A Detetive já está Morta Japonesa

Tradução: GGGG

Revisão: Yuki


Volume 3

Capítulo 3

                   O amigo de ontem é o inimigo de hoje

 

 

O fato de Charlotte Arisaka Anderson e eu não nos darmos bem não era nenhuma novidade. Havíamos nos conhecido há mais de três anos. Naquela época, eu já era assistente da Siesta havia cerca de seis meses e finalmente começava a me acostumar com essa vida extraordinária, não que isso me deixasse feliz.

"Kimi, tem alguém que quero te apresentar amanhã."

Quando Siesta me disse isso, fiquei paranoico achando que ia conhecer o namorado dela e fui dormir ansioso naquela noite... Bem, não exatamente ansioso. Só de mau humor.

No dia seguinte, Siesta me apresentou a Charlotte Arisaka Anderson, uma garota mais ou menos da minha idade. Minhas memórias da nossa primeira conversa ainda são vívidas:

"Quem é essa garota com essas olheiras absurdas?"

"Quem é esse cara com essas olheiras absurdas?"

Foi menos uma conversa e mais uma competição de ofensas. Estávamos os dois com sono acumulado. Naquele dia, Siesta disse que precisava de mais ajuda numa missão do que eu podia oferecer, então havia chamado Charlotte... mas o escândalo que ela fez foi completamente fora do normal.

Eu não sabia os detalhes, mas, por algum motivo, Siesta havia se tornado sua mentora, e desde então, Charlotte se considerava sua primeira aprendiz... e então eu apareci como assistente. Deve ter sido um choque enorme para ela.

Como era de se esperar, Charlie e eu estragamos completamente a missão daquele dia. Siesta havia nos instruído a trabalharmos juntos para capturar um certo alvo, mas nosso primeiro encontro foi um desastre e destruiu qualquer chance de trabalho em equipe.

"Charlotte! Quanto tempo você precisa pra perceber que está pisando no meu pé?!"

"Ah, desculpa. Achei que fosse sua cara."

"Então sai de cima!"

Continuamos brigando, e como priorizamos ficar nos exibindo em vez de cooperar, o alvo escapou facilmente.

Depois disso, nos encontrávamos sempre que Siesta precisava, o que era com frequência, e brigávamos toda vez. Quando Siesta morreu, nosso relacionamento foi interrompido temporariamente... mas aqui estávamos de novo. Na verdade, talvez nosso relacionamento nunca tenha sido interrompido de fato.

Afinal...

"Kimizuka, você nunca vai se casar. Não tem como."

Mesmo agora, três anos depois de termos nos conhecido, Charlotte ainda implicava comigo.

"Poxa, isso não é justo."

Cerca de meia hora depois de eu mandar Scarlet evacuar Natsunagi e Saikawa, Charlie estava me insultando. Tínhamos acabado de ter uma briga feia, e agora estávamos os dois jogados no chão da sala de estar meio demolida.

"Ah, fala sério. Que tipo de idiota bate numa garota delicada nos dias de hoje?"

Ah. Então ela estava irritada porque o soco que eu dei no final, por pura teimosia, acabou acertando em cheio. Se ela queria seguir por esse caminho...

"Minhas feridas estão bem piores, tá?" retruquei, com a boca cortada me fazendo sentir cada palavra. Eu estava todo arrebentado.

Mesmo com aquele ataque da Scarlet tendo enfraquecido a Charlie, eu jamais venceria uma luta direta contra ela. Era um milagre eu ainda estar vivo.

"Haaah, tô sem energia. Me ajuda a levantar", disse Charlie, com um tom apático, como se a hostilidade de um minuto atrás nunca tivesse existido. Ela levantou os braços frouxamente em direção ao teto.

"O que foi? Está tentando imitar a Siesta?"

"...Eu não queria saber que você e a Madame faziam esse tipo de coisa."

"Não era porque eu queria. Eu não tinha escolha." Se eu não fizesse isso, aquela detetive preguiçosa nunca sairia da cama.

"Haaah. Tá bom, tanto faz." Charlie se levantou.

"Toma." Estendeu a mão para o meu corpo roxo de pancadas.

"Isso aí tem veneno ou algo assim?"

"Você realmente não confia em mim, né?" Charlie começou a rir, mas então….

"Bom, você tem um ponto." Com um sorriso autoirônico, retirou a mão discretamente.

Forçando meu corpo dolorido a se levantar sozinho, encarei Charlie.

"Mas você não estava realmente tentando me matar, estava?"

Charlie não respondeu.

No entanto, durante a confusão de antes, ela mesma havia dito: seu objetivo era matar Yui Saikawa. Natsunagi e eu apenas estávamos no local por acaso.

Além disso, não parecia que ela tinha dado tudo de si na nossa luta posterior. Isso sugeria que ainda havia espaço para conversar.

"Se você continuar no meu caminho, também não vou ter piedade," respondeu Charlotte, desviando o olhar ao dizer isso.

"Charlotte, por que está tentando matar a Saikawa? Vocês não eram amigas?"

Saikawa e Charlie haviam se conhecido naquele cruzeiro, cerca de dez dias atrás. Era verdade que não se conheciam há muito tempo, mas tínhamos vivido sob o mesmo teto nos últimos dias. Não parecia que Charlie realmente odiava Saikawa... Então por quê?

"Amigas? De quem você está falando?" Com um sorriso sem humor, Charlie negou friamente.

"Nunca tive uma dessas." Não havia o menor traço de confusão em sua expressão, e ela não parecia estar blefando. Ela realmente acreditava nisso. Era assim que havia vivido sua vida.

"Eu só cumpro a missão que me é dada, como parte da minha organização. Esse é o meu trabalho, e é a única forma que eu conheço de viver. Não há espaço para um conceito vago como ‘amizade’ nisso."

Charlotte Arisaka Anderson era uma agente solitária que havia passado por treinamento militar desde muito nova, feito para indivíduos excepcionalmente talentosos. Ela havia pertencido a várias organizações por conta própria. Para ela, ordens da organização eram tudo. Desobedecer nunca era uma opção.

"Então você está me dizendo que sua organização ordenou que assassinasse Saikawa?" Charlie assentiu em silêncio.

Assassinar Saikawa,a primeira coisa que essas palavras me fizeram pensar foi em SPES. Após o incidente da safira, era inevitável que minha mente fosse para esse caminho. Mas...

"Charlie, você não está me dizendo que tem alguma ligação com a SPES, certo?"

Mais cedo, Bat havia me contado que o objetivo de Seed era usar o corpo de Saikawa como receptáculo. A SPES não queria matá-la. No entanto, alguma organização havia ordenado que Charlie a assassinasse. Eu não conseguia conciliar essas duas informações.

"...Sim, está certo. Eu não traí vocês nem me juntei à SPES. Na verdade," disse ela, "é o contrário. Tanto eu quanto a pessoa que me deu as ordens queremos destruir a SPES, assim como você."

"Nesse caso…."

"O que muda são os limites até onde estamos dispostos a ir para fazer isso."

Os olhos de Charlie estavam frios. Ela não aceitava concessões ou negociações.

"Você já entendeu, não é? Agora, Seed se deteriorou a tal ponto que precisa trocar de receptáculo. Se destruirmos esse receptáculo, o que acha que acontecerá com Seed?"

"...! Se a pessoa que ele planeja possuir for eliminada, então Seed vai..."

Morrer.

Nem precisaríamos lutar contra Seed diretamente. Bastava destruir aquele receptáculo... Se Yui Saikawa morresse, Seed não duraria muito mais.

"...Então você quer sacrificar Saikawa para acabar com Seed?"

"Eu já disse. Estamos dispostos a ir mais longe."

"'Estamos'? Quem é 'nós'?", perguntei, ainda com o corpo todo dolorido.

"É melhor me contar isso, pelo menos. Escuta, Charlie. Se você é uma agente que obedece ordens sem questionar, então me diga: quem é seu chefe? Quem teve essa ideia absurda?"

"Sou eu."

Uma voz fria e impassível ecoou pela sala. Bastou isso para fazer minha exasperação evaporar instantaneamente. Virei-me para a porta e...

"Fui eu quem ordenou que ela eliminasse Yui Saikawa."

Uma detetive ruiva, que sempre parecia elegante atrás da fumaça de um cigarro, estava parada ali.

