Volume 3
Capítulo 2
Hmm. Então você é meu produtor, não é?
"Sinto o cheiro de outra mulher."
De uma encrenca para outra. Tínhamos resolvido um caso, mas isso não significava que todos os problemas haviam acabado. Logo depois que Natsunagi e Hel resolveram seus assuntos, Yui Saikawa, a super idol, apareceu na minha porta com um novo problema.
Isso já tinha acontecido antes, não tinha? E, para piorar, devido a certas circunstâncias, ela me nomeou seu produtor.
"Saikawa, não fique farejando meu apartamento."
Saikawa estava fazendo barulhos de farejamento, como um filhote de cachorro, e eu a encarei com reprovação. Tínhamos acabado de discutir um assunto sério, e agora isso? Talvez eu nem devesse tê-la deixado entrar.
"Hm. Estou sentindo um cheiro suspeito vindo desta direção."
"Já falei para parar com isso."
Saikawa estava prestes a abrir a porta do meu quarto, e eu lhe dei um leve empurrão.
"Ai! Kimizuka, você é a única pessoa no mundo que teria coragem de bater na super idol mais adorável do planeta."
Lágrimas se formaram em seus olhos enquanto ela pressionava a mão contra a cabeça.
"Adoravelmente irritante" seria uma descrição mais precisa do que apenas "adorável", pensei, enquanto a repreendia.
"Esse é o meu quarto. Sem invasões."
"Não tem problema. Tomei banho antes de vir."
"Não vejo como isso tornaria a situação aceitável." Além disso, o mais importante...
"Natsunagi está dormindo lá dentro. Não a incomode."
Compartilhar suas memórias com Hel tinha sido uma experiência estressante, e ela ainda não havia acordado.
"Oh-ho? Kimizuka, então você finalmente se tornou um homem?"
"O que há de errado com você? A situação é complicada, tá bom?"
Eu queria explicar tudo a ela, incluindo essa situação, então desejei que se apressasse e voltasse para o seu lugar.
"Desculpe por fazê-los esperar."
Nesse momento, SIESTA saiu da cozinha carregando uma bandeja com chá para três. Mesmo sabendo que ela não era a verdadeira Siesta, vê-la de uniforme de empregada servindo chá na minha cozinha era algo digno de nota.
"Detectado olhar desagradável. Eliminarei a fonte imediatamente."
"Não vá para o modo androide. Abaixe essa arma agora mesmo."
"Hmm. Parece que o show de comédia romântica de vocês está vivo e bem. Estou até um pouco com ciúmes."
"Isso não é uma competição, Saikawa. Vamos voltar ao assunto."
Enquanto tomávamos o chá, retomei a conversa para o ponto inicial.
"Então, é verdade? Seus pais estão sendo investigados por fraude contábil?"
Foi isso que Saikawa me contou dez minutos antes, quando apareceu do nada. Seus pais, que eram muito ricos, estavam sendo acusados de irregularidades fiscais. A notícia estava começando a se espalhar.
"...Sim. Bom, eu ainda não sei toda a verdade, mas provavelmente a notícia vai sair na TV e na internet amanhã. A mídia já está cercando minha casa." Saikawa tomou um gole de chá, parecendo um pouco desanimada.
"Entendo... Então você fugiu para cá no meio da noite?" Essa era a segunda má notícia do dia, cortesia da Srta. Fuubi.
A fuga de Bat da prisão e o escândalo envolvendo os pais de Saikawa: ambos eram problemas que eu não poderia ignorar.
"Sim. Estou procurando um lugar onde possa me abrigar por um tempo."
Certo. Então isso era um pedido de uma cliente. Mas...
"Não seria melhor perguntar à Natsunagi sobre isso?"
Se ela ia ficar de favor na casa de alguém, morar com Natsunagi parecia uma opção mais conveniente do que morar com um cara. Além disso, nesse ponto, Natsunagi ajudaria Saikawa sem hesitar, afinal, ela também era uma detetive.
"Sim, você tem razão. E é por isso que quero que você, Kimizuka, seja meu produtor."
Finalmente voltamos ao assunto inicial.
"Vai ser difícil voltar para casa ou ir até minha agência por um tempo. Achei que seria mais fácil se você assumisse como meu produtor."
"Saikawa, você está tentando me empurrar um trabalho completamente absurdo?"
Não que eu estivesse desmerecendo a indústria da produção chamando-a de "trabalho absurdo", mas, convenhamos.
"Parabéns, Kimizuka. A partir de hoje, você é tanto o assistente do melhor detetive quanto o produtor de uma idol."
"Nossa, me sinto um verdadeiro vencedor..." Afundei na cadeira, suspirando.
"Acho que posso fazer isso, no entanto."
"...Hã? Você aceitou muito rápido."
Sim, porque o ritmo da história era importante. Era algo que Siesta sempre me dizia para "aprender a melhorar", inúmeras vezes no passado.
"Se eu for seu produtor, terei que ficar por perto o tempo todo, certo? Mas este lugar não tem segurança suficiente para te proteger de verdade."
Afinal, esse prédio tinha trinta anos. Não havia fechaduras automáticas, e os banheiros nem sequer tinham a função de bidê padrão. Meu apartamento era um simples quarto-sala, com um aluguel de apenas 36.000 ienes.
"Nesse caso, você pode usar minha casa," sugeriu SIESTA.
"Tem um número razoável de quartos, além de estoque de mantimentos e itens básicos. A segurança é mais rígida do que a de um prédio alto no centro da cidade. Fica completamente no subsolo, e morei lá em segredo por quase um ano sem ser detectada."
"Entendo. O mesmo lugar onde você nos manteve presos, certo?"
Em termos de espaço e segurança, realmente parecia a melhor opção. Além disso, havia outra coisa com a qual eu precisava me preocupar no momento: Bat.
Natsunagi e eu éramos inimigos dele. Agora que havia fugido da prisão, o melhor seria nos mantermos fora de vista até descobrirmos o que ele estava planejando... Além disso, eu já estava pensando que seria bom dar uma pausa nas minhas aulas de verão, então isso veio a calhar.
"Entendo. Então vamos coabitar?" murmurou Saikawa, levando a ponta do dedo ao queixo.
Coabitar... Siesta brincou comigo sobre isso várias vezes. Durante três anos inteiros, fomos só nós dois em uma jornada vertiginosa sem um destino claro. De fato, passamos várias noites sob o mesmo teto. Ela sempre achava graça nisso. Sorria para mim e chamava de "coabitação".
Mas minha resposta era sempre a mesma:
"Somos apenas colegas de quarto estratégicos."
"Ouvi tudo!" Nesse momento, com um clique, a porta atrás de nós se abriu.
"...Natsunagi, não me interrompa quando estou soando legal."
Estávamos bem no meio da cena em que meu perfil melancólico e sentimental roubava os holofotes.
"Ouvi 'coabitação' e simplesmente aconteceu. É uma palavra divertida."
Natsunagi se juntou a nós à mesa da cozinha.
Aff, ela sempre faz isso. Ela não parecia tensa nem um pouco.
"Está tudo bem agora?" perguntei casualmente, referindo-me tanto à sua saúde quanto ao passado que havia acabado de conhecer, além de sua resolução de se tornar a melhor detetive.
"Sim. Está tudo bem."
Foi uma troca breve, mas pelo perfil determinado e confiante de Natsunagi, pude perceber que ela não estava mentindo.
Ela havia assumido a vontade de Siesta... e provavelmente de Alicia também. Diante daquele espelho, acertou as contas com seu passado.
"Muito bem, recapitulando: por enquanto, vamos abrigar Saikawa e nos mudar para o esconderijo de SIESTA. Alguma objeção?"
Tentando encerrar a discussão, olhei para SIESTA, Natsunagi e Saikawa.
"Exceto pelo fato de que você está decidindo o uso da minha casa sem consultar a dona, não tenho reclamações."
"Se eu ignorar o fato de que você está agindo como o protagonista, mesmo eu sendo a detetive, sem objeções aqui."
"Se eu dissesse que não estou com medo de viver sob o mesmo teto que Kimizuka, estaria mentindo, mas... vou suportar!"
"...Ótimo. Então estamos todos de acordo."
E foi assim que nós quatro começamos a dividir estrategicamente o mesmo teto.
"Não, eu tenho!!!"
Um agente loiro de expressão carrancuda invadiu o local logo em seguida, mas essa já é outra história.
Na manhã seguinte.
"! Sinto muito... Eu... Sim, prefiro não dar uma resposta oficial sobre esse assunto... Sim, se me der licença."
O pedido de desculpas sem entusiasmo do produtor ecoou na sala subterrânea.
Tudo o que eu podia fazer era continuar pedindo desculpas para as pessoas invisíveis do outro lado da linha. Eu nem sabia se isso realmente servia para algo; apenas seguia as ordens da minha empregadora... Parece que sempre fui funcionário de alguém.
Ontem à noite, eu me mudei para o esconderijo de SIESTA. Logo cedo, depois de um cochilo, comecei a trabalhar no que Saikawa havia me designado. A cada poucos minutos, alguém ligava para o celular que ela me deu, com perguntas sobre o escândalo ou recados sobre trabalhos.
Por falar nisso, SIESTA, a dona da casa, estava fora desde a noite anterior. Ela disse que estava preocupada com os movimentos de Bat. Eu me ofereci para ajudá-la, mas ela me disse para "apenas se concentrar em ser o produtor de Yui Saikawa", e foi assim que cheguei até aqui.
"‘Trabalho é um mal’, hein..."
Finalmente conseguindo desligar, suspirei enquanto fitava o celular.
Não havia como eu aprender a ser produtor de uma idol da noite para o dia. Sem a desculpa mágica "meu supervisor está ausente no momento", eu já teria enlouquecido e jogado o celular no chão.
"...Isso é ridículo."
Lancei um olhar de esguelha para o programa de variedades que passava na TV da sala.
Como Saikawa havia previsto, estavam discutindo o escândalo dos pais dela. Um comentarista que não era especialista em nada jogava todo tipo de suposição no ar e insistia que a própria Saikawa tinha a obrigação de dar explicações.
"Ah, cala a boca, cara. Não fale da Saikawa." Minha irritação falou mais alto; puxei o cabo da tomada e a TV se apagou.
"...Haaah. Acho melhor ir acordá-las."
Quando olhei para o relógio, já era quase meio-dia, mas ainda não havia sinal das outras três.
Fui primeiro ao quarto onde Natsunagi e Saikawa estavam dormindo.
"Heeey, já são quase... meio-dia...?"
A primeira coisa que vi ao entrar foram duas garotas deitadas na cama.
Os cobertores haviam escorregado um pouco, revelando Natsunagi abraçando Saikawa como se fosse um bichinho de pelúcia. Ambas estavam de pijama. Respiravam tranquilamente, e seus rostos serenos eram tão pacíficos que dava vontade de observá-las para sempre, mas não foi para isso que vim.
"Vamos lá. Vou preparar o café da manhã, então acordem logo."
Ambas estavam completamente apagadas, mas eu as sacudi para despertá-las.
"Mmm... Café da manhã...? Quero salsichas Schau Essen..."
Natsunagi finalmente voltou do mundo dos sonhos, esfregando os olhos.
"Não temos Schau Essen, mas temos salsichas comuns, então levanta logo."
"Aaaahn... Mmm, quero comer aquilooo... A salsichinha do Kimizukaaa..."
"Natsunagi, vai lavar o rosto agora. Vou fingir que não ouvi isso."
"Nãão, nãão, Natsunagiii... O Kimizuka do Kimizuka é mais uma salsicha de peixe do que uma salsichinha..."
"Saikawa, não pode falar essas coisas só porque está meio dormindo, tá bom? Espera... Isso significa que até no subconsciente você tira sarro de mim?"
Puxei os cobertores de cima delas, baixei o termostato para dezoito graus Celsius e saí do quarto.
Agora era a vez da Charlie.
Como só havia dois quartos, jogamos pedra, papel e tesoura para decidir quem dormiria onde na noite anterior. Infelizmente, acabei dividindo o quarto com Charlie. Ela dormia de um jeito muito mais agitado do que eu imaginava e me acordou várias vezes. Mas agora ela tentava dormir de novo.
Enquanto tramava a melhor forma de me vingar, abri a porta do quarto e vi….
"Charlie, o que diabos você está fazendo?"
Charlie estava com o rosto enterrado no meu travesseiro e cheirava-o intensamente.
