Volume 1

Capítulo 62: Verdades Trancadas

— Eu finalmente entendi! — Colth determinado. — Como foi que deixei de perceber isso? Dessa vez vou colocar um fim nisso, tenho certeza. Dessa vez vai ser diferente!

Adentrou a residência luxuosa e caminhou certeiro pelos corredores em direção ao porão. Atravessou a cozinha, desceu as escadas e, quando estava de frente para a grade observando a garota de costas no canto da cela daquela imensa casa, sorriu confiante. Pronunciou-se firme:

— Olha aqui, sua garota mesquinha e egoísta!

— Hã? — Celina surpreendeu-se e se virou impactada pelos insultos recebidos.

Seus olhos surpresos úmidos refletiam a luz da lanterna pendurada no teto de pedra da cela.

— Ah, finalmente! — tranquilizou-se o rapaz após receber o melhor dos presentes naquela situação. — Eu já nem lembrava desse seu rosto pouco expressivo.

— Colth... — sussurrou ela com os olhos cintilantes em meio a escuridão de sua prisão.

— Nada de “Colth” — interrompeu ele cheio de ousadia e convicção de que daria certo dessa vez —, você vai me ouvir. Eu vou te tirar daqui e...

Sentiu a água fria corrente até a altura de sua cintura. Havia retornado, mais uma vez.

— Filha da puta!!! — gritou para a noite do início de ciclo em meio ao rio. — Ah, eu vou dizer para essa garota... Ela não vai me impedir!

Colth passou as suas mãos sobre a própria cabeça com a raiva que o consumia. Deixou as águas e caminhou pesado para a direção de sempre.

— Tá, mais uma vez. Agora sim, vai ser diferente — encorajou-se novamente — Eu vi os seus olhos, garota. Demorei, mas agora posso ter certeza. E eu não vou sair daqui sem você! — exclamou ao céu noturno e caminhou pelo mesmo caminho.

Atravessou a mansão, a cozinha, chegou ao porão como das outras tantas vezes e, frente as grades da cela novamente, exclamou para a garota de costas ao canto dela:

— Sua garota mesquinha, egoísta e sórdida! Para de fugir de mim!

— Hã? — Celina alertou-se e se virou impactada pelos insultos recebidos.

Colth avistou os olhos marejados e confusos dela novamente, estremeceu-se ao ter a noção do que viria a seguir:

— Não, não, não. Desculpa, eu não quis dizer isso de verdade. Só não me manda de volta para o começo desse sonho, por favor, eu te imploro — suplicou como se sua sanidade dependesse daquilo, e dependia de fato. — Eu já perdi a conta de quantas vezes eu estive naquele rio gelado. Eu não aguento mais ficar com as calças molhadas.

— O quê? — Ela se levantou do outro lado da grade, estava ainda mais confusa.

— Tá, isso que eu disse foi estranho. Eu não me mijei nem nada, eu só não aguento mais repetir essa noite. Eu te imploro, não me manda de volta.

— Mas eu nunca te mandei “de volta”.

— Você não se... É claro que você não lembra, não seria tão cruel assim. — pensou alto e em seguida retornou suplicante à garota: — Mas acredite, toda vez que eu chego aqui, você reinicia esse sonho. Eu já estou ficando bem bravo com você.

Celina foi impactada pelo tom sincero e raivoso do rapaz:

— Nossa... Desculpa, eu não sabia.

— Tudo bem. Se você não se lembra, não tenho motivos para ficar bravo.

— Então, tá. — disse ela cabisbaixa voltando a se sentar na cama enquanto escondia seu rosto na própria sombra. — Mas o que você quer? Veio se despedir?

Colth foi surpreendido pelas palavras, principalmente pelo tom abatido delas.

— Hã?!

— Tá tudo bem, eu não vou ficar mal por você me deixar para trás, não é a primeira vez — Finalmente ela mostrou o rosto novamente e sorriu com o carisma de uma pedra. — Eu espero que você consiga salvar Tera e viva bem.

O rapaz do outro lado da grade foi atingido por aquilo imediatamente:

— Idiota! — cuspiu o seu pensar — Eu não vim me despedir, vim te tirar daqui. E eu já disse que você mente muito mal? Já, claro que sim. — respondeu-se e continuou sério: — Tira esse sorriso falso do rosto e me escuta. Você não vai conseguir me convencer a ir embora sem você!

Ela desfez o sorriso e voltou-se confusa:

— Eu não entendo. Achei que a despedida era o certo a se fazer.

