Tão ingrato quanto ela.

— Você, sua criatura imunda... — sussurrou Hueh com olhos no dragão esmeralda. — Como ousa insultar Lux?!

— O deus mimado se sentiu ofendido?

Após a pergunta ácida de Koza, Lux deu um único passo à frente se anunciando mais uma vez:

— Isso me traz memórias do dia em que você fugiu com os seus irmãos. — Lux manteve-se equilibrada, mas a reação de Tera ao ouvir àquelas palavras eram a de quem estava sendo provocada. A deusa mãe continuou: — Do que adiantou tudo aquilo? Seus irmãos morreram e deixaram os seus mundos em ruínas. Agora só resta você, minha filha, sem mais para onde fugir.

— Está errada — rebateu Tera. — Finn e Mutha continuam comigo, é por isso que protejo esse mundo, é por isso que protejo quem eles tanto amaram.

Tera percorreu suas lembranças, observou com orgulho o canto da sala com os espectadores impressionados paralisados pela divindade e convenceu-se satisfeita.

— Quanta futilidade. — menosprezou Lux. — Já chega, vou acabar com isso de uma vez, e recomeçar corrigindo os erros que cometi.

A deusa retirou sua coroa da cabeça e deixou seus cabelos serem derramados sobre os seus ombros. O objeto em sua mão já não era um simples adorno de cabelo. O metal branco tomou outra forma, uma bem mais agressiva e perigosa.

Nas mãos da deusa Lux, uma lança, que também a servia de cajado, era empunhada com a sabedoria e bravura. A lâmina branca bi dentada na ponta era afiada e desenhada para destruição. O metal envolvia um cristal sem cor em meio a empunhadura que era tão belo quanto àquela divindade que a manuseava.

— Koza, ainda consegue ficar de pé? — perguntou Tera, já sabendo a resposta, ao seu parceiro.

— Mesmo que eu não pudesse, ainda estaria aqui ao seu lado, mestra. Farei o que for preciso.

— Fico grata com isso — respondeu ela com um leve sorriso para ele. Voltou-se determinada e séria para a mulher à sua frente: — Então prepare-se, pois dessa vez lutaremos.

Tera juntou as mãos como se estivesse iniciando uma prece e, em seguida, as afastou desembainhando uma espada que nunca estivera ali antes.

A espada, com o seu corpo longo e ligeiramente curvado, refletia a face de sua portadora no aço damasco resistente. Afiada e equilibrada, a lâmina era acompanhada de uma bela empunhadura dourada com o desenho de uma águia gravada ao metal, e era perfeitamente empunhada pela deusa Tera.

A mulher apontou a espada, que parecia incrivelmente leve em suas mãos, em direção à oponente plena ao centro da câmara. Disse com a coragem absoluta:

— Eu vou proteger as promessas que fiz.

— Promessas? — sussurrou Lux. Partiu em ofensiva: — Apenas mais futilidades. Que assim seja.

A deusa maior apontou a lança à oponente e avançou na velocidade de um raio. Cruzou a câmara e aproximou-se em um suspiro de Tera. A filha, por sua vez, em um reflexo instintivo girou os ombros e escapou do ataque com uma esquiva sobre-humana. Sentiu o vento, e apenas isso, do movimento veloz da lâmina branca centímetros da sua pele.

Em seguida, Tera não parou o seu movimento, aproveitou a rotação de seu corpo e segurou firme a sua espada curva para descrever um contra-ataque certeiro ao corpo celestial de sua mãe. Riscou o ar na diagonal, de cima para baixo, com seu aço reforçado.

Prestes a ser acertada por um corte limpo, Lux usou de sua absurda velocidade para recolher o seu cajado e colocá-lo a frente do golpe em proteção.

A lâmina portada por Tera colidiu com o metal branco da lança de Lux, e o poder resultante da defesa perfeita e do ataque infame foi tanto, que ambas foram afastadas pela pequena explosão de energia vinda daquilo.

