Volume 1

Capítulo 1: O Bando dos Corvos

Colth tinha seus olhos cheios ao observar a paisagem na janela do trem que estacionava na estação central da Capital. O jovem ficou encantado ao ver os belos prédios, as ruas movimentadas por carros, e o ponto alto do desenvolvimento humano até então. Aquele era o lugar mais admirado de todo o mundo, só de estar ali, pela primeira vez, já deixava o rapaz orgulhoso.

Ele tinha acabado de ser aprovado na pré-seleção do ministério da Defesa para concorrer a uma vaga como agente de segurança do império. Agora, estava prestes a realizar o exame final, aquele que determinaria a sequência de sua vida.

A quantidade de pessoas e prédios era muito maior a do que Colth estava acostumado em Toesane, sua cidade natal, e ainda tinha aqueles carros barulhentos que o assustavam. Vindo do lado de fora da Capital, o rapaz nunca tinha visto tantos automóveis desse modo, só naquela rua, haviam mais do que em Toesane inteira.

Os carros movidos pela energia dos cristais de Sathsai, ainda eram ineficientes e faziam muito barulho ao se locomoverem, mas a nova tecnologia era realmente promissora. O poder retirado dos cristais de Sathsai eram, sem dúvidas, o maior avanço da humanidade desde a descoberta do fogo. Não só os carros se moviam com o poder de um combustível derivado do cristal, mas toda a energia que alimentava o império, e muitos outros avanços tecnológicos, só foram possíveis após a descoberta deles. Mas ainda assim, era difícil para alguém da cidade pequena se acostumar com uma carroça sem cavalos se movendo daquele jeito.

Colth tentou deixar essa estranheza de lado e, ao sair da grande estação de trem central de passageiros, se deparou com as belas ruas movimentadas do centro da Capital, aquilo era o que ele realmente esperava daquela cidade. As pessoas estavam quase todas bem vestidas, as grandes janelas dos prédios refletiam o brilho do asfalto que eram decoradas por belos canteiros de flores por todo o comprimento da avenida principal.

E lá estava o grande prédio azulado da academia do ministério da Defesa. O rapaz lamentou por seu destino estar tão próximo, ele gostaria de ter a oportunidade de ver mais da região Central da cidade, mas chegou ao seu destino após cruzar algumas poucas ruas. Estava diante da entrada do local.

Um complexo de construções que se destacavam por sua beleza, até mesmo ali, cercado por outros belos prédios. E era naquele complexo de prédios azulados, que o exame de admissão para o ministério da Defesa seria realizado.

O movimento no portão da academia era notável, mesmo depois da pré-seleção, ainda havia muitos homens e mulheres disputando as poucas vagas para serem treinados e trabalharem como um agente defensor do império.

Impressionado, Colth se perdia em meio a sua ansiedade que chegou ao seu ápice no momento em que ele atravessou o portão em meio à multidão de concorrentes e se tornou apenas mais um.

O rapaz apreensivo seguiu o fluxo da multidão até um prédio secundário onde ficava o ginásio de esportes do complexo da academia. Era como um grande galpão, onde no fundo da grande quadra, havia um pequeno palco construído para aquela ocasião.

Os candidatos se reuniam frente a plataforma e esperavam de pé ansiosos. Colth não reconheceu ninguém ali, o que não era de todo ruim, ele imaginou. Após poucos minutos, todos os candidatos entraram no prédio e se posicionaram para o que seguiria. Uma voz forte e grave, vinda de cima do palco, chamou a atenção de todos.

— Atenção!!! O oficial superior, senhor Coronel Helm irá discursar!!! — Um homem calvo na casa dos quarenta anos de idade, gritava para ser ouvido.

Seu uniforme vermelho escuro da guarda Real, tinha algumas poucas medalhas, mas era o suficiente para chamar ainda mais atenção além dos seus gritos.

Um outro homem, mais velho, com uma farta barba e cabelos brancos se moveu pelo palco. Seu olhar pouco emotivo, demonstrava a sua grande experiencia obtida com os vários anos trabalhando na defesa e, se isso não bastasse, o seu uniforme branco com detalhes em amarelo, e as diversas medalhas em seu peito, tinham o papel de deixar isso bem claro.