O inimigo estava entre nós o tempo todo.

"Senhorita Fuubi?"

Alguém que sequer estava no meu radar havia acabado de entrar, e minha mente congelou por um segundo. Nesse meio tempo, ela apagou o cigarro sob o salto e veio em minha direção.

O que está acontecendo aqui? Eu estava prestes a perguntar, mas….

"Charlotte, por que está enrolando?"

Antes que eu conseguisse falar qualquer coisa, a Srta. Fuubi deu um soco em Charlie. Charlie desabou no chão e se encolheu com um gemido patético.

"...! O que diabos você está fazendo?!"

A Srta. Fuubi me ignorou. Foi até Charlie e a ergueu pelos cabelos loiros.

"Ei, Charlotte. Vou te perguntar mais uma vez. O que você está fazendo?"

"E-eu estou... realmente... d-desculpa..."

"Hã? Olha só, eu estou perguntando o que você pensa que está fazendo. Eu não disse pra matar a Yui Saikawa aqui mesmo?" A Srta. Fuubi puxou ainda mais forte os cabelos de Charlie.

"...! Não, o que é que você está fazendo?!" Eu não podia simplesmente ficar parado assistindo aquilo; me coloquei entre as duas.

"Kimizuka, essa é mesmo alguém que você deveria estar protegendo?"

...É, ela tinha um ponto. Charlie estava tentando matar uma das minhas amigas. Mas mesmo assim...

"Ela também não é alguém que você deveria estar agredindo, Srta. Fuubi."

"...Hã. Você quase está mostrando ter alguma coragem agora." Ela se afastou de mim e de Charlie, embora provavelmente não porque eu a tivesse convencido.

"Você está bem?", perguntei, me voltando para Charlie. Ela havia colocado a mão sobre a bochecha inchada. Devia ter cortado a boca, havia sangue escorrendo pelo canto.

"Não preciso que você se preocupe comigo."

"Se você consegue lidar com insultos, está tudo bem." Nesse caso, havia apenas uma pessoa aqui em quem eu deveria me concentrar.

"Fuubi Kase. O que você é?"

Ela tinha Charlie trabalhando para ela e havia ordenado a morte de Saikawa nas sombras. Quem ela era de verdade?

Era uma pergunta perfeitamente natural, e, em resposta, ela disse:

"Sou a Assassina." Ela não fez nenhuma tentativa de esconder isso.

"...Você é outra das Sintonizadoras?"

"Ah, então você já conhece essa palavra, hein?"

"Até agora há pouco, eu acreditava que você fosse uma policial gentil, sabia?"

"Ha! Não tem como uma simples detetive comum se tornar inspetora-assistente da polícia com essa idade." Fuubi acendeu outro cigarro e então soltou uma grande baforada de fumaça.

"'Policial' é apenas minha fachada. Meu papel como Sintonizadora é o de Assassina: me esconder, enganar todos e eliminar o inimigo. Esse é o meu trabalho."

"...Então, desta vez, seu ‘inimigo’ é Saikawa?"

"Não." Fuubi estreitou os olhos.

"Meu alvo é a SPES. Somente isso." ...Isso batia com o que Charlie havia dito.

"Então você vai matar a Saikawa como forma de derrotar o Seed?"

Saikawa poderia se tornar o receptáculo que reviveria Seed. Eles achavam que, matando-a, estariam indiretamente eliminando ele.

"É isso mesmo. Seed fez questão de entrar em contato com Scarlet. Depois disso, Scarlet começou a agir de maneira estranha. Agora o Bat também. Precisamos assumir que o tempo acabou. Por isso enviei aquela garota infiltrada... Nunca imaginei que ela seria tão inútil." Fuubi lançou um olhar cruel e debochado para Charlie.

"......" Charlie desviou o olhar, mordendo o lábio, provavelmente se culpando por sua própria falta de habilidade.

"Se eu não tivesse sido envolvida com aquele robô, teria dado a ordem mais cedo. Ela bagunçou todo o meu cronograma, droga."

Então a SIESTA estava com Fuubi desde ontem, hein? Ela tinha percebido que Fuubi era quem precisávamos enfrentar, e não Bat. Então lutou com ela por mais de um dia, mantendo-a sob controle.

"Então, Charlotte. Onde eles estão agora? É bom que ao menos você saiba disso," pressionou Fuubi. Havia uma ameaça velada em sua voz.

"...Estão indo para o aeroporto, ao que parece." Charlie ainda estava abalada, mas conseguiu se levantar, usando a mesa como apoio.

Será que ela colocou um transmissor em Saikawa? Elas estavam morando juntas; provavelmente teve várias oportunidades para isso.

"Entendo. Ela é rica, afinal. Está planejando usar um jato particular? Bem, tudo bem. Vou mandar fechar todos os aeroportos agora mesmo. Vamos."

Fuubi se virou e saiu da casa com Charlie.

"Vocês acham mesmo que eu vou deixar vocês simplesmente irem embora?"

Se fizessem isso, eu ficaria seriamente ofendido. Sem esperar uma resposta, apontei minha arma para as costas delas.

Mas...

"Obstrução da justiça."

Logo após ouvir essa voz, me vi no chão, com o ar completamente expulso dos meus pulmões.

Por um segundo, achei que tinha sido baleado, mas não ouvi nenhum tiro e não estava sangrando.

Foi apenas um golpe. Um só. Ela me acertou no queixo. Isso bastou.

Mas meu corpo não respondia, e minha visão começou a escurecer lentamente, como se estivesse sendo engolida por um túnel.

Ignorando-me completamente, as duas saíram da casa.

"...Devia ter dito ‘porte ilegal de arma’ primeiro." E com essa réplica inútil, eu apaguei.

Não sei por quanto tempo fiquei inconsciente.

Do nada, achei ter captado um cheiro familiar. Como se o estivesse seguindo, abri os olhos lentamente.

Alguém estava ali, estendendo a mão para mim.

"...Si...esta?"

Sem pensar, disse aquela palavra familiar de seis letras.

A figura soltou um profundo suspiro. Então, olhou para mim com um olhar tão severo que parecia impossível vir de uma máquina.

"Você é idiota, Kimihiko?"

"Você está bem caído," disse SIESTA enquanto me ajudava a levantar, um tanto impaciente.

"E, além disso, destruiu completamente a minha casa. Vou te mandar a conta pelos reparos depois."

"...Poxa. Que injusto."

Esse lugar tinha sido atacado várias vezes pelos inimigos. Ela devia era me agradecer por ter protegido tudo isso.

"Na verdade, você também está péssima."

Provavelmente porque tinha lutado com Fuubi antes de vir até aqui. Suas roupas estavam rasgadas em vários pontos, e a pele por baixo mostrava sinais evidentes de dano.

"Eu não perdi. Apenas realizei uma retirada estratégica temporária."

"Você é tão orgulhosa quanto a Siesta original."

"E só rasguei o uniforme de empregada com relutância, para agradar aos seus gostos."

"Você não precisa imitar o jeito como ela me fazia parecer um pervertido."

Veja só essa androide. Não é só a aparência, até a personalidade e o jeito como me trata são exatamente como os da original. Mesmo com Natsunagi e Saikawa tendo resolvido seus passados, e eu estando prestes a seguir em frente com algumas coisas...

Sério, dá um tempo.

"Ei, o que eu devo fazer?"

...Isso significa que, se eu vacilasse e pedisse ajuda a ela, bem, não haveria outra saída.

Não era minha culpa. Era culpa da sociedade. Culpa da Siesta.

"Você provavelmente já sabe, mas estamos praticamente em xeque-mate."

A traição da Charlie tinha surgido do nada. Se as coisas continuassem assim, Saikawa com certeza seria morta, e talvez Natsunagi morresse tentando impedi-los. Se Charlie levasse a sério, não havia chance de eu vencer uma luta contra ela, e ainda por cima estávamos lidando com Fuubi. Uma Sintonizadora.

Além disso, se eu escolhesse ajudar Saikawa, poderia acabar ajudando indiretamente a reviver Seed, basicamente entregando o mundo inteiro.

"Patético." SIESTA suspirou novamente, como se não aguentasse me ver tão estressado.

"Kimihiko, a sua natureza praticamente torna o mundo inteiro seu inimigo desde o começo."

"Uau, que profundo. Que pecado colossal eu cometi na vida passada, hein?"

