Volume 1
Capítulo 2: Acerto Crítico
— Agora, vou elucida-los sobre as regras de tal prova. E depois, vocês devem reunir-se com seus grupos...
Assim que o coronel acabou a sua fala, todos os candidatos começaram a se reunir entre si, o grupo de Colth fez o mesmo.
— Garta, essa é a sua prova. — Colth foi direto.
— Tá. Claro. — A mulher deu de ombros.
— Espera aí. Como é que a gente sabe que ela realmente atira bem? — Aldren freava o avanço da conversa. Ninguém ali esperava por aquilo, mas ele teve a coragem, ou a inocência, de levantar a dúvida que só seria respondida após a prova.
— Eu não sou muito boa com armas — iniciou Celina. — Você, Aldren, nunca segurou um mosquete de cristal de Sathsai. E... — ela interrompeu a sua resposta com um olhar pensativo e especulador. — Na verdade, suponho que ninguém aqui já tenha usado um desses mosquetes.
— É. Eu não. E você, Garta? — Colth passava a pergunta a diante, para a única que realmente importava.
— Não — respondeu Garta, sinceramente.
— Viram! Ela nem sabe atirar com um desses. — Aldren expunha o seu receio e desconfiança sobre a escolha do grupo.
— E quem é que vai fazer a prova? Você? — retrucou ela em tom provocativo.
— E, por que não?
— Bem, vocês que decidam. Saibam que eu aprendi a usar uma arma quando tinha dez anos. — Garta enchia a boca de maneira convicta para dizer cada palavra. — Acerto um alvo em movimento, mesmo em longa distância.
— ... — Aldren não continuaria a discussão. Ele engoliu seco e simplesmente desviou-se da conversa ao olhar para Celina como se esperasse a opinião dela sobre o assunto.
— Pois é... — Celina pareceu se retirar da conversa assim que colocou o seu polegar direito sobre os seus lábios. Parou de falar e simplesmente se perdeu em pensamentos.
Assim que verificou o silêncio repentino, Colth se pôs à frente da conversa e tentou resolver de uma vez por todas o assunto.
— De qualquer forma, acho que a Garta vai ser a nossa melhor opção.
— Tá. Que seja — Aldren aceitou, mesmo ainda estando desconfiado das habilidades da mulher.
— Muito bem, então. Vamos para a lateral do campo. Contamos com você, Garta. — Colth, definitivamente, colocou um ponto final no assunto. Em resposta, ela apenas assentiu com a cabeça.
Colth, Celina, e Aldren, deixaram para trás a mulher que continuava fria como nenhum outro candidato.
Os vários funcionários do ministério colocaram alvos apoiados sobre suportes de madeira no fim do campo, enquanto os juízes, repassavam as regras para os participantes da prova. Em poucos minutos as armas estavam preparadas, os alvos arrumados, e os participantes alinhados diante de uma zona recém-demarcada no gramado, 21 atiradores de 21 equipes. A prova de tiro ao alvo estava prestes a começar. Ainda assim, Garta não parecia mudar a sua expressão ou modo de agir. Era impressionante a capacidade daquela garota de se manter calma em uma situação daquelas. Isso era notado pelos outros três do grupo.
— Atirem!!! — gritou um dos juízes.
Swooish. Swooish. Swooish... Uma saraivada de tiros incomodava os ouvidos de todos.
O mosquete de cristais de Sathsai era a arma padrão da guarda Real de Albores, o esquadrão de elite do império. Eram a evolução natural dos mosquetes de pólvora e, desde que foram inventados, cerca de 20 anos atrás, trouxeram grandes vitorias ao povo da Capital. A energia contida em um minúsculo cristal de Sathsai era o suficiente para gerar uma pequena descarga energética direcionada ao alvo. Os raios de luzes que saiam do cano da arma, mesmo durante o dia ensolarado, destacavam-se ao cruzar os 50 metros entre os atiradores e os alvos.
— Cessar-fogo! — O juiz gritava as ordens aos atiradores.
— Droga, é muito longe. A gente não consegue ver se a Garta acertou o alvo. — Assim como todos ali, Aldren estava ansioso pelo resultado.
Conforme anunciado pelo Coronel, nas explicações antes da prova, seriam três disparos para cada participante, o resultado seria a soma dos pontos obtidos por cada disparo. A pontuação máxima era de 10 pontos, apenas para os disparos que acertassem a demarcação central da folha de papel pendurada que serviam como alvos. Cada participante possuía o seu próprio alvo e, à medida que o acerto do disparo se distanciava do centro do alvo, menos pontos era atribuído ao candidato.
— Atenção para a contagem! — O juiz berrava para todos ouvirem. — Grupo um, 7 pontos. Grupo dois, 3 pontos...