"Esse é o travesseiro que eu estava usando..."
"K-Kimizuka?! O-oh, I-isso não é o que parece! Você entendeu tudo errado!"
"...Ah. Bem, sabe como é. Cada um tem suas, uh, preferências, então... é..."
"Ei, não leva isso tão a sério! Pelo menos fica bravo! Ei! Olha pra mim! Para de agir todo desconfortável!"
Suando frio, Charlie tentava desesperadamente se explicar.
"Não era isso! Achei que tinha sentido o cheiro da Chefe nesse travesseiro! Foi só por isso que estava cheirando!"
"...Acho que isso também é um problema."
"! Já chega! Vou ter que roubar suas memórias!"
Com um brilho selvagem nos olhos, Charlie tentou me empurrar para a cama.
"Desculpa por fazer isso logo depois de você recuperar suas memórias, mas vou levar dezoito anos de conhecimento e experiência!"
"Isso é muito! Você pretende me transformar num bebê gigante?!"
"Não se preocupe. Não sei sobre a Nagisa, mas isso provavelmente combina com os gostos da Yui."
"Ei, que tipo de gosto você está atribuindo às suas amigas?"
Charlie me empurrou com força contra a cama.
"Desista."
Ela se inclinou sobre mim, o rosto vermelho de raiva e agitação, e foi nesse momento que….
"O que vocês dois estão fazendo?" A porta estava aberta. Saikawa nos observava friamente.
"Vocês são um desses ‘casais de inimigos’?"
" "Não!" "
Falamos em uníssono sem querer. Não podíamos correr o risco de parecermos sincronizados em mais nada.
"Saikawa, não é isso! Você entendeu tudo errado!"
Então, enquanto eu tentava improvisar uma desculpa...
"Double. Kill."
Natsunagi nos olhava de cima com olhos tão frios que faziam o ar-condicionado parecer morno. Em seguida, saiu do quarto, batendo a porta com força.
"I-isso não é o que parece, Nagisa! Foi um assidenteee!"
"Você quis dizer ‘acidente’!!!" ]
Depois do caos matinal...
"Agora entendi."
Natsunagi estava na cozinha vestindo um avental. Segurava uma concha como se fosse uma jogadora de beisebol profissional prestes a prever um home run, os olhos semicerrados e atentos.
Quando comecei a preparar o café da manhã, depois daquela confusão toda, ela insistiu em assumir o comando.
E não foi a única.
"Você sabe cozinhar, Nagisa?" Charlie provocou, também usando um avental.
"Charlie... Eu nunca perderia para você!"
"Huh. Então vamos resolver isso aqui e agora?"
As duas se encararam como se fossem duelistas prestes a sacar suas armas.
"Essas duas nunca parecem se dar bem, né?" murmurou Saikawa atrás delas. Ela apoiava os cotovelos na mesa e descansava o queixo nas mãos.
Natsunagi e Charlie haviam se conhecido cerca de uma semana antes, naquele cruzeiro, e brigaram por causa de Siesta.
"Uma disputa de culinária como batalha indireta parece uma ideia estranha, mas..."
Eu estava sentado à mesa com Saikawa, observando as duas com um olhar distante. Elas nos nomearam como juízes para essa competição...
Se o relacionamento delas tinha progredido para a fase de brigas, então isso não podia ser tão ruim. Era bem mais saudável do que o clima estranho causado pelos acontecimentos de um ano atrás.
"Bom, eu não consigo imaginar que perderia para uma garota como você, Nagisa."
Charlie passou os dedos pelos longos cabelos loiros dos quais tanto se orgulhava.
"! Eu vou conquistar o coração do Kimizuka pelo estômago!"
Natsunagi retrucou impulsivamente, mas...
"...? Hã? Que tipo de competição era essa mesmo?"
"Era só uma piada," murmurou rapidamente, voltando a encarar a cozinha.
"Kimizuka, pode nos dar um comentário sobre o quanto a Nagisa foi incrivelmente fofa agora?"
"Não ouvi nada. Não consegui ouvir coisa alguma." Em vez disso, me virei para Natsunagi.
"Aliás, o que você está fazendo?"
"Talvez um sauté de lagosta azul da Bretanha com legumes sazonais e molho mousseline?"
"Você pretende transformar isso num mangá de batalha culinária?"
Ignorando-me, Natsunagi pegou uma lagosta vermelha da geladeira.
Espera, ela realmente tem os ingredientes para isso?
Siesta se alimentava bem demais.
"...Bem, então. Fiquem com bastante fome enquanto esperam."
Virando-se de novo, Natsunagi piscou e apontou a concha para mim.
"Isso é estranho."
Mais de meia hora depois, Natsunagi estava completamente perdida na cozinha. Ela observava o micro-ondas. Dentro dele, algo que um dia já foi comida se contorcia como um monstro negro, aparentemente tentando escapar pela porta. Era um desastre.
"Mas, enquanto eu não abrir essa porta, não dá pra dizer com certeza que eu estraguei tudo, né?"
"Isso não é o gato de Schrödinger. Você vai ter que abrir em algum momento."
Ela estava planejando nos fazer perder o micro-ondas para sempre?
"Ngh, mas eu sempre faço meu próprio almoço..." Natsunagi suspirou, os ombros caídos em desânimo.
"Sinceramente! Se você não tivesse tentado impressionar do nada, isso não teria acontecido." Charlie soltou um suspiro desgostoso ao ver o estrago.
"Vou fazer um arroz frito normal para você, então só fica quietinha."
Ela apontou a frigideira para nós como se fosse uma arma e, com um giro dramático, voltou para o fogão.
"Isso é estranho."
Charlie estava parada na frente do fogão, quebrando a cabeça.
Já havia se passado mais trinta minutos e bom, sem surpresa nenhuma, havia uma pilha de algo carbonizado na frigideira.
"Talvez seja uma dessas coisas que parecem ruins, mas surpreendentemente têm um gosto bom?"
"Se realmente acha isso, então come você mesma. Para de ficar me olhando."
Desculpa, mas eu estou farto dessas situações dignas de tirinhas cômicas de dois quadros.
"...Eu estou sempre ocupada, então nunca aprendi a cozinhar direito."
Talvez esse estilo de vida fizesse parte de ser uma agente. Charlie mexia no cabelo, tentando se justificar.
"Aff. Isso não vai dar em nada."
Foi então que nossa salvadora chegou.
"Já está na hora do almoço. Deixa comigo!"
Levantando-se da cadeira de juíza, Saikawa amarrou um avental e foi para a cozinha.
"Eu também quero ter algo pronto para comer, então vou fazer curry. Nagisa, corta a carne. Charlie, prepara mais arroz, por favor."
Ela começou a picar os vegetais com habilidade.
"O-okay..."
"Ahn, tá bom..."
Com os ombros encolhidos de vergonha, Natsunagi e Charlie aceitaram as ordens de Saikawa.
"Por que a Saikawa sempre acaba sendo a mais confiável?"
Ela era a única aluna do ensino fundamental do grupo, e mesmo assim...
Saikawa ouviu meu resmungo.
"Heh-heh! Já passei por muita coisa, sabia?"
Ela lançou um olhar na minha direção por cima do ombro, com um sorriso irônico, e continuou cortando os vegetais.
Saikawa havia perdido os pais três anos atrás. Será que foi nesse momento que ela aprendeu a cozinhar sozinha?
"Então, estou dois passos à frente de vocês duas, sou mais nova e melhor em cuidar da casa."
No entanto, aquele breve vislumbre de sua história desapareceu assim que ela começou a provocar as mais velhas...
Nem preciso dizer o que aconteceu depois.
"Yui?"
"Uh, Yui?"
Ela estava bem no meio de dois pares de olhos furiosos, que poderiam matar um animal selvagem.
"...K-Kimizuka. Elas estão me assustando..."
"Sim, e isso é 100% culpa sua."
Essa é sua história
A manhã tinha sido uma loucura atrás da outra, então achei que o resto do dia seria mais tranquilo. Mas estava completamente enganado.
O telefone de trabalho da Saikawa tocava sem parar, e eu mal conseguia acompanhar. Enquanto isso, Natsunagi, Saikawa e Charlie estavam se divertindo, conversando e jogando jogos de tabuleiro...
Sério, vocês podiam trabalhar um pouco também, né?
De qualquer forma, passei o dia todo ocupado, mas agora finalmente poderia aproveitar um banho quente e demorado.
"...Tô acabado."
Minha voz ecoou no banheiro vazio.
Ficar sozinho me fez perceber o quanto tinha acontecido nos últimos tempos.
Houve o sequestro que a Siesta armou, onde descobrimos a verdade sobre sua morte. Depois, com a ajuda da SIESTA, Natsunagi recuperou mais memórias do passado e até fez as pazes com sua outra personalidade.
Então, justo quando um problema foi resolvido, aconteceu a fuga do Bat da prisão e o escândalo da Saikawa.
Por conta disso, eu, Saikawa, Natsunagi e Charlie fomos forçados a nos esconder no refúgio da SIESTA. Agora vivíamos como fugitivos.
"Aff. Isso não é justo."
Suspirei e deixei escapar a mesma frase de sempre.
Mas essa era uma situação gigantesca, e só se passaram alguns dias. Ninguém podia me culpar por reclamar um pouco.
"...Siesta."
E ninguém podia me culpar por chamar o nome da minha antiga parceira, também.
Não é como se eu sentisse falta dela ou algo do tipo...
"...Droga. Isso tá ficando ruim."
Quando foi que eu me tornei tão fraco?
A resposta veio imediatamente.
Um ano atrás, naquele dia Siesta morreu.
E desde então, aqui estou eu.
Fechei os olhos para a verdade, esqueci minha missão, fugi para a rotina e me limitei a resolver pequenos incidentes nos quais fui arrastado.
Foi só isso que fiz. Mas menti para mim mesmo, dizendo que estava realizando o último desejo da detetive.
O que em mim mudou desde então?
Conheci Natsunagi.
Descobri o que Siesta sentia.
Relembrei minha missão através do caso da Saikawa.
E, depois de ser repreendido por Charlie, herdei de verdade a vontade da detetive.
Será que eu tinha entendido tudo errado?
Eu não conhecia o passado de Siesta nem o de Natsunagi. No fim das contas, eu não era diferente de como fui naquele dia. Ainda estava imerso na mesma água morna, exatamente como antes.
"Acho que é hora de sair."
Sem que eu percebesse, a água do banho tinha ficado completamente gelada.
Se eu ficasse ali por tempo suficiente, talvez acabasse congelando até a morte, pensei. Minha cabeça estava mais fria agora.
"Uau. Talvez eu tenha que retirar aquele comentário sobre 'salsicha de peixe'."
De repente, percebi que a porta do banheiro estava aberta, e Saikawa estava parada bem na minha frente.
…Saikawa estava parada bem na minha frente?!
"O QUE você tá fazendo?!" Rapidamente, me afundei na banheira para me esconder.
"Bom, sabe como é. Eu causei bastante problema, então achei que pelo menos poderia lavar suas costas."
"Você tá me causando problema AGORA MESMO! Fecha essa porta, agora!"
"Ah, tá bom, tá bom." Suspirando, Saikawa fechou a porta do banheiro.
"Pronto."
"...Por que você ainda tá aqui?"
"Hã? Tomar banho enquanto conversa com uma garota jovem não era o seu maior e único prazer?"
"Saikawa, difamar minha reputação é um hobby seu?"
…Além disso, eu só achava engraçado, só isso. Agora que pensei bem, algo parecido aconteceu com a Siesta, um tempo atrás.
"Ah, e Kimizuka, você pode até me expulsar para o vestiário, mas meu olho esquerdo consegue te ver pelado através da porta."
"Vira para o outro lado. Agora. Você só pode me ver pelado se estiver disposta a me deixar te ver pelada."
"Você fala como se fosse uma frase de efeito, mas no fundo só quer tomar banho com uma garota, né?"
Nossa, as respostas da Saikawa são afiadas demais.
"Huh, entendi... Então você e a Siesta já fizeram isso também. Informação interessante."
"Não anota isso! Isso não vai cair no vestibular," retruquei através da porta.
"E, uh, eu queria sair agora." Então, expulsei Saikawa do vestiário e saí do banho.
"O fato é que percebi que não sei quase nada sobre Siesta."
Saikawa aparentemente ainda não tinha terminado nossa conversa. Agora, falava comigo do outro lado da porta enquanto eu me secava.
