Volume 1

Capítulo 2: O Campo Ilusório

A luz da noite brilhava no céu sem nuvens. Era noite de lua cheia, então o seu brilho era poderoso e ela estava no topo do céu intocável. Por alguma razão as estrelas não podiam ser vistas naquele dia.

Uma floresta densa se encontrava abaixo, recheada de uma flora diversa. Dentro dela, movimentos eram vistos. Um morcego atravessou a mata em alta velocidade, movia-se pelo ar, desviando de árvores por pouco. O animal passava por baixo de troncos, evitava cipós e árvores com maestria, sem nem ao menos perder sua velocidade de voo.

Um silêncio incomum surgiu de entre a mata. Movimentos rápidos de sombras foram avistados pelo morcego, estava sendo caçado. Ao perceber a situação difícil em que estava, Morpheus começou a pensar em um plano.

Aquele morcego era apenas um familiar dele, que controlava à distância, o poder que exercia nele, não era nada comparado a sua força normal.

Ao passar por debaixo de uma árvore, Morpheus mudou sua trajetória inesperadamente. Ao executar essa façanha, ele conseguiu ver a aparência do animal que havia saltado do mato para posição em que o morcego estaria.

Ele tinha uma pelagem toda preta, um tom muito escuro que o tornava imperceptível à noite. O animal possuía claras semelhanças com um lobo, porém, além de sua pele negra,  suas escleras também eram pretas. O animal rosnava em direção ao morcego, com suas presas afiadas de fora.

Contudo, ele não atacou. O lobo voltou a esconder-se entre as árvores, esperando outra oportunidade de abate. Aqueles animais eram espertos, moviam-se de maneira imprevisível e em grupo.

“Lobos dos Olhos Negros... isso pode ser um problema. Mesmo sendo feras de nível baixo, os seus números são altos”, pensou o morcego.

Eles eram uma espécie de besta que possuíam núcleos de mana em seu interior. Isso aprimorava suas capacidades físicas e, possivelmente, os permitia usar magia.

Lobos eram especialista em múltiplas áreas, mas havia duas que sobressaiam, velocidade e estratégia. Aqueles que estavam de frente para Morpheus eram os melhores nas duas áreas. O morcego estava enrascado, lidar com eles era um problema, ainda mais que ele não conseguia tempo para executar nenhuma magia.

Ao percorrer a mata, o morcego atravessou por entre um amontado de rochas em uma colina íngreme, ele não tinha dificuldade em passar pelas pedras. Logo atrás dele vieram os lobos, que saltavam pelas pedras como verdadeiros escaladores, os seus corpos nem ao menos pareciam pesar.

Contudo, um sorriso frio surgiu no rosto de Morpheus. Indo até o ponto mais alto da colina, ele conseguiu tempo para executar uma magia. Mana de coloração negra se reuniu próximo às asas dele.

Às sombras controlam à noite, as sombras destroem tudo. Em meio às sombras eu me ajoelho, que o poder consuma meus inimigos. Magia das sombras de nível médio: Desastre Negro.

Os pelos dos lobos arrepiaram e o uivo do alfa soou no meio da mata, porém já era tarde demais. A mana reunida próximo às asas do morcego tomou forma, assumindo a aparência de um ceifeiro macabro todo feito de sombras.

Aquele ceifeiro carregava consigo uma foice negra e um sorriso cruel estava estampado em seu rosto. Até os lobos sentiram o terror daquele monstro que tinha dentes afiados como o de um tubarão.

O ceifeiro segurou sua foice com força e desceu em direção à colina. As plantas próximas do lugar em que ele tocou começaram a definhar e o chão rachou, abrindo uma fenda em toda o lugar, com o som de algo se rachando soando nos arredores.

Aqueles lobos, que subiam por entre as pedras, entraram em desespero. À colina estava se partindo ao meio e os lobos despencavam de cima das pedras um por um pelo tremor. Alguns poucos conseguiam sobreviver à queda e fugiam com o rabo entre as pernas.

Ao ver que toda situação havia se resolvido, Morpheus desfez sua magia. De repente o ceifeiro desapareceu como se nunca tivesse existido. Ele então desceu dos céus, retornando à colina, que em um piscar de olhos, voltou ao normal como se o terremoto fosse apenas uma miragem.