— Qual é o número do nosso grupo? — Aldren voltava a mostrar a sua ansiedade enquanto Colth e Celina ouviam atentamente o anúncio. Eles já tinham sido informados do número de seu grupo, mas a tensão era tamanha, que o rapaz simplesmente esqueceu.
— Número dez. Você não estava prestando atenção? — Quem respondeu foi Celina, ela não tirava os olhos do campo, mas não parecia tão ansiosa quanto Aldren.
— Esse suspense tá me matando.
— Grupo nove, 5 pontos. — O juiz continuava a anunciar as pontuações.
— Por favor, uma boa pontuação... — Aldren sussurrou o seu desejo.
— Grupo dez, 10 pontos.
— Isso! — Celina comemorou em voz baixa.
— Aeee!!! — Aldren não conseguia conter a sua empolgação, ele ergueu as mãos e gesticulou com gritos eufóricos. — É isso aí!
— Inacreditável. Ela é boa mesmo. — Colth sussurrou para si mesmo esboçando um grande sorriso no rosto.
— Eu te falei, Colth. Essa garota é a melhor. — Aldren contrariava as suas próprias palavras.
— Ei vocês. Silêncio! — Um dos juízes chamava a atenção do grupo sorridente. — Isso não é nenhum passeio no parque.
A bronca vinda do juiz não era exagerada, a animação do grupo dez era uma felicidade descontrolada, principalmente por parte de Aldren. Ficaram em silêncio imediatamente.
— Para a Garta, parece um passeio no parque — disse Aldren em voz baixa carregada de sarcasmo.
— Hehehe. — A risada baixinha de Colth era genuína.
Swooish. Swooish. Swooish... Aquela era a segunda onda de tiros. Novamente o juiz passava por cada alvo, anotando a pontuação.
— Grupo nove, 7 pontos. Grupo dez, 10 pontos...
— Isso. — A felicidade de Aldren era a mesma, mas dessa vez ele conteve os seus gritos de felicidade. Enquanto isso, Celina tinha a sua atenção sobre uma movimentação diferente entre os oficiais do ministério da Defesa que acompanhavam o exame com o Coronel, justamente após o anúncio da pontuação de Garta.
— Ela é incrível, se conseguir mais uma pontuação alta, seremos o primeiro grupo na classificação — disse Colth sem esconder o sorriso estampado em seu rosto.
— Atirem!!! — Pela última vez, o juiz dava a ordem de disparos.
Swooish. Swooish. Swooish... A última saraivada já nem incomodavam mais os ouvidos.
— Cessar-fogo!!! — ordenou o oficial, em seguida, iniciou a conferência dos resultados dos disparos aos alvos.
— ...Grupo nove, 5 pontos. Grupo dez...
— Se for mais um 10 eu caso com essa garota. — Colth estava tão impressionado que já estava falando coisas sem sentido.
— ... Zero pontos.
— O quê? — O tom decepcionado de Colth falava por si só.
— Ah, não. — Aldren tinha a mesma expressão de Colth em seu rosto. Ambos eram acertados pela realidade destruidora de alegria.
Celina reagiu um pouco surpresa, mas logo se desfez e tornou a reparar na movimentação estranha dos oficiais do ministério, aquilo só acontecera justamente quando as pontuações de Garta foram anunciadas. Ela reparou de longe, pessoas discutiam sobre algo com o poderoso Coronel Helm.
— Atenção para a classificação dos grupos após a primeira prova. — Disse o juiz em frente aos candidatos que acabavam de completar a prova.
Ele, então, começou a falar a classificação dos 21 grupos em ordem decrescente conforme a pontuação, até que:
— Em quinto lugar, grupo dez com 20 pontos.
— É a gente. — Aldren não escondia o seu desapontar com a posição de seu grupo na classificação geral. Ele, Colth, e Celina, continuavam a acompanhar de longe a movimentação e a explicação do juiz no meio do campo de tiro, assim como todos os não participantes da prova.
— Dentro de uma hora, eu anunciarei a próxima prova, estejam preparados. — O coronel dizia ao adentrar ao campo para encerrar a primeira prova do dia.
Todos os candidatos foram liberados até o início da segunda prova. Garta caminhou pelo campo em encontro ao seu grupo após deixar o equipamento de tiro com um dos fiscais da prova.
— Você foi incrível, Garta — disse Colth, em um ar consolador.
— Desculpem-me pelo último disparo — respondeu, sem expressar em seu rosto, o significado daquelas palavras.
— Não, não. Você foi muito bem. Não precisa se desculpar — disse Aldren, em complemento ao sentimento de Colth.
— O que aconteceu no seu último disparo? — perguntou Celina, de modo direto como geralmente fazia. Parecia determina em sanar sua dúvida.