Ei, nem estou tentando entrar em guerra com o mundo, tá?  Além disso...

"Mesmo que isso seja verdade, a Siesta estava lá."

O mundo inteiro podia ser meu inimigo, mas ela ficou comigo. Ela se irritava comigo, dizia: "Você é idiota, Kimi?"  mas mesmo assim segurava minha mão e lutava ao meu lado.

Enquanto ela estivesse por perto, eu não estava sozinho.

"Enquanto a Siesta estava comigo, era tudo de que eu precisava", murmurei, relembrando.

"...Kimihiko, você tem noção de que está fazendo isso?"

Percebi que SIESTA parecia incomodada.

"Hm? Fazendo o quê?"

SIESTA apenas murmurou algo num volume que mal consegui ouvir:

"...Fico me perguntando o que despertou meu instinto maternal, se foi essa expressão derrotada ou a discrepância entre o que você diz e o que sente."

Em momentos como esse, ela geralmente dizia algo pouco lisonjeiro sobre mim, então era mais sábio fingir que eu não tinha percebido... Embora viver segundo esse tipo de lógica seja meio deprimente.

"Então, o que você vai fazer, Kimihiko?" SIESTA se virou para mim.

"Você está diante da traição de uma aliada. Uma amiga em perigo. Vários inimigos grandes e poderosos demais. E, no fim, a possibilidade de se tornar inimigo do mundo. O que vai fazer?"

Os olhos azuis de SIESTA estavam fixos em mim. Era difícil acreditar que aquele olhar era falso. Era exatamente como naquele dia. Ela estava deixando a decisão nas minhas mãos.

Deveria falhar em salvar minha amiga e proteger o mundo?

Ou salvar minha amiga e me voltar contra o mundo?

A decisão era pesada demais para que eu tomasse. Como não seria? Passei meus dezoito anos sendo arrastado para esse tipo de situação. Agora, de repente, o destino do mundo estava nas minhas mãos? Como assim?

"Você não é arrastado para as coisas. Você arrasta os outros."

...Putz. Se fosse assim mesmo, talvez Hel tivesse razão naquela época.

Nesse caso... havia apenas uma coisa que eu precisava fazer. Só uma frase que eu precisava dizer.

Se eu realmente estivesse prestes a me tornar uma figura-chave, puxando o mundo para o caos, então havia uma pessoa que eu precisava arrastar junto primeiro.

Não importava se ela não fosse a verdadeira. Estava tudo bem, mesmo que fosse só por agora.  Mesmo assim...

"Siesta, seja minha assistente."

Não faço ideia de como estava meu rosto naquele momento. Apenas estendi minha mão esquerda, com o que eu achava ser um sorriso desajeitado.

"Muito bem. Por aqui."

Siesta aceitou, mas não pegou minha mão. Apenas saiu andando, indo para os fundos da casa.

"...Ei, SIESTA, eu estava bem impressionado com aquela."

Ia ser muito constrangedor se ela simplesmente ignorasse. Fala sério.

"Já gastamos tempo demais com isso. Precisamos nos apressar, ou não vamos alcançá-las."

"Se você vai agir com bom senso, eu nem tenho resposta pronta pra isso."

"Além disso, por algum motivo, suas tentativas de transformar isso em uma cena emocionante são incrivelmente irritantes."

"Eu nem estava tentando. Essa é, tipo, a coisa mais cruel que você podia ter dito depois daquilo."

Mesmo reclamando, segui SIESTA por um corredor, e então….

"Uma parede?"

À primeira vista, parecia um beco sem saída, mas...

"Abra-te, sésamo." SIESTA entoou um feitiço que já devia ter saído de moda há séculos, e a parede tremeu e deslizou para o lado, revelando uma escadaria.

"Vamos." SIESTA começou a descer os degraus.

"Não tinha um feitiço melhor, não?"

"As palavras não importam. Está programado para reconhecer minha voz."

Entendi. Esse era mesmo o esconderijo da SIESTA.

"Então, se eu gritasse, por exemplo: ‘O primeiro amor do Kimihiko foi a Siesta’, ainda assim abriria?"

"Você não tem provas. E isso aqui não é uma daquelas perguntas de segurança pra quando você esquece a senha."

"Chegamos."

No fim da escadaria havia uma área ampla, como um hangar de avião. Dentro dela, havia uma grande motocicleta, com cores vagamente familiares.

"É a Sirius Versão Beta." Siesta subiu rapidamente na moto branca.

"Este é o modo de veículo da arma humanoide Sirius."

"Aquilo que a gente usou em Londres?"

Certo, a Siesta tinha dito que havia negociado com o governo britânico para pegar aquilo emprestado. Pensando bem, isso só tinha sido possível porque ela era uma Sintonizadora e podia negociar formalmente com o exército.

"Mas vamos conseguir alcançá-los com isso?"

"Vamos pegar um atalho pelos túneis."

Até onde ia esse espaço? Não me diga que chegava até os túneis de Londres. Eu estava prestes a perguntar quando meu olhar se desviou da moto para SIESTA.

"...Quando você trocou de roupa?"

Ela havia trocado o uniforme de empregada rasgado por um traje militar, o mesmo que a antiga grande detetive usava.

"Trocas rápidas são uma habilidade obrigatória para detetives."

"Acho que é mais importante para cantoras idols, na verdade."

E também... não troque de roupa na frente de um cara como se fosse algo normal... Sério.

"Beleza, vamos logo. Segure firme."

"Tá, tá."

Seguindo a ordem de SIESTA, montei na moto e envolvi meus braços ao redor da sua cintura.

Cabelos prateados e vestido cinza. Era aquela visão que eu tinha visto inúmeras vezes ao longo de três anos.

"Por favor, pare de se entregar à nostalgia enquanto segura minha cintura."

"Haaah. Seu corpo é tão quentinho."

"Essa foi a coisa mais nojenta que você já disse. Aliás, Kimihiko, você é bem relaxado quanto a assédio sexual, né?"

"Porque eu tô sempre do lado que sofre assédio, ué. De vez em quando tá liberado, não?"

"Claro que não. De jeito nenhum." Apesar disso, SIESTA sorriu de repente.

"Escuta, SIESTA. Você não estaria...?"

"Tá certo. Nesse caso, vamos disciplinar a aprendiz."

No entanto, o sorriso durou apenas um momento. Logo, o rosto de SIESTA voltou a ficar sério e...

"Sirius, preparar para decolagem."

Com isso, ela acelerou a moto.

"Você não achou que isso foi legal, achou?"

"Se continuar falando, vou te jogar pra fora."

 

A detetive está sempre ao seu lado.

Cerca de quinze minutos depois...

"De acordo com meus cálculos, vamos alcançar nosso alvo em aproximadamente seis minutos e vinte segundos," SIESTA murmurou para mim, por cima do ombro. Já havíamos saído do túnel subterrâneo e agora seguíamos por uma estrada costeira. Não havia mais ninguém à vista, nem carros, nem pedestres.

"Assim que alcançarmos, vamos ter que lidar com a Assassina e uma agente, né?"

Claro que sabíamos disso desde que partimos. Ainda assim, pensar em como os inimigos à frente seriam difíceis me deixava tenso. Especialmente a Fuubi. Sendo uma Sintonizadora, ela era tão poderosa quanto Siesta e Scarlet.

"Não precisa ficar tão tenso," disse SIESTA, ainda segurando o guidão. "Tudo o que você precisa fazer é lutar ao lado da Charlotte, Kimihiko."

"? Mas a Charlotte não é justamente quem vamos enfrentar?"

"Bem, isso também é verdade, mas..." SIESTA estava sendo estranhamente evasiva. Como a antiga grande detetive, aparentemente esse robô também não ia simplesmente me contar as coisas importantes.

"A propósito, onde está aquela coisa que você sempre carrega?"

Como eu estava segurando sua cintura, percebi que algo que normalmente ficava preso às costas dela não estava ali.

"Ah, aquilo? Entreguei a um conhecido há pouco tempo."

"Assim, do nada? Você sabe o quão importante é a lembrança da Siesta?"

"Ela parecia querer muito aquilo, então achei que tudo bem."

"Esse seu ‘conhecido’ que queria tanto um mosquete deve ser alguém bem perigoso também." Eu nem sabia quem era, mas definitivamente não era o tipo de amigo que eu gostaria de ter.

