Volume 2
Capítulo 4: Donzela Seca no Orvalho
Voltando no tempo para quando o baile noturno no Castelo Libelle havia acabado de começar.
A fábrica de produção de monstrina usada pela Fourth estava em uma mansão que ficava em uma parte supostamente deserta da cidade portuária. Como Flarette havia chegado na cidade, eles estavam em alerta máximo, preenchendo o ar com tensão. O homem que estava vigiando o portão podia sentir o nervosismo dos que estavam dentro do prédio.
Uma figura solitária se aproximava da mansão.
À primeira vista, ela parecia ser uma garota jovem e adorável. Ela estava vestindo luvas brancas e uma saia culotte com babados. A meia calça em suas pernas esbeltas como as de um cervo tinham um desenho de coração sobre a coxa. Quase parecia com o rabo de uma diabinha. Com seu cabelo rosa preso com dois elásticos, a garota diminuta tinha um ar travesso de fofura.
Sua aparência meiga certamente não era razão para alarde. No máximo, alguém poderia pensar que seria perigoso para uma jovem garota andar por aí sozinha à noite.
O problema era o resto de sua vestimenta.
Ela estava usando um traje de sacerdotisa, embora fosse branco.
As mangas e a bainha da saia foram alteradas, mas ainda era inconfundivelmente um traje de sacerdotisa. A cor branca indicava que ela era apenas uma assistente, mas ainda uma integrante da Faust, um inimigo da Fourth.
“Ei!” O guarda musculoso exclamou, mas a garota não diminuiu o seu ritmo. Ele ficou espantado com a distância se encurtando entre eles. Ela estava se movendo tão confiantemente que ele pensou que talvez ela não o tivesse escutado, o que o fez hesitar em tomar outras medidas.
Mas isso foi apenas por um instante. Ele encarou a garota com um rosto ameaçador.
“Pare bem aí. O que uma sacerdotisa quer—”
—por aqui? Ele nunca conseguiu terminar sua frase.
A garota despreocupadamente puxou um objeto parecido com uma corda de sua saia e o enrolou ao redor do pescoço do guarda.
Ela fez isso tão naturalmente que ele não teve tempo de reagir.
A corda afiada enterrou-se em seu pescoço. A sensação formigante em sua pele deixou o guarda sem palavras.
Em silêncio, a garota aproximou seu rosto.
Quando ela se aproximou o bastante a ponto de seus narizes estarem praticamente se tocando, ela falou com uma expressão tão séria que fez o homem adulto estremecer.
“Fique quieto se não quiser que eu corte sua cabeça fora.”
Sua voz era tão fria que sua respiração parecia congelante no rosto do homem. O guarda ficou pálido. Ele conseguia imaginar muito claramente o que aconteceria se a serra enrolada em seu pescoço se movesse.
A garota revirou seus olhos enquanto o homem continuava mudo com medo. E então, ela o nocauteou com uma joelhada no estômago.
O brilho de Aprimoramento Etéreo envolveu seu corpo. Ela colocou suas mãos no enorme portão, apesar de estar firmemente fechado.
Seus braços delicados movem-se para o lado.
O portão de ferro dobrou como se fosse feito de massinha. Mesmo com a ajuda do Aprimoramento Etéreo, essa força estava longe de ser normal. Ela torceu o portão e o abriu com facilidade, criando um buraco grande o suficiente para uma pessoa atravessar.
Após passar pelo portão da frente, a garota chega à entrada principal do edifício. Quando ela percebe que está trancada, seu rosto se preenche com irritação. Ela tecnicamente tem tentado ser discreta até então, mas agora ela levanta seu pé e chuta a pesada porta de madeira com a sola de sua bota.
A porta foi destruída para dentro.
Uma batida violenta demais para ser confundida com o toque de um visitante ecoou pelo prédio. Os trabalhadores no interior notaram e começaram a clamar imediatamente. Não havia indício de pânico no rosto da garota. Ela entrou na mansão e caminhou por um corredor com sua serra em uma das mãos.
Enquanto ela se infiltrava na base inimiga, só havia um pensamento em sua mente.
Eu farei o meu melhor para poder passar mais tempo com a minha querida.
Momo estava lançando um ataque frontal na fábrica de produção de monstrina.
*
As pessoas do lado de dentro agiram puramente por instinto.
Claramente, eles nunca pensaram na possibilidade de serem atacados. Não parecia existir nem uma cadeia de comando adequada. Momo repeliu seus contra-ataques descoordenados.
A maioria deles pareciam estar usando essa tal monstrina, presumivelmente inconscientes de seus efeitos colaterais, mas eles mal foram uma ameaça. O fortalecimento que eles obtiveram daquela estranha droga não era mais poderoso do que uma pessoa comum usando Aprimoramento Etéreo.
Era sem dúvida conveniente ganhar uma força comparável ao Aprimoramento Etéreo sem nenhum treinamento. Ela também aumenta sua resiliência. Ser capaz de aguentar um soco certamente era uma vantagem significativa em batalha.
Mas era apenas isso.
Como eles não foram treinados, eles eram essencialmente lutadores novatos. Ligeiramente mais fortes que amadores comuns não eram ameaça para Momo, não importa quantos atacassem de uma vez. Ela os afugentou com facilidade.
Alguns fugiram, mas ela não se preocupou em persegui-los. A área já estava cercada por cavaleiros a comando de Sicilia. Se os membros fugitivos da Fourth vissem os cavaleiros e tentassem resistir, eles seriam presos, e se pedissem por ajuda, os cavaleiros seriam capazes de invadir seu território sob o pretexto de manter a paz.
Momo parou abruptamente. Ela detectou uma emboscada esperando por ela no final do corredor. A boca de uma arma ficou à vista virando a esquina.
Era uma arma Etérea. Essas armas perigosas automaticamente extraiam o poder do usuário, transformando-o em balas com o puxar do gatilho. A produção, distribuição e apropriação de armas Etéreas eram proibidas, mas a Sociedade Mecânica que controla a parte leste da Fronteira Selvagem produz esses desagradáveis recipientes Etéreos apesar disso.
Momo franziu a testa e carregou seu traje de sacerdotisa com poder.
Força Etérea: Conectar—Túnica de Sacerdotisa, Brasão—Invocar [Barreira]
Ao mesmo tempo que uma barreira apareceu diretamente na frente de Momo, a arma abriu fogo.
“Igualzinho ao Reino de Grisarika… Onde eles estão conseguindo essas coisas?”
A chuva de balas ricocheteiam na barreira. Pouco depois, os disparos cessaram. Como as armas Etéreas usam poder, elas drenam a energia do usuário bem rápido.
Essa era sua chance. Momo deu um passo à frente. Naquele momento, a parede perto dela quebrou.
Assim que as armas pararam de atirar, um lutador da Fourth quebrou a parede para atacar. A emboscada das armas mais à frente era apenas uma finta. Quando os disparos parassem e criassem uma abertura, eles a surpreenderiam com um ataque através da parede ao seu lado. Não é um plano terrível, Momo pensou. Se havia um único erro de cálculo era que eles não eram páreos para ela.
Momo já havia sentido a presença do inimigo, então ela foi capaz de reagir instantaneamente. Assim que o lutador atravessou a parede, ela agarrou seu rosto para deter sua investida e o jogou no chão.
“Gah…agh!”
Ela não deu atenção ao breve grito. Pelo contrário, ela o bateu no chão uma segunda e terceira vez, parou e o fez de novo. O chão rachou e o rosto do homem ficou enterrado em sua superfície. Seus membros se debatiam freneticamente com cada batida. Na quinta vez, ele foi esmagado no chão de pedra, o homem perdeu completamente a consciência e Momo decidiu arrastá-lo com ela como um escudo.
No momento que ela virou a esquina, seus potenciais agressores estavam tremendo aterrorizados com o que acabaram de testemunhar e suas armas Etéreas largadas no chão.
“Iik! S…soco—”
Momo silenciou os covardes com um rápido chute no rosto.
Ela não se importava se eles implorassem por suas vidas. Ela os espancou aleatoriamente e pisou em suas armas, transformando-as em sucata. Como o contrabando delas é proibido, não é fácil adquiri-las em massa. Ela assumiu que aquilo provavelmente era tudo que eles tinham enquanto seguia em frente.
Quando ela entrou em um quarto grande, havia alguns não combatentes encolhidos no canto, presumivelmente por terem perdido a chance de fugir. Perfeito. Ela agarrou um deles e o interrogou enquanto pressionava sua serra contra a testa dele, e ele rapidamente contou tudo que sabia.
Assim, ela conseguiu as informações que precisava. Momo o fez liderar o caminho até o escritório com documentos importantes, onde ela pegou algumas pilhas de papel e os folheou.
“Aha. Bingo.”