“Apesar de serem inteligentes não conseguem resistir a ilusões.” Magia das sombras era baseada em três princípios básicos, ocultar, iludir e amaldiçoar, não era um tipo de magia destrutiva, mas era tão perigosa quanto. — Devo continuar em frente, ainda tenho muito o que fazer.

O morcego continuou em patrulha pela floresta, exterminando qualquer ameaça que pudesse atrapalhar o caminho de Ângela. Morpheus eliminou tudo o que conseguia encontrar, utilizando armadilhas similares as que usou para acabar com os lobos. Atraia seus alvos para ilusões, criando o perfeito covil da aranha, todos caiam em sua teia.

Após completar sua missão, o morcego saiu da floresta. Não conseguia localizar mais nenhum monstro pelo caminho que Ângela percorreria, assim, ele desapareceu ao amanhecer.

Dentro de um pequeno navio, em uma cabine isolada, um homem oculto nas sombras colocava a mão em sua cabeça. Ele respirava com velocidade e suava um pouco.

— Utilizar magias de nível médio em um familiar ainda é muito difícil, mesmo para mim. Espero que não ocorra outros problemas...

O homem desconhecia a presença de um terrível perigo.

Uma criatura gigante voava muito acima da ilha, muito mais alto do que qualquer morcego conseguiria chegar. Uma de suas penas caíram, uma pena negra que possuía o tamanho de uma criança normal.

Ela se movia com velocidade e era seguida por outras multiplicas bestas menores.

 

 

Hã?! — gemeu Sienna ao acordar.

A jovem sentou-se na cama e colocou a mão em sua cabeça respirando pesado.

— Outro pesadelo... Já estou cansada disso.

Pesadelos assombravam às noites dela, não sabia o que fazer sobre eles. Os terríveis pesadelos surgiam apenas quando a jovem lia livros sobre A Grande Guerra, como se algo a perseguisse.

Saindo do quarto, Sienna buscou Ângela pela casa. A jovem andou por todo o lugar, procurando na cozinha, armazém, em sua biblioteca e outros lugares. Após procurar bastante, ela passou pelo quarto em que era proibida de entrar.

“Você nunca deve entrar nesse quarto, não importa o que ouça”, essas foram as palavras que Ângela disse para a menina. Aquele quarto era um verdadeiro mistério. Ângela quase nunca entrava nele, sons de metal ressoavam, sons que pareciam correntes se chocando com força.

Os sons se intensificaram, Sienna deu um passo para trás e encarou a porta. Logo ela se abriu e Sienna acalmou-se. Ângela saiu do quarto, em sua mão estava um objeto enorme embrulhado em um pano marrom.

Aquele objeto tinha um cabo longo como o de um cajado, mas sua ponta formava uma meia-lua. A jovem não conseguia identificar o que era aquilo e nem se importou muito, sua atenção estava em Ângela.

— Você não me acordou. Está tudo bem?

— Sienna... Precisamos conversar, mas antes, vamos tomar café.

Ângela tinha um pequeno sorriso estampado em seu rosto.

— Dona Ângela...

Algo estava errado e ela sabia disso.

Sienna tomou um banho, vestiu roupas leves, arrumou seu cabelo e foi para a sala de jantar. Ao sentar-se na cadeira, recebeu um café da manhã normal que as duas comiam quase todos os dias. Contudo, naquele dia às coisas estavam estranhas.

Terminando de comer, Sienna pegou uma maçã, inspirou seu cheiro gostoso e deu uma mordida sentindo os líquidos doces descerem por sua garganta. Maçã era a fruta favorita da jovem.

— Estaremos indo embora hoje mesmo. Permito que leve um livro com você, mas apenas um. Além disso, não levaremos mais nada conosco, prepare-se rápido.

A maçã que Sienna mordeu com tanto gosto caiu no chão.

Hã? — Sienna não conseguia entender a situação muito bem. — Vamos embora? Por quê? Para onde?

— Bem... A situação é muito complicada. Eu não posso lhe contar muitas coisas, mas posso lhe dizer uma coisa, se a gente for eu prometo que permaneceremos juntas e continuarei cuidando de você.

O choque inicial passou, Sienna pegou a maçã que havia deixado cair no chão. Ao olhar para o rosto de Ângela a menina sabia que não conseguiria nenhuma outra informação.

