Volume 1

Capítulo 18: O Mensageiro e o Comunicador

Garta desceu as escadas e caminhou por alguns corredores seguindo o secretario do ministério das Comunicações, foi levada até a sala do representante maior ali. Vazia, além deles dois, a sala possuía uma mesa grande ao centro e vários armários de arquivos que eram abarrotadas de papeis ao seu redor.

O homem fechou a única porta por onde entraram e, sem muitas gentilezas, buscou um envelope pardo sobre a superfície da sua escrivaninha, sempre tendo com sigo a caneca de bebida quente que carregava.

— Preciso que leve isso ao encarregado de propaganda da Defesa. — O envelope era entregue nas mãos de Garta com pouca cerimônia. O homem continuou: — Vocês três trouxeram a mensagem, mas esqueceram de mencionar quanto tempo ela deve durar. O encarregado não conversou com você sobre isso?

— Desculpe senhor... — Garta não fazia ideia sobre o que o homem estava falando. Aceitou o envelope e tentou disfarçar ao perceber que o secretario a confundira com outra pessoa. — O encarregado não chegou a discutir os detalhes — iludiu.

— Entendo. — respondeu o homem se sentando sobre a superfície de sua mesa de forma despojada enquanto aproveitava um bom gole da sua bebida quente. — Bom, vou manter a mensagem de amanhã por três horas, deve ser o suficiente para vocês dispersarem qualquer rebelde da região Norte.

Garta segurou todas as perguntas que passaram pela sua cabeça como um raio. Escondeu a sua expressão surpresa com uma tosse fabricada.

— Uma criatura sombria bem no meio de uma região da Capital, o império deve estar mesmo desesperado para acabar com esses rebeldes — complementou o homem em tom bem-humorado sorrindo casualmente.

— Criatura sombria? — Ela não conseguiu se segurar dessa vez. Aquilo já era demais, as palavras escaparam de sua boca e uma expressão em dúvida surgiu no rosto do homem.

— Qual é a surpresa? A ideia partiu do próprio ministério da Defesa, não foi?

— A...

O bater na porta interrompeu a resposta tropeçada. Garta foi salva por seja lá quem estivera batendo na porta. Ela ainda não sabia como responder, mas agradeceu o tempo extra que ganharia com a intervenção inesperada vinda do lado de fora da sala.

— Pode entrar — permitiu o chefe.

— Desculpe interromper, senhor. Nós ficamos à sua espera no saguão, mas... — disse a mulher fardada adentrando à sala, uma verdadeira agente da polícia da Capital. Ela não chegou a mudar o seu tom cortês, mas se surpreendeu ao ver Garta. — Ah. Desculpe, não sabia que o senhor estava com outra visita.

— Espera... — O secretário colocou a sua caneca sobre a mesa e se levantou com olhares confusos. — Você é...

— Julia Triala, senhor. Oficial de suporte. Aos trabalhos do senhor encarregado de propaganda do ministério da Defesa.

O rosto do homem ficou com uma expressão ainda mais confusa.

— Se você é a oficial do encarregado, então quem... — Antes que ele pudesse terminar a sua indagação em direção a Garta, a guardiã já havia partido para cima da verdadeira oficial.

“Derrubar o oponente mais forte primeiro se for possível, é sempre a melhor opção.” Pensou ela instintivamente e partiu para ação.

A sola da bota direita de Garta deslizou pelo piso de granito como um compasso riscando um círculo perfeito numa folha de papel, até achar as pernas da policial completamente despreparada para um combate físico naquele ambiente. Afinal, ela jamais esperaria que uma “colega” de trabalho a atacasse sem qualquer motivo aparente.

As pernas da mulher foram arrastadas violentamente para o lado até que perdesse qualquer equilíbrio e chance de ficar de pé.

O pé direito da guardiã voltou a se firmar no chão e, em seguida, utilizou a esquerda para erguer um chute com força certeira na orelha direita da oficial já em queda. A pobrezinha não conseguiu nem respirar nesse meio tempo, foi arremessada com o impacto e só parou na parede do início da sala, desmoronou limpando o chão com o próprio corpo desacordado.

O homem assustado viu a cena perplexo, deu dois passos para trás até se deparar com a sua mesa as costas. Sem maiores reações possíveis, ele apenas gritou em desespero:

— Socorro!!! So... — Antes do seu segundo chamado por ajuda, o secretário ministerial já era interrompido.