Tera foi a que pareceu sentir mais o rechaço entre as armas e teve de se esforçar para manter-se em pé. Com três passos para trás, tentando retomar o equilíbrio, ela cambaleou.

Aquela era a abertura perfeita que a deusa Lux esperava. Não permitiu a oponente se recuperar, avançou apontando sua lança ao coração desprotegido de Tera, com a absoluta certeza de que a acertaria sem que ela pudesse se defender e, quando estava prestes a estocá-la, sentiu algo acertar a lateral de seu corpo.

Koza foi a defesa de que Tera precisava, o dragão esmeralda chocou-se com a deusa Lux em meio ao seu ataque, interrompendo-a bravamente.

— Familiar fútil — rosnou a deusa ao se recuperar frente do segundo oponente. — Cortarei a sua última asa fora antes de acabar com você.

A criatura não hesitou frente ao poder absoluto. Sarcasticamente respondeu:

— Não vou precisar dessa asa mesmo, pode... — Não conseguiu terminar sua fala.

Lux já avançara em mais uma ofensiva com a lâmina de seu cajado, dessa vez apontada ao dragão. Koza apenas arregalou os olhos sabendo que não tinha o que fazer com o aproximar da lança branca.

O som metálico de duas armas se colidindo ecoou mais uma vez pelas paredes de pedra do subterrâneo. A espada suavemente curva de Tera desviou o golpe pretendido por Lux e não permitiu acertar o seu alvo. Ela havia se recuperado.

Tera segurou o golpe e seu rebote dessa vez. Frente à Lux, manteve-se enquanto suas armas riscavam umas às outras com a disputa de força das deusas ganhando seus corpos.

Enquanto Tera rangia os dentes se esforçando para manter a disputa equilibrada, Lux apenas dava voz aos seus pensamentos:

— Isso tudo é em vão. Não pode me derrotar. Eu vou recomeçar tudo, você querendo ou não.

— Eu já disse... — Tera se esforçou mais —, vou cumprir minha promessa!!!

Koza avançou em direção a elas para desequilibrar a disputa. Lux percebeu de imediato o retornar dele ao combate, abandonou a disputa de forças e deu um longo salto para trás, evitando qualquer sequência de golpes ou nova ofensiva dos oponentes. Não parecia de forma alguma afetada, mantinha a sua serenidade e compostura ao máximo, diferentemente de Tera, a deusa filha respirava fundo para recuperar o fôlego enquanto atenta.

— Você está bem? — perguntou Koza ao lado de sua conjuradora.

— Estou sim — respondeu Tera e voltou suas palavras discretamente ao seu familiar: — A falta da sua asa não afetou mesmo o seu voo?

— Não. Sabe que meu voo não depende de... Espera aí — percebeu se preocupando —, o que você está pensando?

Tera cerrou os dentes sem responder, algo chamou mais atenção do lado da oponente.

— Dois contra um, não é muito justo — disse Hueh se dispondo ao lado de Lux —, vou deixar isso mais equilibrado.

Hueh levou uma das mãos ao peito e a retirou em seguida. Quando todos os outros perceberam, ao seu lado mais duas figuras apareceram, duas cópias perfeitas do Deus de Anima.

— Agora sim, bem mais justo — completou ele com um sorriso cínico.

— Hueh, onde está a sua arma? — perguntou Lux sem se impressionar.

— Os últimos anos não foram nada fáceis, sabia? Sem você aqui eu...

— Perdeu a sua adaga, não foi?

— Eu não tive culpa, fui obrigado a...

— Hueh, você continua sendo o pior entre todos os seus irmãos.

— Tsc — desviou o olhar contrariado e amargo. — Vou mostrar quem é o pior.

O deus de Anima se preparou para a luta que viria a seguir. Com as suas duas cópias perfeitamente espelhados à sua aparência do seu lado, ele mirou os olhos na dupla de oponentes do outro lado da sala e, junto de Lux, avançaram em ofensiva na direção de Tera e seu familiar.