— Ah! Eu me enganei muito. Eu achava que você era inteligente, Celina, mas você é muito tapada, sabia? Não escutou o que eu te falei? Eu vim te tirar daqui. O que te fez pensar o contrário?

— O que me fez pensar o contrário? Você não precisa mais de mim, não é óbvio? Foi assim com o meu pai, foi assim com a deusa Tera, com o Koza... e até com o Aldren. — Ela desviou o rosto percebendo os olhos confrontantes de Colth. — Todos me deixaram para trás quando eu não tinha mais serventia. E agora, você...

— O quê? Eu nunca te deixaria para trás. Não está escutando o que eu estou falando?

— Impedimos que a Lashir assumisse a magia de Tera, você pode impedir a vinda Lux para o nosso mundo sem mim, e a Garta vai recuperar a magia assim que tirar aquele colar de Sathsai... Eu não vejo qual é a minha serventia para vocês agora. Não tem motivos para você me tirar daqui.

— Serventia? Motivo? — Colth era impactado por cada palavra absurda, no seu ponto de vista, vindas da garota. — Nada disso importa. Eu não vim busca-la por que eu preciso de sua magia. Você não entende mesmo?

— Não, eu não entendo — ela se levantou junto com a sua voz. Exclamou:— Foi isso que eu disse!

— Como que você não entende?!

— “Como que eu não entendo?” Que tipo de pergunta é essa? Ela nem faz sentido.

— Ahh! Idiota! Não está me escutando.

— Eu estou sim!!!

— Não! Não está! Você ouve minhas palavras, mas não escuta o que eu estou dizendo!

— O Quê? — Celina estranhou.

— Eu vim atrás de você, porque você é importante para mim. Você me salvou aquele dia e não teve motivos para isso também. Se seu falso pai de merda te abandonou, ou qualquer outro tenha feito isso, o problema são eles, por não perceberem o quão incrível você é.

— ... — Ela deu um passo para trás com os olhos se enchendo.

— Não estou aqui porque preciso. Estou aqui porque quero. É por isso que estou aqui, eu não vou deixar mais ninguém de quem gosto para trás! — tagarelou Colth e percebeu a ouvinte sendo arduamente comovida pelos dizeres, ele logo disfarçou desviando o rosto envergonhado: — É, além disso... você é minha amiga.

— Amiga — ela sussurrou voltando a se sentar na cama. Seu coração ardeu, mas não sentiu dor. Sorriu de leve com a felicidade verdadeira motivando-a.

Colth se deu conta de quão estranha foi a sua fala, tentou corrigir:

— É, Isso aí. Você tem um amigo bem estúpido que ficou uma eternidade em um ciclo bem maçante, e está louco para sentir o gosto de uma refeição quentinha de novo, mesmo sem estar com um pingo de fome. Ah! Eu odeio o mundo dos sonhos.

— Isso não faz sentido.

— Acho que as coisas tendem a não fazer sentido quando eu estou por perto. — Sorriu ele brilhante — Não importa, vamos tirar você dessa cela, tá bom? Depois saímos daqui, encontramos os outros e damos um fim nisso tudo.

— Tem certeza disso?

— Pode apostar — não hesitou.

— Certo — a garota concordou com seu sorriso tímido, ainda pensativa sobre todos aqueles dizeres.

— Muito bem, então. Agora, como destrancamos essa cela? Deixe me ver...

Colth analisou a grade por inteira a procura de algum ponto fraco que pudesse explorar. Colocou ambas as mãos no aço e, assim que estava prestes a colocar sua força física sobre as barras para testa-las, um barulho vindo da escada de pedra chamou sua atenção.

O barulho era de passos sobre os degraus que se aproximavam do porão. O rapaz logo estranhou, passou dezenas de dias naquela realidade e nunca havia avistado outra pessoa que não a Celina e ele próprio por ali.

— Finalmente, a guardiã baixou a guarda — disse o dono dos passos elegantes.

O homem parou assim que adentrou ao porão e foi recebido pela surpresa de Colth a meia luz:

— Hueh.

— Você deveria me chamar de “meu deus”, não? — perguntou ele sorridente. — Mas tudo bem, eu não me apego a esse tipo de formalidade.

— Não vou deixar que assuma o controle do corpo da Celina.

— Direto, como sempre. — Parou frente ao rapaz. — Só que eu já tenho o controle do corpo dela. Graças a você, é claro, Colth.

— Tsc. Então foi assim? Você me usou para chegar até ela, seu trapaceiro.