— Eu apenas perdi a minha atenção por um segundo, só isso. — respondeu Garta, arrumando os seus óculos sutilmente com as pontas dos dedos.
— Perder a atenção é um erro bem iniciante, não é? — retrucou Celina, novamente direta.
— O que é isso, Celina? — Aldren se espantou com tamanha insensibilidade por parte de sua colega. — Você não deve...
— Sim. Foi um erro imaturo. — Garta interrompeu a bronca de Aldren e fixou o seu olhar afirmativo sobre Celina. — Eu deveria ter mantido a minha atenção.
Novamente, as palavras de Garta não condiziam a expressão estampada em seu rosto. Aquilo era como uma justificativa para o seu erro, mas o seu rosto era de quem estava determinada e segura de si.
Colth se viu perdido em seu pensamento especulativo e curioso. Ele não entendia onde Celina queria chegar e, muito menos, o porquê de o clima ter ficado tenso de repente. Ambas se encaravam, mas o significado daquilo não estava explicito, o rapaz estava prestes a interromper o que poderia ser o início de uma discussão calorosa.
— Com licença, eu vou ao banheiro — disse Garta, quebrando a tensão estabelecida há pouco.
A mulher se virou e começou uma caminhada até seu objetivo, em direção ao prédio da academia do ministério, se manteve tranquila.
— Isso foi inesperado — Aldren expunha o que vinha à sua cabeça. — Será que é dor de barriga?
— Isso não se encaixa — sussurrou Celina, os seus pensamentos fervilhavam em sua cabeça.
— O que não se encaixa? — Colth demonstrou curiosidade.
— Garta parecia uma profissional com aquele mosquete, ela reproduziu perfeitamente os movimentos que há nos livros de técnicas para tiro. Tal perfeição, a levou conseguir duas pontuações máximas nos dois primeiros disparos. — Celina encarava os longínquos alvos queimados pelos raios de energia mais cedo. — No seu terceiro disparo, ela repetiu perfeitamente o mesmo, a posição dos pés, o erguer das mãos, a respiração concentrada, os ombros relaxados, tudo. Então, por que ela não acertou o alvo? Na verdade, ficou tão distante do alvo, que nem pontuou.
— Onde você quer chegar com isso? — Colth apressava a conclusão da garota.
— Eu não sei...
— Não sabe?
— Esqueçam isso. — Aldren interrompeu a conversa dos dois colegas. — Ela já disse o motivo, apenas se desconcentrou.
— Que seja. Mas é bom ficar de olho. Não confio muito nela — declarou Celina, em tom sério característico.
— Você faz uma acusação dessas, e diz que não sabe? — Colth perguntou, mas o seu tom desistente não teve efeito de continuidade.
— Deixa isso. Vamos nos preparar para próxima prova — disse Aldren sorrindo, para de fato, colocar um fim no ambiente especulativo entre todos eles.
***
— Atenção, candidatos!
Após uma hora de descanso e preparativos, os candidatos voltaram a se reunir no campo esportivo da academia da Defesa. Novamente, o homem nas vestes oficiais, anunciava a segunda prova frente a multidão ansiosa.
— A segunda prova da seleção final para os candidatos aos cargos do ministério da Defesa, será escalada — disse o Coronel, com uma postura perfeita. — Reúnam-se com seus grupos. Vocês têm cinco minutos. Após isso, entrem por aquela porta até o ginásio coberto.
— Deixa comigo! — Antes que qualquer do grupo manifestasse qualquer pensamento sobre aquilo, Aldren afirmou com um sorriso empolgado no rosto. Celina, Colth, e Garta, trocaram olhares duvidosos, até que Colth tomou coragem.
— Tem certeza? — Foi o mais gentil possível.
— Sim. Eu não vou deixar a garota aí ganhar todo o crédito. — disse Aldren, apontando com a cabeça na direção de Garta.
— Certo. Tudo bem, então. Você faz a prova — assentiu Colth, assim como os outros. A confiança de Aldren foi determinante para a aceitação.
Os candidatos foram conduzidos até o ambiente interno da academia. Uma quadra esportiva bem grande, que servia aos treinamentos dos agentes da Defesa, mas o que chamava atenção, era uma grande parede de madeira com apoios erguida em uma das extremidades da quadra. Aquele seria o percurso de escalada.
Aldren se separou do restante do grupo para iniciar os preparativos da prova. Ele caminhou em direção a parede de madeira chanfrada com diversas pequenas superfícies que seriam usadas para realizar a escalada. O rapaz não parecia mais tão seguro de si, baixou a cabeça durante a caminhada lenta e, por um segundo, pareceu que iria desistir. Não aconteceu, continuou e se posicionou para o início da prova.