"Percebeu, Kimizuka? Siesta e eu não temos nenhuma conexão real."
Agora que ela mencionou, era verdade.
"Natsunagi e Charlie têm laços muito mais fortes com ela. Natsunagi herdou o coração da Siesta, e Charlie foi sua primeira aprendiz."
"Bom, pelo menos segundo a Charlie."
Mesmo assim, entendi o que Saikawa queria dizer. Tanto Natsunagi quanto Charlie conheceram Siesta pessoalmente, anos atrás. Saikawa, por outro lado….
"Ah, mas não pense que estou dizendo isso porque me sinto deslocada."
Do outro lado da porta, Saikawa parecia nervosa.
"Veja bem, acho que é por isso que consigo me manter neutra, até certo ponto."
"Neutra?"
"Sim. Por exemplo, digamos que as circunstâncias ao nosso redor fossem uma história. Quem você acha que está no centro dela?"
Era uma pergunta abstrata, mas a resposta me veio imediatamente.
"Seria a Siesta."
Terminei de me vestir e abri a porta... mas Saikawa não estava mais lá.
"Sim, também acho."
Ouvi sua voz vinda da sala de estar.
Ela queria que eu continuasse essa conversa lá?
"Sem ela, essa história nem teria começado."
Eu fui assistente da Siesta por três anos. Natsunagi foi sua velha amiga, sua inimiga mortal, e agora a herdeira de seu coração. Charlie a admirava como professora, e ainda admirava.
Agora, estávamos lidando com a SPES, o inimigo que Siesta foi encarregada de derrotar.
A história que nos cercava girava completamente em torno de Siesta. Ela era o eixo do nosso mundo.
"Mas, embora eu faça parte disso, sou a única distante da Siesta."
Quando voltei para a sala de jantar, Saikawa estava lá. Ela segurava uma caneca com as duas mãos, soprando suavemente o líquido dentro dela.
"É leite quente. Toma um pouco, Kimizuka."
"É verão," comentei, mas ela já tinha deixado um copo para mim, então discutir seria inútil.
Sentei-me à sua frente.
"Se for assim, talvez haja algo que só eu possa dizer. Não é, Kimizuka?"
Olhei novamente para Saikawa.
Antes, estava com tanta pressa que não tinha prestado atenção nela.
Ela usava um pijama cor-de-rosa, e seu cabelo estava solto. O cheiro doce de alguém que acabou de sair do banho pairava no ar.
Ela não estava usando o tapa-olho. Seu olho esquerdo era tão belo quanto uma joia azul.
"Essa é a nossa história."
Ela sorriu.
"É a história de Natsunagi, de Charlie e a sua, Kimizuka. Pertence a cada um de vocês. Então, a única coisa que importa é: o que vocês querem fazer? Acho que isso é o suficiente."
Ela tomou um gole demorado de seu leite quente.
"Huh? Pensando bem, não importa como você veja, EU sou a figura central desse incidente. Então por que EU estou te ajudando, em vez de ser o contrário?"
"Kimizuka, mostra um pouco mais de entusiasmo e me dá uma mão, tá?"
"Isso foi a coisa mais injusta do século."
Produzir um ídolo: Um trabalho simples, mas irritante
No dia seguinte...
Saikawa e eu saímos da residência da SIESTA logo pela manhã, de carro. Era o carro particular de Yui Saikawa, com seu motorista particular ao volante.
"Ainda assim, estamos saindo bem cedo. O programa não é só à noite?" perguntei.
Saikawa estava sentada ao meu lado no banco de trás, olhando para o celular. Hoje, ela iria se apresentar em um programa de música ao vivo. Tínhamos nos escondido para protegê-la da mídia, mas não foi possível cancelar essa transmissão. Agora, eu estava indo junto com ela.
"Tenho muitas coisas para fazer antes. Afinal, sou uma super idol."
Saikawa guardou o telefone e soltou um longo bocejo, como um gato preguiçoso.
"Você parece cansada. Não dormiu bem ontem?"
"Não. Depois que você e eu conversamos, nós, meninas, ficamos conversando até tarde."
Saikawa encostou a cabeça no meu ombro e fechou os olhos.
Nossa... a diferença entre a Saikawa do palco e a Saikawa da vida real é inacreditável.
Aliás, não acredito o quanto ela se sente à vontade perto de mim.
"E sobre o que vocês estavam falando?"
"Hm... principalmente sobre o quanto você é péssimo."
"Eu não devia ter perguntado."
Bom, se isso ajudou elas a se aproximarem, tudo bem... eu acho?
"Elas não puderam vir com a gente hoje?"
Saikawa se sentou ereta. Não sabia se ela estava incomodada por eu ser o único a escoltá-la ou se só estava curiosa.
"Não. Temos que nos preocupar com o Bat também."
Com a ajuda de Seed, Bat havia fugido da prisão. Não sabíamos quais eram seus objetivos, mas era bem possível que ele tentasse obter o testamento da Siesta sob as ordens de Seed, e que fosse atrás de Natsunagi, a sucessora dela como detetive número um.
Pensando nisso, decidi deixar Natsunagi no lugar mais seguro possível e colocar Charlie para protegê-la.
"Sr. Bat, não é? A Siesta não está lidando com ele agora?"
"Sim, está, mas..."
Na verdade, recebi uma mensagem de SIESTA logo de manhã.
Li em voz alta para Saikawa:
"‘Deixe isso comigo. Kimihiko, apenas observe a decisão de Yui Saikawa.’ Fim da citação."
Eu não entendia bem o que ela queria dizer.
Não era "proteja" ela e sim "observe" ela.
Será que isso significava que ela não esperava nada de mim numa luta? Bom, durante aqueles três anos, tudo o que eu fiz foi observar Siesta das sombras, então...
"Entendo. SIESTA te conhece muito bem, não é?"
Em algum momento, Saikawa pegou o telefone de novo e voltou a olhar para a tela.
"‘Observar’ combina perfeitamente com um nerdzinho stalker de show ao vivo como você, Kimizuka."
"Saikawa, você acha que eu vou te perdoar por qualquer coisa que você diga, não acha?"
"Sim, acho."
O quê? Ela nem parece arrependida.
"Afinal, não importa o que aconteça, eu acredito que você sempre estará do meu lado."
"Você acabou de falar algo incrivelmente vergonhoso, então não tente dar uma reviravolta e agir como se isso fosse um elogio para mim."
"Ei, parece que estamos quase chegando."
Ela mudou de assunto à força. Era uma estratégia que eu mesmo usava bastante, então não podia reclamar.
"Hm... Estamos indo para a emissora de TV, certo?"
Eu estava distraído e não percebi até agora, mas, ao olhar pela janela, vi que já tínhamos saído da cidade.
Os prédios desapareceram, dando lugar a casas antigas e placas desgastadas pelo tempo.
"Kimizuka, chegamos."
O carro parou e, seguindo as instruções de Saikawa, saí.
"Onde exatamente é ‘aqui’?"
Cobri os olhos para me proteger do sol forte do verão.
Céu azul e montanhas verdes. As cigarras cantavam alto nas árvores próximas, e o cheiro quente da estação pairava no ar.
Este lugar parecia intocado pela civilização, um refúgio onde se podia esquecer completamente a vida urbana.
"Muito bem. Vamos lá."
Ainda tínhamos que andar um pouco.
Sob a luz do sol cortando as nuvens brancas, Saikawa marchava à frente pela estrada rural.
"Parece que estamos indo em direção a uma colina. Tem alguma coisa no topo?"
"O quê? Ah, sim, uma fonte termal!"
...Eu definitivamente não esperava por essa.
"Hehehe! Um ídolo e seu produtor fugindo para um romance proibido!"
"...É melhor você não estar falando sério."
"Não gostou? Fugir para um banho termal secreto no interior... Ah, gostei da sonoridade disso. Vou colocar na letra do meu próximo single."
Ignorando-me, Saikawa pegou um bloco de notas.
Tive a sensação de que estava testemunhando o nascimento de uma canção icônica ou melhor, infame.
Mas mais importante que isso...
"Saikawa. Você está fugindo da mídia?"
Acho que vi seus ombros tremerem.
"Do que você está falando, Kimizuka?"
Ela continuou andando sem se virar.
Saikawa não era do tipo que se queixava.
Ela mantinha seu sorriso de idol no rosto, sempre escondendo seus verdadeiros sentimentos.
"Se eu estiver errado, tudo bem."
Seguimos pelo caminho, cercados pelo verde exuberante e pelo cheiro sufocante da grama quente.
Gritando contra a injustiça do mundo
"Chegamos. É aqui."
Eu já havia percebido que ela estava mentindo sobre as termas, mas definitivamente não esperava que nosso destino fosse esse.
"É aqui que estão minha mãe e meu pai."
Com delicadeza, Saikawa se ajoelhou diante da lápide que se erguia no topo da colina.
"Na verdade, toda essa área pertence à família Saikawa. Eu os enterrei aqui porque a vista é linda." Enquanto falava, Saikawa acendeu um bastão de incenso.
"Posso prestar meus respeitos também?"
"Sim, obrigada. Tenho certeza de que os dois adorariam isso."
Fiquei ao lado dela, juntei as mãos e fechei os olhos.
Nunca havia conhecido os pais de Saikawa, é claro. No entanto, eu sabia o que ela sentia, então fiz uma oração silenciosa.
"Muito obrigada."
Uma brisa suave soprou, e Saikawa ergueu a cabeça com um sorriso.
"Acho que eles estão aliviados por eu ter encontrado um parceiro para a vida."
"Você só pode estar brincando. Já é hora de fazer piadas de novo?"
"Sim. Meus pais gostavam ainda mais de comédias intermináveis do que eu."
"Então você herdou isso deles. Inacreditável." Rimos um pouco.
"...De alguma forma, ainda sinto como se estivesse sonhando."
"Sonhando?"
"Sim. Como posso explicar...? Parece uma grande pegadinha. Às vezes, penso que eles ainda estão vivos e que, a qualquer momento, vão pular de trás de algum lugar para me assustar."
Enquanto falava, sua expressão parecia mais solitária do que nunca. Já haviam se passado três anos, mas, para Saikawa, a realidade da morte de seus pais ainda não havia se dissipado... Assim como um ano não havia sido suficiente para mim.
"No fim das contas, estar sozinha me deixa inquieta. Sempre quero ter alguém me observando."
"É por isso que você se tornou uma idol?"
"...Sim, talvez esse seja um dos motivos", respondeu Saikawa distraidamente, abraçando os joelhos.
"Além disso, há muito tempo, meu pai me disse que esperava que eu vivesse minha vida usando vestidos bonitos. Ele queria que eu iluminasse o mundo. Minha mãe, por outro lado, vivia me dizendo para sair para o mundo e fazer amigos. E então, eu..." Saikawa parecia recordar o passado com carinho.
"Mas eu não posso ser uma idol para sempre. Afinal, uma crise global pode estar logo ali na esquina."
"Sério? Acho que uma idol que canta, dança e, de vez em quando, luta contra pseudohumanos seria bem interessante."
Assim como havia, no passado, um detetive brilhante que sabia tudo sobre idols do Japão.
"...Hehe. Seus argumentos ainda são tão engraçados quanto antes, Kimizuka."
Saikawa sorriu e se levantou suavemente.
"Mas, às vezes... eu fico um pouco cansada."
Ela murmurou essas palavras em voz baixa, sem me olhar. Então, observando a paisagem que se estendia abaixo de nós, espreguiçou-se exageradamente.
"Nnnnnnn...! É realmente bom estar em meio à natureza, não é?"
Ela ainda estava de costas para mim, mas sua voz era a mais animada possível.
"O que você acha? Deveríamos largar meu trabalho e tudo mais e começar uma nova vida no campo juntos?"
"Não acho que uma garota rica e protegida da cidade conseguiria lidar com isso."
"Ah, isso não é verdade. Eu sei cozinhar, e viver da terra seria muito fácil."
"Talvez por alguns dias, mas logo você sentiria falta das lojas de conveniência e do Wi-Fi."
"...Você é tão sem graça."
Minha resposta pareceu desagradar Saikawa; ela pegou o celular e começou a mexer nele, claramente me ignorando.
"Respostas espirituosas são boas, mas se você for negativo sobre tudo, as pessoas não vão gostar de você."
"Entendi. Você tem razão," respondi levemente.
No entanto, já havia me levantado silenciosamente e estava me esgueirando para trás dela.