— Boa tarde, candidatos! — cumprimentou o Coronel, com seriedade plena.

— Boa tarde, senhor! — todos responderam como se uma única voz tomasse todo o prédio desportivo.

— Vocês foram pré-selecionados para realizar o teste que determinará os futuros ocupantes dos cargos do ministério da Defesa. — A imposição do homem, com voz, jeito de se portar, e atitude, faziam todos o respeitar. Mesmo em uma quadra cheia de pessoas, não se ouvia um mínimo ruído além da voz do próprio homem. — Como todos sabem, as vagas serão divididas de acordo com as repartições do ministério da Defesa. São 42 vagas para a polícia, 15 vagas para o grupo experimental anti-criaturas, e 10 vagas para a iniciação na guarda Real.

A fala do homem imponente fazia os olhos de Colth, e da maioria dos candidatos que lotavam a quadra desportiva, brilharem.

— A ordem da classificação do teste será a ordem dos candidatos para a escolha de seus cargos — complementou o Coronel.

“Ou seja, para me garantir na guarda Real, eu preciso ficar entre os 10 primeiros candidatos.” Esses eram os pensamento e cálculos que se passavam na cabeça do rapaz. Suas especulações foram cortadas por mais um anúncio vindo do Coronel:

— O teste começa a partir de agora. — O homem não mudava o seu tom sério e disciplinado.

— O quê? Agora? — A multidão se perguntava aflita.

— Na ficha da inscrição de vocês, a que vocês trouxeram. — O Coronel continuava com a explicação. — No canto superior esquerdo da folha. Há um símbolo.

Imediatamente, Colth puxou do bolso de seu paletó a carta que havia recebido depois da pré-seleção. Realmente, o papel escrito a tinta datilografada possuía um símbolo tão genérico, que passou totalmente despercebido por ele. Um pássaro sobre um galho. O desenho era minimalista e parecia ter sido feita por um carimbo carregado de tinta preta.

— Há mais três símbolos idênticos aos seus, distribuídos entre todos os candidatos. — O homem sob o palco continuava com as instruções. — A primeira tarefa, é a de identificar esses símbolos entre vocês, para que possam se reunir no objetivo de realizarem algum planejamento para a primeira prova, que se iniciará após o almoço. Estejam cientes que serão quatro provas diferentes realizadas. Cada grupo deve escolher um membro para representa-los em cada uma das provas. A classificação do grupo se dará pela soma dos resultados de todas as provas. A primeira prova começa exatamente as 13 horas, no campo esportivo externo, aqui ao lado. É isso. Estão dispensados por ora.

Essa foi a deixa do velho amedrontador. Em seguida ele se virou e, assim que deixou o palco, todos na quadra começaram a procurar pelos símbolos correspondentes aos seus na folha da ficha de inscrição.

Conversas, assovios e gritos, tornaram a quadra desportiva um verdadeiro caos.

— Alguém com uma estrela-do-mar!? — Um homem dizia ao passar por Colth.

— Uma nuvem! Uma nuvem negra! — Uma garota se esquivava do rapaz a procura do seu correspondente.

— Um golfinho. Ou então, um peixe!? — Outro rapaz se perdia em meio à multidão.

— Um passarinho na árvore! Passarinho na árvore! — Uma voz aguda masculina, chamava a atenção de Colth.

— Passarinho? — Colth sussurrou para si mesmo.

Em meio a diversas palavras jogadas, o rapaz conseguiu ouvir algo bater com a descrição do símbolo em sua ficha. Ele Andou a passos apressados em direção a origem daquela voz e, depois de algum esforço para se esgueirar pela multidão, avistou um rapaz clamando pelo símbolo de pássaro.

O jovem possuía um cabelo curto e uniforme, era mais baixo do que a maior parte das pessoas dali, incluindo as mulheres, e usava roupas bem desleixadas para uma situação daquelas.

— Ei, você. O seu símbolo? — Colth, sem cerimônias, chamou a atenção do desprovido de altura mostrando-lhe o papel com o símbolo estampado.