Ao canto da sala, o grupo de espectadores ainda permaneciam atentos escondidos atrás de um dos escombros do desmoronamento do combate mais cedo:

— O que vamos fazer? — perguntou Colth apenas assistindo a batalha divina que acontecia diante de seus olhos.

— O desmoronamento fez a porta ficar inacessível — respondeu de imediato Goro, observando o monte de pedras bloqueando a única saída. — Não dá para sair daqui.

— Deveríamos ajudar — Rebateu Garta com sua bravura.

— Ficou maluca?! Eles são deuses — Goro ainda mais preocupado.

— Não vê que essa batalha pode colocar um fim no nosso mundo?

— E cometer suicídio vai nos ajudar? Você ainda tem um olho, usa ele para ver o óbvio.

— Colth, por que você está do lado desse idiota? — perguntou a guardiã se desfazendo da discussão.

— Não, Garta. Ele tem razão — pronunciou Celina. — Você é a única que poderia fazer alguma coisa nessa briga, mas os seus poderes...

— É, eu ainda não consegui tirar essa coisa do meu pescoço — Garta apontou para o objeto metálico agarrado à sua garganta que impedia a sua magia emanar.

— Fala do colar inibidor de criatura sombria? — Goro perguntou inocente. — Por que não retira ele? Essa coisa pode acabar te estrangulando, já que o poder de um guardião parece ter a mesma origem da de uma criatura sombria.

— Colth, eu vou repetir a pergunta. — Garta impaciente. — Por que você está do lado desse idiota?

— Espera. Então você sabe o que esse colar faz? — perguntou Colth, curioso, dirigindo-se a Goro.

— Sim. A divisão anti-criaturas os utiliza como coleira para domar as criaturas sombrias e utiliza-las em experimentos. Mas falo sério — se voltou a Garta —, se eu fosse você, tiraria isso o mais rápido possível.

— Se eu pudesse, já teria tirado! Seu idiota! Eu vou bater nesse cara — Garta levantou o punho.

— Calma aí — Colth segurou o braço dela e voltou-se a Goro: — Você consegue tirar isso dela?

— Qualquer um consegue. Mas precisa de uma chave específica.

— Uma chave... É claro que teria uma chave — puniu-se Colth.

— Óbvio, é para isso que serve esse pequeno buraco na parte de trás do colar. Uma chave e...

— Onde? — Garta levantou a voz e o punho ameaçando-o.

— Ei, eu estou do seu lado — retrucou Goro.

— Onde?! — Garta avançou ainda mais, segurou o colarinho do rapaz e ficou a centímetros de seu rosto.

— Agora eu entendo o porquê de você estar com essa coleira mesmo sendo bonitinha.

— Fala logo.

— Tá bom. Eu vi uma chave recentemente em visita ao quartel da cidade de Tekai. Lá é o lugar que estava aparecendo as criaturas e...

— Tekai, a cidade de Liana, onde deixamos o Jorge — sussurrou Celina os seus pensamentos.

— É, mas isso não importa agora — rebateu Colth observando a luta que continuava ao centro da câmara.

— Dá para me soltar agora? — Goro desconfortável.

— Tekai... — Garta largou mão do rapaz e diminuiu o tom, manteve-se pensativa.

— Que mulher mais selvagem... — resmungou Goro antes de recobrar a pergunta: — Então, o que vamos fazer?

— Acho que não temos muito o que fazer por agora — respondeu Colth realista. — Isso não é bom.

Enquanto o quarteto se mantinha ao canto da sala escondidos sem chamar a atenção, no centro, a deusa Lux avançava com golpes agressivos em direção à Tera que começava a mostrar indícios de sua exaustão.

Um dos ataques de Lux, uma estocada com sua lança na altura do tórax da oponente, quase levou ao final da luta. A lâmina chegou a cortar as vestes esverdeadas de Tera e ocasionou um ferimento significativo na barriga da deusa, só não foi fatal, devido ao girar da mulher em seu próprio eixo. Como em um passo de dança, ela evitou a morte e recuou após usar a sua espada para aparar um segundo ataque de costas da inimizade.