"Mas, por enquanto, não me importo de ser desagradável."
Agarrei o celular dela.
"O quê?! M-me devolve isso!"
Saikawa saltou, tentando pegar o telefone enquanto eu o segurava no alto. Mas não era tão fácil compensar uma diferença de mais de vinte centímetros de altura.
"Por que você está me provocando?! É porque eu estava mexendo no celular enquanto falava sobre querer morar no campo?! Nesse caso…."
"Não." ...Puxa. Deixe-me ser um pouco intrometido, pelo menos.
Mantendo Saikawa afastada, virei a tela do celular para ela.
"É porque você tem olhado para isso o dia todo."
A tela mostrava a linha do tempo de uma certa rede social, cheia de comentários cruéis sobre Saikawa após a última notícia divulgada.
Saikawa nunca demonstrava fraqueza. Mas, antes de ser uma idol, ela era apenas uma garota no último ano do ensino fundamental. As notícias dos últimos dias certamente estavam pesando sobre ela.
"...Me devolve, por favor."
"Mm. Desculpe."
Saikawa pegou o celular de volta e abaixou a cabeça, culpada.
"Eu não me importo com o que dizem sobre mim." Ela mordeu o lábio e desligou o aparelho.
"Mas quando atacam minha mãe e meu pai... Eu simplesmente não consigo suportar."
Seus pais eram sua estrela-guia. Ela não podia permitir que a imagem deles fosse manchada... Mas, no momento, não havia nenhuma forma significativa de mudar aquela situação. Seu inimigo era uma crueldade imensa e sem rosto. Nunca houve um jeito de lutar contra isso.
Ainda assim, se houvesse algo que pudéssemos fazer agora, seria...
"Kimizuka?"
Eu havia dado alguns passos à frente. Saikawa me olhou, intrigada.
...Desculpe, Saikawa. Isso é tudo que consigo pensar em fazer. Respirei fundo e….
"Maldição! Você não pode fazer isso comigooooooo!"
No topo da colina, gritei com todas as minhas forças para a paisagem abaixo.
"K-Kimizuka?" A expressão sombria de Saikawa se transformou em choque.
"Um, quero dizer, estou muito feliz que você esteja se irritando por minha causa, mas... isso é um pouco constrangedor..."
"Você não pode simplesmente sair por aí e morrer como um herói sozinho! Você é tão estúpida, Siestaaaaaaaa!"
"O-oh, então era isso...!"
A resposta de Saikawa veio com um tom incomumente aflito.
Desculpe. Eu acabei deixando escapar um grito vindo do fundo da minha alma.
Mas...
"Saikawa." Virei-me para ela, estendendo a mão. "Vai em frente e desabafa. Coloca tudo para fora."
Se não fosse possível mudar alguém, ou algo, então pelo menos deveríamos poder gritar contra a injustiça.
"...Idols podem usar palavras sujas?"
"Você ainda não está no horário de trabalho, de qualquer forma."
Até aquela transmissão ao vivo começar, Yui Saikawa era apenas uma garota no terceiro ano do ensino fundamental.
Ela tinha o direito de dizer o que quisesse.
Ali e naquele momento, pelo menos.
"....! Seus desgraçados!"
Ao meu lado, Saikawa gritou com cada fibra do seu ser.
Ela arrancou o tapa-olho e gritou contra a realidade que a machucava, contra toda aquela injustiça insuportável.
"Vocês não sabem de nada, seus idiotas!"

"Seus desgraçados…."
"V-você!"
Então, ela inspirou profundamente, com tanta intensidade que parecia impossível, e….
"Eu amo minha mãe e meu pai! Parem de ser cruéis com eles e apenas calem a booooooca!!!"
O grito dela ecoou tão longe que, por um momento, pensei que pudesse alcançar o céu.
"...Será que eles me ouviram?"
Saikawa então respirou fundo, tentando se recompor. Seus olhos azuis voltaram-se para mim, como se finalmente tivesse recobrado a consciência.
É claro que aquilo não resolveria tudo. Mas, pelo menos, tive a sensação de que ela cantaria sua melhor música depois disso.
"Sim, esse foi um bom grito. As torres de rádio devem ter captado esse."
"Ahaha! Seria ruim se meus fãs ouvissem isso, não é? Mas..." Saikawa olhou para mim, juntando as mãos atrás das costas.
"Se começarem a me atacar por isso, estou contando com você para apagar o incêndio, certo, produtor?"
O sorriso que ela me deu era puro e radiante como uma flor.
"Garotas sempre querem usar vestidos bonitos"
Depois disso, voltamos para a emissora de TV. Assim que Saikawa me deixou para ir ao camarim, aproveitei minha posição como produtor para me esgueirar até o estúdio.
O programa era uma edição especial de férias de verão, transmitida no horário nobre da noite. O cenário estava cercado por luzes e câmeras, e, do outro lado, as arquibancadas estavam lotadas de espectadores.
"Artistas no set."
Quando o programa começou, um dos membros da equipe chamou os apresentadores e os artistas convidados. O público vibrou.
Após a entrada de vários artistas, Saikawa apareceu, acenando. Em um contraste nítido com aquela manhã, sua maquiagem estava impecável, e ela vestia um figurino adornado com babados. Aquela era, sem dúvida, a idol Yui Saikawa. Sua presença parecia pertencer a outro nível.
Mas então, algo estranho aconteceu.
"...Então é assim que vai ser, huh?"
Uma leve tensão percorreu a plateia. Era como se todos tivessem notado algo, mas estivessem fingindo que não. O mesmo valia para os outros artistas. Suas expressões não revelavam nada, mas, de alguma forma, seus sorrisos pareciam forçados.
Eu já esperava por isso.
Saikawa estava participando do programa no auge da polêmica na mídia. Teria sido mais estranho se ninguém ligasse para isso. E, no entanto, ao perceber que as câmeras estavam tentando cortá-la das cenas, ela sorriu ainda mais e fez uma pose. Ela estava brincando com a situação.
Perto de mim, um dos membros da equipe murmurou:
"Ela não tem muita coisa na cabeça, né?"
Sério? Ele achava que Saikawa não tinha percebido o clima estranho? Se fosse esse o caso, ele reprovaria no Exame de Certificação Yui-nya Nível 5.
"Nesses momentos, ela sorri ainda mais."
Cruzei os braços, observando a transmissão nos bastidores.
Durante o programa, o apresentador conversava com cada artista antes de suas apresentações. Ao todo, seriam quinze performances. Depois de cerca de duas horas, chegou a vez de Saikawa.
"A próxima convidada é a senhorita Yui Saikawa."
Quando o apresentador chamou seu nome, a câmera focou nela.
"Oláaaa! Aqui é Yui Saikawa, a idol mais fofa do mundo!"
Ela fez outra pose e caminhou até o apresentador. Então, falaram brevemente sobre seu novo single e seus trabalhos recentes.
Até aí, tudo correu bem. Mas então...
"Ouvi dizer que você tem lidado com algumas polêmicas ultimamente."
O apresentador sorriu de maneira ambígua.
"...!" Os olhos de Saikawa se arregalaram.
"Qual foi o propósito daquela reunião prévia, então?!"
Cerrei os punhos.
Naquela manhã, eu havia conversado com o produtor do programa e pedido especificamente, de forma educada que não mencionassem o escândalo durante a transmissão. Eles estavam tentando gerar polêmica para aumentar a audiência? Haviam trazido à tona algo que todos queriam saber, mas que ninguém ousava perguntar.
"Mesmo que tenha sido responsabilidade direta dos seus pais, imagino que não seja possível se dissociar completamente disso, não é?"
O apresentador insistiu. Saikawa congelou.
"Seu miserável..."
Eu quase avancei... Mas, então, nossos olhares se encontraram. Ela balançou a cabeça levemente e voltou a encarar o apresentador.
"Peço desculpas por toda a comoção em torno dos meus pais."
Ela inclinou a cabeça em um gesto humilde, sem tentar fugir da pergunta. O estúdio ficou agitado.
"Porém..." Saikawa ergueu o olhar.
"Eu sou eu mesma. Hoje, este é o meu show. Então, por agora, adoraria que todos focassem em mim." Ela sorriu de forma divertida para o apresentador.
"Ela só está tentando proteger a própria imagem."
Alguém murmurou.
Foi um dos artistas? Alguém da plateia? Um membro da equipe? Ou um figurante plantado para tornar o show mais interessante?
Quem quer que fosse, a voz ecoou no estúdio, carregada de veneno, com o único propósito de feri-la.
"...Você está certo. Talvez eu esteja."
Após alguns segundos de silêncio, Saikawa assentiu.
Mas eu sabia que ela não era o tipo de garota que se deixaria abater por isso. Ela havia superado a morte dos pais, lutado contra os inimigos do mundo, enfrentado incontáveis injustiças...
E ainda estava ali.
"Mesmo assim, eu não vou parar. Afinal de contas…." Mais uma vez, Saikawa sorriu. E brilhou.
"Idols sempre querem estar bonitas, sabia?"
Sem olhar para o apresentador, Saikawa piscou para os espectadores do outro lado da câmera.
O estúdio ficou em completo silêncio.
Nos bastidores, um dos membros da equipe fez um gesto rápido com os braços.
"...E agora é a vez da senhorita Yui Saikawa!"
Depois de uma breve hesitação, o apresentador apressou-se em retomar o controle do programa.
No entanto, naquele momento, o estúdio já não pertencia mais a ele.
Aquele era o show da Saikawa, pela Saikawa, para os fãs da Saikawa.
"Erm, a música é..."
Saikawa pegou o microfone das mãos trêmulas do apresentador.
"A música é….Sapphire Phantasm’!"
Ela anunciou em um tom firme e cristalino. Uma voz que poderia ser ouvida até o topo de uma colina distante.
O pesadelo começa
O programa terminou sem mais incidentes, e eu esperava por Saikawa no estacionamento subterrâneo da emissora.
"Droga, ela é boa."
Enquanto esperava, passei os olhos pelos comentários nas redes sociais sobre o programa. A maioria era crítica ao apresentador e apoiava Saikawa.
É claro que os problemas envolvendo seus pais não tinham sido resolvidos, e a promotoria provavelmente continuaria investigando. Mas, mesmo assim, Saikawa havia pegado toda aquela situação constrangedora no estúdio e revertido a seu favor com apenas uma música. Não, ela tinha feito ainda melhor: havia virado o jogo contra o ódio do público.
E isso não era pouca coisa.
"Foi como a SIESTA disse."
Eu nunca poderia ter feito nada. Tudo o que precisava era observar a decisão de Saikawa se desenrolar. Esse havia sido meu papel dessa vez.
Agora, tudo o que restava era levá-la de volta para a casa da SIESTA.
Exceto por um detalhe...
"Ela está demorando."
Tudo o que precisava fazer era ir até o camarim, trocar de roupa e voltar. Mas eu já estava esperando há mais de meia hora.
"Hm?"
Agora que percebia, o carro que eu havia chamado também ainda não tinha chegado.
Na verdade, já fazia um tempo que eu não via ninguém por ali.
O estacionamento subterrâneo da emissora nunca foi exatamente movimentado... Mas, nos últimos trinta minutos, nem uma única alma tinha passado por ali.
Então, senti uma brisa morna.
"...!"
E, como se não bastasse, todas as luzes começaram a piscar. A escuridão tomava o ambiente em intervalos irregulares.
Até que, de repente, elas se apagaram por completo.
"Me dá um tempo..."
Como eu disse, não lido bem com essas coisas. Peguei meu celular e liguei a lanterna.
Se eu me virasse agora, algo com certeza estaria bem atrás de mim. Já vi programas de terror o suficiente para saber como isso funciona.
Encostei-me a uma das colunas, estreitando os olhos para o breu ao meu redor.
Agora, precisava fazer uma ligação. Se eu estivesse conversando com alguém, fantasmas não apareceriam. Isso era regra. Pelo menos, foi o que aprendi assistindo Shinken Zemi.
Com os dedos trêmulos, disquei um número.
"Atende logo, Natsunagi. Atende, atende, atende, atende, atende, atende, atende..."
Liguei para ela sem parar, como um verdadeiro stalker.
Mas Natsunagi não atendeu.
"Isso também é coisa do fantasma? Eles mexem com ondas de rádio e essas coisas, né?"
Quando meu desespero começava a crescer….
"Oh? Elas estão... voltando?"