"Mas você tem algum plano para derrotar aquelas duas sem uma arma?" perguntei a SIESTA, falando sobre seu ombro.

"Hm? Não muito, não."

"O quê?! Você não tem?!"

Ela tinha falado tão confiante o tempo todo que eu simplesmente presumi que havia um plano.

"Mas..."

"Mas o quê?"

"Você tem um, não tem, Kimihiko?" disse SIESTA, sem olhar para trás.

"Bom, mais ou menos." Era algo tão improvisado que nem dava para chamar de estratégia, mais um plano desesperado. E então….

"Então você não pretende me contar?"

E eu não contei. Além disso, embora eu não conseguisse explicar exatamente por quê... tinha a sensação de que ela me impediria se eu contasse.

Pouco depois...

"Kimihiko, ali."

Uma estrada beirando um penhasco, com o oceano visível logo abaixo. Uma moto corria à frente, e SIESTA acelerou, nos aproximando, até que pudemos ver cabelos vermelhos e loiros familiares.

"Kimizuka..." Charlie, que estava na garupa, percebeu que nos aproximávamos por trás.

"...Por que veio atrás da gente?" Ela estreitou levemente os olhos, com os cabelos dourados esvoaçando no vento da noite.

"A verdade é que eu queria te ver de novo."

"Ugh, que pretensão. Já passou um ano e você ainda não tirou a carteira de motorista?"

“SIESTA, pode atropelar ela se quiser.”

“Também estava me perguntando por que você não estava dirigindo, Kimihiko, já que é o homem da dupla.”

“Ei, eu não sou machista.”

Mesmo não sendo nem de longe o momento apropriado, a gente continuava trocando piadas como sempre. Enquanto isso, nossa moto emparelhou com a outra.

“O quê, esse robô ainda não quebrou?” Fuubi olhou para trás, zombando.

“Sim, eu sou particularmente boa em fingir de morta.” SIESTA respondeu com uma piada que claramente pegou emprestada da original.

“Ha! Acho que isso virou oficialmente uma perseguição de carro.”

Com um rugido, Fuubi acelerou o motor. Sem se abalar, SIESTA também aumentou a velocidade.

...Mas, exatamente quando passamos em frente a um farol branco na beira do penhasco….

“Vai.”

Ao comando de Fuubi, Charlie se virou, mirou, e atirou.

“...!”

SIESTA inclinou a moto; eu a imitei, e conseguimos desviar do tiro.

“Agora você passou dos limites,” SIESTA murmurou, com um tom mais agressivo. E então….

“Lançar míssil.”

Ela apertou algum botão próximo do guidão.

“...! Charlotte, salta!”

“Hã?”

No instante seguinte, nossa moto disparou um pequeno míssil teleguiado. O impacto foi direto, e a moto inimiga explodiu em chamas. A explosão nos atingiu também; derrapamos e caímos rolando pelo asfalto.

“Isso foi exagerado...!” Forçando meu corpo dolorido a se mover, agarrei o guard-rail e me levantei com esforço.

“Esse é o Sirius Versão Beta pra você. Poder de fogo excelente.”

“Tá, ela até conseguiu nos atingir antes, mas mesmo como vingança, isso foi feio.”

Chamas ardiam do outro lado da estrada. Eu conseguia ver Fuubi caída no chão. Mas isso realmente tinha resolvido a situação? Com essa dúvida na cabeça, comecei a me aproximar, e então aconteceu.

“Kimihiko!” Um tiro.

SIESTA me empurrou, me protegendo da bala. Por entre a fumaça negra, a agente se aproximava.

“...!” Como se cortasse o próprio vento, Charlie avançou com seu sabre.

“Deixa comigo. Afaste-se, Kimihiko.”

No lugar do mosquete, SIESTA sacou uma lâmina fina, semelhante a um florete, de algum compartimento escondido em seu vestido, pronta para revidar.

“Charlotte Arisaka Anderson. Ouvi dizer que você é extremamente habilidosa com armas de fogo. Tem certeza de que quer lutar assim?”

“Contra você, esse jeito é melhor.” Charlie brandiu sua espada como se soubesse que balas não funcionariam contra SIESTA.

Debaixo do farol, no vento do mar, as duas se enfrentaram em uma sinfonia de metais se chocando, uma luta em velocidade que humanos normais jamais conseguiriam acompanhar.

“...! Primeiro aquele vampiro, agora você. Tem muita gente fora do comum por aqui,” Charlie rosnou, irritada.

“‘Fora do comum’? Não sei se é a melhor forma de pensar nisso.”

“O quê, vai me dar sermão agora? Mesmo vestida igual a ela...!”

“Não. Não tenho esse direito. Mas, se fosse a Senhorita Siesta...” Enquanto falava, SIESTA enfrentava uma lâmina maior e mais robusta que a sua própria.

“...Não acredito que ela procuraria desculpas fora de si mesma só porque algo não saiu como o esperado.”

Com esse argumento firme, ela contra-atacou.

“...!” As habilidades de esgrima de SIESTA forçaram Charlie a recuar alguns passos.

“...Você sempre foi assim.” Charlie mordeu o lábio e falou com a voz embargada, como se estivesse vendo outra pessoa em SIESTA. “Conheci a Senhorita há cinco anos. Na época, eu ainda não trabalhava sob Fuubi Kase, e uma certa organização tinha me dado uma ordem, assassinar a Siesta.”

Isso era algo que eu não sabia sobre Charlie e Siesta. Já tinha ouvido que elas se conheciam antes de mim, mas nunca perguntei os detalhes.

“Eu segui as ordens e tentei matá-la... mas falhei. Fracassei na missão. Sabe o que isso significa para uma agente?” A pergunta de Charlie não parecia dirigida a ninguém em especial.

Se eu fosse responder...

Eu diria que um agente que falha numa missão acaba morto por sua própria organização. Especialmente se falhar num assassinato.

“Eu sabia qual seria meu destino. Se meu alvo não me matasse em retaliação, a organização com certeza não perdoaria meu erro. Achei que minha vida curta havia acabado ali. Mas...” Charlie abaixou a cabeça.

“Quando eu já tinha perdido toda a esperança, ela me disse: ‘Vou fingir que morri aqui, assim você ficará bem.’ Eu era inimiga dela, mas a Senhorita me protegeu.”

...É, isso tem a cara da Siesta.

Ela simplesmente decidia proteger as pessoas. Salvar alguém era algo natural pra ela, como se considerasse todo mundo, menos ela mesma, um cliente.

“Ela disse: ‘Em troca, quero que me ajude em alguns trabalhos de vez em quando.’ E, para selar o acordo, me deu este pingente azul.” Charlie apertou o pingente que sempre pendia de seu pescoço.

Provavelmente Siesta pediu ajuda a Charlie para protegê-la. Como Sintonizadora, se Charlie estivesse associada a ela, ninguém além dos melhores entre os melhores poderia sequer encostar nela.

"A Senhorita sempre foi assim. Me protegeu. Até quando morreu no ano passado, já tinha deixado tudo preparado para que eu começasse a trabalhar com outro Sintonizador imediatamente. Era como se ela soubesse que aquilo ia acontecer.”

“...E esse Sintonizador era a Fuubi Kase?”

Charlie não negou.

Mesmo depois da morte, Siesta ainda estava cuidando dela.

“Isso não mudou. Mesmo como androide, você continua igualzinho a ela.” A voz de Charlie tremia levemente.

Mas não era por estar chorando.

“Você ainda está se segurando na luta só pra não me matar!” Quando ergueu o rosto, ele estava tomado de raiva. “Por quê?!” Apertando o punho em volta do sabre, Charlie avançou contra SIESTA. “Por que está se segurando?! Por que não está lutando a sério?! Por que ainda está, Por que está tentando me proteger de novo?!”

Enquanto SIESTA aparava os golpes absurdamente rápidos de Charlie, sua expressão fria não mudava. Ela não revidava mais do que o necessário. Permanecia na defensiva.

“Um ano atrás, eu era fraca. E por isso eu jurei... que dessa vez, eu derrubaria a SPES no lugar da Senhorita. Não importava quantas coisas injustas me acontecessem sob aquele outro Sintonizador, eu prometi que seria eu a vingar a Senhorita... E ainda assim.” Ela deu um passo feroz à frente.

“Eu nem consigo vencer você, e você é só uma máquina! Por quê?!”