Os cavaleiros deveriam entrar logo após o ataque de Momo, mas só por precaução, ela produziu algumas imagens como prova com a conjuração de gravação.
Após registrar os membros e a fonte de financiamento, ela desceu as escadas. A monstrina em questão parecia ser feita com algum equipamento de produção especial.
Ela notou as escadas para o porão no caminho até aqui. A maior parte dos trabalhadores já havia sido espancada ou fugido, então a mansão estava silenciosa. Ela nocauteou a pessoa que a guiou e calmamente desceu em direção ao porão.
Ao chegar no fim das escadas, o ar estava perturbadoramente frio.
A sala era grande e retangular. Era um salão cerimonial em forma de caixão, um símbolo da morte. Haviam brasões gravados nas paredes que formavam todo tipo de figura.
Dentro da sala em forma de caixão havia caixões menores e individuais. As imagens nas paredes representavam o mundo após a morte. Elas eram comumente vistas em salões cerimoniais relacionados ao Conceito de Pecado Original.
E aqui, em vez de um caixão, havia algo muito mais estranho.
“……Ugh.” Momo franziu o nariz.
Era uma donzela de ferro.
Enquanto no exterior estava esculpido o rosto de uma mulher, o interior continha espinhos afiados. Era um infame dispositivo de tortura e método de execução.
Se fosse somente para decoração, seria uma coisa. Seria apenas uma exibição de mau gosto.
Mas como estava em um salão cerimonial para Conjurações de Pecado Original, era impossível ser uma mera decoração. Muitas das conjurações de Pecado Original exigem o sacrifício de uma “donzela pura.”
E acima de tudo, Momo detectou o cheiro de sangue.
Havia uma pessoa dentro. Uma pessoa viva ainda por cima.
“Então é assim que a monstrina é produzida? Que repugnante.”
Balançando a cabeça, Momo se aproximou do nefasto dispositivo de tortura.
Haviam brasões gravados nos caixões. Uma conjuração misteriosa e deturpada. Aqueles usados para a cerimônia de sacrifício estavam desenhados com a donzela de ferro no centro. Momo não conseguia ler os mínimos detalhes, mas claramente era um Pecado Original em construção.
Uma pílula caiu da parte inferior da donzela de ferro, causando um ruído. Momo a reconheceu como a pílula vermelha chamada monstrina.
Claramente, quem quer que a tenha criado não tinha uma mente sã. Essa pessoa é obviamente insana, Momo pensou enquanto retirava a trava e abria a donzela de ferro.
Dentro da donzela de ferro havia uma garotinha.
Ela parecia ter dez anos, ou até mais jovem. E mesmo assim, essa pequena criança estava tão coberta de sangue que a chamar de ferida seria uma subestimação grave.
Seus olhos mal pareciam enxergar alguma coisa. Ela estava tão exausta de dor que não conseguia sequer chorar de angústia.
Ao perceber a luz fora da donzela de ferro, a menina estendeu sua mão.
Soltando um gemido, sua mão trêmula tocou a palma de Momo. Mesmo ela não podendo enxergar, ela ao menos conseguia identificar a maciez e o calor de um toque humano. Ela agarrou a mão de Momo fracamente.
“Mmm…” Ela soltou um suspiro de total alívio.
Um leve sorriso emergiu em seus lábios. Era um sorriso infantil e angelical, com a pura confiança normalmente reservada para uma mãe, ou o júbilo travesso que alguém poderia compartilhar com um amigo.
Em seguida, ela falou.
“…Mmmãe.”
Com isso, suas últimas forças deixaram seu pequeno corpo.
Enquanto a menina dava seu último suspiro pedindo por sua mãe, o peso de sua mão aumentou. Ela se inclinou para frente e Momo agarrou sua mão firmemente.
Mas a menina não apertou de volta.
“……”
Até Momo, que geralmente não se interessa por nada além de Menou, sentiu compaixão por uma jovem vida perdida tão tragicamente. Ela não poderia deixar a menina nesse estado. Assim que ela se moveu para extrair o pequeno corpo da menina de dentro da donzela de ferro…
Força Etérea: Auto-Conectar (Condições Atendidas)—Donzela de Ferro, Brasão—Invocar [Explosão]
“O quê?”
Ela nem teve tempo de ficar surpresa.
A Força Etérea armazenada no recipiente de produção ativou o brasão, causando a explosão da Donzela de Ferro. Espinhos voaram em todas as direções. A força de explosão lançou agulhas na direção de Momo.
Foi quase que à queima-roupa. Como ela estava inclinada para puxar a garotinha, ela não poderia desviar de todas elas.
Momo não foi rápida o suficiente para ativar o brasão de barreira em seu traje de sacerdotisa. Ela por pouco conseguiu usar o Aprimoramento Etéreo e defendeu seus pontos vitais com seus braços. Vários espinhos arranharam Momo e um deles perfurou sua lateral. Momo fez uma careta de dor.
“Quem quer que tenha armado isso, é uma pessoa terrivelmente sádica…”
Era uma armadilha explosiva. Alguém a armou para que caso a garota fosse removida de dentro, ela ativaria um brasão condicional e desencadearia uma explosão.
A parte mais estranha foi que ela ativou não quando a donzela de ferro foi aberta, mas quando Momo removeu a vítima de dentro. A pessoa responsável não só trancou uma pequena garota em um vil dispositivo de tortura, como até chegou a usá-la como isca para uma armadilha sórdida.
Xingando, Momo arrancou o espinho de seu corpo. Felizmente, o machucado foi raso. Ainda soltando palavrões, ela se virou para ir embora.
E então, suas pernas esmoreceram.
Não por causa da dor do ferimento. Ela não perdeu sangue o bastante para ter sua consciência afetada. E mesmo assim, suas pernas de repente ficaram trêmulas. Era uma sensação estranha, como se algo estivesse corroendo seu espírito.
“Estava coberta com veneno…!”
Momo estalou a língua furiosamente. Havia veneno nos espinhos da donzela de ferro.
“Quem quer que tenha feito isso, realmente é a pior pessoa que já existiu…!”
Ela fez uma careta ao se dar conta de sua própria asneira.
*
Tudo isso ocorreu no dia anterior.
Na manhã seguinte ao baile no Castelo Libelle, Menou visitou a igreja.
Seus passos normalmente eram calmos e controlados, mas hoje ela estava correndo quase em pânico. Ela não conseguia sequer compor totalmente sua expressão: as linhas fracas sob seus olhos entregavam sua exaustão.
Haviam duas razões pelas quais Menou estava com medo.
Uma era que Akari havia desaparecido na noite anterior. Menou procurou por ela quase que incessantemente, mas Akari sumiu sem deixar rastros desde a festa de Manon Libelle. Isso não podia ser uma coincidência.
E havia mais uma razão.
Menou entrou apressadamente em um dos quartos para enfermos da igreja, onde Momo estava repousando. Deitada na cama, ela estava pálida.
“Queri—”
“Não se mexa.”
Momo tentou se levantar para cumprimentá-la, mas Menou não queria que ela gastasse energia. Ela rapidamente colocou sua mão na testa de Momo e franziu a sua própria.
Ela estava queimando. Uma febre anormalmente alta e encharcada de suor. Sua respiração estava irregular e seus olhos desfocados.
“……Veneno, né?”
“Sim…” A voz de Momo soa fraca. “Me…desculpe… Tinha uma criança e eu…baixei minha guarda… Eu te…atrapalhei, querida…”
“Não precisa se desculpar.” Menou balançou a cabeça para Momo, que parecia culpada apesar de seu péssimo estado.
Este erro foi de Menou. Ela colocou responsabilidade demais em Momo. Elas não tinham nenhuma informação sobre as forças inimigas, porém ela enviou Momo para a base deles mesmo assim, assumindo que ela ficaria bem.
“Apenas descanse e preserve suas forças. Não se preocupe. Eu vou erradicar esses vermes da Fourth.”
“…Certo.” Parecendo aliviada, Momo silenciosamente fechou seus olhos.
Até falar devia ser difícil para ela. Assim que suas pálpebras fecharam, Momo adormeceu. Mas não podia ser exatamente descrito como um repouso tranquilo. O veneno ainda estava corroendo seu corpo.
Menou limpou o suor da testa de Momo e depois acariciou seu cabelo gentilmente, arrumando-o.
Ela não podia pedir mais ajuda de Momo nesta situação. Enquanto deixava o quarto para trás, Menou exibiu uma rara demonstração de fúria, soltando um baixo grunhido.
“Agora eles conseguiram. Ah, sim…eles vão pagar. Vermes malditos…!”
Menou se dirigiu ao escritório de Sicilia com passos pesados. À essa altura, ela nem conseguiria se dar ao trabalho de esgueirar-se silenciosamente por conta própria. O que ela estava prestes a fazer está fora do âmbito de suas tarefas.