As luzes, ainda que fracas, começaram a brilhar novamente.
"Que susto, cara."
Desencostei da coluna e encerrei a chamada.
Mas eu havia me esquecido de um detalhe crucial: se alguma coisa fosse aparecer, seria agora.
Quando eu tivesse baixado a guarda.
"Que lugar oportuno para encontrar uma presa."
No instante seguinte, uma dor aguda atravessou a parte de trás do meu pescoço.
"!" Eu não consegui nem gritar.
Minhas forças se esvaíram, e meus joelhos cederam.
Eu não entendia o que estava acontecendo, mas o medo da morte dominou minha mente.
"Acho que uma pequena dose deve ser o suficiente para evitar a crise."
Mas, se minha intuição estava errada, era apenas porque aquilo se afastou do meu pescoço mais rápido do que eu esperava.
"!"
Caindo no asfalto, ergui o olhar para a figura que estava atrás de mim.
Era um homem alto, vestido inteiramente de branco.
Seus cabelos eram prateados. Seus olhos, dourados.
Seu rosto era belíssimo, mas exalava arrogância e crueldade.
E seus lábios... estavam manchados com o vermelho do meu sangue.
"Q-quem...?" Minha mente estava turva.
"O que foi, humano?"
Então, ele abriu duas asas enormes e negras.
"Nunca viu um vampiro antes?"
Mistério encontra fantasia sombria
O vento noturno, cortante, foi o que me despertou. ...Me despertou?
Olhei ao redor.
Eu estava no telhado de algum prédio... Provavelmente a emissora de TV.
E então...
"Acordou, humano?" Ele estava sentado com destreza no topo da estreita grade ao redor do telhado.
Uma perna dobrada, uma taça de vinho nas mãos... cheia de algo.
"O que foi? Hipnotizado pela visão do seu próprio sangue...?"
O homem de cabelos prateados e olhos dourados girou lentamente o líquido dentro da taça.
Ele me encarava com um sorriso provocador.
O pesadelo ainda não havia acabado.

"Como chegamos aqui?" perguntei, sentindo o ferimento em meu pescoço.
"Que pergunta sem graça." O homem sorveu o restante do meu sangue em um único gole.
"Eu a segurei contra o meu peito e voei. Obviamente."
Mais uma vez, ele abriu aquelas asas negras como a noite. Eu havia rezado para estar enganado, mas precisava admitir: esse cara não era humano. Ele era um vampiro, um monstro em forma humana encontrado no folclore de todas as épocas e lugares. Criaturas como ele bebiam sangue humano e desfrutavam da vida eterna. Eram mencionados nas lendas como reis imortais.
Exceto...
"Eu acho que alguém pode interpretar isso errado. Poderia não falar desse jeito?"
Esse cara já tinha mordido meu pescoço, eu definitivamente não queria que ele falasse sobre peitos ou qualquer coisa assim.
"Não tenha medo. Basta ficar quieto e se oferecer a mim."
"Você está fazendo isso de propósito, não é? Está deliberadamente tornando tudo esquisito."
"Um nobre vampiro e seu servo humano. Você conhece o resto da história, suponho?"
"Claro que não! Está me chamando de submisso?!" Ninguém disse isso. Eu precisava me acalmar.
"Ei, vampiro, que diabos você?"
"Scarlet." O vampiro me interrompeu.
"Esse é o meu nome. O nome do rei. Passado, presente e para todo o sempre. Eu comando todas as noites, controlo as massas ignorantes e imundas."
A mudança de tom foi brusca. Seus olhos dourados brilharam como os de uma cobra que avistou sua presa. Todo o meu corpo se arrepiou.
Não havia sentido em tentar competir com esse cara, enganá-lo ou bolar algum plano contra ele. Eu podia perceber isso mesmo à distância. Não, ele estava me fazendo ver. Vampiro e humano. Nosso nível, nossa hierarquia como seres vivos, era completamente diferente.
"Ha! Fique tranquilo, humano."
Scarlet saltou da grade, sua expressão suavizando. Ele não estava sorrindo, é claro; seu rosto e atitude continuavam insolentes, mas a aura ameaçadora de antes havia perdido a intensidade.
"Não há motivo para preocupação. Não beberei seu sangue novamente. Só me interesso por pessoas bonitas."
"Espera aí. Você acabou de me chamar de feio?"
Nem a Siesta nunca tinha dito algo tão cruel para mim!
"Ha-ha. O que é isso, humano?"
No instante seguinte, Scarlet encurtou a distância entre nós e apareceu bem à minha frente. Aproximou aquele rosto incrivelmente bonito do meu, tocou meu queixo com a ponta do dedo e sussurrou docemente:
"....Você deseja meu afeto?"
"...Por que estou de repente vendo arco-íris?"
"Sexo e gênero são questões triviais. Seus valores estão ultrapassados, humano."
Quem diria que eu receberia esse tipo de sermão de um vampiro?
Scarlet bufou e, num piscar de olhos, voltou a manter distância entre nós.
"Espera um segundo. Você disse que só se interessa por pessoas bonitas, certo? Então por que tomou meu sangue?"
"Hm? Ah, eu havia negligenciado minha alimentação por cerca de duas semanas. Um descuido grave. Apenas evitei uma emergência. Se você não estivesse ali, eu teria morrido de fome."
"Ei, espera aí, Scarlet. Eu salvei sua pele e é assim que você me trata?"
Como ele conseguia agir com tanta superioridade? E por que ainda passava a mão pelos cabelos prateados como se fosse modelo de capa de revista?
"Sangue de homem é realmente repugnante. Se eu não estivesse há duas semanas sem me alimentar, teria vomitado na hora. Bem no seu rosto."
"Você quase me mata e depois me diz isso?!"
Se esse cara fosse humano como eu, eu já teria dado um soco nele.
Sim, se fôssemos iguais. Mas esse cara...
"Scarlet, você é um Tuner, não é?"
"Oh-ho." O homem de cabelos prateados estreitou os olhos.
Então eu estava certo. Os Tuners eram doze indivíduos encarregados de proteger o mundo contra qualquer ameaça. Dentro desse grupo, o papel de Scarlet era... Vampiro.
Quando Siesta nos contou sobre eles, eu nunca imaginei que o vampiro fosse real. Mas ali estava ele, bem na minha frente. Eu precisava aceitar isso.
"Entendo. Então você sabe." Scarlet inclinou levemente a cabeça.
"A Daydream disse que não havia falado disso com você."
A Daydream... provavelmente era a Siesta.
"Você conhece a Siesta?"
"Hm? Está perguntando sobre meu relacionamento com aquela mulher? ...Vejamos."
Scarlet, de repente, pareceu pensativo.
O que foi isso? Por que ele não tinha uma resposta pronta? Tudo o que precisava fazer era dizer que tipo de relação tinham. Algo como conhecidos casuais ou colegas de trabalho.
"Bem, não há necessidade de informá-lo."
"...Espera. Você não vai dizer ou não pode dizer?"
"Ha! Tão curioso sobre as relações entre um homem e uma mulher. Que criatura vulgar você é."
"Você acabou de dizer 'relações entre um homem e uma mulher'? Está sendo sugestivo de propósito?"
Isso só podia ser brincadeira... Não, ele estava claramente mentindo. Era uma mentira óbvia. Pelo menos, eu queria muito acreditar nisso. Durante aqueles três anos, Siesta e eu nos vestimos, comemos e vivemos juntos. Nunca percebi nem um único indício de outro homem.
Está tudo bem, está tudo certo...
"Se é insinuação que procura, o perfume do xampu daquela mulher era…."
“....!"
"Você é bem fácil de ler, humano."
Minha mão já estava erguida, pronta para atingi-lo, mas Scarlet apenas bufou, divertido.
Rezei fervorosamente para não ser o primeiro humano da história a ser provocado por um vampiro.
"Ha! Não tema. Meu relacionamento com aquela mulher não foi nada parecido com suas suspeitas infundadas."
Enquanto Scarlet falava, seus olhos assumiram um olhar distante.
"Se ela era um sonho, eu era um pesadelo. Dia e noite. Nunca nos misturamos."
Siesta, a detetive prodígio, e Scarlet, o vampiro.
Havia, de fato, uma conexão profunda entre eles, algo de que eu não tinha conhecimento.
No entanto...
"Então estou ainda mais confuso. Por que veio até mim?" Se ele estava tentando evitar Siesta, e eu fui assistente dela...
"Há várias razões. Primeiro, porque recebi um pedido."
Um pedido, essa palavra me fez lembrar de Siesta.
"Bem, no meu caso, suponho que seja um contrato. Uma troca equivalente, onde concedo um desejo e a outra parte me paga um preço correspondente."
"Um preço... Você quer dizer dinheiro?"
"Em alguns casos, sim. Eu aceito qualquer coisa que considere satisfatória. Dinheiro, status, o sangue mais refinado…. Se me trouxerem algo que me agrade, darei minha ajuda a qualquer um. Mesmo aos inimigos do mundo."
Ele sorriu. E, ainda assim, sendo um Tuner, ele deveria estar do lado dos mocinhos.
"...Então você veio até mim porque fez um contrato com alguém? E quem pediu esse contrato é a pessoa que tem negócios comigo?"
"Está meio certo. Um dos motivos pelos quais estou aqui é, de fato, a parte com quem firmei o contrato. No entanto, essa pessoa não tem nada a ver com você."
"Hã? Então você não precisa de mim para nada?"
Mas ele fez questão de entrar em contato comigo. Isso significava que devia ter negócios com alguém do meu círculo próximo, o que queria dizer...
"Saikawa, não é?"
Mesmo que fosse verdade, o que esse cara poderia querer com ela?
E quem, afinal, teria feito um contrato com Scarlet?
"Se estamos falando de seres que servem a vampiros, há realmente apenas um."
De repente, uma voz soou acima de nossas cabeças.
O dono da voz pousou ao lado de Scarlet.
"Ha-ha. Nos encontramos de novo, hein, Watson?"
Ele riu do jeito irritante de sempre, enquanto um tentáculo brotava de sua orelha e se contorcia na minha direção.
"Bat...!"
Preso entre as voltas do tentáculo, vi o rosto contraído de dor de Yui Saikawa.
A semente primordial. A garota do receptáculo.
Bat era um ex-agente da SPES, e Siesta e eu tínhamos um passado significativo com ele.
Nos conhecemos há quatro anos, em um avião a dez mil metros de altura. Siesta o derrotou naquela ocasião, e desde então ele estava sob custódia da polícia japonesa.
Mas ele havia escapado. E agora estava ali, bem na minha frente.
E, no tentáculo que crescia de sua orelha, estava
"Kimizuka..." Saikawa me olhou, suplicante.
"...! Siesta disse que ia lidar com você."
“Ontem mesmo, ela saiu para fazer exatamente isso. Ele teria conseguido escapar dela?”
...Siesta? Sério?
Não, mais importante….
"Devolva a Saikawa, Bat." Peguei minha arma do coldre nas costas.
"Ha-ha! Você é um produtor perigoso."
Bat parecia estar usando sua audição aprimorada para escutar nossa conversa. Ele sorriu, zombeteiro.
"Ah, tudo bem. Ela está me atrapalhando mesmo."
Para minha surpresa, ele soltou Saikawa sem resistência.
"Kimizuka!"
Saikawa correu para mim, se escondendo atrás de mim e segurando minha cintura.
"Você está bem?"
"Ele disse que eu sou pesada! Atire nele! Agora!"
"Ótimo, você parece bem."
Dando um leve tapinha na cabeça dela, me voltei para os outros dois.
Um vampiro e Bat, esses eram os inimigos dessa vez.
"Bat, por que está com Scarlet? Você não se aliou ao Seed?"
Meus dedos apertaram a arma enquanto olhava de Bat para Scarlet e de volta.
"Ei, calma aí, uma pergunta de cada vez." Bat soltou sua risada irritante de sempre.
"O conteúdo não importa. Bat, deixarei as explicações com você." Scarlet estalou o pescoço.
"Acabei de despertar."
Dito isso, ele se fundiu às sombras.
"Kimizuka, aquilo foi...?" Saikawa o observava, olhos arregalados.
"Ele diz que é um vampiro. Difícil de acreditar, não é?" Exceto pelo fato de que ele havia deixado uma prova no meu pescoço.
"Entendo. Parabéns pela 'formatura'."
"...Eu não quero 'me formar' com um cara." Além disso, essa não era a hora para piadas.
