Volume 1
Capítulo 64: A Luz que Precede as Trevas
— Colth, saí daí!!! — exclamou Goro para o amigo frente a barreira de magia que guardava a deusa de Tera naquela câmara.
Quando o guardião de Anima tomou consciência de onde estava, se surpreendeu com a criatura escamosa correndo na sua direção em uma ofensiva feroz.
Ao lado de Celina, Colth arregalou os olhos observando Koza se aproximar em um ataque sem piedade.
— Eu disse que você só tinha dez segundos! — gritou a criatura em ataque aos guardiões.
Colth emancipou-se frente a Celina segurando a mão dela e, consumido pelo instinto sobrevivente, colocou a outra mão à frente de seu rosto para se proteger do inevitável golpe.
A criatura manteve a sua corrida, mas antes que acertasse os alvos imóveis, foi interrompido por algo sem forma. Algo que parou o ataque violentamente como se houvesse uma parede impenetrável entre eles, algo como um sólido escudo.
O choque brutal fez o chão tremer com o ecoar da colisão, e uma fina poeira foi erguida no ambiente pouco iluminado da câmara abaixo do palácio.
Colth se surpreendeu, assim como todos os outros da sala. Ele havia parado o ataque do dragão esmeralda com a magia de Mutha. Sussurrou impressionado:
— O escudo de Agnes...
— Ah!!! — gritou Koza em sofrimento com a sua voz grave. — Ai minha cabeça! Que dor, que dor — lamentou sentido a amargura de ter a sua investida violenta parada por algo tão sólido.
Colth também não aliviou em suas palavras após entender o que havia acontecido:
— Ficou maluco, Koza?! Podia ter nos matado!
— Ai, ai — reclamou em dor. — Mas a Celina, ela vai... — a criatura observou que a garota estava sem pretensões sobre a barreira mágica que envolvia a deusa Tera.
— A Celina não vai fazer nada — retrucou Colth. — Ela está de volta — olhou para a garota ao seu lado —, não é?
Celina engoliu seco e chacoalhou a cabeça positivamente.
Ao ver a reação dela, o rapaz sorriu com um sentimento de objetivo alcançado. Ela, por sua vez, desviou os olhos minimamente envergonhados e percebeu a sua mão ainda entrelaçada à dele.
Teve suas bochechas coradas e, imediatamente, se desprendeu do rapaz com um passo para trás antes de responder tropeçante:
— Sim, eu estou bem. Eu estou bem agora.
Colth sorriu mais uma vez vendo o jeito estranho corriqueiro dela. Realizado, repetiu na direção da criatura confrontante e da deusa de Tera do outro lado da barreira:
— Ela está de volta. Está tudo bem agora, viram?
A tensão no ambiente parecia ter sido superada.
— O que está acontecendo? — perguntou Garta enquanto recuperava a sua consciência ao fundo da câmara acompanhada de Goro.
— O Colth conseguiu mais uma vez... — sussurrou o rapaz ao seu lado.
— Colth? — Garta sentiu a tensão no rosto do rapaz aliviar-se.
Koza e Tera se olharam complacentes frente à situação mais amena que perdurava.
O silêncio sereno suavizado havia se estabelecido por segundos, mas o ecoar de uma outra presença naquela câmara subterrânea reverberou fazendo a tranquilidade desmoronar de imediato:
— Hahaha! Se não é a sorte grande.
Mais uma vez Colth ouviu aquela voz odiável. Sentiu o arrepiar por toda a pele com o péssimo pressentimento vindo da gargalhada dele ecoando em sua cabeça. Se virou e, ao ver a figura dona das palavras, sussurrou surpreso:
— Hueh.
O deus de anima, do outro lado da sala sorria. Colth teve a certeza dos problemas que estavam por vir.
— Um guardião de Anima, meu guardião, que possuí uma magia que nem é de meu domínio — vangloriou-se o homem de cabelos cumpridos em seu robe. Sorriu de orelha a orelha: — Isso é pura magia de Mutha, não é?
— Como... — Colth tentou a pergunta, mas travou em suas palavras.
— O que você faz aqui, traidor?! — questionou feroz a deusa Tera em seu cativeiro.