Mas ela não se importa. Menou abriu a porta do escritório da Pastora Sicilia.
Sicilia olhou inquisitivamente para Menou, que entrou sem sequer bater.
“Bem-vinda. Suponho que terminou de visitar sua assistente?”
“Sim. Só para conformar, a vida dela não está em perigo algum naquelas condições, correto?”
“Ela ficará bem. Acredito que suas imensas reservas de Força Etérea tenham ajudado a desacelerar a propagação do veneno em um nível chocante. Parece que ela está sofrendo mais por causa disso atualmente, mas nós seremos capazes de neutralizar o veneno antes que traga qualquer ameaça a vida dela.”
“Muito obrigada. Peço desculpas pela inconveniência. Por favor, deixe Momo descansar aqui um pouco mais.”
“Claro. Faz parte do dever da Faust cuidar de sacerdotisas.”
Sicilia aceitou o pedido de Menou sem nenhuma indicação de que esperava algo em troca.
“E sobre Akari, a qual discutimos no outro dia… Akari Tokitou, no caso, desapareceu. Dada a situação, eu assumo que a Fourth esteja envolvida.”
“Eu compartilho a responsabilidade por isso também. Eu tirei os olhos dela no baile quando o pilar de fogo surgiu. Permita-me apresentar-lhe as minhas desculpas e algumas informações úteis.”
“A sra. tem uma pista…?”
“Ontem, um membro idoso do círculo interno da Fourth se entregou. Ele insiste que Manon Libelle se apoderou da Fourth e está causando todo tipo de problema. Não está claro porque Akari Tokitou está desaparecida, mas dado o momento, é cabível supor que Manon Libelle está envolvida.”
“…Então isso é ainda mais importância para resolvermos as coisas o mais depressa possível. Estou solicitando o isolamento da Ilha Libelle.” Menou olhou diretamente nos olhos de Sicilia. “Nós iremos aniquilar a Fourth. Vamos reunir todas as integrantes e as principais forças da cidade, e capturar todos eles imediatamente. Minha assistente trouxe todas as provas que precisamos. Não deve mais haver escassez de evidências.”
Elas iriam destruir a Fourth infestando Libelle, desde a raíz.
A Fourth em Libelle feriu Momo—que era uma Executora, mesmo que apenas uma assistente—e sequestrou Akari, uma Ádvena. Agora eles eram oficialmente ameaça suficiente para serem esmagados antes que pudessem fazer algo pior, por mais apressados que fossem os métodos.
E acima de tudo, a própria Menou não permitiria que eles continuassem por mais tempo.
Como eles se atreveram a pôr a mão em sua primeira e única subordinada e assistente? O que eles pensam que estão fazendo com sua companheira de viagem, Akari?
Ela não deixou transparecer diante de Sicilia, mas Menou estava absolutamente furiosa.
Menou não hesitaria em fazer pleno uso de sua autoridade como uma Executora e destruí-los sem deixar rastro. Se ela não conseguisse fazer isso sozinha, usaria a autoridade de Sicilia como pastora. Vendo a condição de Momo, elas tinham provas de sobra para acabar com o grupo pelas atividades que eles estavam fazendo sob o pretexto da Fourth.
“Enquanto a Ilha Libelle estiver bloqueada e rendida, eu irei me infiltrar no castelo e capturar Manon Libelle e os demais líderes. Isso colocará um fim nisso tudo.”
A prova que Momo gravou era muito completa.
Ela tinha as fontes de financiamento, seus livros de contabilidade secretos, uma lista de membros e imagens dos crimes que eles estavam cometendo no porão. Ela até confiscou algumas evidências físicas. Tudo isso era mais que o suficiente para justificar uma atitude das sacerdotisas da Faust e dos cavaleiros da Nobreza.
Em Libelle, havia cooperação entre as duas classes sociais. Isso se deve ao esforço da Pastora Sicilia.
“…Isso é inesperado.” Sicilia removeu seus óculos. Ela limpou as lentes e depois os colocou de volta. “Então você sabe como depender de outras pessoas… ao contrário de Flare.”
Menou piscou, perplexa.
Abruptamente, ela se lembrou dos eventos na capital ancestral de Garm. Talvez ela tenha involuntariamente sido influenciada pelas coisas que foram ditas à ela naquele dia.
“Pastora Sicilia… a sra. conhece a minha Mestra?”
“Sim, nos conhecemos há muito tempo atrás. Ela me disse que eu era incompetente bem na minha cara. Na verdade, você e eu nos conhecemos também… mas suponho que faz sentido você não se lembrar.”
O que aconteceu no passado? Menou não conseguia ver nenhuma emoção em particular na branda expressão de Sicilia.
“Não suspeitou que eu estivesse por trás disso? Está me dizendo que você nunca se perguntou uma vez sequer que eu pudesse ser a marionetista por trás das cenas de todo esse caso?”
“Suspeitei.” Recentemente, Menou foi atraída para uma armadilha no incidente da Arcebispa Orwell. Claro que ela não poderia confiar em mais alguém só porque ambas eram integrantes da Faust.
Então, naturalmente, ela estava investigando desde que chegou à cidade. Ela ponderou sobre as ações rápidas da pastora desde que todo o caso começou e o fato dela já ter tomado medidas para cooperar com os cavaleiros. Ela trabalha arduamente e tem a confiança de outras sacerdotisas também.
“Eu investiguei, fiz contato e determinei que você era digna de confiança antes de fazer essa proposta. Pastora Sicilia, a sra. é uma sacerdotisa excepcional. E é exatamente por isso que estou pedindo a sua ajuda.”
“…Obrigada.”
Essa foi a primeira vez que Sicilia a agradeceu.
“Neste caso, certamente devemos conseguir a cooperação da Ordem dos Cavaleiros.”
*
O único caminho para a cidade portuária foi bloqueado.
A Ilha Libelle abrigava muitos da Nobreza, bem como a maioria da Fourth. Com a estrada fechada, não havia mais para onde eles correrem. Alguns já haviam se rendido, mas o resto se trancou no Castelo Libelle.
“Bem, isso é desagradável.”
Manon olhou para o bloqueio de dentro do castelo, isolando-os do continente. Contrária às suas palavras, ela não parecia nem um pouco aborrecida. Na verdade, ela estava sorrindo, como se estivesse desfrutando da situação.
Tendo visto o bloqueio por si mesma, Manon foi até a sala de reuniões para se divertir com os membros remanescentes da Fourth, que estavam em pânico. Ela esperava que eles estivessem fazendo um grande alvoroço, mas a sala de reuniões estava em um silêncio mortal.
Todos os membros estavam parados no lugar.
“Minha nossa.” Manon arregalou os olhos, surpresa.
Cada um dos membros da Fourth na sala estava congelado em uma postura anormal. Eles não se moviam nem um milímetro, apenas emitiam um fraco brilho de Luz Etérea. Suas respirações e até seus batimentos cardíacos haviam parado.
O tempo em si parou para eles.
Algo muito estranho estava acontecendo aqui. No meio das pessoas congeladas no tempo estava uma única garota.
“Bom te ver novamente, Srta. Manon. Eu gostaria de lhe fazer algumas perguntas, se não se importar.”
Quem emergiu das sombras foi Akari. Ela havia trocado seu traje de sacerdotisa da noite anterior para suas roupas normais.
Manon sorriu friamente. “Bem-vinda, Srta. Akari. Por favor, sente-se.”
Ela estava recebendo a intrusa repentina com os braços abertos. Akari franziu a testa.
“…Não está com medo?”
“Não. Você disse que queria me perguntar algo, não disse? Não tenho nada a esconder, então tudo que preciso fazer é responder sinceramente. Por favor, vamos conversar.”
Akari cautelosamente se sentou em uma cadeira. Ela estava confiante de que poderia parar Manon se ela tentasse qualquer coisa. O poder do Tempo quase nunca falhou com ela.
Sabendo ou não o que Akari estava pensando, Manon simplesmente sorriu.
“Agora, por favor, prossiga. O que você queria tanto me perguntar que até lhe fez sair do lado da Srta. Menou?”
“Na noite passada, eu entrei no seu quarto e no escritório do castelo, mas não consegui descobrir nada, então vou perguntar diretamente. Por que você sabe quem eu sou?”
“Porque ouvi sobre você.” Manon respondeu sem esforço, comparada a Akari, que formulou sua pergunta com cuidado.
Mas sua resposta parece não ter tranquilizado a garota. A cautela de Akari apenas aumenta.
“O que você…ouviu sobre mim?”
“Eu ouvi que você fez o mundo Regredir.”
O olhar de Akari se aguçou.