"Bat, qual é a sua conexão com Scarlet?" Apontei a arma para ele novamente.
"Originalmente, Seed pediu a Scarlet que me trouxesse de volta." Bat revelou mais um detalhe da trama.
"Parece que a SPES está com falta de pessoal. Eu já tinha cortado relações com Seed uma vez, mas ele entrou em contato comigo através de Scarlet."
Certo, esse cara tinha deixado a SPES em maus termos, e isso foi o que desencadeou o incidente de sequestro, quatro anos atrás.
No entanto, Seed convenceu Scarlet a procurá-lo, agindo como se nada tivesse acontecido.
E Scarlet rompeu a segurança máxima para tirá-lo da prisão... Daquela mesma prisão que eu havia visitado.
"De jeito nenhum que eu vou voltar para a SPES. Na verdade, por uma certa razão, meus interesses e os de Scarlet coincidiram, então estamos trabalhando juntos."
"Então você se conectou comigo e com Saikawa, deixando Seed de fora? Já estamos bem avançados nesse jogo... O que você quer agora? Você nos ajudou naquele incidente da safira, lembra?"
Quando a SPES foi atrás do olho esquerdo de Saikawa, conseguimos resolver a situação com a ajuda de Bat.
"Mas agora você está atrás de Saikawa? Por quê? Decidiu roubar o olho esquerdo dela afinal?"
Saikawa segurou a manga da minha camisa e apertou. Seu olho de safira era uma lembrança de seus pais, e para ela, era mais valioso que a própria vida.
"Boa suposição, mas eu já amadureci. Não estou planejando nada tão elaborado," murmurou Bat, em um tom mais baixo. Ele olhou para Saikawa sem muita expressão.
"Eu só estou aqui para recrutar você. Quer se juntar a mim?"
" "Hã?" " Saikawa e eu falamos ao mesmo tempo. O que diabos esse cara estava querendo dizer?
"É simples. Estou pedindo para me ajudar a derrotar a SPES."
"...É por isso que você ignorou a convocação de Seed?"
"Isso mesmo. No momento, estou reunindo aliados. Eu tenho meus ouvidos, e ela tem o olho dela." Os olhos nublados de Bat se voltaram para Saikawa.
"Então, Yui Saikawa. Venha comigo." Ele estava tentando puxá-la para o seu lado com uma lógica bem fraca.
"Acha que eu vou entregá-la assim tão fácil?"
"Você ouviu ele. Kimizuka é anormalmente obcecado por mim."
"Saikawa, eu sei que você está tentando ajudar, mas... você realmente não está." Sério, ela nunca lia o ambiente.
"Você e a nova detetive também podem vir, Watson. Resumindo, eu preciso me tornar mais forte, se quiser derrotar aquilo."
A expressão de Bat ficou séria, e ele mencionou o nome do líder inimigo que havia começado a se mover recentemente.
"Por que Seed e a SPES ficaram tão quietos nesse último ano? Já pensou nisso?" ele me perguntou.
Durante esse ano de vida pacífica, era verdade que a SPES não tentou entrar em contato comigo de nenhuma forma. Eu imaginei que simplesmente não tinham interesse em mim, já que eu era apenas a sombra de Siesta. Mas...
"Tem um motivo específico para isso?"
"Vamos voltar um pouco no tempo." Bat tirou um cigarro do bolso interno e o acendeu.
"Há várias décadas, o chefe veio para este planeta como uma semente. Mas ele não conseguiu se adaptar completamente ao ambiente."
"...!"
Essa era uma informação nova. O corpo de Seed não era feito para sobreviver neste planeta... Era por isso que ele era tão obcecado com sua própria sobrevivência?
"Então Seed tem procurado um receptáculo humano que consiga sobreviver na superfície."
"Um receptáculo... Ele está planejando sequestrar o corpo de alguém?"
Aparentemente, ele queria manter sua mente e poderes, mas transferi-los para outro corpo físico.
"Exatamente. 'Receptáculo' parece algo simples, mas não é qualquer corpo que serve. Precisa ser compatível com a semente, senão Seed não consegue se mover para dentro dele."
"Compatível?... Não me diga... Aquela instalação..."
"Você ligou os pontos, hein?"
Natsunagi havia mencionado que experimentos humanos foram uma parte significativa do tempo que passou no orfanato seis anos atrás, junto com seus amigos.
Tudo aquilo era….
"Então tudo aquilo foi para criar um receptáculo compatível para Seed?" Crianças foram coletadas no orfanato e submetidas a experimentos só para isso?
"Os experimentos foram ainda piores do que ele esperava. Muito poucos dos espécimes conseguiram suportar a semente."
Isso também apareceu no relato de Natsunagi. Os "receptáculos duráveis" eram raros. Alicia tentou o experimento, falhou e morreu.
"Além disso, a maioria dos casos compatíveis ainda apresentava efeitos colaterais."
"Efeitos colaterais?... Como os seus olhos?"
Bat deu um riso seco, soltando uma nuvem de fumaça.
Ele era um ex-humano que forçou a fusão de uma semente consigo mesmo. Em troca do poder da SPES, perdeu a visão.
"Exato. Os efeitos colaterais removem alguns sentidos humanos ou até encurtam suas vidas. Seed queria um receptáculo perfeito... E finalmente encontrou dois candidatos. Eles eram…."
"Siesta e Hel, não é?"
Seed havia me dito algo no ano passado: "Se eu me aliar a qualquer uma delas, o plano não vai se concretizar."
Isso significava que ele fez Siesta e Hel lutarem entre si, pretendendo usar a vencedora como seu receptáculo. Ele queria reduzir suas opções de dois para um.
"Mas, Watson, você já sabe como isso terminou."
"...Sim. Embora eu só tenha lembrado disso agora."
Após a luta até a morte entre Siesta e Hel, o receptáculo de Siesta foi perdido quando seu corpo morreu... enquanto o outro receptáculo já continha Hel, Natsunagi e Siesta, e estava completamente cheio.
Se ele tentasse forçar sua entrada, provavelmente o destruiria.
Em outras palavras, independentemente do impacto que teve sobre nós, o sacrifício de Siesta tirou de Seed os dois receptáculos que ele queria de uma só vez.
"Bem, Seed passou um ano esperando o dia em que aquelas duas se separariam novamente. Quando isso acontecesse, ele se transferiria para o corpo da sobrevivente."
"...Mas isso nunca aconteceu."
Quando Seed observou a luta de Siesta e Chameleon naquele navio de cruzeiro, provavelmente percebeu que Siesta havia se ligado permanentemente ao corpo de Natsunagi.
"É exatamente isso. Claro, Seed não ficou parado nesse último ano. Mas, sempre que tentou usar seus seguidores para dar início a algo, alguém o impediu de obter os resultados que queria. Então, ele decidiu agir por meio de Scarlet, que está acima dele na hierarquia, e fazer sua próxima jogada."
Isso foi o que SIESTA nos contou, Seed havia perdido seu receptáculo mais promissor e estava procurando um novo. Para ser qualificado, a pessoa teria que ser capaz de usar o poder da semente de forma eficaz e não poderia ter desenvolvido grandes efeitos colaterais. Se houvesse alguém assim perto de mim, esse alguém era….
"Kimizuka..."
Senti um leve puxão na minha manga.
Sim, eu sei. Eu já havia pensado nessa teoria há tempos.
"Seed planeja fazer de Yui Saikawa seu receptáculo, hein?"
A escolha mais cruel do mundo.
Seed estava planejando usar Saikawa como seu novo receptáculo.
Várias coisas que antes não faziam sentido começaram a se encaixar com essa teoria.
Por exemplo, no ano passado, em Londres, Seed assumiu a forma da Sra. Fuubi e veio até mim, Siesta e Natsunagi (que na época ainda parecia com Alicia). Ele nos disse para "procurarmos pelo olho de safira".
Na época, eu não sabia o que "o olho de safira" significava, mas agora estava claro que ele provavelmente estava falando sobre Saikawa. Ou seja, um ano atrás, Seed já estava tentando nos colocar em contato com Saikawa e mantê-la perto de Siesta como um receptáculo reserva. Ele queria avaliá-la de forma indireta e tentar moldá-la.
Porém, a decisão de Siesta havia adiado esses planos, e só depois de um ano finalmente conhecemos Saikawa pessoalmente. Fomos reunidos graças ao aviso prévio da SPES sobre um crime: "Vou lhe tirar uma safira no valor de três bilhões de ienes."
Aquele incidente pode ter sido uma tentativa de completar Saikawa como receptáculo, colocando-a em perigo.
"...Então você quer dizer que, depois da morte de Siesta, as coisas seguiram exatamente como Seed planejou?"
Seed observou tanto o incidente da safira quanto o confronto com Chameleon naquele luxuoso navio de cruzeiro. Pensamos que havíamos resolvido o problema, mas na verdade, estivemos o tempo todo na palma da mão dele.
"Exato. Agora que seus candidatos mais promissores desapareceram, Seed vai atrás dessa garota com certeza. Precisamos tomar medidas para impedir isso."
Bat deixou seu cigarro cair no chão do telhado e tentou mais uma vez convencer Saikawa a se juntar ao time de supressão da SPES.
"Além disso, essa garota tem mais motivos do que qualquer um para lutar contra a SPES."
Apagando o cigarro sob o pé, Bat olhou para Saikawa.
"Eu tenho...?" Saikawa não parecia entender sobre o que ele estava falando. Ela inclinou a cabeça, confusa.
"Ah, entendi. Eles não te contaram como você conseguiu esse seu olho esquerdo."
Bat assentiu levemente, como se tivesse acabado de ligar os pontos.
Eu sabia que os pais de Saikawa haviam dado a ela aquele olho de safira, já que ela nasceu cega do lado esquerdo...
"Pense bem. Sim, eles eram ricos, e sim, amavam sua única filha, mas você realmente acha que alguém pagaria bilhões de ienes por um olho falso que é só uma pedra bonita?"
"Isso é..." Saikawa ficou paralisada. Não me diga...
"Esse olho tem algum tipo de segredo que Saikawa não conhece?" perguntei.
"Descobri isso só recentemente," Bat respondeu
"mas logo após a menina da safira nascer, ela desenvolveu um tumor maligno no olho esquerdo."
Câncer no olho. Nunca tinha ouvido falar disso antes.
"É uma doença rara que geralmente aparece em crianças com menos de cinco anos. Neste país, há menos de cem casos por ano. Se a doença progride, a única solução é remover cirurgicamente o globo ocular, mas mesmo assim, não dá para chamar isso de uma cura completa."
Foi aí que finalmente entendi para onde ele estava indo com essa história.
Provavelmente, os pais de Saikawa anteciparam que a doença dela não poderia ser curada por métodos normais. Mesmo assim, queriam salvar a vida de sua única filha, custasse o que custasse.
"Então os pais de Saikawa recorreram à SPES?"
Para salvar a filha, eles pediram ajuda a um grande mal.
"Não..."
As mãos de Saikawa tremiam com a revelação. Seus pais não contaram a ela. Provavelmente, não queriam deixá-la ansiosa.
...Não, não era só isso. O que eles mais temiam era o peso da culpa.
"Eles investiram enormes quantias no centro de experimentos da SPES," disse Bat, e de repente, tudo começou a se encaixar.
Quando Natsunagi nos contou sobre seu passado, ela mencionou um casal japonês rico que fazia doações generosas ao orfanato regularmente. Poderiam ser os pais de Saikawa?
E então havia aqueles relatórios sobre os pais de Saikawa e a contabilidade ilegal. Será que eles descobriram a trilha de dinheiro suspeita de seis anos atrás?
Se todas essas teorias estivessem corretas, então...
"...Só me diga uma coisa, por favor."
Saikawa soltou minha manga. Com esforço, ela falou com Bat, mantendo a voz calma.
"Se uma pessoa normal assinasse um contrato e descobrisse o segredo da SPES, quando esse contrato chegasse ao fim, o que a SPES faria com essas pessoas?"
Eu entendi imediatamente o que essa pergunta significava.
Mas antes que eu pudesse impedi-lo, Bat respondeu.
"Eles as matariam."
Esse era o pior cenário possível: os pais de Saikawa não morreram em um acidente. A SPES tirou a vida deles.
"Isso não pode ser... Não..."
"Saikawa!" Saikawa cambaleou, quase caindo, e eu a segurei por trás.