Garta grudou a palma de sua mão sobre a boca do homem impedindo que qualquer som se propagasse. A mulher empurrou a cabeça do assustado em direção à superfície da mesa de modo que a nuca do homem encostasse nos diversos papeis sobre a mesa de trabalho do próprio.

Os olhos do secretário se arregalaram, a força da mulher era surpreendente, e ele, sem qualquer precedente em lutas ou mesmo treinamentos físicos, estava completamente rendido sobre a mesa de modo desprezível.

— Me diga o que vocês estão planejando para o Norte amanhã!!! — Garta não perdeu tempo. Manteve o controle violento sobre o queixo do homem enquanto esbravejava as suas dúvidas.

— Eu... Eu... — hesitou ele.

— Eu juro que eu te mato! Fala logo!

— Uma criatura sombria... O ministério da Defesa... Ele vai invocar uma criatura sombria na região Norte — respondeu covardemente.

— Invocar? — Garta se perguntou sem entender, continuou sem cessar. — Que merda isso quer dizer!?

— Ele vai invocar uma criatura lá... Eu já disse!

— Como? Como ele vai fazer isso!?

— Com um dos soldados especiais.

— Especiais? Nunca ouvi falar disso... — Garta pensou alto antes de continuar com o interrogatório. — Quem é esse soldado!?

— Eu não sei... Não sei...

A guardiã não podia se dar ao luxo do tempo. Ela agarrou a caneca com a bebida quente do secretário pela alça e a ergueu. Com um só movimento abrupto para baixo, estilhaçou a porcelana sobre a mesa de modo que a bebida quente do recipiente se espalhasse por toda a sala. O estilhaço da alça que restou entre os dedos dela se partiu revelando algo como uma lâmina improvisada. Imediatamente, a mulher levou o objeto até a jugular do homem apavorado.

— Isso aqui é suficiente!? Eu te mato aqui mesmo! — Garta não media o seu tom ameaçador.

— Tá bom, tá bom!!! — Os gritos em meio a um choro covarde prevaleciam. Aqueles gritos e os barulhos certamente chamariam a atenção, não restava muito tempo. — Eu só o conheço como Índigo, eu só o vi uma vez, ele tem uma tatuagem azul na região do pescoço e é alto... e magro... e... e... é tudo o que eu sei, eu juro. — Chorou como uma criança.

Garta pensou rapidamente sobre, mas não podia perder a oportunidade de fazer mais perguntas, logo, indagou com mais uma.

— Você disse “invocar”, o que isso significa?

— Eu não sei! — o secretário respondia com o rosto molhado pelas suas próprias lagrimas.

Garta pressionou o pedaço de porcelana contra o pescoço do homem de modo a abrir um pequeno corte inofensivo, mas o bastante para ocasionar medo na vítima.

— Eu juro! Ah! Eu não sei! Eu acho que ele sabe atrair uma criatura sombria, ele deve adestrar as criaturas, ou sei lá... Eu juro, é tudo o que eu sei!

— Adestrar?... — A guardiã pensou alto mais uma vez sem conseguir imaginar tamanha loucura.

A porta da sala se abriu de modo abrupto. Rapidamente, Garta puxou o corpo trêmulo do secretário para si, sem retirar a lâmina improvisada de perto do pescoço dele e girou para ficar de frente com a entrada.

Ela se protegia atrás do corpo do interrogado se certificando de deixa-lo na frente da visão de dois policiais que acabavam de entrar pela porta.

Os dois homens fardados apontavam seus rifles de Sathsai ao ver a cena que não esperavam.

— Se afastem, ou eu acabo com ele! — exclamou Garta em tom ameaçador e nervoso. Assim que terminou suas palavras, uma sirene com um tom notável de alerta ecoou pelos corredores do prédio.

— Você não tem saída! Abaixa isso! — gritou um dos policiais apontando para a lâmina improvisada nas mãos da guardiã.

O secretário continuava a chorar enquanto a mulher ameaçava expor a sua artéria carótida.

— Secretário, eu tenho mais uma pergunta para o senhor. —disse ela decidida. — Você está feliz vivendo sobre todas essas mentiras?

— O quê? — O tom choroso por parte do secretário era vexatório.

— Você tá feliz?! Ou não?!