— Wow, palavras fortes. Mas esse foi o pacto, já se esqueceu?

— ... — Colth calou-se surpreendido.

— O quê? Hahaha, se esqueceu mesmo? — perguntou Hueh com um sorriso cruel no rosto.

Celina se preocupava do outro lado da grade, mas não poderia fazer nada dali. Colth parecia confuso perdendo os sentidos mais básicos. Deu alguns passos para trás enquanto o deus de Anima avançava os seus e proferia as suas palavras dominadoras cheio de poder.

— Não. Não se esqueceu, só foi tolo o bastante para fingir isso — sorriu convencido. — Ora, meu guardião, eu posso citar os termos do nosso pacto agora mesmo. Agora, lembre-se.

— Eu fiz isso... — sussurrou Colth afetado.

— “Proverei a natureza da mente ao seu favor, a magia de Anima e, em troca, você levará a guardiã de Tera até o palácio de Albores, até o túmulo de Tera.”

— Colth, você... — sussurrou Celina desapontada dentro da cela.

— Não, eu não... — Gritou ele confuso.

— Não se lembrava disso? — completou Hueh em seu robe encardido. — Talvez seja pelo motivo de ter usado a magia de Anima em si próprio. Hehehe. Que animalzinho mais tolo. Usou a magia para se esquecer de suas dores, só foi lembrar de fato quando pretendeu supera-las. Mas ainda havia algo esquecido, algo que lhe envergonhava e que você queria manter perdido.

— Eu não desejei isso... — Desorientado.

— Entregar uma... como que você acabou de chamar mesmo? “amiga”? Hahaha.

— Eu nunca quis isso! — Sem rumo.

— Hahaha. Não me faça rir. Hahaha — Hueh gargalhou para o alto fazendo o som sórdido ecoar pelo porão. — Você é tão fraco, insignificante, desprezível, que usou a sua magia para esquecer de todo o seu passado, como se isso fosse torna-lo outra pessoa. Mas adivinha, não tornou. Você continua sendo um fracassado que não consegue proteger aqueles que você ama. Pior, você os entrega como mercadorias para suprir um desejo débil. Você é tão ridículo, Colth, que chega a ser cômico. Hahaha.

— Não... eu não fiz isso — sussurrou o rapaz sendo agredido pelos seus próprios sentimentos. Perdeu o chão e teve de se escorar na parede rochosa para não cair desorientado.

— Sua mãe morreu por sua causa! Sua cidade sucumbiu por sua fraqueza! Abandonou sua irmã e o que ela mais amava nesse mundo por covardia! Entregou seus “amigos” aproveitando-se deles, e ainda tem a insolência de tentar me culpar por isso. Colth, você é desprezível.

— Não foi isso que eu... — sussurrou sem forças.

O rapaz perdeu o brilho em seus olhos de momentos atrás e sucumbiu aos dizeres do deus da mente.

— Colth, o que você está fazendo? — perguntou Celina preocupada do outro lado da grade.

Não adiantou, já havia sido derrotado. Ele sentou-se ao chão com os olhos perdido na escuridão do porão que se encontrava.

— Não se preocupe com ele, é apenas um fracasso — concluiu Hueh antes de se virar para a garota de dentro da cela. — Agora, vamos aos negócios, guardiã de Tera. A brecha que o meu guardião me deu, só me leva até aqui, eu não possuo controle total de sua magia, para isso preciso que me aceite.

Celina deu uma última boa olhada para o rapaz jogado ao canto do corredor arruinado para então pensar sobre o que acabara de ouvir, voltou-se ao deus de Anima:

— Acha que eu vou acreditar em você? Depois do que fez, com o Colth.

— O seu amigo é um fraco, você não. Não se apega as suas emoções, e isso te faz forte. E estou te propondo uma troca justa. Você me dá o que eu quero, e eu vou lhe dar o que você quer.

— O que eu quero? — Celina permitiu a sua atenção.

— Exatamente, todos te notarão, ninguém mais vai ousar passar por cima de seus desejos. Não é isso que você quer, guardiã de Tera? Só precisa me aceitar.

— O que quer dizer com “aceitar”? — perguntou interessada.

— Preciso que abra essa cela e me deixe entrar. Desse modo poderei usar a sua magia para destruir de vez a barreira mágica que protege a deusa de Tera.

— Abrir? Eu estou presa aqui.

— Está sim, minha querida, mas essa é a sua realidade, a sua mente. É só querer, e uma chave estará ao seu alcance. Tudo aqui é moldado pelos seus desejos.