Imediatamente, o outro entendeu. Moveu a sua ficha ao encontro da ficha de Colth de modo a compará-las.

— São idênticos. — O rapaz, de forma simpática, levantou a cabeça já com um sorriso no rosto. — É você. Sem dúvidas.

Imediatamente, Colth imaginou não ter tido sorte na escolha de seu primeiro companheiro. O rapaz que carregava consigo uma pequena bolsa de couro nos ombros, não parecia muito forte, e a falta de altura poderia ser uma desvantagem em várias categorias de provas.

Enquanto Colth se distraía com os seus pensamentos especulativos, o rapaz esticava a sua mão direita oferecendo-a em cumprimento.

— Eu me chamo Aldren. Acho que somos parceiros a partir de agora. — O rapaz sorriu mais uma vez.

— Eu sou Lasvin. — O aperto de mãos os consolidava como parceiros, não era como se houvesse outra opção. Com esperança de fazer alguém reconhecer o seu sobrenome, Colth fez questão de repetir o nome de sua família — Colth Lasvin.

— Prazer em conhece-lo. Colth é um nome legal — respondeu Aldren, sem qualquer curiosidade enquanto mantinha uma felicidade comovente estampada no rosto.

A tentativa com o nome pareceu não funcionar. Colth achou por um momento que o seu sobrenome podia ter alguma relevância, mas sua família já não era mais importante. Ele se obrigou a esquecer disso para não perder a sua atenção a partir daquele momento.

— Você encontrou mais alguém com o símbolo do pássaro sobre o galho? — perguntou Colth ignorando o elogio do rapaz quanto ao seu nome e indo direto ao assunto sem mais gentilezas.

— Ah? — Aldren demorou um segundo para entender. — Ah, sim. Tem a...

— Você encontrou um? — Uma garota disse ao surgir atrás deles, vinda do meio da multidão, ela interrompeu as palavras de Aldren subitamente.

— Sim. Na ficha dele tem um passarinho também — respondeu com intimidade.

A garota, então, levantou o papel em suas mãos e o expôs.

— É igual, sim —confirmou Colth ao ver o símbolo estampado no documento.

A garota com a face pouco expressiva, possuía praticamente os mesmos 1,60m de altura de Aldren, e semelhantes idades. “Talvez, uns dois anos a menos do que eu.” Pensou Colth com os seus recém 20 anos de idade completos.

Com um rabo de cavalo compondo os seus cabelos claros, e vestes claras soltas sobre o seu corpo miúdo, a garota segurava o papel firme enquanto observava o desconhecido da cabeça aos pés, o deixando desconfortável.

— O nome dele é Colth. — Simpaticamente, Aldren apresentava o novo colega.

— Acredito que demos sorte. Ele deve servir — respondeu a garota sem mostrar qualquer apego ao tom simpático de Aldren, e muito menos, apego ou cortesia para com a pessoa que acabará de conhecer.

— ... — Colth ficou calado e um tanto surpreso com a fala da garota. Ela era bem direta e não fazia questão de qualquer cerimônia.

— Não fala assim dele. Ele pode ficar aborrecido. — Aldren repreendia ela com um olhar sério, mas no instante seguinte, já voltava a sorrir. — Você deve ser gentil ao conhecer alguém, esqueceu?

— Por que ele ficaria aborrecido? — perguntou ela com uma dúvida sincera em seu olhar.

— Você devia se apresentar, e não ficar julgando as pessoas desse jeito — disse Colth em tom desconfigurado mostrando o seu desgosto.

A garota finalmente olhou no rosto dele, de modo que correspondesse uma troca de olhares minimamente respeitável, não era mais apenas um olhar para um objeto ou animal, como antes. Em seguida, ela esboçou uma tentativa de sorriso amigável acompanhado de sua apresentação:

— Meu nome é Celina. — Seu sorriso era nitidamente forçado e não correspondia em nada o tom neutro de suas palavras.

— Hum? — Colth voltava a si após pensar o quanto aquela garota era peculiar. — O meu nome é Colth. — concluiu erguendo o queixo.