Charlie cortou com a espada para o lado. Mas...

“Seus movimentos estão longe de eficientes. Quando se deixa levar pela emoção, não consegue usar nem metade da sua verdadeira força.” SIESTA se curvou para trás, esquivando-se da lâmina com leveza. E, num movimento econômico, girou o florete e derrubou a arma de Charlie, fazendo-a voar para trás.

“...! Então nesse caso!”

No instante seguinte, os olhos de Charlie se voltaram para mim.

“Eu vou fazer qualquer coisa pra vencer.”

Ela puxou uma arma da parte de trás da cintura e apontou pra mim.

“Kimihiko!”

Mantendo-se abaixada, SIESTA se colocou entre mim e Charlie, e com um golpe certeiro do florete, fez a arma voar. Mas….

“Eu sabia. Você realmente não consegue me matar.” Em algum momento, uma segunda arma apareceu na mão esquerda de Charlie.

“Acabou.”

“......” SIESTA estava de joelhos. O cano da arma de Charlie estava apontado para sua testa.

A situação era crítica. Nem mesmo SIESTA conseguiria reverter isso.

E se era assim...

“Charlie, você consegue mesmo atirar?”

Eu não tinha feito nada de útil até agora, então já era hora de agir.

“O que quer dizer com isso? Acha que eu hesitaria depois de tudo—”

“Mesmo que esse seja o corpo verdadeiro da Siesta?”

É por isso que a vontade dela nunca vai morrer.

“O corpo verdadeiro... da Senhorita...?”

Ao ouvir isso, Charlie parou.

Parecia que sua mente estava girando. Ela encarava SIESTA com olhos ao mesmo tempo firmes e cheios de incerteza.

“Então você percebeu?” Quem se moveu primeiro naquela tensão congelada foi SIESTA.

“Kimihiko, quando foi que você notou?”

Ainda ajoelhada, ela não se virou para me encarar ao falar. Mas pela forma como perguntou, já estava admitindo que meu palpite estava certo.

“Não sei dizer quando exatamente. Os sinais que me fizeram desconfiar foram meio vagos.”

Se me pedissem uma razão clara, eu não teria como dar.

Talvez fosse o cheiro familiar que ficou comigo durante três anos, ou o calor da pele dela quando acabávamos nos tocando. Podia ter sido aquele sorriso de cem milhões de watts que nenhuma boneca mecânica seria capaz de imitar. Em outras palavras, tive aquela sensação contraditória de que, de algum modo, de alguma forma, essa era a Siesta de verdade.

“Você está certo,” disse SIESTA, baixinho.

Eu sabia. Ela era mesmo a detetive número um com quem passei três anos. nos bons e maus momentos. No entanto, sua mente tinha ficado no coração... e esse, ela havia deixado com Natsunagi. Apenas esse corpo, sua casca física, era Siesta.

“Depois da batalha final contra Hel, o corpo da Senhorita Siesta foi congelado,” disse SIESTA em voz baixa.

“Foi o que ela quis. Conforme um acordo prévio, uma certa pessoa o colocou em criogenia. Depois, usando o vasto conhecimento e as memórias da Senhorita Siesta como banco de dados, carregaram uma inteligência artificial em seu cérebro e medula espinhal, e implantaram um coração artificial. Foi assim que eu nasci.”

“...Então foi isso que aconteceu...” Tudo o que consegui fazer foi assentir.

Mesmo depois de morta, Siesta encontrou uma forma de renascer como androide e esperou a oportunidade para nos contatar. Ela fez isso para transmitir as memórias da tragédia do ano passado... e nos ajudar a acabar com a SPES.

“De certo modo, eu já suspeitava,” disse Charlie.

“Não passei tanto tempo com a Senhorita quanto o Kimizuka, mas mesmo eu me lembro do cheiro dela.”

Pensando bem, Charlie tinha farejado vários travesseiros quando vivíamos no esconderijo. Será que captou traços tênues e persistentes de Siesta ali?

“Ainda assim,” ela continuou.

“E daí? Mesmo que seu corpo seja o da Senhorita, isso não muda minha missão. Eu vou derrotar a SPES no lugar dela.”

A arma ainda apontava para a testa de SIESTA. No entanto, uma única lágrima escorreu de seus olhos flamejantes.

“Quero dizer... veja bem. A Nagisa nunca conseguiria matar a Yui. Isso significa que eu tenho que fazer isso. Ao derrotar o Seed, vou realizar o último desejo da Senhorita.”

O cano da arma de Charlie tremia levemente, como se refletisse o tremor em sua voz.

Entendi. É... Charlie, você sempre foi esse tipo de garota.

Ela dizia que não precisava de amigos, mas mesmo assim colocou Siesta como sua prioridade... E em algum momento, a influência de Siesta a levou a querer proteger outras pessoas também.

Ela estava tentando realizar o último desejo de Siesta, tentando impedir que Natsunagi se sujasse com sangue, e genuinamente se importando com Saikawa, seu alvo. O conflito entre sua missão e seus sentimentos estava deixando-a tão confusa que até procurava apoio em mim, seu inimigo jurado.

Pff. Ainda tão atrapalhada quanto sempre foi. Não tinha mudado nada desde que nos conhecemos. Igualzinha àqueles dois anos e meio em que brigamos tanto que chegamos a nos cansar disso.

Nosso laço teimoso já deveria ter apodrecido e se partido, mas de algum jeito ainda estava ali. Suspirei e me voltei para Charlie mais uma vez.

“Tem certeza de que está bem com isso?”

“...! O que você sabe, afinal? Passou todo esse tempo só boiando.”

“É, você tem razão. Desculpa por isso.”

O fato de eu ter perdido memórias não era desculpa. Depois da morte da Siesta, passei um ano inteiro mergulhado em uma paz morna, falsa... Não era alguém que tinha o direito de dizer nada.

Mas... mesmo assim, eu disse.

As últimas palavras dela.

“O legado que a Siesta deixou foi eu, Natsunagi, Saikawa... e você, Charlie. Nós quatro. Se você quer cumprir o último desejo da Siesta a Saikawa não pode morrer.”

E não era só a Saikawa, claro.

Não podíamos perder nem a mim, nem a Natsunagi, nem a Charlie. Nenhum de nós.

“...! Mas a Senhorita era uma Sintonizadora. A missão dela era derrotar a SPES!”

É, isso mesmo. Como detetive número um, Siesta havia enfrentado ameaças ao mundo. Não havia dúvida disso.

Mas...

“Charlie. A professora que você amava priorizaria cumprir sua missão... ou proteger seus amigos?”

“...!” O rosto de Charlie se desfigurou.

“Você realmente acha que derrotar a SPES sacrificando o Saikawa é como a Siesta gostaria que tudo terminasse?”

“Cala a boca...!”

Charlie arrancou o pingente do pescoço, quebrando a corrente. Era quase um gesto simbólico, como se quisesse virar as costas para o passado, e para Siesta. Ela lançou o pingente ao chão, mas o fecho se abriu, revelando a foto que havia dentro.

“...Por que ela está sorrindo assim?”

A foto mostrava Charlie e Siesta, e as duas sorriam. Era como se não tivessem nenhuma missão, nenhuma obrigação. Era uma imagem tranquila, algo que poderiam ter tirado a caminho de casa depois da escola, só para postar nas redes.

“Isso é, isso é só,!”

Charlie balançou a cabeça. Aceitar o sorriso de Siesta significaria abalar toda a missão em que acreditava. Seria o mesmo que negar o último desejo da Senhorita, aquele em que acreditou até agora.

E então, como se estivesse se despedindo do passado e da própria Siesta, Charlie ergueu o pé para esmagar o pingente.

“...!”

Ou tentou.

Antes que pudesse fazer isso, SIESTA deslizou a mão direita entre o pé de Charlie e o chão.

“...Ai.”

“Oh, me... desculpa...”

A reação de SIESTA foi tão calma que Charlie pediu desculpas no reflexo. SIESTA pegou o pingente, passou os braços ao redor do pescoço de Charlie e amarrou novamente a corrente quebrada.

“Por quê...?” Charlie a encarava, atônita.

Virando-se de frente para ela de novo, Siesta suspirou. “Sinceramente...” E então, disse:

“Você é burra, é?”

Era uma frase que só a antiga detetive número um tinha o direito de dizer.