Afinal, o que ela Regrediu foi o próprio tempo. Alguém que agisse próximo de Akari, como Menou ou Momo, poderia ser capaz de adivinhar o que havia acontecido, mas isso nunca ocorreria a outra pessoa. E seria absolutamente impossível saber com certeza.
No entanto, Manon revela ainda mais.
“Você já fez o mundo Regredir uma ou duas vezes no mínimo, correto? Me disseram que você reverteu o tempo para o mundo em diversas ocasiões.”
Ela estava correta, embora não houvesse nenhuma maneira possível dela saber. Akari não Regrediu a linha temporal do mundo apenas uma vez. Foi por conta de seus incontáveis fracassos que o objetivo de Akari agora era ser morta por Menou. Ninguém além de Akari deveria ter conhecimento dessa informação.
“Quem lhe contou tudo isso?”
“O Pandemônio.” Manon respondeu francamente. “Se eu lhe dissesse que desfiz o selo que esteve naquele nevoeiro por mil anos, você acreditaria em mim?”
“…Não.”
“E isso está absolutamente certo. É claro que estou mentindo. Esse não é o tipo de coisa que alguém como eu poderia fazer algo a respeito.”
Então qual foi o propósito da mentira? Akari ainda estava tentando descobrir o objetivo de Manon.
“Não sei qual é o seu objetivo, Srta. Akari, mas… Bem, imagino que esta seja a primeira vez que nos conhecemos. Afinal, duvido que eu pudesse ter causado algo dessa magnitude por conta própria.”
“……” Akari acenou silenciosamente.
Os eventos que ocorreram na cidade portuária sempre foram extremamente insignificantes até então. Não havia coisas tais como a monstrina envolvida. Um pequeno grupo em Libelle que se autodenominava a Fourth provocava uma briga com Menou e perdia. Nada mais além disso. Era um incidente que Menou definitivamente podia lidar por conta própria.
Então por que isso se tornou um incidente massivo nos quais humanos se transformam em monstros e Momo foi retirada de serviço por envenenamento?
“Não sei todos os detalhes, mas sei que você está atacando Menou para se vingar de sua mãe. Não havia nenhuma informação no escritório, mas antes de eu usar a Suspensão nestas pessoas, ouvi eles falando sobre isso um pouco.”
“Me vingar, é…?” Manon inclinou a cabeça pensativamente enquanto Akari lhe lançava um olhar perscrutador. “Suponho que isso não é inverídico. Mas você está um pouco distante da realidade, então deixe-me explicar em detalhes. Sabe, minha mãe era uma perdida.”
A declaração de Manon fez Akari congelar no lugar.
“Sua mãe era…?”
“Isso mesmo. Mas ela não foi evocada como você. Ela foi guiada até aqui pelas estrelas, uma perdida no sentido mais autêntico da palavra.”
A mãe de Manon foi uma mulher que genuinamente caiu neste mundo por acaso, ao invés de ser evocada por alguém como a maioria dos Ádvenas.
“Evidentemente, é difícil perceber distúrbios nas veias celestial e terrena nesta área, talvez por ser tão próxima do Pandemônio. Então a Faust falhou em notar a chegada da minha mãe. Me disseram que os membros da Fourth ficaram fora de si de tanto entusiasmo. Encontrar um Ádvena antes da Faust é praticamente inédito.”
Sua voz não contém notas subjacentes de emoção.
Ádvenas, no fim, são humanos com poderes extraordinários. E isso foi no auge dos tempos áureos da Fourth. Se conseguissem que essa pessoa aderisse a eles, eles teriam uma grande arma secreta ao seu dispor. Então o Conde Libelle levou-a sob sua custódia em segredo e criou uma posição social para ela através de um casamento entre os dois.
“Em outras palavras, eu sou a filha do Conde Libelle, um nativo deste mundo, e de uma perdida.”
Entretanto, o pai de Manon nunca pediu para sua mãe usar seus poderes.
Por que? A razão era simples: O uso dos Puros Conceitos corroía as memórias do usuário.
O pai dela tinha medo disso. Ele não queria que a mãe dela perdesse nenhuma de suas memórias. Ele tinha muito medo da possibilidade dela esquecer do tempo que ele passou com ela.
Pois em algum momento, Conde Libelle se apaixonou pela perdida—profunda e perdidamente.
A influência de seu pai é a razão de Manon usar um kimono. Ele comprava qualquer relíquia da antiga civilização que ele conseguia encontrar. A razão pela qual objetos relacionados à antiga civilização eram tão procurados em Libelle, mesmo aqueles que eram praticamente tralhas, era porque Conde Libelle os coletava.
Então, no lugar dela, ele empurrou o papel de usar poderes para Manon.
Se a criança de uma Ádvena pudesse herdar seus poderes, então ele poderia convencer os demais membros da Fourth de que não havia necessidade da mãe de Manon usar seu Puro Conceito.
“Eles tinham a esperança de que eu nasceria com poderes como os da minha mãe, mas resumindo, as coisas não correram bem assim. Se eu tivesse sido capaz de carregar um Pseudo-Conceito, se não um Puro Conceito, poderia ter sido diferente… mas eu era uma criança bastante comum.”
Então, as pessoas ao seu redor ficaram desapontadas e ocasionalmente sussurravam entre si: “Que aborrecimento. Ela não passa de uma garota normal.”
A fofoca dos pais inevitavelmente alcançam seus filhos, então Manon logo foi ostracizada pelos outros grupos de crianças. A Ilha Libelle era pequena, com a extensa família Libelle representando pelo menos metade da população. Uma vez que eles decidiram que ela era um fracasso, ela foi rejeitada por todos.
Quando a maioria deles se rebelou contra seus pais por apoiar as crenças obsoletas da Fourth, eles certamente não levaram Manon com eles.
“Então, cerca de dez anos atrás, uma visitante chamada Flare matou a minha mãe. Puramente porque ela era uma Ádvena.”
“…E você fez tudo isso só para chegar até Menou, porque ela é a sucessora da pessoa que matou sua mãe?”
“Não, acho que aquela ocorrência era inevitável. Eu amava minha mãe, mas também entendo porque a igreja assevera que os Puros Conceitos de Ádvenas são perigosos. Então fazia perfeito sentido que eles sentissem que precisavam matá-la.”
O pai de Manon foi quem mais lamentou a morte de sua mãe.
Manon ainda se recorda vividamente da angústia de seu pai quando sua mãe morreu. Foi por essa razão que o estado mental dele ficou em declínio desde então. Como sua única filha, Manon gradualmente começou a se preparar para assumir suas tarefas.
Quando seu pai ficou acamado, ela foi rápida em aceitar a situação. Ela não sentiu tristeza, nem mesmo sobre o fato de não ter sentido nada sobre isso.
Como sempre esperavam que ela tivesse algo que não tinha, Manon já havia desistido há muito tempo de esperar qualquer coisa dos outros.
“Portanto, minha vingança não é direcionada a Menou. É direcionada a toda a Fourth.” Manon apontou para os membros congelados. “Eu queria que eles se dessem conta do quão impotentes eles são. Eu os encurralei para que tivessem plena ciência do quão insignificante a existência deles é. E… Sim, suponho que eu queria me tornar um tabu.”
Akari franziu as sobrancelhas com a confissão casual. “Isso é esquisito.”
“É mesmo? Em que sentido?”
“Como assim, ‘Em que sentido’...?”
Não deveria ser preciso dizer o que havia de bizarro no desejo de Manon de ser um tabu.
“Digo, tabu é apenas um meio para um fim.” disse Akari.
Por exemplo, a Arcebispa Orwell cometeu tabu para fugir do envelhecimento. E o rei do Reino de Grisarika evocou Ádvenas como Akari para se opor a Faust.
Tabu não era nada mais que um meio para atingir um objetivo.
“…Ha-ha. Suponho que seja verdade.” Manon riu elegantemente. Ela soou como se estivesse genuinamente se divertindo consigo mesma. “Mas pessoalmente, esse é meu único desejo.”
Havia um certo niilismo na voz de Manon que era difícil de identificar enquanto ela olhava francamente para Akari. Sua voz estava cheia de cinismo.
“As expectativas dos adultos podem ser irracionais. Não importa o que faça, eles não irão te aceitar a menos que esteja exatamente de acordo com suas expectativas.”
Quando Manon era criança, isso não fazia sentido nenhum para ela.
Ela fazia ainda melhor do que o que lhe era dito para fazer. Ela se destacava mais do que qualquer outra criança. Mas tudo que ela recebia em troca era desapontamento. Não importava o quanto ela tentasse, o quanto conquistasse, ou o quanto se perguntasse o que estava fazendo de errado, eles ainda queriam algo dela que ela não poderia adquirir através de aprendizado—até que o coração de Manon distorceu, deformou e finalmente quebrou.
“Realmente, teria sido melhor se eu tivesse me rebelado contra eles. Mas eu queria corresponder às suas expectativas. Eu queria dar a eles tudo que queriam. Isso não é normal?”