— Eu não sei! — A resposta nervosa em meio ao choramingo vinha à altura dos gritos. — Eu não sei!

Assim que o secretário terminou sua resposta sem qualquer compostura, Garta o empurrou bruscamente para frente. Os dois policiais não esperavam por aquilo e interviram tentando ajudar o homem a não se debruçar no chão.

Blast! Um flash de luz azulado acompanhado pelo barulho característico preencheu a sala tomando a atenção dos dois policiais que tinham seus olhos voltados ao secretário.

Imediatamente, ambos voltaram a apontar seus mosquetes para o fundo da sala, mas a mulher já não estava mais lá.

O paradeiro de Garta, após utilização de sua habilidade de deslocamento, era um local já conhecido por ela. Um ambiente aquecido por uma única bela lareira que sempre lhe trazia segurança.

O Sol raiava e adentrava pelas grandes janelas preenchendo boa parte da biblioteca da belíssima fortaleza Última. Uma única pessoa era quem estava sentada em uma das poltronas frente ao fogo tênue confortável enquanto lia um livro. Sua atenção foi fisgada.

— Irmã?

— Hikki? É bom te ver. — respondeu ela ao ser recebida pelo garoto que fechou o livro com o qual era entretido.

— O que aconteceu? Está tudo bem? — Ele se levantou e foi até a guardiã no centro da sala.

— Sim. Eu só passei para ver como você está. — mentiu ela escondendo o rosto.

— Eu estou bem. Que tipo de pergunta é essa? — estranhou o garoto por menos de um segundo. — Eu tenho notícias sobre o emissário que você capturou durante os exames de admissão da Defesa.

— Ele falou alguma coisa? Como você conseguiu?

— Eu dei o meu jeitinho. Hehehe. — Hikki sorriu ardilosamente e em seguida voltou para sua revelação: — Ele disse que sua habilidade é a de aumentar a atividade cerebral de um alvo. Isso faz com que a pessoa receba mais estímulos e possa processar mais coisas de uma só vez. Geralmente ele usa a habilidade como benefício para a vítima, mas também pode ser usado como um tipo de arma. Aparentemente, aumentar muito os estímulos no cérebro do alvo, faz com que ele fique confuso e até catatônico por algum tempo. Eu, sinceramente, achei uma habilidade bem inútil.

— Tá, tanto faz. Mais alguma coisa?

— Descobri que o seu nome é Hauer e que ele se interessa bastante por jogos de tabuleiro e...

— Hikki, dá para pular para as coisas que realmente importam — criticou a guardiã apressando-o.

— Certo. Ele conseguiu a habilidade vendendo o seu primeiro filho para um Deus. O que foi bem inteligente por parte dele, já que disse nunca pretender ter filhos. Não que eu ache isso legal, mas para ele parece...

— Hikki!

— Tá, já entendi. Só coisas importantes. — retrucou revirando os olhos. — Bom, além disso, o Hauer recebeu essa pequena missão de levar a Guardiã de Tera até uma pessoa desconhecida.

— Ele falou algo sobre essa pessoa?

— Na verdade, sim. Essa pessoa faz parte da família imperial. Pois é, você tinha razão, o império realmente está envolvido nisso. — corroborou o garoto ao conferir o rosto pouco surpreso da irmã. — Ele também disse que o tal deus que lhe concedeu a sua habilidade havia mencionado um tal guardião traidor que pretendia tomar o poder das mãos do império e usá-lo como barganha para ser elevado ao posto de novo Deus.

— Um traidor? — Garta pensou alto com uma das suas sobrancelhas erguidas. — Como você disse que era o nome desse deus, mesmo?

— Ah, sim. deus Rem, o divino do mundo de Anima.

— R-Rem? — Os olhos de Garta arregalaram. — Você tem certeza disso?

— Sim, eu tenho cert...

— Isso não é bom — sussurrou a guardiã caminhando pensativa sem direção. — Eu preciso voltar!

— O quê? Por quê?

— Não é nada... Não se preocupe. — respondeu ela se preparando para mais um deslocamento.

A palma de sua mão brilhou sobre o tecido do uniforme de polícia da Capital enquanto se preparava, um intenso flash de luz iluminou todo o cômodo e incomodou os olhos do garoto sem aviso.

— Irmã, o que você está escondendo? — sussurrou Hikki, solitário e preocupado.



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