Claro que ela não estava aqui, dentro da SIESTA.

A mente dela estava com seu coração, em Natsunagi.

Mas mesmo assim.

Seu corpo, seu cérebro, ou talvez só a sua boca, deviam ter guardado aquelas palavras.

Durante três anos, ela as dizia praticamente todos os dias. E agora, SIESTA tinha acabado de….

“Essa é a primeira vez.” Charlie abaixou a cabeça, como se tentasse conter alguma emoção. Pensou por alguns segundos e então.

“Essa é a primeira vez que você me chama assim.”

Quando Charlie levantou o rosto de novo, seu rosto, molhado de lágrimas, brilhava. Parecia uma aprendiz que sempre desejou que sua professora a repreendesse.

Vendo aquilo, a expressão de SIESTA se suavizou num sorriso irônico. Ela abriu os braços, e bem quando Charlie ia se jogar neles.

“Charlotte. É por isso que eu vivo dizendo que você é simples.” O que se chocou contra o peito de SIESTA não foi Charlie, mas uma bala.

“...!”

“Senhorita!”

SIESTA caiu no chão, e Charlie a amparou nos braços.

Diante delas, estava a Assassina, Fuubi Kase.

A lâmina dourada que deseja vingança contra o mundo.

Com a arma em mãos, Fuubi nos encarava a uma curta distância. Seus olhos eram frios como o gelo.

“Eu achei que você tivesse um pouco mais de juízo que isso, Charlotte. Mas pelo visto, você não é diferente daquela pirralha ali.”

 “...!” Charlie lançou a Fuubi um olhar afiado, mas logo voltou os olhos para SIESTA.

 “Senhorita...”

Sangue escuro escorria da ferida no lado esquerdo do peito de SIESTA. Charlie rasgou um pedaço do próprio tecido e tentou estancar o sangramento.

“...Sério, Charlotte, você é mesmo burra?” Com fraqueza, SIESTA segurou a mão de Charlie.

 “Eu não sou a sua ‘Senhorita.’” Ela sorriu levemente. Em algum momento, seu tom havia voltado a ser o da verdadeira SIESTA.

“Esquece isso. A pessoa com quem vocês dois deveriam estar lidando está ali.”
 Com a mão trêmula, SIESTA apontou para quem estava diante de nós.

“Mas se continuar assim...”

 “Tudo bem. As medidas de desligamento de emergência vão dar conta disso.”
 SIESTA sorriu mais uma vez. Eu não sabia se ela estava mentindo ou não, mas por ora, só nos restava acreditar.

“Voltamos já.”

Trocando um pequeno aceno, Charlie e eu levamos SIESTA cuidadosamente até o guard-rail. Então nos viramos para encarar o nosso maior inimigo.

“Ha! Olha só pra vocês dois. Fingindo que não se suportam, e agora estão tentando formar uma dupla?” Fuubi zombou. Colocou um cigarro nos lábios e o acendeu, protegendo a chama do vento com uma das mãos.

“Tem certeza disso, Charlie?” Perguntei sem tirar os olhos de Fuubi.

“Você tem muito a perder se for contra ela.”

Por causa de seu trabalho, Charlie havia feito inimigos em todo tipo de organização. Fuubi era a Sintonizadora que a acolhera depois da Siesta. Sem esse apoio, a posição atual de Charlie poderia desmoronar. Ela até poderia ser alvo de novas tentativas de assassinato.

E, acima de tudo, ela estava tomando a iniciativa de ir contra a missão na qual sempre acreditou. Mesmo que eu tivesse sido quem a incentivou a isso, precisava garantir que ela aguentaria.

“Já é tarde pra isso.” Charlie respondeu com firmeza, sem me encarar também

 “Esquece de mim, e você? Está preparado pra isso?”

“Claro. Se fugir resolvesse, eu adoraria.”

“...Você chama isso de ‘preparado’? Tem certeza de que está falando japonês direito? Inteligência era a única coisa que você tinha, não era?”
 Charlie levou a mão ao queixo.

Não se preocupe. O medo só embaralhou meu cérebro um pouco.

“Ei, Charlie, acabei de ter uma ótima ideia pro combate que tá vindo aí.”

“Olha só nosso cérebro ambulante. Que estratégia você pensou?”

 “Se a gente sobreviver a isso... vamos casar.”

“O quê? Urgh, não.”

“Não, foi uma flag de morte ao contrário.”

“Não sei se acredito nesse conceito.”

“Antes de uma crise de vida ou morte, você faz um desejo que jamais quer que se realize. Aí você sobrevive e acaba ganhando o que pediu. É um exploit.”

“Nosso cérebro ambulante é um idiota.” Charlie segurou a cabeça ao meu lado.

Desculpa. Agora, nenhum cérebro ia servir de muita coisa.

“Mas...” Charlie levantou o olhar e me encarou.

“Pelo visto, a gente amadureceu o suficiente pra pelo menos tentar um acordo e trabalhar em conjunto.” Ela sorriu, e eu tive certeza de que ela estava se lembrando da nossa primeira tentativa desastrosa de parceria.

“Acabaram a reunião estratégica?”  Fuubi soltou uma baforada enorme de fumaça.

Ela tinha esperado por nós...? Não, provavelmente não. Só queria terminar o cigarro. E agora nosso tempo tinha acabado.

“Vamos cercá-la! Charlie, pega ela pela direita!”

“Entendido!”

Charlie e eu nos separamos, mirando nossas armas contra o alvo por dois ângulos. Fuubi apagava a guimba do cigarro com a ponta do pé. Desculpa, mas não podemos esperar você estar pronta.

Apontei minha arma, mas ela estava virada para Charlie, que estava bem na minha frente.

“...Por que estou vendo a Charlie?” Charlie me olhava de volta, os olhos arregalados. Fuubi estava entre nós. Onde ela tinha ido?

“Então vocês não tinham um plano, né?” Logo depois de ouvirmos essa voz….

“...!”

Primeiro, eu não consegui respirar. Depois, ouvi o som de algo afundando no osso.

A dor veio alguns segundos depois, quando eu já estava rolando vários metros no chão.

“Aaaaaaaaaaaaaaaah...!”

O choque e a dor me fizeram gritar como um inútil.

Eu nem sabia o que ela tinha feito. Um soco? Uma joelhada? Talvez já tivesse algo quebrado. A dor era tão forte que quase desmaiei.

“Um a menos.” Perdendo o interesse imediatamente, Fuubi virou as costas pra mim.

“...!”

Charlie apontou a arma para a outra mulher, afastando-se um pouco mais com cautela. Enquanto isso, consegui me arrastar até a lateral da estrada.

“E agora? Está sozinha.” A arma de Charlie não parecia incomodar Fuubi.
 

“Vai continuar com essa resistência inútil e adiar a resolução do problema?”

“......”  Charlie a escutava, o rosto sério, a arma ainda erguida.

“Escuta, Charlotte. Vou te perguntar só mais uma vez: qual é o seu trabalho? Você não ia assumir o último desejo da detetive lendária? Não se importa com o que vai acontecer com o mundo?”

“...Eu me importo. Só não consigo acreditar que fazer as coisas desse jeito deixaria a Senhora feliz.”

“Ha! Tá maluca? Não importa se isso deixaria ela feliz,” zombou Fuubi.

“Você consegue salvar o mundo com ideais? Não. Tudo o que temos que fazer é matar Yui Saikawa, e pronto. Mundo salvo.”

“Tenho certeza de que a Senhora não gostaria de salvar o mundo sacrificando alguém.”

“Ah, é mesmo? Se sacrificar a si mesma resolvesse, tenho certeza de que ela faria isso num piscar de olhos.”

“O que você quer dizer com isso...?” Charlie franziu as sobrancelhas, como se não soubesse aonde Fuubi queria chegar.

“Não entendeu ainda? Vamos recapitular. Originalmente, a Seed considerava pessoas que tinham uma semente e conseguiam usar totalmente seu poder como candidatas a receptáculo.”

“A Senhora... e a Hel...”

“Certo. Mas o plano genial da detetive lendária acabou com isso. Ela perdeu a capacidade de ser receptáculo ao jogar fora a própria vida.”

A teoria da Fuubi era essa: um ano atrás, Siesta havia escolhido morrer. Ela disse que era para proteger Natsunagi e realizar seu desejo... mas havia outro motivo, que ela escondeu de todos. No seu trabalho final como detetive, Siesta arquitetou um plano para derrotar a Seed.