— Como eu faço isso?

— Está de fato cativada, que bom. Então, feche os olhos — instruiu Hueh. Celina pensou duas vezes, mas aceitou o solicitado. O homem no corredor da cela continuou: — Agora pense na pessoa mais importante para você, aquela pessoa que você quer estar sempre ao lado. A pessoa que possui a sua confiança.

A garota se concentrou com os olhos fechados, abriu sua mente e deixou seus sentimentos tomarem conta da sua imaginação.

— Isso, agora materialize isso em suas mãos. Dê forma a esse pensamento, a essa confiança.

Celina fechou os punhos com força, segundos se passaram, mas nada aconteceu.

Ficou impaciente:

— Aff.

— Calma, pense direito. Se concentre — insistiu Hueh.

A garota fechou os olhos novamente, sussurrou:

— A pessoa que mais confio...

 Ela idealizou o rosto dele, imaginou a voz e o tom acolhedor. Fechou o punho com força e concentração e, em instantes algo estava lá. Abriu os olhos curiosa e estendeu os dedos para ver o que tinha em mãos. Uma chave dourada ornada ao centro da palma da mão.

— E aí está — disse Hueh certo. — Sabia que conseguiria.

— Funcionou mesmo — balbuciou ela impressionada.

— Sim, como eu disse. Agora é só abrir a cela, e me deixar entrar. E aí poderemos reinar ao lado de nossa mãe Lux.

Celina se viu pensativa, observava a chave dourada não se dando por satisfeita. Se esforçou para não levar o seu polegar aos lábios.

— Vamos, garota. O que está esperando? — apressou Hueh.

— Você disse que eu posso moldar essa realidade, certo?

— Sim, mas isso não é relevante agora. O importante é você...

— E qual é a sua garantia? Eu nem mesmo disse o que eu queria em troca nesse acordo.

— Do que você está falando? É óbvio que o que você quer é ser notada. E nem é preciso ser um deus para ver esse seu desespero.

— Tsc.

— Vamos, eu disse que vou realizar o seu desejo. Será notada por todos. Todos vão te amar ou temer. Ninguém mais vai ousar...

— Eu nunca disse que eu queria isso.

— Eu sou o deus de Anima, o deus da mente e dos sonhos, garota. Eu sei exatamente o que você quer.

— Você não sabe nada sobre mim... Na verdade — Celina observou o rapaz no canto do corredor sem esperanças —, nem eu mesmo sei o que eu quero.

— E daí?! Isso não importa. Abra a porta agora e eu vou te dar um mundo inteiro para reinar, que tal?

— Por que eu iria querer um mundo? — perguntou sincera. — Eu já tenho o meu.

— O quê? — O homem se surpreendeu do outro lado da grade. — Você não está pensando direito. Eu estou falando de poder, Lux te fará uma deusa.

— Ah... — entortou a boca pensativa por menos de um segundo. — Não, eu passo.

— Como ousa?! — O homem aumentou o tom ofendido.

— Eu não tenho o menor interesse nisso aí que você chama de poder e, além disso, você mente muito mal. Acredite, eu estou começando a entender desse negócio de fingir.

— Eu não menti para ninguém. O guardião Colth sabia muito bem das condições que estava aceitando quando firmou o pacto.

— Impor condições absurdas quando a outra parte está vulnerável não é nada honrado — retrucou ela séria.

— E quem falou de honra? Um pacto é um pacto, seja lá quais sejam as partes, sejam lá quais são os interesses ou necessidades. Agora, abra essa cela!

O homem irado estava prestes a explodir sua raiva. A garota serena racionalizava a situação:

— De fato, com honra ou não, um pacto ainda pode ser constituído, mas e os seus futuros acordos? Acha mesmo que suas atitudes não vão respingar nas suas próximas relações?

O homem avançou segurando as barras de metal da grade violentamente:

— Isso não lhe diz respeito...

— Você acha que pode colocar condições absurdas no nosso acordo. Você me usa, eu lhe dou Tera e, em seguida, sou simplesmente descartada. — Celina não recuou nenhum centímetro, manteve-se plácida. — Essa é a sua proposta, eu até poderia aceita-la se estivesse desesperada, mas não é o caso. Não quero poder algum, e quem precisa desse acordo é você.

— Por que você não cede a minha magia... — reclamou o deus frustrado sussurrante. Gritou em seguida em tom ameaçador:  — Garota, passa essa chave para cá!!!