Manon se levantou. Deixando Akari confusa, ela pegou uma pílula vermelha de sua manga, esmagou-a e colocou o pó em seu dedo.
“As crianças não conseguem deixar de tentar fazer jus às expectativas dos adultos ao seu redor.”
Ela tocou seu dedo no chão e esfregou o pó nele, desenhando um brasão. A escrita vermelha distorcida parecia refletir o estado de seu coração deplorável.
“Minha vingança é finalmente atender às suas expectativas e mostrar a eles o quão tolas elas de fato eram. Afinal, eu estou no meio da minha rebeldia adolescente agora.”
Uma vez que ela desenhou a forma no chão, ela conectou o brasão às pessoas que ainda estavam congeladas. Akari franziu a testa. Eles estavam congelados pela conjunção de Akari no momento. Nenhum outro tipo de conjuração deveria ser capaz de afetá-los.
“Na perspectiva deles, as pessoas nascem duas vezes. A primeira é quando elas saem de sua mãe, dadas à luz chorando neste mundo. E a segunda vez é quando elas deixam seus pais e aprendem a ser independentes. Eu era uma criança, mas ao me tornar adulta, eu irei reaver meu autovalor das pessoas ao meu redor. Entretanto…existe um surpreendente número de pessoas que não são capazes de nascer essa segunda vez.”
Ela não conseguia se tornar a pessoa que queria ser. Não conseguia se transformar no que as expectativas das outras pessoas a fizeram pensar que ela precisava se tornar. Ela se refinou, conquistou seus arredores e se tornou mais excepcional do que qualquer pessoa do seu entorno, mesmo assim, Manon ainda não conseguia obter o que ela lutava para ter.
“Não faz sentido continuar da maneira que estou agora. E portanto, me tornarei tabu.”
Força Etérea: Sacrificar—Conluio do Caos, Puro Conceito [Maldade]—Evocar [Eu encontrei uma pequena sombra.]
O círculo de evocação que ela desenhou no chão produziu uma Conjuração de Pecado Original.
A sombra de Manon começou a perder sua forma. Ela se espalhou e começou a engolir as pessoas na sala de reuniões.
Uma por uma, a sombra de Manon absorveu e quebrou as pessoas que estavam sob a Suspensão de Akari, como presas sendo devoradas. E de fato, ela os estava comendo. Ela engoliu seus corpos, espíritos e até suas almas, adquirindo seus poderes.
Akari arregalou os olhos para a cena. “Como isso está acontecendo…?”
Suspensão era uma conjuração que também protegia seu alvo. Enquanto o tempo estivesse parado para eles, os mesmos não poderiam ser afetados por forças externas.
Porém, a conjuração que acabara de ser invocada consumiu o poder que alimentava o Puro Conceito de Akari e os usou como sacrifícios.
Por um momento, Akari não conseguiu se mover. Ela nunca foi do tipo de pessoa que conseguia reagir rapidamente a situações inesperadas. A razão dela ter sido capaz de agir tão calmamente durante o incidente de Garm, por exemplo, foi porque ela sabia exatamente o que ia acontecer. Ela já havia experienciado isso diversas vezes, então estava confiante de que poderia sobreviver com a ajuda do seu Puro Conceito de Tempo.
Mas essa experiência era totalmente nova.
A cena estranha retardou seu pensamento. Não era só porque ela não sabia o que estava acontecendo—ela também estava vendo sua conjuração ser quebrada. Era demais para ela processar.
A sombra de Manon engoliu todos os outros na sala, ignorando a Suspensão.
“Parece que meus poderes são superiores aos seus, afinal.” Manon sorriu com satisfação.
Não é como se Akari nunca tivesse encontrado algo que suas conjurações usando o Tempo não pudessem afetar. No salão cerimonial em Garm, a gota branca não parou mesmo quando Akari usou a Suspensão. Mas o líquido foi retirado do Crepúsculo, do terreno de um dos Quatro Principais Erros Humanos…o que significava que esse fenômeno que ela acabou de testemunhar possuía um poder comparável.
“Pois bem, Srta. Akari.”
A sombra de Manon tomou uma forma física e começou a se erguer. Ao sacrificar as pessoas na sala de reuniões, ela adquiriu acesso a esse poder ilícito. A sombra turva se enrolou no pé de Akari. Ela ainda não conseguia se mover, seus pensamentos estavam congelados pela imprevisível mudança de eventos.
Manon sorriu docilmente e abriu seu leque.
“Parece que seu tempo acabou.”
Naquele momento, uma adaga voou em direção ao seu pescoço.
*
No momento em que ela viu Manon capturar Akari, Menou imediatamente arremessou sua adaga.
Como ela estava familiarizada com o lugar após o baile noturno, infiltrar-se no castelo era uma questão simples. Porém, parece que já estava muito atrasada.
Era óbvio, com uma olhada na sala de reuniões, o que havia acontecido aqui. Manon Libelle sacrificou os membros da Fourth e colocou o poder deles em sua sombra. E agora, talvez pretendendo outra cerimônia de conjuração, ela estava tentando apanhar a cativa Akari.
Era uma conjuração ilegal que preenchia não o corpo, mas sim a alma com o Conceito de Pecado Original. A essa altura, Manon já estava mais próxima de um demônio do que de uma humana. Não havia mais motivo para mantê-la viva após cometer tal crime.
Então, Menou imediatamente mudou seu foco.
Ela arremessou sua adaga na nuca de Manon.
Foi um arremesso com força total sem nenhum aviso, mas Manon reagiu instantaneamente. Ela abriu o leque em sua mão e repeliu a adaga.
Era um leque de ferro: um meio de auto-defesa que parecia perfeitamente inofensivo. O fato dela carregar tal coisa deveria significar que ela não confiava em ninguém ao seu redor. Calmamente analisando sua oponente, Menou se aproximou de Manon.
Ela começou a correr assim que arremessou a adaga, pisando na sombra com sua bota, a qual tentava restringir seus movimentos. Movendo-se com passos intrépidos, Menou conseguiu apanhar a adaga defletida no ar e a levou até o seio de sua oponente.
Manon reagiu de acordo. Ela bloqueou a lâmina com seu leque de ferro e moveu sua sombra novamente. A escuridão a seus pés agora era uma extensão dela, a qual ela poderia mover livremente sem se preocupar com qualquer fonte de luz.
Menou avistou uma sombra afiada como uma lança vindo em sua direção. Ela desviou para o lado e atacou com sua lâmina—uma finta. Então ela deu um giro.
Um chute giratório.
A sola de sua bota foi em direção a Manon, mas ela bloqueou usando sua sombra como escudo.
Nenhum dos lados sofreu danos na primeira saraivada de ataques.
Mas Menou alcançou seu objetivo.
Ela usou o recuo de seu chute para impulsionar-se para trás, ao alcance de Akari. Manon usou a sombra que estava pressionando Akari para bloquear o chute de Menou. Assim que a garota ficou livre do aperto da sombra, Menou a pegou em seus braços.
“M-Menou…”
Enquanto murmurava em choque, lágrimas começaram a cair dos olhos de Akari. Menou olhou para ela, espantada.
“Ah, er, isso… Não é o que parece… P-por favor não ache… que estou agindo estranho…”
“Tudo bem. Me desculpe, Akari. A culpa foi minha por ter tirado meus olhos de você. Eu subestimei a sua facilidade de ser um alvo de abdução.”
Akari devia estar realmente apavorada; suas palavras eram quase sem sentido. Com um pedido de desculpas, Menou a empurrou em direção a saída da sala.
“Apresse-se e saia daqui. Deixe o castelo e vá até a margem da ilha. A Pastora Sicilia ou um dos cavaleiros irá tomar conta de você.”
“C-certo.”
Akari estava atipicamente obediente. Menou meio que esperava que ela insistisse em ficar no calor da batalha ou algo assim, como ela havia feito quando ambas foram pegas por Orwell, mas dessa vez ela não disse nada do tipo. Ela enxugou suas lágrimas com a mão e correu.
Na verdade, foi quase como se ela estivesse fugindo de Menou.
Isso foi um pouco estranho, mas Menou estava enfrentando o inimigo. Ela não tinha tempo de focar sua atenção em Akari.
Uma vez que ela confirmou que Akari havia fugido, Menou virou seu olhar de volta para Manon.
Ela era uma garota de aparência tranquila com cabelos azul-escuros presos em uma trança solta. Sua expressão era demasiadamente serena para alguém que acabou de matar um número decente de pessoas a sangue frio; não havia sinais de culpa, excitação ou medo de ser descoberta em seu rosto. Não é como se ela estivesse ocultando suas emoções—ou melhor, parecia que elas eram inexistentes.