“Então quer dizer que a Senhora descobriu o verdadeiro objetivo da Seed, e por isso...”

Provavelmente Siesta também não tinha contado tudo para Charlie. Ao ouvir a verdade mais profunda por trás do sacrifício da detetive, o olhar de Charlie vacilou, incerto.

“Exatamente. Para proteger o mundo, a detetive lendária se sacrificou sem hesitar. E lembra o que ela disse? Que vocês quatro eram o legado final dela. Sabe o que isso significa? Ela está dizendo pra vocês: assumam meu último desejo... e morram pelo bem do mundo.”

“...!” Aquela interpretação das palavras finais de Siesta fez os olhos de Charlie se arregalarem.

“Charlotte, você é brilhante. Não deixa esse assistente de quinta te enganar. Você precisa entender o verdadeiro significado das últimas palavras da detetive e cumprir sua vontade.”

“Eu...”

“Francamente, Nagisa Natsunagi não vai dar conta. Ela é fraca demais. Isso significa que só resta você, Charlotte. Assuma o legado dela e torne-se a detetive lendária, uma Sintonizadora.” A expressão de Fuubi de repente suavizou.

“Tudo bem. Se estiver nervosa, eu te treino de novo. Você só precisa cumprir sua missão. Mate Saikawa, derrote a Seed. Se fizer isso, será a detetive lendária de nome e de fato. Que sorte a sua.” Fuubi acariciou o cabelo de Charlie.

“Esse sempre foi o seu sonho, certo? Agora vai se realizar.”

“A detetive lendária...? Eu...?”

“Isso mesmo. Então vamos fazer esse último trabalho.” Com isso, Fuubi se virou e foi até a moto que SIESTA e eu havíamos usado para chegar ali. Ela pretendia usá-la para ir atrás de Saikawa e dos outros.

Mas….

“O que está tentando fazer, Charlotte?” Fuubi falou sem sequer olhar para trás.

Provavelmente já tinha percebido só pelo clima, a aura de hostilidade. Charlie estava com a espada apontada para as costas dela.

“Você não quer ser a detetive lendária?”

“...Não. Esse nunca foi meu objetivo.” Charlie fechou os olhos. Talvez estivesse tentando se lembrar, ou talvez estivesse finalmente enfrentando seus verdadeiros sentimentos.

Pensando na mulher que foi sua mentora por cinco anos, apertou com força o pingente azul que pendia do pescoço e gritou:

“Siesta era uma mulher linda e forte! Era quem eu queria ser!”

Apertando o punho do sabre, Charlie atacou as costas de Fuubi com um corte feroz.

“Entediante.” Fuubi ainda não havia se virado, mas desviou do golpe com facilidade, sem nem olhar.

“...!”

“Tá me subestimando. Achou mesmo que poderia me vencer num combate direto?”
 Antes mesmo de terminar a frase, Fuubi sacou a arma das costas e apontou direto para a testa de Charlie.

“A brincadeira acabou.”

A espada de Charlie não conseguiu alcançá-la, e ela foi forçada a cair de joelhos. Fuubi não hesitaria em puxar o gatilho agora. Também não parecia que Charlie tivesse alguma chance de virar o jogo por conta própria. Estávamos completamente encurralados.

“Você está certa. Sozinha, não posso te vencer.” Charlie reconheceu abertamente sua derrota... ou assim parecia.

“Mas ainda não perdemos.” Ela ergueu os olhos para Fuubi com um brilho ardente, e no instante seguinte….

“Desloque nove milímetros para a direita e sete para baixo. Agora, Nagisa!”

Com um som que reverberou no meu estômago, um disparo ecoou do alto.

“—!”

A bala rasgou o céu escuro, derrubando a arma da mão de Fuubi.

E quem havia atirado….

“Isso sim é uma das Sete Ferramentas da Siesta. Nada instável aqui.”

Um mosquete familiar surgia da janela aberta da cabine de um pequeno caça.

“...Olha só. Você realmente voltou por conta própria.”

Fuubi lançou um olhar para o jato no céu escuro.

“Então isso significa que estão prontas pra isso, Yui Saikawa e Nagisa Natsunagi.”

Essa era a resposta final.

“Yui, Nagisa...”

Charlie olhava para o jato que sobrevoava o farol. Era um caça de dois lugares; Saikawa estava no assento do piloto, e Natsunagi, logo atrás.

“Ouvi dizer que vocês foram ao aeroporto. Então foi pra buscar isso?” Fuubi fitava o céu, visivelmente irritada. Estalou o pescoço com um estalo seco.

“Primeiro você pilota um barco, agora um caça. A educação básica anda bem abrangente ultimamente.”

“Uma jovem bem-educada deveria ser, no mínimo, capaz disso... Ou pelo menos é o que eu gostaria de te dizer. Mas tá quase tudo no piloto automático. Uma certa pessoa com ouvidos excelentes está pilotando remotamente, guiando-se pelo meu olho.”

Saikawa respondeu com leveza à provocação de Fuubi. Aparentemente, aquele quase pseudo-humano estava acompanhando a luta de algum lugar distante.

“Ha! Vocês duas vão mesmo ficar do lado dessa garota? Ela tentou matar vocês, lembram?” Fuubi zombou de Saikawa e Natsunagi.

“...!” Charlie mordeu o lábio. Ninguém entendia melhor do que ela o peso do que havia feito.

Mas Saikawa disse... “Sim, eu vou salvá-la. Afinal, ela é minha amiga.”

Alguém que havia tentado matá-la... e mesmo assim, ela a chamava de amiga. Ela continuou, falando diretamente para uma Charlie estupefata:

“Depois disso, vamos ter a luta final. Você não se importa, né, Charlie?” Saikawa sorriu para ela, lá do alto.

“Só pra constar, você não vai lutar só contra a Yui,” Natsunagi disse do banco traseiro. Sua expressão era séria.

Ah, certo. Charlie também havia acertado um golpe devastador nela anteriormente. A voz de Natsunagi estava carregada de sarcasmo.

“Entendeu? Quando a gente lutar, vamos te matar em dobro: uma por mim, e outra pela Yui.”

Lá embaixo, Charlie ouviu tudo. “...Podem vir quando quiserem.” Seus olhos estavam um pouco úmidos, mas ela sorria.

“Relaxem. Esse futuro nunca vai acontecer.”

Uma voz fria. A Assassina avançava pela escuridão, determinada a destruir o futuro que Charlotte queria proteger.

“...!” Apertando com força o punho de seu sabre, Charlie encarou a inimiga que se aproximava.

A arma de Fuubi havia sido derrubada, e agora ela empunhava uma faca de sobrevivência. Naturalmente, o sabre de Charlie tinha mais alcance, mas a habilidade de Fuubi era muito superior. Seus movimentos extravagantes forçaram Charlie a recuar, até que….

“Lenta demais.”

Explorando uma abertura, Fuubi desferiu um chute giratório que quebrou a espada de ferro e jogou Charlie para trás.

“...!”

Houve um baque surdo, e Charlie rolou pelo asfalto. Imediatamente, Fuubi avançou para encurtar a distância.

“Nagisa, agora!”

Nesse momento, a sniper aérea mirou em Fuubi. Com as instruções precisas do olho de Saikawa, Natsunagi apontou o mosquete sem hesitar e disparou.

“Desculpa, mas não posso me dar ao luxo de dar tiros de aviso.” Ela continuou atirando em Fuubi; haviam trazido o avião para mais perto para facilitar os disparos.

“Vocês estão no caminho,” resmungou Fuubi, desviando das balas que acertavam o chão aos seus pés.

E então...

“Hã?” Ao olhar para cima, Natsunagi viu  uma assassina ruiva saltando para o céu noturno. Ela se agarrou ao avião com um gancho e agora se segurava numa corda pendurada dele. Fuubi saltou até a cabine e então….

“...!”

Ela virou a faca em um golpe reverso e mirou diretamente em Saikawa, que estava surpresa.

“Nem pense nisso!”

De trás de Saikawa, Natsunagi atirou em Fuubi. A bala atravessou o ombro direito dela, e a mulher cambaleou para trás. No entanto...

“Dor? Vai precisar de bem mais que isso pra me impedir de cumprir minha missão.”