— Traidor? Hahaha. — Hueh não se intimidou. Mirou seus olhos ardilosos para dentro da barreira: — Você tentou matar a nossa mãe Lux. A única traidora aqui é você, Tera.
— Como ousa?! — esbravejou a deusa. — Resolveu sair de seu mundinho de fantasias vindo ao meu mundo, e acha que pode ser tão insurgente.
— Olha quem fala, a deusa que se escondeu em um casulo de magia. Com licença, irmãzinha, tenho um assunto mais importante com essas crianças — disse Hueh se voltando aos outros da sala. — Por que parecem tão surpresos?
Assim como Colth e Celina, Garta e Goro deram um passo para trás ao serem atingidos pelo olhar ardiloso poderoso do deus de Anima. Koza, inquieto, logo questionou:
— Você estava por trás disso desde o começo? Seu manipulador nojento.
— Cale a boca seu familiar, e talvez eu peça a piedade da minha mãe sobre você. Mas duvido que ela tenha alguma compaixão sobre uma coisa forjada pela magia de Tera como você.
— Vai colocar todos os mundos em risco por conta de uma ideia insana de unidade. — Manteve-se Koza — Hui estava certo, você é um completo lunático.
— Não diga esse nome em minha presença, criatura imunda!!! — rugiu Hueh perdendo a compostura. Em seguida, respirou fundo para aliviar os olhos em ódio pleno, arrumou o cabelo e voltou-se um pouco mais ameno: — Acha mesmo que eu acredito nessa ideia de unidade que Lux prega? Eu não dou a mínima para os planos dela. Eu só quero que todos os outros deuses sofram o mesmo destino que eu sofri. E no final eu recomeçarei tudo ao lado dela. Sentirão o amor de minha mãe. Hahaha.
— Você é maluco, Hueh. A raiva que sente sobre o seu filho não deveria transbordar para os outros. Ele estava errado sobre muitas coisas, mas isso não lhe dá o direito de algo cruel desse tipo.
— Hui isso, Hui aquilo... Eu já falei para não o citar. — reclamou o deus de Anima. — Não importa o que você acha, criatura, ele foi o responsável pela queda de meu mundo, e vai se arrepender disso.
Hueh respirou fundo para esquecer o desafeto e mirou os olhos sobre Colth receoso:
Meu guardião, chegou a hora — disse arrojado.
Colth recebeu as palavras aflito.
O deus de Anima continuou, imprimiu mais ânsia com o seu olhar e uma convicção plena em suas palavras:
— Destrua a barreira.
Colth sentiu o desejo do homem percorrer todo o seu corpo, tentou resistir ao máximo, mas seu corpo caminhou um passo em direção a barreira de magia contra a sua própria vontade.
— Colth? — perguntou Goro percebendo algo estranho no movimentar desconexo do amigo.
— Para com isso! — berrou o guardião de Anima. Colth era consumido pela ganância de outro, não possuía controle de seu próprio corpo.
— Hahaha — gargalhou Hueh vendo o desespero encher o rosto deles.
— Colth, o que está fazendo? — tentou novamente Garta.
— Não sou eu...
Koza não teve outra opção a não ser anunciar:
— Se chegar perto da barreira eu serei obrigado a pará-lo, garoto — a criatura soou ameaçadora.
— Eu já disse que não sou eu — repetiu Colth. Gritou em ira: — Para com isso, Hueh!!!
O deus não se deu ao trabalho de responder, apenas sorriu dissimulado. Celina percebeu que Koza já estava preparado para o seu ataque contra o guardião que dera mais um passo em direção a barreira, preocupou-se:
— Espera, Colth. Me escuta — implorou a garota se colocando no caminho do rapaz. Olhou no fundo dos olhos dele e determinada continuou: — Você me tirou dessa, então eu sei como é. Só precisa confiar em mim e resistir aos chamados do Hueh...
— Hahaha — Gargalhou o deus novamente. — Não é tão simples, garota tola. Você escapou da minha magia de controle, apenas por ter ajuda externa. Não é o caso do Colth agora.
— O quê? — Celina apreensiva.
— Colth não está sob o meu controle, eu não usei magia alguma sobre ele — Hueh levantou o queixo e sorriu mais uma vez: — Colth está sob o controle do pacto que tem comigo.