Virando na direção da garota usando kimono, Menou preparou sua adaga.
“Manon Libelle. Eu a executarei agora.”
Manon já havia passado dos limites. Ela ofereceu as pessoas aqui como sacrifícios, invocando uma Conjuração de Pecado Original, e se transformou em algo não inteiramente humano.
“Bem dito, Srta. Menou.” Por alguma razão, a mente por trás de todo esse caso sorriu enquanto estava do outro lado da lâmina da executora. “Ouvi-la dizer isso deixou algo claro para mim: eu finalmente me tornei livre. Eu fui libertada das pessoas que me mantinham acorrentada, sem sequer me permitirem perceber que estava presa. Sim. Ah sim, de fato. Sua lâmina finalmente me mostrou a verdade.”
Ela ousadamente encarou Menou, a Executora. “Agora eu sou uma verdadeira personificação da Fourth.” Nenhuma sombra escurece seu sorriso. “Ao contrário desses geriátricos que eram movidos por seus próprios desejos egoístas… Eu busco a libertação do mundo, pela liberdade e pela independência, tal como a Fourth deve acreditar.”
Ela firmemente colocou uma mão em seu peito e continuou. “O que significa nascer na Nobreza? O que significa ter uma sociedade pacífica? A pretensa paz que vocês da Faust impõem é a razão pela qual minha mãe foi considerada uma entidade tabu e foi morta. A Nobreza cuspiu em mim como uma decepção. E a Plebe, indiferente, nem sequer olha para mim. Este mundo trancou minha vida.”
A vida de Manon foi ditada pela tolice da Nobreza.
Pelo orgulho da Faust e pela complacência da Plebe. Ela era uma vítima do sistema de três classes desse mundo e todas as suas falhas.
“E portanto, eu optei por me tornar tabu e lutar contra isso.”
Manon amadureceu como lhe foi dito. Sem dúvida, sua liberdade foi continuamente tomada dela não apenas pelas pessoas ao seu redor, mas pelo próprio sistema, o qual existe há mil anos.
Por isso, Manon Libelle sentiu que não tinha escolha a não ser se tornar um tabu para se rebelar.
“Eu adquiri poderes tabu para lutar com o mundo. Eu acredito que essa é a forma definitiva da Fourth, que afirma defender a liberdade e a independência."
A garota, que era mais merecedora de se intitular parte da Fourth do que qualquer outra pessoa nesta cidade, riu suavemente.
*
Menou. Flarette. A Executora.
Enquanto sua adaga brilhava, Manon teve uma visão do passado.
“Você tem uma irmã mais velha, sabia?”
A mãe de Manon costumava sussurrar tais coisas em seu ouvido quando seu pai não estava por perto.
Evidentemente, ela tinha uma meia-irmã de sangue: uma criança que sua mãe teve quando ela estava no Japão, antes de conhecer o pai de Manon.
Claro, o fato dela ter uma irmã mais velha a um mundo de distância não significava muito para Manon. Mas ela lembra que sua mãe frequentemente parecia triste sobre a outra filha que ela deixou para trás.
“Sua irmã era uma garota brilhante, alegre e cheia de energia.”
Quando elas ficavam sozinhas, sua mãe contava essas histórias para ela.
Ao contrário dos outros adultos ao seu redor, a mãe de Manon não tinha nenhuma expectativa desconcertante sobre ela.
Ela simplesmente amava Manon, a fim de enterrar sua tristeza sobre ter perdido outra filha. Manon percebeu que sempre que sua mãe olhava para ela, seus olhos a atravessavam, focados em algum lugar distante.
Manon lembra-se claramente do momento em que sua mãe foi morta.
Não houve aviso. As duas estavam conversando juntas.
E então, de repente, uma lâmina atravessou o peito de sua mãe.
Um pequeno jato de sangue atingiu a bochecha de Manon, quente e fresco. E ao mesmo tempo, algo aconteceu com o contorno de sua mãe.
Força Etérea: Conectar—S?T?i?K???Puro Conceito [Consumir]—
Uma Luz Etérea Roxa saiu de sua mãe e uma conjuração estava começando a tomar forma quando uma voz disse.
“É melhor segurar isso.”
Quando ela apareceu? A sacerdotisa segurando a lâmina, que ainda estava fincada nela, sussurrou algo no ouvido de sua mãe.
“Se você soltar isso aqui, sua menina vai morrer, você sabe.”
Sua mãe arregalou os olhos. Seus lábios tremeram e ela rapidamente os mordeu. A luz fraca de sua consciência de repente retornou aos seus olhos, e ela olhou para Manon.
Parecia que ela estava olhando diretamente para Manon, e apenas Manon, pela primeira vez.
A conjuração que estava prestes a ser invocada se dispersou. A sacerdotisa de cabelo vermelho puxou a adaga do coração de sua mãe.
Então, sua mãe caiu no chão. Manon colocou sua mão nela cuidadosamente.
Ela estava morta. Sangue escorria de seu corpo. Conforme a poça de sangue aumentava, sua temperatura corporal diminuía. Em meio a sua confusão, lágrimas começam a cair dos olhos de Manon. A sacerdotisa de cabelo vermelho olhou para ela somente uma vez, e então se virou.
“…Eu—Eu encontrei.”
Esta era a resposta.
A conjuração que sua mãe começou a lançar quando ela morreu. Era aquilo que todos os adultos queriam de Manon, ela se deu conta.
Ela deveria ser a próxima. Aquela lâmina deveria atravessar seu coração em seguida. E quando ela morresse, certamente, também lançaria algo poderoso de seu corpo. Ela finalmente havia encontrado o que todos queriam dela desde o nascimento, o que ela nunca conseguiu encontrar, a razão de seu desespero.
“Espere, por favor.”
E portanto, ela desesperadamente tentou parar a sacerdotisa. Naquele momento, Manon provavelmente queria muito morrer.
“…Parece que estou fadada a ser babá de crianças irritantes ultimamente.” A sacerdotisa suspirou. “Posso ser uma assassina, mas não sou sanguinária. Sou uma sacerdotisa pura, justa e forte. Por que eu precisaria matar uma criancinha?”
“P-porque eu sou a filha da minha mãe!”
Nem ela acreditava totalmente no que estava falando. Não fazia sentido. Se sua mãe era uma entidade tabu que merecia ser morta simplesmente por viver, então ela deve merecer o mesmo, uma vez que todos esperavam que ela fosse do mesmo jeito.
Se ela era filha de sua mãe, ela não deve pertencer a este mundo. Por isso que todos eram tão frios com ela.
“Você não é tabu.” A sacerdotisa de cabelo vermelho enfiou sua adaga de volta na bainha presa em sua bota enquanto rejeitava a crença de Manon. “Deixe-me explicar uma coisa para você. Puros Conceitos vinculam-se às almas de Ádvenas. E ao contrário de traços físicos, a alma não é nem um pouco hereditária. Ela pertence ao indivíduo. Então mesmo que você tenha sangue Japonês, sua alma não possui um Puro Conceito vinculado a ela, nem mesmo um Pseudo-Conceito.”
“Ah…”
Como Manon deveria responder a isso?
Ela não conseguia colocar em palavras. Tudo que ela sabia era que mesmo se ela continuasse crescendo da mesma maneira, a decepção das pessoas ao seu redor nunca desapareceria.
Provavelmente não havia ninguém no mundo que pudesse entender a futilidade que ela sentiu naquele momento. Manon foi confrontada com o vazio niilista de sua própria vida. Todo esse tempo, ela procurou tão ingenuamente por uma maneira de corresponder às expectativas dos adultos, nunca duvidando de que aquilo deveria estar dentro dela em algum lugar.
Mas não estava.
Manon cresceu olhando para um vazio.
Assim que ela tomou conhecimento de sua própria insignificância, algo dentro dela estalou. Assistindo a luz deixar o olhar da pequena Manon, a sacerdotisa de cabelo vermelho estreitou seus olhos.
Então, a sacerdotisa se virou e partiu. Ela nunca mais apareceu. Um buraco foi deixado no coração de Manon, uma fenda remanescente onde a lâmina que ela estava esperando perfurar seu peito nunca apareceu… desde aquele momento quando ela foi iluminada pela Luz Etérea deixando o cadáver de sua mãe.
Ela desesperadamente desejava poder refazer aquele momento.
E por isso, enquanto ela olhava para a lâmina da Executora que retornou para ela dez anos depois, o coração de Manon dançava.
“Venha, Srta. Menou.”
A sombra de Manon começou a borbulhar para cima.
Imbuída com presença física, ela se transformou em múltiplas lâminas e acelerou em direção à Menou. Não, não apenas ela—a sombra começou a atacar e destruir a sala inteira quase que indiscriminadamente.
O chão cedeu.
Menou e Manon despencaram para baixo.