A expressão de Fuubi não mudou nem quando ela caiu do avião. E, ao cair, ela lançou a faca em um dos motores sobre a asa principal. O barulho foi terrível, acompanhado de um cheiro de queimado. Fumaça preta começou a subir, o avião inclinou para a esquerda e então...

“...! Nagisa, se segura em alguma coisa!”

Saikawa agarrou o manche com força, mas o jato continuava perdendo altitude até raspar contra o asfalto numa aterrissagem de emergência. O chão tremeu como se um terremoto tivesse atingido a área, me jogando no chão.

"…Yui…"

"Na...gisa..."

Natsunagi e Saikawa estavam bastante machucadas após a aterrissagem. Era evidente que estavam sentindo dor, mas o avião corria risco de explodir, então conseguiram se arrastar para fora.

"Então vocês finalmente desceram aqui." Fuubi caminhou na direção das duas garotas, com movimentos suaves, mas ameaçadores. Sangue escuro escorria do ombro direito da Assassina, mas ela ainda assim se lançou do chão com força.

"Ainda não posso permitir que se esqueçam de mim." Uma figura se interpôs entre elas.

"Eu disse, lembram? Eu não estou sozinha. É isso que me permite me dedicar ao meu trabalho."

"Charlotte, é? Mas eu já destruí sua arma."

Em meio à fumaça negra, Fuubi girou sobre a perna direita e ergueu a esquerda. Mas então….

"Vou pegar emprestada a sua ajuda também." A fumaça se dissipou, revelando Charlie empunhando a espada de SIESTA.

"...!"  Fuubi não conseguiu parar. Sua perna esquerda avançou na direção da espada que Charlie havia erguido, mas….

"Kkha, hah..."

O grito de dor veio de Charlie. Fuubi a acertara novamente, lançando-a a vários metros de distância.

"Charlie!" Saikawa se arrastou até a outra garota.

"Você... você está bem?"

"...Ghk. Sim... Mas uma das minhas pernas não está funcionando agora."

Charlie havia perdido o fôlego com o impacto, mas ainda assim conseguiu esboçar um sorriso.

"É assim que eu... que nós fazemos as coisas. Mesmo que não possamos vencer sozinhas, se unirmos nossas forças..."

"Ainda estão com esse papo de amizade? Que perda de tempo." Fuubi zombou.

"Não é... perda de tempo...!" Natsunagi abriu os braços. Ela se postou como um escudo diante de Saikawa e Charlie, que estava ajoelhada.

"Nós somos... a última esperança que Siesta deixou. Nenhuma de nós vai perder, e nós não vamos desistir. Vamos... vencer juntas...!"

Fuubi falou em tom baixo, talvez se dirigindo a ela, talvez a Saikawa, ou a Charlie:

"O que... são vocês, afinal?"

Seus cabelos ruivos haviam se soltado, esvoaçando ao vento da noite.

"Vocês falam de companheiras, laços, amizade, sentimentos, amor, conexões, um último desejo. Que utilidade isso tem para o mundo?" A voz de Fuubi se tornou mais áspera, carregada de raiva.

"Yui Saikawa: sua morte salvará o mundo. Charlotte Arisaka Anderson: se você matar Yui Saikawa, salvará o mundo. Nagisa Natsunagi: se fosse tão forte quanto a antiga detetive prodígio, salvaria o mundo. Então por que não fazem isso? O quê, não conseguem? Ah, agora eu entendi tudo. Então apenas!"

Como as chamas que queimavam ao redor, Fuubi gritou, tomada de fúria:

"Se não conseguem fazer isso! Se são tão inúteis...! Então ao menos sintam vergonha. Não atrapalhem aqueles que estão lutando para salvá-lo!"

Aquele grito talvez tenha sido a primeira vez que ouvi o que ela realmente sentia.

"Você está certa." Após um breve silêncio, Natsunagi murmurou.

"Acho que o que você está dizendo provavelmente está certo. Você está mais certa do que eu, com certeza. Aposto que há quem chame isso de justiça."

"Se você entende isso, então."

"Mas," Natsunagi interrompeu Fuubi, "a detetive estava certa demais. E ela morreu." Justiça nem sempre vence.

"Então eu quero escolher algo que sei que pode estar errado. Mesmo que não seja o certo, mesmo que a justiça não vença, ainda assim, eu quero escolher um futuro onde as pessoas preciosas para mim estejam sorrindo ao meu lado."

Eu não quero deixar mais ninguém morrer.

Natsunagi rejeitou completamente Fuubi, e talvez Siesta também.

"Então nunca vamos nos entender."

Eu tinha certeza de que a fúria de Fuubi não havia desaparecido, mas ela parecia ter desistido de tentar mudar de ideia.

"Isso facilita as coisas. A última que ficar de pé, vence." Era a conclusão mais simples, e a mais brutal.

...Mas talvez essa tenha sido a única opção desde o início.

"Mal deve encontrar seu fim."

A Assassina correu como o vento. Em silêncio, tão rápida que mal podia ser vista, foi garantir que a justiça fosse feita.

"Nagisa!"

"Nagisa!"

Natsunagi ainda estava ali, de pé, braços abertos. Atrás dela, Charlie e Saikawa gritavam.

"Está tudo bem. Mesmo que eu não consiga vê-la, ela com certeza está me observando. Ela também pode ouvir minha voz. Isso significa que... aquela habilidade vai funcionar."

Então, os olhos vermelhos de Nagisa Natsunagi brilharam.

"Fuubi Kase, você não pode dar um único passo além desse ponto." Fuubi parou imediatamente.

"...!" Fuubi Ficou petrificada, os olhos arregalados de espanto.

Apenas mais um passo, sua faca havia congelado no ar, prestes a perfurar o peito de Natsunagi.

Os olhos vermelhos de Natsunagi estavam usando o controle mental. Quando ela conversou com Hel e a aceitou, tornou-se capaz de usar essa habilidade.

"...! Isso não é... suficiente para….!"

No entanto, a Assassina não pararia até destruir seu alvo.

"Não pense que pode me deter com uma habilidade que acabou de adquirir!" Lentamente, pouco a pouco, rompendo o controle mental pela força de vontade, a faca desceu em direção a Natsunagi.

"Não pense que insignificantes como vocês três podem me parar sozinhas..."

Os olhos de Fuubi estavam selvagens de raiva, mas, de repente, sua expressão se esvaziou.

"Espera um segundo... 'Vocês três'? O robô está fora de combate, mas há quanto tempo estou lutando só contra três de vocês?"

Percebendo que havia deixado passar alguma coisa, ela falou com suas oponentes sem realmente pensar.

"Ei, onde ele está? Onde Kimihiko Kimizuka esteve nos últimos minutos?"

Aquilo definitivamente não era arrogância. Era uma autoavaliação precisa.

Mais cedo, ela havia incapacitado o assistente inútil e sem poderes com um único golpe.

Ela me superava em todos os aspectos. Mesmo que eu me recuperasse, enquanto ela pudesse me ver, seria capaz de me neutralizar. Por isso, Fuubi concentrou toda a atenção em Charlotte e nas recém-chegadas, Natsunagi e Saikawa. A decisão não fora um erro.

Exceto por um detalhe.

Se havia cometido um único erro de cálculo, era que...

"Kimihiko Kimizuka, você engoliu a semente do Camaleão, não foi?!"

...o risco de adquirir um poder pseudohumano não me assustava nem um pouco.

"Não dou a mínima pros efeitos colaterais. Pode levar meus sentidos, alguns anos da minha vida, o quanto quiser. Pode devorar tudo", eu disse à semente da planta parasita que havia se alojado dentro de mim.

Enquanto isso, tornei-me invisível e avancei na direção de Fuubi. Naquele momento, tudo o que eu queria era nocautear aquela policial repulsiva. Ela havia distorcido a justiça da minha parceira amada, e, se eu pudesse atingi-la por isso, já era o bastante.

Tem certeza de que isso é o suficiente?

Senti como se alguém, em algum lugar, tivesse sussurrado essas palavras para mim.

Está tudo bem.

Não é como se eu estivesse atrapalhando alguém, respondi mentalmente à voz, cerrando os punhos.

Quero dizer, é verdade, não é?

"Esta é a minha história." Então, eu acertei a justiça deste mundo no rosto e a mandei voando.

 

Traduzido por Moonlight Valley

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