“Mas por que agora?” Essa era a única dúvida que assombrava a mente da jovem, por que tinha que ser naquele momento?

A jovem fez um rosto de desgosto, ela não queria ir embora, mas não havia nada que pudesse fazer.

— Está bem, Dona Ângela... Vou pegar um livro.

— Obrigada por entender. Vá rápido, precisamos partir.

Forçando um pequeno sorriso, Sienna saiu da cozinha indo em direção a sua biblioteca. Ângela permaneceu na sala, encarou o objeto que tinha em mãos e soltou um suspiro.

— Me desculpe Sienna... Desculpe por mentir para você...

Dentro da biblioteca, Sienna mexeu em várias caixas a procura de um livro específico. Ela queria um livro que só havia lido uma vez, não era seu livro favorito ou um livro raro, era apenas algo que por um motivo, que não conhecia, havia ficado marcado em sua mente.

Ao abrir uma caixa, tirar alguns panos velhos e poeira de cima, ela encontrou, afinal, o livro que procurava.

“A Arte Das 100 Espadas Brancas — Emily Sandriny”.

Isto era o que estava escrito na capa do livro. Diferente dos livros de história e ficção que ela tinha ali, aquele era um Grimório de Magia. O livro era todo completo, com encantamentos, feitiços e até um raro manual de Criação de Epicentro, o real problema do livro era o elemento mágico necessário para domina-lo.

— Cristal é o elemento mágico mais difícil de ser dominado conhecido...

Cavaleiros, Magos, Guerreiros, entre outras classes dependiam de mana, que era a energia natural que estava em todo o lugar e em todos os seres, para poderem fazer qualquer coisa. Como uma energia natural, a mana era ligada aos elementos da natureza e entre esses elementos estava o Cristal.

Todo o minério era um cristal e todo cristal era um minério. Logo, para poder usar magia desse tipo era necessário possuir um conhecimento anormal de minérios, para poder moldar sua estrutura de forma tridimensional, criando assim um Cristal.

Sienna tinha um bom conhecimento de minérios, algo muito acima da média, mas ela não tinha confiança em dominar essa magia, ainda mais usando o Grimório escrito por Emily. Aquele livro contava principalmente sobre o uso de um em específico, capaz de ser mais resistente que qualquer minério conhecido.

Mesmo com todas essas dificuldades, para Sienna não havia outro livro que quisesse levar consigo além desse. A jovem pegou o livro, olhou para trás, sentiu o cheiro gostoso de maçã que sua biblioteca tinha e voltou para a cozinha, onde Ângela a esperava.

— Você já está pronta? — perguntou a ogra vendo a jovem vir cabisbaixa em sua direção.

— Sim, já estou pronta, Dona Ângela.

— Não fique assim, Sienna. Um dia, eu prometo, voltaremos para cá.

— Eu espero que esse dia chegue logo.

— Eu também, Sienna, eu também...

Ao sair da casa, Sienna se deparou com a vista do lado de fora. O lugar em que estavam era uma clareira cercada por árvores, havia uma pequena horta ao lado da casa e mais à frente um pequeno rio escorria, esse rio passava logo por trás da casa.

“Um lugar tão perfeito”, pensou Sienna sentindo um aperto em seu peito, e uma leve dor de cabeça.

— Venha aqui, Sienna, entre nesse cesta — chamou Ângela.

Na frente da ogra havia uma cesta de madeira, era um cesta bem grande com duas cortas firmes. A jovem se aproximou e entrou nela com cuidado.

— Está confortável?

— Sim, coube perfeitamente.

Ângela acenou com a cabeça, pegou a cesta e colocou nas costas como uma mochila e começou a andar em direção à mata. Sienna olhou para trás, vendo sua casa ir diminuindo de tamanho conforme caminhavam. Ela apertou seu livro com força e segurou suas lágrimas.

Após algum tempo caminhando a mata começou a ficar mais densa. Ângela não tinha problema em atravessar as árvores, ela conseguia derrubar elas com apenas um leve empurrão, assim, a ogra abriu caminho por entre o mato.