Quando aterrissaram, elas estavam em um espaçoso salão de dança, o mesmo lugar onde a festa foi realizada na noite anterior. Sem nenhuma mesa ou decoração, o salão estava assombrosamente vazio.
“Vamos lutar até satisfazer nossos corações.”
Silenciosamente, Menou acelerou para frente. Manon sorriu largamente enquanto recebia o ataque da outra garota.
Assim que ela ouviu que Flarette havia chegado à esta cidade, ela teve um sentimento. Ela tinha certeza, ao ponto de sentir alívio, de que Flarette viria para matá-la, tal como Flare havia matado sua mãe.
Quando ela finalmente conheceu Flarette, ela era diferente do que Manon havia imaginado, porém ainda mais cativante do que ela esperava.
Que garota incomum e instável. Que expressões lamentáveis ela usava às vezes. Embora ela agisse com determinação e absoluta fé, a verdade era que ela hesitava constantemente. Porém, apesar de seu conflito interno, ela nunca se desviava de seu caminho, e a meta de sua lâmina era sempre verdadeira. Ela guardava firmemente em seu coração algo que Manon gradativamente perdeu ao longo do caminho.
Ela era como uma lâmina afiada, fina, sempre polida à perfeição e ostentando um incrível gume, contudo ainda mais frágil e facilmente quebrável por conta disso.
Os movimentos de Menou eram rápidos, lógicos e precisos conforme ela perseguia Manon. Quanto mais ela era encurralada num canto, mais o corpo de Manon parecia estranhamente leve.
A lâmina conhecida como Menou certamente perfuraria o coração de Manon.
E naquele momento, Manon não tinha dúvida de que se tornaria mais livre do que qualquer um.
“Hyah!”
Houve um choque de metal com metal. Menou arremessou sua adaga com uma expiração aguda, mas Manon a bloqueou com seu leque de ferro. Em instantes, Menou puxou a adaga de volta para sua mão com um fio de Força Etérea e atacou novamente. Bom, pensou Manon. Mais. Continue. Ainda não acabou.
Ela moveu as sombras que neste momento haviam se tornado uma extensão de suas mãos. As lâminas escuras dançaram pela sala aleatoriamente, atacando tudo à vista.
Aparentemente, era um ataque randômico, projetado para camuflar seu real objetivo.
Menou franziu a testa. Você é nojenta, sua expressão parecia dizer. Em resposta, Manon sorriu maliciosamente. Deixar sua oponente nervosa é uma tática de batalha básica, ela respondeu silenciosamente. Os ataques selvagens de Manon quebraram as paredes do salão de dança, a luz do sol brilhou através das aberturas e a iluminou.
Menou voltou para as sombras para manter distância entre elas, embora provavelmente não por uma aversão à luz solar.
A Executora estava olhando diretamente para Manon. Seu olhar era incrível. Olhando de volta para o brilho daqueles olhos pálidos, Manon estremeceu irresistivelmente. Agora, o que você fará a seguir? Seus pensamentos estavam só começando a esquentar quando ela testemunhou algo estranho.
O contorno do corpo de Menou de repente ficou turvo e difícil de enxergar, apesar de Manon estar olhando diretamente para ela.
“Oh? O que é isso?”
Ela estreitou os olhos e logo percebeu o que estava acontecendo.
As cores de Menou estavam se misturando com o plano de fundo.
Camuflagem Etérea. Era uma técnica que utilizava a luz emitida pelo Aprimoramento Etéreo e alterava suas cores à vontade do usuário, criando um efeito ilusório. Como Menou era capaz de usar essa técnica secreta sem depender de um brasão ou da escritura, ela era seu ás na manga.
Manon não conhecia os detalhes de como a Camuflagem Etérea funcionava, mas ela pôde ao menos supor que era uma ilusão de ótica criada ao mudar a aparência da Luz Etérea.
Ela tentou contrabalançar, mas era tarde demais. Ela havia perdido completamente a noção dos movimentos de Menou assim que ela se misturou com o plano de fundo. Em segundos, Menou estava diretamente na frente dela.
A adaga perfurou fundo em seu ombro.
Força Etérea: Conectar—Adaga, Brasão—
Quando a atingiu, Menou enviou um impulso de Força Etérea para o brasão da adaga. Manon imediatamente soube que não havia maneira dela impedir a conjuração.
“Acabou.”
Invocar [Vendaval]
O brasão gravado na adaga de Menou criou uma rajada de vento a partir da lâmina enfiada na carne de Manon.
“Ah, oof!”
Seu braço inchou de imediato, como um balão inflado muito rápido. A pressão do vento de dentro da ferida foi excessiva, e seu ombro explodiu, fazendo seu braço voar completamente.
“A-ah, pobre de mim…ngh!”
Menou impiedosamente agarrou a Manon ferida e a ergueu pelo pescoço.
Ela sentiu sua garganta fechando. O corpo de Menou estava brilhando com Aprimoramento Etéreo. Manon foi erguida do chão, para longe de sua sombra, então ela não podia mais fazê-la se mover. Ela estava sem opções.
A luta acabou.
Não foi uma grande luta para começo de conversa. Mas verdade seja dita, era exatamente isso que Manon estava esperando. Ela ficou satisfeita com este fim, à sua maneira.
No mínimo, era melhor do que viver o resto de sua vida sem fazer nada.
Se ela tinha algum arrependimento, ela crê que havia uma pequenina parte dela que desejava poder ter brincado com Menou um pouco mais.
Seu rosto se distorce em dor enquanto ela começa a sufocar, mas Manon ainda soltou uma risada.
“Foi divertido, Srta. Menou.”
“Fale por você.”
“…Ah, por favor, não faça essa cara.” Manon estremece enquanto ri.
Não havia misericórdia na mão que agarrava sua garganta, porém por alguma razão, Menou estava com uma expressão magoada. Olhando para ela, Manon finalmente entendeu.
Ela realmente não queria matar ninguém.
“Diga-me, Srta. Menou. Você nunca se sentiu dessa forma? Farta de seus pais, farta de todos os adultos autoritários? Se perguntando por que essas pessoas acham que podem te dar ordens, por que elas sempre ficam no seu caminho…? Você nunca ficou cansada de tudo ao ponto de simplesmente não suportar mais?”
A mentora por trás do caos em Libelle revelou sua ridícula motivação.
Era como a confissão de uma garotinha que foi pega fugindo de casa. Mas na realidade, não era nada mais do que apenas isso.
“Pois eu certamente fiquei. Algo que existia antes mesmo de eu nascer decidiu o curso da minha vida inteira. Eu achava isso simplesmente horrível. Eu sou dona de mim mesma. Eu amava muito a minha mãe, mas eu ainda era eu mesma, não ela.”
Sem ter para onde correr e nenhuma forma de resistir, Manon no entanto continuou a falar.
“E mesmo assim, eu estava presa às expectativas dos outros, ao ponto de nem eu mesma saber o que eu quero fazer. Não é uma grande tolice determinar o curso de sua vida baseado em como os outros querem que você seja? Por isso eu recorri à escuridão.”
Se tornar tabu. Se libertar.
Para Manon, essas duas coisas eram uma só.
“É terrível ser selada com uma função, não é? Por isso que quando as pessoas neste mundo querem se libertar de alguma espécie de grilhão, elas recorrem ao tabu.”
E qual era o objetivo desse tabu? Não levou muito tempo para ela apresentar uma resposta.
“As pessoas às vezes vêm de outro mundo para este, tal como minha mãe. E ao longo da história, elas receberam o dever de provocar mudanças. Não concorda?”
Sua vida estava se esgotando rapidamente. À beira de sua morte, Manon falou com o fervor de uma fiel que recebeu uma revelação divina.
“Os Puros Conceitos que são dados à elas fazem parte dos Conceitos que dominam este mundo. São poderes criados pela energia do planeta e pela história humana. Você entende? Quando um perdido visita nosso mundo, lhe é dado um poder específico para agir como um catalisador de mudança que as pessoas deste planeta querem que ele realize. Pelo menos, é como eu vejo.”
Era uma teoria louca. Confrontada com esse novo e estranho ponto de vista, Menou franziu sua testa, porém não diminuiu a força de sua pegada.
“No entanto, muitos deles são evocados por desejos egoístas dos outros.” Ela rebateu. “Sua mãe pode ter chegado aqui por acaso, mas esse não é o caso da maioria dos que encontram seu caminho para este mundo.”
“Talvez, mas as pessoas que evocam esses Ádvenas estão buscando mudanças, também.”
Não houve hesitação na resposta de Manon. Ela estava continuamente perdendo sangue pelo seu ombro arruinado, mas quanto mais sua vida era drenada, mais forte sua convicção se tornava.