Dali em diante era com Aldren. Colth, Celina e Garta, um ao lado do outro, só poderiam torcer pelo seu sucesso.
— Muito bem. A prova é simples. — Elucidava um dos fiscais da prova. — A ordem de chegada no alto da parede, define a classificação final da segunda prova. O percurso é dado como finalizado, quando o participante escolhido pelo grupo, alcançar a linha vermelha no alto da parede.
De fato. A parede possuía uma linha vermelha, pintada sobre toda a sua extremidade superior. Aldren só precisava tocar nela para completar o percurso e, quanto mais rápido ele o fizesse, melhor seria a classificação do seu grupo.
— Muito bem! — O juiz estava prestes a dar início a prova. — Todos prontos?!
— O quê? Assim? Sem corda de segurança ou proteção para os candidatos? — Colth sussurrava o seu pensamento. — Sem, nem sequer, algo que amorteça uma eventual queda?
O pensamento surpreso e preocupado do rapaz era visto nos olhares de todos os candidatos.
— Comecem! — o coronel Helm exclamou a ordem.
Imediatamente, todos os 21 candidatos correram para a parede de madeira. A superfície começava a se encher de pessoas penduradas por toda a sua extensão.
— Onde está o Aldren? — perguntou Celina, minimamente preocupada.
— Droga. Parece que ele não está conseguindo subir nos primeiros apoios da parede — respondeu Colth.
O primeiro apoio que o candidato precisava alcançar para começar a escalada, tinha quase três metros de altura. A baixa estatura de Aldren dificultava o seu alcance à superfície.
— Tsc. — Colth baixava a cabeça e se punia pela escolha que não havia contestado.
— Nanico idiota — lamentou Garta. Ela era mais dura com o colega de equipe, mas a sua frustação era a mesma dos outros.
A multidão no chão torcia e comemorava pelos candidatos dos seus grupos. Já tinham se passado dez segundos desde o início da prova, os primeiros colocados logo terminariam o percurso.
— O que ele está fazendo? — A pergunta se destacava em meio aos integrantes de outros grupos. Foi o bastante para atiçar a curiosidade de Colth e faze-lo levantar a cabeça olhando em direção a parede de escalada.
O que Colth viu, foi Aldren se afastando da escalada. Em seguida, começou a correr em direção a parede, de modo a tomar impulso. Sua aceleração era incrível, o nanico colocou um dos pés na parede e, com o impulso vindo da corrida, se jogou para cima. Sua altura já era considerável, ele já conseguia alcançar as primeiras superfícies escaláveis com as mãos. Mas, ao invés disso, Aldren deu mais um passo no muro e, em seguida, mais outro. Por um instante parecia que ele poderia andar pelas paredes. O seu impulso foi diminuindo e, sem outra opção, se agarrou em uma das superfícies escaláveis.
— Incrível. — A palavra pulou da boca de Colth e de Garta em simultâneo.
— Isso — sussurrou Celina.
Com apenas a sua inesperada corrida pela parede, Aldren já alcançava os últimos colocados. E se as habilidades, quase que felinas do rapaz, não bastassem, ele imediatamente começou a escalar a parede como um símio. Sua velocidade era maior do que qualquer outro concorrente na prova.
Na maior parte do percurso, ficava com dois, às vezes, com apenas um ponto de contato com a parede. Isso fazia sua escalada ser incrivelmente veloz. Um a um, Aldren ultrapassava os candidatos em uma movimentação frenética.
— Como é possível? — Colth expressava o seu fascínio enquanto inclinava a cabeça para cima cada vez mais acompanhando o colega.
O que mais motivava Aldren, era o fato de nunca mais querer voltar para Rasuey, sua cidade natal. Ele e Celina tinham histórias entrelaçadas naquele lugar que ambos queriam esquecer. O rapaz faria o possível, por ele próprio, e por ela.
Ter sucesso e esquecer as suas doloridas memórias, ou fracassar e ser perseguido pelo passado, tudo estava em suas mãos agora.
Mãos que se esforçavam para escalar cada saliência da parede de modo voador. Parecia que Aldren poderia continuar com aquilo para sempre. Mas, a dois metros do final do percurso, um dos candidatos que estava muito próximo e prestes a ser ultrapassado, esticou o cotovelo de modo abrupto. O braço do candidato acertou em cheio o nariz de Aldren, que imediatamente sentiu o odor ferroso do seu próprio sangue.
Aldren não pensou em desistir, mas o impacto do golpe no equilíbrio de seu corpo, foi tamanho, que suas mãos escaparam da superfície da escalada. Quando se deu conta, seu corpo não possuía mais qualquer contato com a parede. A gravidade não o perdoo, como se o tempo começasse a correr lentamente, Aldren enxergou o telhado do ginásio se distanciando.
Despencou.