Em um certo momento, a floresta foi cortada ao meio. Havia um pedaço sem árvores cercado por flores roxas. Elas ocupavam todo o chão, eram flores diferentes, algumas tinha caules longos, outras eram pequenas como botões e havia aqueles com folhas enormes, cada uma tinha sua característica própria, mas a cor era sempre roxa.

— Dona Ângela... — Os olhos de Sienna pesaram, Ângela parecia não conseguir ouvi-la. — O que está acontecendo... Minha cabeça dói.

Dores fortes assombravam Sienna, um sono avassalador lhe abateu e ela não conseguia se manter acordada.

— Dona Ângela... Tem alguma coisa errada com essas flor...

 

 

Ângela sentou em uma pequena pedra e colocou Sienna no chão. Ela havia escutado os chamados da menina, mas a ignorava de propósito.

— Você é apenas uma criança, não tem pecados...

O campo por onde passaram cercava toda a clareira, ele impedia que qualquer besta atravessasse, protegendo o lado de dentro de qualquer ameaça. Aquele lugar servia para dois propósitos, um deles era proteger a clareira, mas seu verdadeiro uso era para testar a força de vontade de guerreiros.

— O campo cria ilusões baseadas nos pecados cometidos pela pessoa, mas você não tem pecados... Não tenho o que me preocupar.

Crianças não tinham pecados, logo, elas apenas desmaiam ao passar pelo campo. Ângela suspirou e ficou aguardando Sienna acordar. Por outro lado a menina, que por fora parecia estar bem, estava enfrentando um perigo terrível em sua mente.

 

 

Uma mata densa cercava Sienna, luzes rápidas a faziam ficar desorientada.

— Dona Ângela?! O que está acontecendo? Dona Ângela!

As luzes pararam, Sienna se encontrava tremendo, sozinha e sua respiração estava acelerada. Seus arredores foram escurecendo e gritos terríveis soaram da floresta, até que o lugar ficou escuro como um abismo.

De entre as árvores, figuras surgiram, não tinham olhos ou dentes, os seus corpos estavam carbonizados e o lugar onde deveriam estar seus olhos e boca, havia apenas uma escuridão profunda.

— Você nos abandonou!

— Por quê?! Por que nos abandonou?!

— Você nos abandonou!

Todas as vozes gritavam em uníssono e de trás delas, Sienna conseguia ver os terríveis olhos vermelhos que assombravam seus pesadelos. A garota sentiu-se aguada, mal conseguia segurar suas lágrimas.

As figuras se aproximavam, os olhos vermelhos a observavam como se estivessem sentindo desdém.

A garota estava aterrorizada, os gritos não a deixavam pensar direito. As mãos dos fantasmas carbonizados estavam prestes a tocar a menina, quando uma sombra apareceu atrás dela.

— Por favor... Eu não fiz nada! — Sienna gritava em desespero sem perceber a sombra.

Ela sentiu algo tocar seu ombro, uma mão quente e aconchegante que lhe acalmou um pouco. Ao olhar para cima, ela viu a imagem de uma bela jovem. Os cabelos da jovem eram brancos iguais os dela, usava uma armadura prateada e tinha dez espadas brancas lhe cercando.

— Não chore. Você é forte, não é? — perguntou.

Sienna se levantou aos poucos, encantada pela aparência da jovem mulher, estava completamente sem palavras. A mulher passou a mão pelos olhos de Sienna, limpando as lágrimas de seus olhos.

— As vozes... Elas...

— Eu sei... Elas também me assombram, mas você precisa ser forte.

— Eu não sou forte... Não sou forte como você!

A mulher soltou um pequeno sorriso, pegou Sienna pelo braço e a abraçou.

— É claro que você... Eu sou...

Nesse momento, a mulher desapareceu, junto com os fantasmas e a floresta. Sienna agora se encontrava em um espaço branco de todas as direções, apenas os olhos vermelhos estavam em sua frente, mas já não a encaravam com desdém, encaravam a jovem com respeito.

Sienna observou os olhos, apertou seus punhos com força e também os encarou sem medo.

— Eu preciso ser forte... Eu nunca mais irei chorar!

Os olhos se aproximaram de Sienna, tornaram-se menores, até que se chocaram contra os olhos da própria menina. Vários pensamentos passavam pela mente de Sienna, entre eles sua maior dúvida era sobre a estranha mulher que lhe salvou.

Depois disso, ela apagou outra vez.



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