Na noite passada, Saikawa me disse que quase não tinha conexão com Siesta ou com a SPES, então essa era uma história que pertencia apenas a ela. Ela tinha orgulho de sua própria vida.
Mas agora, tudo estava interligado.
Ela estava bem no centro desse pesadelo turbulento, sem nenhuma saída.
"Isso significa que você tem um motivo para lutar, Yui Saikawa. Você está destinada a pegar em armas contra a SPES."
Bat sacou a arma que carregava nas costas e a jogou para Saikawa.
Sem dizer nada, ele estava dizendo para ela pegá-la e lutar.
"Eu..." A voz de Saikawa tremia.
Ela havia acabado de descobrir toda a verdade, o segredo por trás de seu olho e a verdade sobre a morte de seus pais. Ela não estava nem perto de estar pronta para tomar qualquer decisão agora.
"Bat, agora não é o momento…." Assim que tentei dar um passo à frente em seu lugar...
"Pelo amor de Deus. Você poderia ser pior nisso?"
Uma figura emergiu das sombras perto de Bat, e eu reconheci aqueles olhos dourados e cabelos prateados.
Era Scarlet, o vampiro de casaco branco, que havia acabado de despertar de seu breve cochilo. Ele provocou Bat com irritação.
"Estou chocado que você achou que poderia convencê-la com essa desculpa de negociação, mamífero. Fique quieto."
Scarlet se colocou na frente de Bat.
"Ha! Vampiro. Não me entenda mal. Eu pedi sua ajuda, mas isso não significa que sou ruim em..."
Mas antes que Bat pudesse retrucar….
"Não se atreva a me desafiar, forma de vida inferior."
Os olhos dourados de Scarlet brilharam como relâmpagos.
"...!"
De repente, Bat caiu de joelhos. Então, como se estivesse sendo forçado contra sua vontade, ele se curvou diante de Scarlet.
"Maldi...ção..."
Bat lutava contra aquilo, mas sua expressão de agonia desaparecia lentamente, até que, por fim, sua testa tocou o chão.
"Eu não permitirei que um mero humano me desrespeite. Fique aí se humilhando por um tempo e deixe-me mostrar como se faz."
Seria esse outro poder vampírico? Depois de subjugar Bat sem nem precisar tocá-lo, Scarlet voltou-se para mim e para Saikawa.
"Agora, então. Peço desculpas pelo incômodo que isso lhes causou."
Bem, isso foi inesperado.
"Não, nós..."
"Ele deve entender que qualquer tentativa de formar um contrato deve ser acompanhada por um preço equivalente." Ignorando minha confusão, Scarlet mudou o rumo da conversa, e logo percebi que era para a pior direção possível.
"O que me diz, garota da safira? Se aceitar o pedido dele e ajudá-lo a subjugar a SPES, eu lhe concederei um desejo."
"Um desejo...?" Ao ouvir a proposta de Scarlet, Saikawa hesitou.
"Isso mesmo. Você pode desejar qualquer coisa que quiser. Por exemplo…." O vampiro sussurrou docemente.
"Por que não deseja que eu traga seus pais de volta à vida?"
O que nós, os vivos, podemos fazer
"Trazer o papai e a mamãe de volta à vida...?"
O olho direito de Saikawa se arregalou.
Era como se ela tivesse sido oferecida um fio de possibilidade, um milagre que nunca pensou que poderia acontecer, e seu coração vacilou instável.
Mas….
"Isso nem é possível." Eu sabia que era cruel, mas cortei essa doce esperança pela raiz.
"Quando alguém morre, nunca mais volta."
Todos sabiam disso.
Os mortos não voltam à vida. O que se foi nunca retorna ao que era antes.
É isso que nos torna insubstituíveis. Sabemos disso.
"Sim, você não está errado." Com uma voz neutra, Scarlet reconheceu temporariamente o que eu estava dizendo. Mas então...
"Entretanto, eu sou um vampiro, um rei imortal. Lembra?"
Ainda sem expressão, o vampiro curvou-se em um ângulo de noventa graus, e então chamou pelo inferno.
"Retorne, lagarto."
No instante seguinte, uma silhueta humana se ergueu da sombra de Scarlet.
"Kimizuka, isso é..." Até mesmo Saikawa, ainda meio distraída, olhou surpresa.
A figura era um homem magro, de cabelos prateados e traços asiáticos, e uma longa língua reptiliana.
"Chameleon..."
Ele era um oficial da SPES e nosso velho inimigo.
Nos encontramos pela primeira vez em Londres, um ano atrás, mas no final daquele recente confronto no cruzeiro, ele havia sido engolido pelo oceano, ou pelo menos foi o que eu assumi.
"Por que você está vivo?"
Chameleon inclinou-se para frente, sua longa língua pendendo para fora.
Sua aparência era definitivamente a que eu tinha visto várias vezes antes, em batalha...
Mas.
"Ah, ah, aaaah, aaaaaah."
O som parecia ecoar das profundezas da terra.
"O que diabos é isso?"
Chameleon não disse nada coerente, apenas continuou emitindo aquele ruído horrível. Seus olhos estavam desfocados, e ele cambaleava como se estivesse anêmico.
Será que isso era realmente Chameleon?
"Falando de forma direta, ele é o que se chamaria de um zumbi."
Scarlet lançou um olhar frio para Chameleon.
"O sangue imortal em minhas veias pode ressuscitar os mortos como não-mortos."
“...! Então ele é um fantoche cadáver?”
Scarlet caminhou ao redor de nós três, sorrindo friamente.
“Fantoche cadáver. Entendo. Sim, isso é bom. É verdade que ele não pode falar, nem podemos nos comunicar com ele. Ele perdeu sua sensação de dor, e seus sentidos físicos restantes mal funcionam. Nesse sentido, ele realmente não passa de um cadáver ambulante. No entanto...” Scarlet continuou.
“Os mortos-vivos que eu crio ao beber sangue retornam com seu instinto mais forte da vida intacto. Em outras palavras, eles podem alcançar os desejos que tinham antes de morrer. Bem, humano?” Ele se virou para mim.
“Se você pudesse ter seu desejo realizado mesmo após a morte, isso não seria felicidade?”
Humanos e vampiros tinham valores completamente diferentes, e era isso que nos separava. Ou então, esse experimento mental distorcido era o que acontecia quando vampiros tentavam conciliar sua visão da vida e da morte com a dos humanos.
Eu sabia que o que esse homem dizia estava errado, mas não encontrei uma resposta imediata.
“E então? O que você vai fazer, garota da safira?”
O foco de Scarlet mudou de mim para Saikawa. Bem, afinal, era a ela que ele havia oferecido essa escolha.
“Não tenha medo. Eu nem preciso de um cadáver. Se houver ossos, cabelo ou até mesmo DNA restante, posso ressuscitar seus pais como mortos-vivos.”
“......” Saikawa não disse nada. Um sorriso distorcido surgiu nos lábios de Scarlet.
“Ande logo,” murmurou ele.
“Decida rápido, ou o espectador não ficará em silêncio.”
Foi nesse momento que...
“....Ah, ah, aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah!” O grito foi ensurdecedor.
“Saikawa, cuidado!”
Chameleon jogou seu tronco para trás e gritou. Ele não estava consciente; ele nem sabia por que estava ali. Ele apenas uivava, como se fosse a única coisa que podia fazer. Com passos inseguros e trôpegos, ele se lançou contra nós numa tentativa de atacar.
O instinto de Chameleon era lutar pela sobrevivência.
Mesmo depois de morrer e voltar à vida, ele continuava aquela luta sem sentido...
Porque esse era o seu desejo.
“Isso não foi o que você me disse, vampiro.”
Assim que ouvi essa voz, Chameleon parou de se mover.
Ele estava prestes a nos agarrar, os olhos revirados para trás no crânio... mas havia um longo tentáculo enrolado ao redor de seu corpo.
“Oh-ho. Você conseguiu se mexer. Impressionante, Bat.”
Sem se virar, Scarlet falou com o homem parado atrás dele. Essa foi a primeira vez que ele usou o nome de Bat.
O tentáculo que saía da orelha esquerda de Bat tinha se estendido e contido Chameleon. Ele nos protegeu…. me protegeu e a Saikawa.
“Ei, vampiro. Você não mencionou que seus mortos-vivos eram tão malfeitos.”
Sem hesitar, Bat atacou Scarlet novamente.
“Eu propus um contrato porque achei que você poderia trazer os mortos de volta a algo que se parecesse com a vida de verdade.”
Um contrato com um vampiro, esse devia ser o “interesse em comum” que Bat mencionara. Ele havia colocado suas esperanças na habilidade de Scarlet de trazer os mortos de volta à vida e oferecido um pagamento adequado. Mas o poder não era tão absoluto quanto ele imaginava.
“Besteira.” Scarlet se virou, rejeitando friamente o desafio de Bat.
“Como poderia haver um milagre sem um preço? Nada pode ser obtido sem sacrifício: isso é um princípio natural. Ou o quê? Você realmente achou que sua irmã mais nova poderia ser trazida de volta como era antes, a partir de um único fio de cabelo?”
“...! Cala a boca!” Bat ficou furioso. Mas ele não direcionou essa raiva para Scarlet.
Em vez disso, ele apertou ainda mais o tentáculo que prendia Chameleon, descontando sua frustração no morto-vivo incompleto.
“Ah, aaah, ah!”
Chameleon gemeu de dor. Ele já não era mais o inimigo que nos causou tantos problemas antes.
“Vamos, garota da safira. Escolha.”
Mais uma vez, Scarlet ofereceu a escolha a Saikawa.
“É verdade que os mortos-vivos são degradados, mas não há razão para temê-los. Como eu disse antes, os mortos-vivos que eu crio retornam com seu desejo mais forte da vida. Garota da safira, o que você acha que foi o instinto de seus pais?”
Scarlet olhou para Saikawa, então estreitou os olhos dourados e respondeu à sua própria pergunta com firmeza.
“O amor por sua filha, dado livremente. Portanto, uma vez trazidos de volta, mesmo que seus pais sejam reduzidos a fantoches cadáveres, sem dúvida eles nunca esquecerão o amor por sua única filha.”
“Escute, garota da safira,” ele disse novamente.
“Você não deseja vê-los mais uma vez?”
A única resposta de Saikawa ao discurso dele foi o silêncio. Ela permaneceu muito quieta, os punhos cerrados com força.
No entanto, bem na sua frente...
“Gah, ah! Aah!”
Mesmo preso no tentáculo de Bat, Chameleon continuava tentando nos atacar sem dizer uma palavra.
Saikawa estava parada além da mão estendida dele. A arma que Bat havia jogado para ela antes estava caída a seus pés.
“Saikawa...”
Eu comecei a dizer algo para ela, mas mudei de ideia.
Dessa vez, não havia nada que eu pudesse fazer.
Afinal, antes de virmos para cá, SIESTA havia me dito para observar a decisão de Yui Saikawa.
Eu tinha um pressentimento de que ela estava se referindo a esta decisão também.
“Então, garota. O que vai fazer?”
Scarlet pressionou para que ela escolhesse.
Chameleon tinha se arrastado até ela.
Saikawa precisava agir agora; ela finalmente se abaixou e….
“Que criatura miserável.” Gentilmente, ela acariciou a cabeça de Chameleon.
“......”
Scarlet ficou quieto.
Saikawa o observou pelo canto do olho... e nem sequer olhou para a arma aos seus pés.
Com um sorriso triste, passou suavemente a mão sobre os cabelos prateados de Chameleon, que gemia.
“Você não precisa mais fazer isso. Uma gentil detetive de elite e seu assistente já colocaram um fim à sua luta. Agora está tudo bem. Descanse, por favor.”
...É claro.
Chameleon havia sido criado apenas para lutar como um clone de Seed.
De certa forma, ele também era uma vítima. Sua batalha terminou naquele confronto no navio de cruzeiro.
Siesta garantiu que fosse assim.
“....Ah, ah, aaah.”
Chameleon uivou, arrancando desesperadamente sua voz da garganta.
Talvez estivesse tentando nos dizer algo.
Mas os sons sem sentido apenas se dispersaram, vazios, no céu noturno.
“Ele está pedindo para eu cantar.”
Saikawa estudou seu rosto, como se tivesse conseguido compreender seu desejo.
“...Sério?”
“Eu não sei.”
“Ei.” Apesar do peso da situação, minha resposta veio naturalmente.