Assim que terminou a sua fala, sem qualquer menção ao seu sobrenome, ele levantou a mão com o objetivo de cumprimentar a mais nova colega. Nesse momento, a garota simplesmente o ignorou e voltou a sua atenção para os seus papéis em mãos. Colth novamente era surpreendido, manteve a sua mão no ar até notar que havia sido completamente ignorado.

—Tsc. — Recolheu a mão e apenas respirou fundo pacientemente enquanto engolia o seu desgosto.

A multidão ia se separando em vários pequenos grupos à medida que os minutos passavam.

— E aí, Colth? Tentando a sorte para a guarda Real? — A pergunta deslocada vinha de uma voz mais distante, o interlocutor se aproximava e chamava a atenção do trio recém formado.

— Olá, Goro. — Colth respondia o cumprimento fazendo questão de demonstrar o seu desinteresse àquela figura que já conhecia bem.

— Que desanimo é esse? Para quem vai disputar uma vaga, você deveria... a não. Espera. Você acha que nem uma simples vaga na polícia consegue? Agora eu entendo o seu desanimo — caçoou Goro, em um tom que enojava os ouvidos de qualquer um.

Colth, imediatamente, desviou o olhar zangado e se viu implorando por paz em seus pensamentos. A polícia era o posto mais básico do ministério da defesa, eles tinham o seu valor, mas estavam muito aquém do prestígio da guarda Real, se tornar um agente policial, para ele, significaria uma falha em conseguir o que queria, Goro sabia disso, afinal, possuíam o mesmo objetivo.

— E aí, cara? Vocês são amigos? — Aldren interrompeu os pensamentos irritados de Colth e se colocou, de uma forma nada sútil, na conversa. Dirigindo a pergunta ao rapaz bem-vestido e de penteado regrado, ele sorriu.

— O quê? Eu e o Colth? — Goro arregalava os olhos sarcasticamente. — Não, não, não. Nós só somos... conhecidos um do outro.

O jeito e o tom arrogante das palavras daquele, por si só, já faziam Colth revirar os olhos, mas o que agravava ainda mais a sua irritação com essa situação, era saber que já fora amigo dele, uma pessoa desse tipo.

— A, entendi. Por um acaso, você não tem um passarinho na sua folha aí não, né? Tá faltando um do nosso grupo, ainda. Por enquanto, sou só eu, o Colth, e a Celina, aqui. — Aldren terminava a sua fala apontando para cada um de seu grupo.

Colth respirava fundo tentando manter a paciência e Celina continuava a ler e reler os documentos em suas mãos.

— Sinto em te decepcionar, mas não. O meu é uma bela espada sendo empunhada e... espera aí. — Os olhos de Goro se afiaram enquanto cantarolava as suas palavras. Esse era o prenúncio, já conhecido por Colth, de um insulto ou comentário cruel que viria logo em seguida. — Vocês três? Olha só para vocês. Hahaha. A outra pessoa deve ter desistido e corrido para se matar, ou sei lá.

— Quê? — Aldren expressava sua surpresa, ou talvez, só confusão com tamanha falta de noção do arrogante.

Colth não se surpreendia nem um pouco com o comportamento daquele homem convencido, já conhecia bem a pessoa. A família de Goro, diferentemente da de Colth, continuava relevante em Toesane. Sua mãe era uma das conselheiras da cidade e sua família tinha uma rivalidade histórica com os Lasvin. Rivalidade que estava fadada a acabar, agora que o império governava a cidade e a família Lasvin não possuía mais qualquer vínculo de governança sobre Toesane. Mesmo assim, Goro não economizava no seu desdém.

— De qualquer forma. Desejo sorte a vocês. Vão precisar. — O rapaz esnobe se virou e caminhou para longe, deixando os três do grupo imóveis sem qualquer reação ou resposta enquanto se misturava a multidão. — Até mais.

— Que cara engraçado... — Aldren cortava o silêncio que só havia entre eles, o restante da quadra desportiva continuava com o movimentar de um caos.

— Idiota — sussurrou Colth.