— Ah! — gritou Colth em dor advinda de sua resistência. No mesmo momento, empurrou Celina com força para tira-la do caminho.
A garota sem esperar aquela ação dele, desequilibrou-se e caiu sobre o chão de pedra.
— Hahaha!!! Meu guardião jurou obediência plena a mim. Não há como pará-lo! Hahaha! Um pacto não pode ser quebrado, nem por um deus.
— Colth, pare imediatamente! — ordenou Koza.
— Eu estou tentando — respondeu o rapaz com o corpo trêmulo e mais um passo em direção à barreira.
— Eu disse para parar!!!
— Eu não... — Colth se esforçou ao máximo sem sucesso. Mais um passo. Estava a poucos metros do objetivo de Hueh.
O dragão esmeralda avançou rápido em direção ao rapaz para um único ataque.
— Espera, Koza, não! — suplicou Celina.
A criatura não deu ouvidos ao pedido. Preparou sua ofensiva, um único golpe com a sua pata imensa que jogaria o corpo de Colth distante à barreira.
Quando estava prestes a acertar o golpe, sentiu o esperado escudo de magia de Mutha lhe bloqueando. Percebeu que não poderia com aquilo sem usar sua magia.
Colth deu mais um passo em direção à barreira, tão perto que não deu escolhas para o familiar de Tera. Koza respirou fundo para tomar fôlego e soprou com toda a força o seu bafo quente em direção ao rapaz.
Fagulhas foram lançadas do interior da boca da criatura e logo assumiram a forma de labaredas que iluminaram e ferveram o ambiente.
O fogo vindo das glândulas salivares do dragão abraçou o escudo de Agnes e o corpo de Colth em instantes. Celina, Garta e Goro se preocuparam ao máximo, não conseguiam mais ver o rapaz em meio as chamas incandescentes:
— Não!!! — Gritou Garta.
— Colth... — sussurrou Goro sem saber o que pensar.
O cuspir de fogo vindo de Koza não cessava, ele sabia que não seria simples de penetrar o escudo de Mutha, precisava se certificar de atingir o seu objetivo, precisava ter certeza de que pararia o rapaz ali e, quando estava prestes a se dar por satisfeito, pressentiu algo.
A criatura travou o seu ataque e esperou pelo dispersar das chamas e da fumaça para verificar se era o bastante. Viu, em meio ao vapor quente que ainda persistia, a silhueta imóvel do alvo.
— Colth... — sussurrou Celina chocada.
Por um segundo todos acharam que aquele era o fim, mas a sombra em meio ao vapor se mexeu subitamente.
O poder absoluto do dragão não foi o suficiente perante ao escudo de Agnes.
Koza tentou um passo para trás, mas não teve tempo, uma luz brilhou em sua frente e ganhou forma atravessando a cortina de fumaça em sua direção.
Era Colth em uma ofensiva surpreendentemente veloz, avançou passos em direção ao dragão impressionado. Com a espada translúcida que emanava a cintilação de Mutha em mãos, o guardião riscou o ar em um golpe diagonal para atingir a criatura que foi obrigado a se proteger do ataque sem tempo de desviar.
Koza jogou uma de suas asas escamosas à frente de seu próprio focinho vulnerável. Foi a única coisa que impediu a perda de seu pescoço, única solução que tinha em um espaço de tempo tão curto.
A lâmina cintilante passou pelas escamas com alguma dificuldade, mas a atravessou por completo.
Koza contra-atacou com a asa contrária, mas imediatamente teve o seu golpe lido pelo rapaz. O guardião desviou sem se esforçar, saltou para trás após o ataque e ficou estático interpretando o ocorrido.
O corte traçado pela espada na asa da criatura esguichou sangue e, em seguida, partiu-a em dois. As escamas caíram sobre o chão de pedra derramando ainda mais sangue.
— Ahh!!! — Koza murmurou grave em dor.
O dragão recuou. Sua asa direita já não lhe pertencia mais.
— Não! Eu não quis... — desesperou-se Colth. Mas o seu corpo não o obedecia, notou que estava ao lado da barreira magica que cercava a deusa.
— Hueh, não faça isso — alertou a deusa de Tera. — Você ainda pode parar isso. Juntos vamos arrumar esse mundo e...
