Volume 1

Prólogo

— Acabou! Não há mais nada o que fazer, Colth. — disse o rapaz segurando o choro enquanto via o amigo cavar com as próprias mãos os escombros de sua própria casa em desespero.

— Não, não. Não faz isso comigo, Nya. — Suas mãos já estavam completamente machucadas e ensanguentadas, mesmo assim, se negava a cessar a procura.

Movido a adrenalina e a angustia de ver sua irmã ser soterrada pelo seu próprio teto, Colth continuou a tirar pedra por pedra, tijolo por tijolo, daquela pilha de entulhos que resumia sua vida e seus sonhos.

— Mamãe... — a garotinha ao fundo estremeceu a boca em choro à medida que se desprendia do tio irreconhecível.

— Para com isso, Colth. Está assustando a Agnes. — O amigo se aproximou da cena lastimável.

O barulho de explosões próximas e da guerra de uma única força rodeavam o ambiente. A paisagem pouco urbana já não parecia tão familiar após tantas cinzas acumuladas. Ele continuou não se importando.

— Colth! — gritou o amigo metendo as mãos nos ombros do frenético e o puxando com toda força para de volta a realidade. — Para com isso! Precisamos sair daqui. Agora!

— Me solta, Goro! — Empurrou com força o seu mais próximo amigo.

— Eu já disse para me escutar...

 Antes que o rapaz repetisse o seu aviso, foi acertado por um soco repentino de Colth. Com a mão direita bem fechada e entregue a fúria, o mais novo nem pensou em seu ato, seu golpe acertou em cheio o rosto de Goro arrancando-lhe sangue e quase o levando ao chão.

— Tio Colth? — A garotinha nunca havia visto tamanha selvageria daquele gentil homem.

Acumulou seus medos e não aguentou pressionada. A criança fugiu a passos rápidos pela rua auxiliar do que, até ontem, era o bairro residencial da pequena cidadezinha pacata onde passava a sua doce infância.

— Espera, Agnes! — Goro clamou pela coragem da garota, mas não foi atendido. Se virou ao amigo, ainda com o queixo dolorido, e o reprovou com o pior dos olhares. — Olha só o que você fez, Colth. Está feliz?

— Vai atrás dela. — Praticamente deu de ombros. — Eu vou continuar cavando e procurando a...

— Não! Não vai! — ordenou com ímpeto e energia como nunca antes. — Se nós não sairmos daqui agora...

Tarde demais. Uma explosão de energia acertou os arredores violentamente. Mais cinzas e destroços foram erguidos. O impacto foi tão próximo e destruidor que o calor se fez ouvir no ambiente. A poeira se espalhou pelo ar e dificultou qualquer visão do próprio sol.

— Droga. O que é isso? — perguntou Colth em meio a engasgos pelo pó.

— Eu não sei, mas parece diferente de uma explosão dos canhões do exército.

Quando a névoa fina de poeira começou a se dissipar, algo chamou a atenção dos dois. Uma sombra, ou melhor, uma silhueta humana começou a se aproximar vinda do meio daquela explosão de energia.

Os dois se olharam se perguntando como alguém sobreviveria aquela violência. Eles mesmo, se estivessem metros mais próximos do impacto, seriam completamente pulverizados.

Congelaram espantados e foram ainda mais surpreendidos quando puderam ver o rosto da figura. Uma bela mulher em um vestido nobre vermelho e preto de mangas longas e cabelos prateados que se destacariam em qualquer lugar, ainda mais ali, no meio de um campo de guerra.

— Vocês dois aí! — disse com arrogância. — Onde está a garota da predição?

— Predição? — perguntou Colth sem pistas.

— Não se faça de tolo... — A mulher interrompeu suas palavras ao notar algo no ar. Empinou o nariz e deixou suas narinas receber o fedor do ambiente. — Esse cheiro. É o mesmo cheiro do sangue da garota. — Concluiu seu julgamento ao observar as mãos do rapaz pingando o liquido vermelho.

— Do que essa mulher está falando? — Goro impaciente.

— Darei a você uma última chance. — Levantou a ponta do nariz novamente, dessa vez para mostrar superioridade. — Me responda. Onde está a garota?

— Eu não sei do que você...

— Como guardiã de Rubrum, eu ordeno que fale. — Ela interrompeu as palavras perdidas de Colth com indiferença.

— Rubrum?

A mulher não perdeu mais tempo. De uma das mangas do seu vestido, retirou uma pequena lâmina, tão pequena quanto uma faca de manteiga, mas o suficiente para deixar os outros dois minimamente aflitos. Apontou para a palma da sua outra mão.

Não hesitou, perfurou sua própria pele sem remorsos, o sangue escorreu enquanto ela se deliciava com a dor e provocava nos observadores um desconforto receoso.

— Que merda ela está fazendo? — sussurrou Goro.

Descravou a lâmina e, com a mão completamente vermelha, apontou o corte da palma para Colth.

Ele, por sua vez, apenas deu um passo para trás estranhando o ato e, antes que conseguisse entender o que estava acontecendo, foi novamente surpreendido.

Frente a mão da mulher esticada ao ar, o sangue começou a se acumular de forma completamente bizarra. O líquido parecia vivo e não obedecia a qualquer lei da física.

Suspenso no ar, o sangue acumulado começou a se mover e tomar diferentes formas até se solidificar com um aspecto agressivo, algo como uma estaca do tamanho de uma espada pequena, fez os dois rapazes arregalarem os olhos e temerem pelo o que estava por vir.

A ponta da tal estaca, composta inteiramente por sangue, estava apontada para apenas um alvo, Colth. Ele se assustou com tamanha estranheza e calou-se manifestando a sua apreensão.

— Se não vai me ser útil, o seu sangue vai. — disse ela decidida. Se preparou e gritou com atitude: — Desencarne!

A estaca de sangue tremeu em uma frequência nada homogenia e, assim que a mulher berrou seu desejo, o objeto foi disparado como uma flecha. Cortou o ar rapidamente em direção ao rapaz confuso. Não poderia fazer mais nada. Sentiu o perfurar de seu corpo antes mesmo da ponta da arma anormal lhe atingir.

— Ahhh!!! — Acordou aos gritos.

Ofegante, procurou colocando as mãos em seu peito. Não achou nada de diferente e forçou-se a acalmar-se. Finalmente teve noção de onde estava.

No vagão de passageiro do trem que esfumaçava o progresso em velocidade pela cidade grande, Colth foi julgado pelos olhares incomodados dos outros passageiros.

— Foi só um sonho. Só um sonho... — sussurrou para si mesmo comprando a própria tranquilidade enquanto se ajeitava no banco de madeira ao lado de outros viajantes.

— Que cara mais esquisito. — reclamou um velho homem de cartola.

— Desculpa... — ficou sem graça e se encolheu na sua poltrona ainda sendo alvo dos olhares dos demais. — Desculpa.

“Que hora perfeita para ter um pesadelo.” Pensou envergonhado e logo tentou esquecer tudo aquilo. Usou da bela paisagem urbana na janela do trem para isso.

— Que cidade movimentada... — encantou-se.



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