— Esquece ele. Ainda falta um, né?

— Tem razão. Vamos procurar pelo último pássaro. — Colth respondia à pergunta enquanto tentava se manter focado no objetivo. Aldren, por sua vez, sorriu e acenou positivamente com a cabeça.

O resto dos candidatos, que ainda não possuíam um grupo, já deveriam estar em quantidades bem menores a essa altura. Desse modo, seria mais fácil encontrar o membro que faltava no grupo, foi o que eles pensaram. Mas mesmo depois de os três integrantes, persistentemente, continuarem com a busca durante longos minutos em meio à multidão, o último símbolo correspondente não foi encontrado.

— Será que a pessoa que estamos procurando desistiu? — perguntou Aldren, enquanto observavam, cada vez mais, a quadra desportiva esvaziar.

Agora só restavam algumas poucas pessoas que conversavam entre si. Nenhuma que estivesse solitária a procura de um grupo.

—Acho que vamos ter de lidar com a falta de um membro no nosso grupo. — Colth se contentava.

— E aquela ali? — Celina, sem nenhuma timidez, apontava com o dedo indicador para uma garota em um dos cantos da quadra. — Ela parece estar sozinha.

— Sim, mas ela não parece estar procurando por um grupo. — Aldren tinha razão. Realmente, uma mulher deitada ao chão, lendo um livro sem nenhuma preocupação, não parecia estar à procura de seus companheiros.

— Talvez ela tenha desistido de procurar. — Colth tentava encontrar uma justificativa para tamanha atitude inconsequente.

— Bom, acho que não custa perguntar — disse Aldren ao colocar o seu sorriso otimista no rosto. Em seguida, começou a caminhar na direção da mulher despreocupado. Colth e Celina seguiram logo atrás.

Cabelos longos, um belo rosto acompanhado por um par de óculos, roupas pouco chamativas. “É tudo normal e aceitável nessa mulher, o único problema, é essa atitude despreocupada.” Pensou Colth, mas logo voltou a sua atenção no que estava diante de seus olhos.

— Olá. Com licença? — Aldren tentava chamar a atenção educadamente, mas a mulher insistia em não notar a presença dos três integrantes do grupo de pé ao seu lado. Seu foco era exclusivo das páginas contidas no livro que ela segurava sobre os olhos.

— Alô. Estou falando com você — institui Aldren. Novamente, nada. Ele então, tomou a decisão de dar um leve e delicado chute na bota da garota. — Ei. Você.

— Corvo. — A repentina resposta, sem sentido aparente, por parte da mulher, veio em um tom neutro e pouco interessado. Ela continuava com os olhos no livro.

— O quê? — Aldren traduzia em palavras as expressões faciais de todos do grupo.

— O meu símbolo. Um corvo sobre um galho seco — explicou sem se mover.

— Um corvo? — Aldren voltava os seus olhos para a sua folha de inscrição.

— Podemos ver o seu símbolo? — Colth foi direto. Começava a ficar impaciente com tamanho desleixo de uma possível integrante de seu grupo.

— Ah. — A mulher suspirou em um tom petulante e, em seguida, após dar uma leve observada no grupo, começou a se levantar do chão e fechar o seu pequeno livro de capa verde. — Aqui, toma.

Entregando a folha de inscrição, ela começou a olhar nos rostos de cada integrante do grupo, especialmente o de Celina.

Ao segurar a folha de papel e colocar seus olhos nela, Colth exterminou as suas dúvidas. O símbolo era, de fato, um pássaro sobre um galho, idêntico aos outros três. Ele não conseguiu esconder um breve suspiro descontente.

— O que é? É o nosso símbolo? — Aldren esperava ansiosamente pela resposta.

— É sim — confirmou Colth com os olhos fixos na mulher.

— É claro que é. — A mais nova integrante do grupo não demonstrava surpresa, pelo contrário, parecia já estar bem acomodada com a situação. Sua imparcialidade era tamanha, que os seus olhos pareciam mortos atrás da armação de seus óculos.