“Não importa o quão grande uma força política neste mundo possa ser, ainda há meios para chamar um poder forte o suficiente para destruí-la. Nós precisamos de força do exterior para mudar. Precisamos de encontros que nos façam questionar o que é normal e natural. Assim como eu não pude mudar sem me tornar tabu, existem coisas neste mundo que não podem mudar sem esses tipos de forças envolvidos.”
Manon era a prova viva de que mesmo se uma pessoa Japonesa tivesse uma criança com alguém deste mundo, a criança ainda seria uma nativa deste mundo também. Era impossível herdar um Puro Conceito de um Ádvena.
“Ádvenas—com seus poderes, conhecimentos e ideias—são revolucionários enviados por este mesmo planeta.”
Eles eram humanos, também, mas seus papéis eram diferentes.
“E mesmo assim, nos últimos mil anos, nós reprimimos este mundo. Desde que a antiga civilização que os Ádvenas criaram foi destruída, a Faust ficou no topo do nosso mundo e reinou suprema. Ela até lidou com os Ádvenas, a pressão externa proporcionada pelo planeta, e forçadamente trouxe paz ao mundo. E é precisamente por isso que uma mudança é desesperadamente necessária.”
“Você está tão infeliz assim com este mundo?” Menou perguntou.
“Claro que estou. A paz nos rouba a liberdade e a independência. Ela cria mais e mais pessoas como eu. Quanto mais há paz, mais o mundo irá estagnar e apodrecer.”
Ela estava perdendo o foco, talvez pela perda de sangue.
“Sem dúvida, a Faust é a governante deste mundo. Precisamos de um ímpeto de fora para abrir a tampa que ela tem forçado sobre nós. Assim como você proporcionou uma faísca por fora para a Fourth nesta cidade, Srta. Menou, há uma real necessidade de uma força externa forte o bastante para quebrar o gigantesco grilhão restringindo este mundo atual. Não importa quanto dano seja causado no processo… mesmo se ilhas inteiras forem devoradas, buracos sejam criados na terra e um continente afunde no mar.”
“Não existe tal força.” Menou respondeu. “Não importa que tabu possa surgir, as Executoras continuarão a eliminá-los. Se você deseja uma mudança, passe pelos procedimentos devidos e pague com seu próprio sangue. Não há razão que possa justificar o sacrifício dos outros.”
“Mas sacrificar os outros não é o seu trabalho, Srta. Menou?”
“Sim. Afinal, sou uma vilã.” Menou soou firme, mas ela parecia magoada por suas próprias palavras.
Vendo isso, Manon riu. “...Heh, entendo. Mas as coisas mudaram mil anos atrás. Não foi? E a força para a mudança nesse caso foi um Ádvena, também. Então eu acho que você pode mudar, Srta. Menou. Afinal, você também tem uma ao seu lado. Você, também, tem o direito de se rebelar contra o mundo.”
Enquanto Menou se apegava ao seu papel, Manon falou como alguém que deixou de lado seus deveres como uma integrante da Nobreza e caiu em pecado.
“Se você quisesse mudar, tenho certeza de que aquela garota ficaria feliz em lhe emprestar sua força a qualquer momento.”
“Não seja idiota!” Menou levantou sua voz pela primeira vez.
“…Ora, você é surpreendentemente fácil de ler, Srta. Menou.” Manon arregalou os olhos por um momento, e então sorriu. “Como eu disse para a Srta. Akari, acredito que as pessoas nascem duas vezes. Então, para que você nasça novamente, existe algo que você deve superar… Ah, mas novamente, me disseram que essa está longe de ser a primeira vez… Então talvez seja você que terá que mudar a Srta. Akari no fim. Caso contrário, tudo permanecerá o mesmo.”
“Do que raios você está falando?”
“É segredo. Eu sou um tanto quanto decente, acredite ou não. É uma cortesia comum guardar os segredos de outra garota. Além disso, você já está muito atrasada, Srta. Menou. Acontece que… você escolheu a pessoa errada para caçar.”
Os cantos de seus lábios erguem-se maliciosamente e Manon fala com alguém sem ser Menou. “Você pode sair agora. Eu me ofereço a você como meu último sacrifício.”
Não havia mais ninguém além de Menou e Manon. Do que ela estava falando? Ou ela estava enlouquecendo em seus momentos finais antes da morte? Menou franziu sua testa—
Força Etérea: Sacrificar—Conluio do Caos, Puro Conceito [Maldade]—Evocar [Feliz aniversário para mim.]
Houve um clarão de carmesim profundo.
“…O quê?” Menou arregalou os olhos quando percebeu de onde a luz vermelha estava vindo.
Uma sensação de pavor inundou seu corpo, deixando seus cabelos em pé. Lentamente, Menou olhou para baixo, do rosto sorridente de Manon até o estômago da garota.
Havia uma mão ali.
Um pequeno braço saiu do estômago de Manon, de dentro de seu corpo.
“Você já estava atrasada desde o princípio. Tudo isso começou muito antes de você sequer chegar nesta cidade.”
Uma pequena mão rasgou o estômago de Manon, assim como o obi que segurava seu kimono no lugar, e se estendeu na direção de Menou.
Saiu até o antebraço, depois o braço inteiro. Justo quando as pontas dos dedos ensanguentadas estavam prestes a tocá-la, Menou arremessou Manon para longe.
O corpo de Manon atingiu o chão e rolou de modo que ela ficou virada para cima, com o braço ainda saindo de seu estômago. Manon continuou sorrindo silenciosamente, inabalada pelo impacto a esta altura.
“A razão pela qual eu estava espalhando aquela monstrina é por causa desta pequenina aqui. Reflita, está bem? Como raios uma jovem garota como eu criaria monstrina sem a Faust notar?”
Manon apertou a mão que estava saindo de seu estômago.
A pequena mão apertou de volta.
“Hee-hee. A coisa toda é um absurdo, não acha? Esta pequenina surgiu sem ajuda alguma das pesquisas inúteis conduzidas pela Fourth. E então ela me conheceu, de todas as pessoas. Parece, para mim, um pouco obra do destino.”
A pequena mão agarrou a mão de Manon e balançou para cima e para baixo energicamente.
“Bem, por favor dê o seu melhor, Srta. Menou. Ao contrário de mim… essa garota será demais para você lidar.”
Essas se tornaram suas últimas palavras.
A outra mão quebrou suas costelas e saiu do seu corpo.
As duas mãos dilaceraram impiedosamente o abdômen de Manon. Sua caixa torácica escancarou-se, espalhando seus órgãos no chão e preenchendo a sala com o odor de sangue fresco.
O corpo de Manon se abriu de dentro para fora, como a porta de uma donzela de ferro.
“Ufa!”
Um rostinho angelical emergiu dos restos quebrados de Manon.
A garota, que rastejou para fora do estômago de Manon, engoliu o ar como um cervo recém-nascido e esticou seus membros.
Ela parecia tão meiga quanto um bebê. Seu rosto redondo não demonstrava nenhum sinal de malícia enquanto apertava os olhos para a luz do sol entrando pelas paredes quebradas.
“Nossa, o céu é tão grande e azul! O clima está tão bom hoje!”
A garota esticou bem os braços, celebrando o dia com um sorriso radiante.
Ela possuía características elegantes e a postura de uma jovem devidamente educada, apesar da idade. O vestido que ela estava usando provavelmente já foi puro branco uma vez, embora agora estivesse completamente tingido de vermelho com o sangue de Manon. Ela estendeu sua mão para o céu com uma expressão inocente.
“Veja só como está ensolarado lá fora. Será um ótimo dia, com certeza! Não acha—? Aww, é mesmo. Acho que você morreu, né?”
A garota, que não parecia ter mais de dez anos, tinha cabelos pretos e olhos igualmente escuros.
Esses olhos e cabelos pretos só poderiam significar uma coisa. A garota, cujo pequeno corpo estava coberto de polpa e sangue, olhou para o corpo de Manon, que morreu enquanto ela se rastejava para fora de seu corpo. Ela falou com um tom suave e amável.
“Obrigada por tudo. Você me deu um número decente de sacrifícios. Pode descansar agora.”
Em seguida, a pequena garota olhou para Menou e levou a mão à boca.
“Minha nossa! Tem uma pessoa nova aqui.”
Enquanto a garota expressava sua surpresa de uma maneira que era tanto educada, quanto de alguma forma calculada, Menou pensou ter reconhecido seu rosto redondo.
Ela viu aquele rosto na conjuração da escritura que Momo gravou.
A garota parecia exatamente como a que Momo havia encontrado presa na donzela de ferro. A mesma garotinha que supostamente deu seu último suspiro no aperto daquele instrumento de tortura, agora estava acenando para Menou alegremente.
A garotinha encharcada de sangue falou com um sorriso inocente.
“Olá, moça. Como está aquela garota de cabelo rosa de ontem?” ela perguntou.