Com uma das mãos estancando o sangue que se perdia ao chão e a outra tremulando a espada sem alvo, Tera se afastou da oponente lembrando-se da cor do seu próprio sangue.

— Você está bem?! — perguntou preocupado Koza ao longe e, imediatamente, foi interrompido por um ataque que vinha dos seus oponentes.

As mãos, que emanavam um brilho característico, de Hueh e de suas cópias, tentavam alcançar a criatura que teve de desviar abruptamente após perder a atenção na luta para acompanhar sua mestra com os olhos apreensivos.

— Não baixe a guarda! Sua luta é comigo! Hahaha! — caçoou Hueh e avançou com tudo. — Vou acabar com você!

Aquela era a sua abertura para encurtar a batalha. Sabendo disso, ordenou as duas cópias a se jogarem ofensivamente para cima do dragão.

Koza usou sua calda para afastar o primeiro. Com uma porrada em cheio, o ser de magia vazio idêntico ao deus de Anima foi jogado com força para o alto, sua cabeça bateu violentamente no teto da câmara e logo o corpo sem alma caiu com o pescoço deslocado já imóvel.

A segunda cópia não foi evitada. Com as suas mãos em brilho, saltou e agarrou as costas escamosas de Koza. Imediatamente o dragão rugiu.

Do encontro das mãos cintilantes da cópia e da pele grossa da criatura, emanava uma luz quente e uma dor ardente nunca antes sentida por Koza.

O dragão se debateu tentando remover o parasita que se agarrava as suas costas, mas não teve sucesso.

— Hora de finalizar isso — resumiu o verdadeiro Hueh se concentrando na magia em suas mãos frente ao dragão esmeralda.

Koza atentou-se, sabia que não poderia deixar o deus de Anima toca-lo com aquela magia e, mesmo sentindo a dor profunda percorrer o seu corpo, recuou com passos rápidos para trás se esquivando, mas foi interrompido por algo.

No seu terceiro passo retrocedente, sua pata traseira foi agarrada por algo. A dor advinda das costas também foi sentida em seu calcanhar. Quando se deu conta, Koza tinha a outra cópia de Hueh agarrada a si.

A cópia, mesmo que com o pescoço torcido e sua cabeça estando apenas pendurada ao seu corpo, se agarrou com as mãos cintilantes ao calcanhar da criatura.

O dragão esmeralda arregalou os olhos surpresos, havia esquecido que aquela coisa não era humana, ou mesmo um ser vivo, era apenas um boneco, uma marionete servindo ao seu mestre. Koza foi punido pelo seu erro juvenil, sentiu a dor ganhar até seus ossos, mas não havia acabado por ali.

Retornou seu olhar ao principal oponente, e o viu tão perto, a ponto de levar o golpe final.

Os olhos sombrios da criatura refletiam sua iminente condenação, enquanto as mãos do deus de Anima brilhavam com uma intensidade nunca antes vista, trazendo consigo um destino prenunciado.

Swooish.

No momento crucial, quando os dedos do deus estavam prestes a descer sobre Koza, um estrondo ecoou pela câmara. Uma rajada de luz varreu o ar, e o braço do deus Hueh foi arrancado abruptamente por um disparo certeiro.

O choque tomou conta de todos os presentes enquanto o membro decepado caía ao chão, espalhando o sangue divino. A figura imponente de Garta emergiu do canto da câmara, revelando-se como a responsável pelo disparo. Seus olhos brilhavam com uma mistura de coragem e determinação, enquanto portando o revólver de Sathsai de Goro.

A revelação de que Garta foi a autora do disparo, e de que ela era tão parecida com uma velha conhecida, corroeu o ego de Hueh. O silêncio dominou a câmara, interrompido apenas pelos gemidos de dor do deus ferido e seus dentes rangendo em ódio.



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