— Ah? Então... Eu sou Aldren, esse é o Colth, e essa é a Celina. — Novamente, o rapaz baixinho e animado apresentava todos com um sorriso. — Bem-vinda ao grupo.

— Ótimo. Meu nome é Garta.

— Que nome legal. Isso é um corvo, então? — Aldren voltava a ficar entretido com a figura do pássaro em sua ficha.

A mulher se viu alvo dos olhares frios de Celina, novamente a garota analisava o novo integrante do grupo da cabeça aos pés.

— O que ela está fazendo? — perguntou Garta, ao perceber o que parecia algum tipo de ritual realizado pela garota mais nova.

— Não liga para...

— Isso não bate. — sussurrou Celina. Em seguida, colocou o polegar direito sobre seus próprios lábios e obrigou Aldren a interrompe-la.

— Não, não, não. Não precisamos disso agora. — A reação desproporcional do rapaz, tentando evidentemente evitar que a garota continuasse com o que ela tinha a dizer, deixava Colth e Garta minimamente confusos. — Ela só gostou do seu cabelo, só isso. Aliás, adorei seu casaco de couro.

A explicação de Aldren, antes mesmo de uma pergunta, era suspeita aos olhos de qualquer um. Ele se colocou na frente da garota enquanto sorria para os outros.

— O que deu neles? — Garta sussurrou apenas para Colth.

— Eu acabei de conhece-los também, não me pergunte. — O rapaz se esquivava de qualquer responsabilidade.

— Qual será a relação desse baixinho com ela? — Garta deixava escapar os seus pensamentos.

— Baixinho? — Aldren ouviu apenas uma palavra. Foi o suficiente. Ele demonstrava sua irritação ao encarar os olhos da garota atrás das lentes de seus óculos. — Que falta de respeito com um colega.

— Já vi que isso vai dar trabalho — reclamou ela, em voz baixa.

— Você não tem respeito? Ficamos um tempão procurando por você. — O rapaz continuava com sua fala irritada. — E você tava na vida boa, lendo o seu... livrinho aí.

— Por que me preocupar? Vocês me achariam de qualquer forma mesmo — respondeu ela, sem demonstrar apego algum ao que estava sendo discutido.

— Que ridículo! Você estava deitada esse tempo todo...

— Já chega! — gritou Colth, se colocando à frente. — Temos coisas mais importantes para discutir.

Todos ficaram em silêncio imediatamente. Aldren baixou a cabeça reconhecendo as palavras firmes do colega. Celina continuou encarando Garta em especulação, e a mulher apenas desviou o olhar.

Colth fechou os olhos e respirou fundo. “Com um grupo desses, vai ser difícil conseguir uma boa classificação.” Pensou ele enquanto todos se acalmavam.

Após a trégua, o quarteto foi até o refeitório localizado em um dos prédios do complexo da academia da defesa. O local estava quase completamente vazio, uma das várias mesas dali seriam perfeitas para uma reunião estratégica do grupo recém formado.

Sentados à última mesa no canto do refeitório, Aldren retirou da mochila que carregava, quatro recipientes de metal empilhados sobre as suas mãos. Seu rosto sorridente se enchia de orgulho.

— O que é isso? — Colth não resistiu e perguntou para saciar a sua curiosidade.

— O almoço. — O rapaz colocava os recipientes no centro da mesa. — Aí, Celina. Você acertou. Não é surpreendente?

— Nem um pouco. Era óbvio que o ministério iria dividir os participantes em grupos de quatro — respondeu a garota, convicta e serena.

— Você sabia disso? — Colth ficou surpreso.

— Sim. Eu me baseei nos registros dos exames dos anos anteriores. Acho que eles dividem os candidatos em grupos para testar as nossas aptidões de trabalho em equipe.

— Entendi. E do que mais você sabe?

— Eu sei que, provavelmente, as provas serão focadas em aptidões específicas — respondeu Celina de forma segura, ela efetivamente estava um passo à frente de todos os outros ali.

— Isso parece ser bem razoável — Colth expôs o seu pensamento. — Então, precisamos saber quais são as aptidões de cada um, certo? — Ele era ouvido com atenção pelos outros três à mesa.