— Baboseira!!! — surtou o deus de Anima. Mirou os olhos sobre o seu subordinado Colth: — Guardião, termine com isso.
Contra vontade, Colth ergueu a sua mão e a colocou sobre a barreira.
Todos ficaram apreensivos, e a deusa no centro da câmara pronunciou:
— Garota, minha guardiã — disse Tera em direção a Celina. — Proteja a barreira!
Celina foi impactada pelo pedido, sentiu um calafrio por todo o seu corpo e, sem desejar, olhou fixamente para Colth que tinha as suas mãos sobre a barreira.
Os olhos da garota começaram a brilhar em um verde azulado, tão intenso que provocava dor em si mesma:
— Ahhhh!!! Gritou ela sofrendo.
— Celina, o que... — preocupou-se Goro sem maior reação.
— Como guardiã de Tera — pronunciou a deusa encurralada —, proteja a sua deusa, criança!!!
Celina ergueu ambas as mãos contra sua própria vontade, seus olhos se enchiam de lágrimas pela dor e pela resistência que tentava.
Juntou as mãos e as mirou em direção à Colth. Como um disparo proveniente de um canhão de Sathsai, as mãos emanaram um poder absoluto.
Um disparo em linha reta, um rastro de luz que cegou todos aqueles ao redor, a energia rasgou o ar e atravessou a câmara até estar de encontro com o guardião de Anima.
Colth foi rápido para se antecipar ao ataque, esticou o braço e a palma da mão frente ao seu próprio rosto e se esforçou para evidenciar a magia de Mutha mais uma vez.
A energia proveniente da magia de Tera vinda de Celina acertou em cheio o escudo de Agnes que protegeu Colth ofegante pelo uso excessivo de magia.
Celina não aguentou mais do que um segundo o uso daquela energia, já estava esgotada antes mesmo de chegar ali, foi o seu último suspiro. Sentiu o seu corpo perder os sentidos e veio ao chão se esforçando para manter-se consciente.
Goro foi à sua ajuda, mas não pôde fazer mais do que simplesmente conforta-la.
Colth se voltou a barreira mágica que protegia e aprisionava a deusa.
— Impossível você ainda estar de pé — sussurrou Tera do outro lado da barreira ao notar Colth com energia suficiente para cumprir o seu objetivo.
O guardião de Anima estava exausto, mal se aguentara de pé, mas ainda assim colocou a sua mão sobre a barreira uma última vez.
Tera procurou por qualquer coisa, observou Garta e Goro preocupados com a sua guardiã caída ao chão, viu o seu familiar Koza tremer de dor enquanto tentava manter o seu próprio sangue dentro do corpo, e do outro lado o sorriso nojento de seu irmão Hueh a provocando. Fechou os olhos sabendo o que viria a seguir. Cedeu.
Uma luz emanou das mãos de Colth e, como fogo, percorreu toda a barreira ao redor da deusa plácida.
Ainda com os olhos fechados, Tera sentiu o vento soprar em seu belo rosto e movimentar o seu cabelo depois de tanto tempo, aquele era o sinal de que a barreira havia sido desfeita.
— Eu havia me esquecido dessa sensação — murmurou ela.
Um estrondo fez a terra tremer e os ouvidos arderem. Como um trovão, o barulho ecoou pela câmara e, proveniente de um raio que emitiu uma luz branca no ambiente, uma figura apareceu frente à deusa.
Com o fim do ruído veio o silêncio e, com o fim do clarão, veio os olhos impressionados de Colth, Garta e Goro.
— Você enfim apareceu — disse Tera em direção a figura diante de si.
— De todos os seus irmãos, você é sem dúvidas a mais dedicada, Tera.
— Não esperava que a primeira coisa vinda de você, fosse um elogio.
— Hum? Não é um elogio. — respondeu serena e harmônica — Proteger plebeus, manter um mundo corrompido, se apegar a futilidades, tudo isso é uma enorme insensatez. Sem dúvidas, a mais insensata dos meus filhos. Me enoja só de olhar para você.
— Ah — sorriu a bela deusa de Tera em oposição —, suas palavras continuam sendo um elogio para mim, mamãe. Ou devo dizer, toda poderosa Lux?