— Você enganou o Colth, moldou o pacto às suas necessidades e descartou o seu guardião sem pensar duas vezes.

O rapaz sentado ao canto do porão ergueu a cabeça ao ouvir o seu nome. Voltou a prestar atenção no que Celina tinha a dizer tão determinada. Hueh respondeu à altura:

— Ele é MEU guardião, se não fosse por mim, esse imprestável já teria se matado. Eu o descarto quando EU quiser! Ele não tem mais serventia alguma agora!

— Está errado, Hueh. Colth carrega consigo o desejo de sua família, se não fosse isso, teria desistido logo no começo de tudo. Luta pelos seus amigos, ele estar aqui, mesmo após eu fazê-lo repetir essa noite tantas vezes, é a prova disso.

— Você sabia... — sussurrou Colth surpreendido pelas palavras de Celina.

Ela escondeu a chave em seus punhos cerrados com força e continuou corajosa e ousada como nunca antes:

— Ele se importa com muitos, e muitos se importam com ele — Celina fez questão de olhar diretamente para o rapaz sentado ao chão no corredor —, inclusive eu. Eu me importo muito com ele, e essa chave ter aparecido na minha mão, quando o Colth apareceu em meus pensamentos, é a comprovação dos meus sentimentos, das minhas emoções. — Respirou fundo e sorriu mais verdadeira do que qualquer outra vez e, com os olhos marejados resistindo a dor do coração que ardia como fogo, gritou os seus sentimentos: — Essa é a comprovação de que eu o amo.

Colth foi acertado fortemente pela expressividade inédita dela cheia de sentimentos. Celina manteve-se determinada, se voltou aos olhos odiosos de Hueh e continuou ainda mais determinada:

— E é por isso que eu vou sair daqui, é por isso que ELE vai me tirar daqui.

Abriu o punho e mostrou a mão para o homem em seu robe. Não havia nada além dos seus dedos pequenos e macios.

— A chave... Onde você... — Hueh pressentiu o pior. Viu a garota apontar os olhos para o canto do porão.

Colth recebeu o olhar dela e logo percebeu que havia algo em suas mãos. Quando se deu conta, estava segurando a chave dourada da cela. Ele sabia exatamente o que aquilo significava, poderia tirar a garota dali e finalmente deixar aquela realidade repetitiva. Ganhou coragem.

— Eu mando nessa realidade, não é? — perguntou Celina ao deus de Anima surpreendido.

— Sua garota burra!!! — berrou ele e rapidamente correu em direção ao rapaz sentado. — Me dê essa chave, moleque!!!

Colth ainda tentava entender tudo aquilo, se perguntava se aquelas palavras de Celina eram reais.

“Ela me ama?” se perguntou e se viu diante de um deus furioso no seu robe ridículo, mas não temia, talvez tivesse de fato entendido as palavras dela. Olhou mais uma vez para o rosto pouco expressivo da garota de dentro da cela. Ela sorriu enquanto chorava pelo que estava prestes a fazer.

Com a boca sorrindo em felicidade e os olhos chorando em tristeza, ergueu a palma da mão em direção ao rapaz que pressentiu algo ruim.

— Espera, Celina!!! — gritou Colth.

— Me dê essa chave!!! — esbravejou Hueh.

— “Se você pensa nele quando fecha os olhos, e quer estar sempre com ele...” — soprou Celina. Usou sua magia em conjunto com o moldar de sua própria realidade.

A luz os envolveu.

Colth sentiu a água fria corrente até a altura de sua cintura, tentou enxergar além da escuridão noturna e só conseguiu perceber as estrelas no céu solitário entre as copas das árvores. Sentiu algo diferente das outras vezes que havia retornado para aquele início.

— Que estranho — falou sozinho em meio ao rio — de repente eu tô mais motivado.

Silenciou-se. Os sapos coaxavam, a garota chorava baixinho, e grilos cantavam em um ambiente ermo e sereno que o deixava estranhamente desconfortável, mas dessa vez, com essa repentina determinação que não tinha no ciclo anterior:

— Pensar no abraço quentinho da Garta me deu forças assim é? Espera, eu consegui dormir? — estranhou a sua última lembrança de quando estava deitado às margens daquele mesmo rio. — Que coisa estranha. Hã?

Percebeu que segurava algo na mão, levou-a até seus olhos e, assim que abriu o punho, viu uma chave dourada cintilando o brilho das estrelas.

— O que é isso? — perguntou-se sem reconhecer de fato o objeto.



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