— Mas a gente nem sabe quais vão ser as provas — disse Aldren, enquanto distribuía os recipientes de metal, um para cada integrante do grupo.

— É por isso, que devemos falar as nossas aptidões, desse modo, vamos ter uma noção de quem escolher quando o teor das provas for revelado. — Colth seguia o seu raciocínio.

— Entendi. Por mim, tudo bem. — Aldren não pensou em contestar, em seguida, abriu um dos recipientes. — Podem comer. — Autorizou que cada um recolhesse os seus almoços.

— Eu não posso aceitar...

— Pode sim, Colth. Além disso, se você não comer, a comida vai acabar estragando. — Aldren tentava convencer o rapaz gentilmente.

— Não vai, não. — Celina exaltava as suas palavras secas e indelicadas enquanto abria outro recipiente e recebia um olhar de reprovação do amigo. — O que foi? Comida não estraga tão rápido assim. E eu comeria antes de estragar.

— Não liga para ela. Vamos. Você também, Garta. Devem estar morrendo de fome. Eu não posso deixar o meu grupo com pouca energia.

— Tanto faz. — Garta recolheu um dos recipientes e o abriu.

— Não vou negar que estou com muita fome. Então, tudo bem. Obrigado. — Colth se juntou aos colegas e, em seguida, abriu a última refeição restante. Ele ficou impressionado com o quão precavido Aldren era, afinal, trazer comida, não só para ele, mas para todo o grupo, era digno de elogios.

— Muito bem. Então, eu vou dizer a minha aptidão. — Aldren prosseguiu com o assunto anterior. — Eu acho... acho que posso dizer, que eu sei correr muito bem.

— Quer dizer, rápido? — Garta estranhava as palavras escolhidas pelo rapaz.

— Um pouco rápido, também. — respondeu Aldren de forma assertiva.

— Como “também”? Correr rápido é o único modo de correr bem. Fora isso, não significa nada. Não é uma aptidão. — Garta expunha exatamente o pensamento de Colth, mas da forma seca e direta que disse, ele jamais o faria.

— A é? Então fala a sua aí, já que é tão boa.

— Tudo bem, eu falo. Mira. Eu tenho uma excelente mira.

— Mira? Hmm. — debochou Aldren com a boca cheia de comida. — Grande coisa.

— Não. Na verdade, isso pode ser muito bom. Geralmente, sempre tem uma prova que envolva a habilidade de mira — disse Celina ao se animar minimamente com aquilo. O rapaz com a boca cheia só pôde se remoer contraditado.

— Sério? Isso é por causa dos históricos das provas? — Colth se impressionava, mas duvidava um pouco da informação vinda da garota.

— Exatamente. Ano passado foi lançamentos de objetos uniformes ao alvo. Dois anos atrás, arco e flecha. Antes disso, dardos — explicou ela em um tom sério e bem convincente. Realmente parecia saber do que estava falando.

— Você está dizendo que, uma das quatro provas, deve envolver um desses?

— Não exatamente um desses. Mas a probabilidade de mira ser uma aptidão requisitada, é bem alta.

— Isso é fantástico. — Colth não continha o seu otimismo.

— Acho que isso facilita as coisas — disse Garta enquanto se aproveitava da comida.

— Hmm... — Colth demonstrava surpresa ao sentir o saboroso pedaço de batata cozida com manteiga. — Isso está muito bom. Foi você quem fez, Aldren?

— Isso aí. Especialidade do chefe aqui. — Ele apontava para si mesmo. O sorriso orgulhoso do rapaz era o mais verdadeiro possível.

— Você realmente cozinha muito bem, imagino que faça sucesso na sua cidade. — Colth elogiou o colega enquanto ainda mastigava.

— Aptidões culinárias não vão te ajudar aqui — disse Garta escondendo o contentamento com o gosto da comida. Aldren pareceu apenas um pouco irritado, mas ele não se importou a ponto de responder. A mulher mudou a atenção para outro membro à mesa: — E você? Alguma aptidão, Colth?

— É mesmo, Colth. E você? — A curiosidade de Aldren veio em conjunto aos olhares e ouvidos atentos de todos do grupo.

— Para falar a verdade, eu não sei bem — respondeu acanhado. Todos ficaram em silêncio repentinamente.

— Nem um esforço? — Garta demostrava um certo desanimo e decepção com aquela resposta.

— Ei! Olha como fala com um colega de equipe. — Aldren repudiava o comportamento da mulher enquanto Colth desviava o seu olhar.

— Eu não falei nada demais.

— Mas ficou com essa cara rabugenta aí.

— Essa é a minha cara.

— É claro que é... O que você acha, Celina? Alguma outra aptidão que é necessária nas provas? — perguntou Aldren, avançando o assunto em questão.

— Bom... — Celina se desprendia dos seus pensamentos avaliativos. — Geralmente, as outras provas envolvem inteligência, agilidade, força, resistência e equilíbrio. Suponho que você, Colth, tenha porte para força. Provavelmente para resistência, e talvez, para equilíbrio.

— O Colth pode ser o nosso camaleão, então. — As palavras de Aldren, que pareciam não fazer muito sentido para os outros dois, eram confirmadas com um aceno de cabeça por Celina.

— O que isso significa? — Colth interrompeu.

— É tipo uma carta curinga.

— Faz sentido o que o Aldren falou. É possível que não consigamos prever todas as provas. Então, ter um componente do grupo mais equilibrado, pode nos dar vantagem. — Celina concordava com as palavras de Aldren.

— Bom, eu gostaria de ter um papel maior no grupo, mas se isso for ajudar, então, tudo bem. — Colth também aceitou a proposta.

— Exatamente. — Aldren se fez ouvir enquanto ajeitava o colarinho de seu paletó amarrotado. — E é por isso, que vocês podem deixar a prova de inteligência comigo.

— Não. — A negação seca e direta de Celina, em resposta as palavras de Aldren, fez com que Colth abrisse um sorriso debochado sem intenção. O mesmo chegou a ser visto, por uma fração de segundo, no rosto de Garta.

— Eu sei, eu sei, Celina — respondeu melancólico, apoiou sua cabeça sobre a mesa após o evidente descrédito atribuído a ele. — Era só uma piada.

— Aldren, você vai ficar com a prova de agilidade. Essa tem uma grande probabilidade de estar entre os testes. — Celina recuperava o assunto que importava.

— Se você está dizendo... — o rapaz contrariado assentia.

— E você ficará com a prova de inteligência? — A pergunta de Colth para Celina, era praticamente retórica. Depois de todo o planejamento e conhecimento demonstrado, ninguém se oporia à ideia de Celina ser a candidata a realizar tal tipo de prova.

— Exatamente. Penso que isso deva nos dar alguma vantagem sobre os outros candidatos.

— Certo. Acho que tudo bem. — Colth foi quem deu a resposta em palavras, mas todos na mesa concordaram com aquilo.

— Incrível! A gente tem o melhor grupo de todos. — Com uma exagerada animação, Aldren cortava o curto silêncio estabelecido.

— Você só pode estar brincando... — sussurrou Garta, discordando em um tom pessimista.

— De qualquer forma, está decidido — Colth encerrou o assunto.

Os quatro terminaram a sua refeição e logo seguiram para o campo esportivo externo da academia. Novamente, a cena dos candidatos frente as autoridades, se repetia, mas dessa vez, os participantes estavam todos em grupo de quatro.

— Atenção!!! O oficial superior, Coronel Helm irá falar!!! — O grito firme para todos os candidatos vinha de uma das extremidades do campo. O homem calvo, com o seu uniforme vermelho escuro da guarda real, repetia as mesmas palavras de antes. E como em uma tradição, o outro homem, mais velho, o Coronel Helm, começava a discursar.

— A primeira prova da seleção final para os candidatos aos cargos do ministério da defesa começará em instantes. Será tiro ao alvo com mosquete de cristal Sathsai a 50 metros do alvo.

“Isso é ótimo.” Colth pensou imediatamente. Ele lembrou da conversa há pouco, e não resistiu a um sorriso otimista em direção a Garta.



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