“Bem, como eu poderia saber? Os mortos não nos dizem nada.”
Saikawa se endireitou.
“Algumas pessoas podem dizer que isso é presunção, mas acho que tudo o que podemos fazer é imaginar o que aquela pessoa gostaria, acreditar nisso e seguir adiante.”
Ao se virar para mim, ela sorriu.
Aquele sorriso parecia frágil. Era mais triste do que qualquer expressão que eu já vira nela.
Mas também era a mais sincera.
“....Sim, você tem razão.”
O que os mortos queriam daqueles que ficaram para trás?
Não havia como realmente saber.
Como os pais de Saikawa gostariam que sua única filha vivesse agora?
Eles nunca poderiam nos dizer.
Mas Saikawa ainda acreditava.
Ela confiava que o caminho que escolhera para si mesma era o futuro que eles também desejariam.
“Sempre quis ser alguém de quem papai e mamãe se orgulhariam, se estivessem vivos. Eu era uma garota solitária, sem amigos, mas agora estou cantando, cercada por uma multidão de fãs e companheiros. Acho que isso os deixaria felizes.”
Esse era o último desejo que Yui Saikawa acreditava que seus pais tinham.
Ela não se deixaria consumir pela vingança.
Apenas aproveitaria seu tempo com seus amigos e seguiria sua carreira como idol.
“Então, me desculpe. Mas confio que isso também o fará feliz.”
Enquanto Saikawa falava, eu vi um microfone em sua mão, ou talvez apenas imaginei.
Aquela era sua canção de despedida para Chameleon, e para seus pais.
E isso era o suficiente.
Era assim que Yui Saikawa deveria ser.
Idols não foram feitas para segurar uma arma.
Saikawa cantou, independente da situação, ignorando tanto os pseudohumanos quanto o vampiro.
“Certo, por favor, escutem. A música é….”
Ela cantaria, e cantaria, e cantaria.

Os arrependimentos daquele dia, a promessa de algum dia.
"Estou exausto..."
Mais tarde, com as costas arqueadas e os ombros caídos, caminhei lentamente pela estrada escura que levava de volta ao esconderijo.
"Kimizuka, eu ia dizer que você parece um velho, mas, na verdade, está mais para um zumbi agora", repreendeu-me Saikawa, andando ao meu lado.
"Tivemos um vampiro, um pseudohumano e um fantoche cadáver no mesmo lugar. Qualquer um ficaria assim."
"Ah-ha-ha! Foi um verdadeiro encontro de estrelas, não foi?" Saikawa soltou uma risada fácil.
Por um momento, quase lhe disse: 'Nossa, você realmente não se preocupa com nada, né?' Mas, no fim, foi um alívio vê-la sorrir depois de tudo.
"De fato. Estou impressionado que conseguimos sair daquela."
Pensei no que havia acontecido no terraço, cerca de meia hora antes.
"Ha-ha, ha-ha-ha!"
Com uma mão na testa, Scarlet abriu um largo sorriso. Parecia achar tudo aquilo hilário.
"O que foi aquela garota? Alguém poderia pensar que ela nem me enxergava mais."
No fim, Saikawa sequer respondeu à oferta de Scarlet. Apenas terminou sua canção no recital do terraço e correu de volta para o camarim, trocando de roupa sozinha.
Mas seu comportamento deixava claro: ela não traria seus pais de volta à vida. A ressurreição incompleta de Chameleon já lhe mostrara que eles nunca retornariam de verdade.
E, mesmo sem os pais, Saikawa poderia seguir em frente por conta própria. Isso era o que importava. Seu olho esquerdo lhe mostraria o caminho adiante. Esta era sua história, uma vida que lhe pertencia.
"O mundo tem alguns humanos bastante interessantes", comentou Scarlet, aproximando-se do cadáver de Chameleon.
Depois que Saikawa se foi, terminei de eliminar Chameleon.
Era a segunda vez que o matava. Sei que pode parecer estranho dizer isso de um inimigo, mas silenciosamente rezei para que ele descansasse em paz.
"A propósito, Scarlet, por que ajudou Bat em vez de Seed?"
Bat já havia desaparecido na escuridão fazia tempo, então agora estávamos apenas o vampiro e eu. Parecia um bom momento para perguntar.
"Pode-se dizer que foi um capricho... No entanto..." Havia algo estranhamente significativo no tom de Scarlet.
"Eu queria ver a ‘singularidade’ com meus próprios olhos."
Singularidade? O que ele queria dizer com isso?
Ele me lançou um olhar penetrante.
"Além disso..."
"?"
"O preço que Seed inicialmente me ofereceu era anormal." Scarlet esboçou um sorriso sutil.
"Achei intrigante ceder ao seu capricho e aceitei. Ainda assim, isso me levou a um encontro fascinante. Agora, vou me retirar."
Com agilidade, Scarlet saltou para cima da cerca.
"O que exatamente Seed tentou lhe oferecer?"
"Ha! Descubra sozinho algum dia, humano... Se é que você realmente é aquele que caminha ao lado do devaneio." Scarlet falou sem olhar diretamente para mim.
"Bem, já que estamos aqui, deixo minha própria pergunta."
Virando-se parcialmente no parapeito estreito, ele perguntou:
"Não há ninguém que você queira trazer de volta à vida?"
Seu olhar descia sobre mim, ilegível.
Ressuscitar os mortos era uma afronta à natureza. Se fosse realmente possível, então eu...
"Bem, você não precisa responder agora. De todo modo, esta foi apenas minha estreia. Minha verdadeira entrada está no futuro. Encontre o caminho até lá algum dia, humano."
Então, Scarlet inclinou-se para trás e se deixou cair.
Ao ver aquilo...
"É Kimizuka. Kimihiko Kimizuka."
Nem eu sei por que fiz isso. Só percebi que, no instante seguinte, havia lhe dito meu nome.
"Kimizuka?... Kimizuka!"
Alguém puxou minha manga. Virei-me e encontrei Saikawa olhando para mim, confusa.
"Chegamos."
"Ah, desculpe. Estava pensando."
Enquanto me absorvia na lembrança daquele último diálogo com Scarlet no terraço, havíamos chegado à casa de SIESTA.
"Francamente! Só você para se perder em pensamentos enquanto eu falo com você!" Saikawa me lançou um olhar zangado e virou o rosto, emburrada. Pelo visto, tentava puxar conversa comigo.
"Desculpe." Passei a mão de leve em sua cabeça, mas ela continuava emburrada.
"Chega. Não vou mais falar com você, Kimizuka."
"Ah, que tristeza..."
Será que é assim que os pais se sentem quando a filha entra na fase rebelde?
"Desculpe." Ela afastou minha mão com um tapa, e eu a abaixei, pedindo desculpas novamente.
Saikawa caminhava à frente, sem me esperar.
"Eu disse que…."
"Desculpe por não ter feito nada."
"Hã?" Ela se virou.
Eu realmente deveria ter dito aquilo antes de qualquer outra coisa.
"Desculpe por não ter dito nada. Desculpe por só ter conseguido assistir. Desculpe por não ter ajudado. Tudo o que pude fazer foi esperar que você passasse por isso sozinha, Saikawa, e…."
Antes que pudesse terminar a frase, senti algo me envolver pela cintura.
"Desculpe," disse mais uma vez antes de abraçar Saikawa de volta. Ela havia se lançado nos meus braços.
"...Três anos." Ouvi a voz dela, ligeiramente trêmula, vinda de algum lugar abaixo do meu peito.
"Faz três anos que ninguém me abraça."
Três anos. A essa altura, eu já nem precisava perguntar o que esse número significava para Saikawa.
Eu não poderia tomar o lugar de seus pais. Ninguém poderia. Ninguém pode substituir outra pessoa.
Ainda assim, pensei. Ainda assim...
Eu poderia caminhar ao lado dela. Poderia segurar sua mão, afagar sua cabeça. Poderia também envolvê-la em um abraço, como fazia agora. Nesse caso—
"Vou deixar você chorar no meu ombro sempre que precisar."
Queria fazer por ela aquilo que ninguém fizera por mim um ano atrás.
"Você também, Kimizuka."
Saikawa ergueu os olhos para mim.
"Pode se apoiar em mim e exigir mais também."
Seu olhar deixava claro que não estava brincando.
"Está tudo bem em fazer o que você quer fazer."
Saikawa já havia me dito isso antes.
E, de fato, ela havia escolhido seu próprio caminho. Estava certa de que seus pais falecidos se orgulhariam ao vê-la seguir sua carreira como idol, cercada por amigos. E, acima de tudo, sabia que era isso que realmente queria.
Então, e eu?
Herdara o último desejo da lendária detetive... Mas será que era isso que eu queria fazer?
O que exatamente meu coração desejava agora?
A partir de agora, tudo muda.
"Chegamos!" Descendo a escada subterrânea, Saikawa abriu a porta de ferro.
Tinha sido um dia longo, mas, finalmente, havíamos retornado ao esconderijo da SIESTA.
"Desculpem a demoraaa!" Saikawa chamou por Natsunagi e Charlie, que haviam ficado no local.
Depois de toda aquela confusão, o relógio da sala de estar já marcava mais de meia-noite.
"Vou tomar um banho rápido e cair na cama."
...Ou pelo menos era o que eu pretendia. Antes disso, precisava contar para os dois o que tinha acontecido comigo e Saikawa, especialmente sobre o verdadeiro objetivo de Seed e o que estava acontecendo com a SPES.
Mas, antes que pudesse dizer qualquer coisa….
"Nagisa!"
O grito de Saikawa ecoou pelo ambiente. Ela estava agachada ao lado da mesa de jantar.
"O que houve?!"
Natsunagi estava no chão, inconsciente.
"Nagisa! Nagisa...!" Saikawa chamou desesperadamente, sacudindo-a com força.
Segurei sua mão para impedir que continuasse e me abaixei, colocando uma mão diante dos lábios de Natsunagi para verificar se ela ainda respirava...
Sim, estava viva.
Então, enquanto fazíamos isso….
"...Kimi...zuka? Yui...?"
Os olhos de Natsunagi se abriram levemente ao nos reconhecer.
"Você está bem?!"
"Nagisa...!"
Nos ajoelhamos ao lado dela.
"C-corram..."
Naquele instante, senti algo mortal se aproximando por trás.
"…!"
Num movimento instintivo, puxei a arma da cintura e apontei para a figura que estava a poucos metros de distância.
Meu adversário, por sua vez, apontava uma espada fina diretamente para mim.
"Por quê...?"
Saikawa murmurou com a voz trêmula ao reconhecer o rosto da pessoa que eu mirava.
Sim. Eu entendia o que ela sentia.
Mesmo naquele momento, enquanto apontávamos nossas armas um para o outro, minha mente se recusava a acreditar.
Talvez fosse um sonho, uma ilusão.
Mas, ao mesmo tempo, eu sabia que essa pessoa não era do tipo que fazia brincadeiras.
Então, escolhi manter meu tom leve, como sempre fazia com ela.
"Ei, espera aí. Isso sim é uma mudança brusca de personalidade, Charlotte Arisaka Anderson."
Entre os cabelos loiros esvoaçantes e os olhos verde-esmeralda, não havia como confundi-la com mais ninguém.
Apenas um dia antes, éramos amigos próximos, vivendo sob o mesmo teto.
Agora, ela nos olhava com frieza, como se fôssemos presas que precisava caçar.
"Corram," ordenei, posicionando-me na frente de Natsunagi e Saikawa para protegê-las.
Mas Natsunagi não estava em condições de fugir sozinha, e Saikawa estava paralisada pelo choque.
"Não adianta."
O rosto de Charlie era impassível.
"Mesmo que eu tenha que persegui-la até os confins da Terra... eu matarei Yui Saikawa."
Não Natsunagi. Não eu.
Menos de uma hora depois de finalmente se libertar de suas amarras, Saikawa era declarada alvo a ser eliminado.
"P-por quê?"
A voz de Saikawa não carregava tanto surpresa quanto perplexidade genuína.
"Passamos o dia juntas ontem... Conversamos tanto..."
"Recebi ordens," respondeu Charlie, sucinta.
"Chegaram há pouco tempo. E, por isso, vou cumprir. Não há outro motivo."
Quem teria ordenado a morte de Saikawa?
SPES?
Não, não poderia ser.
Bat nos dissera que a SPES, ou melhor, Seed queria usá-la como recipiente. Ele não poderia matá-la.
"É hora de acabar com isso."
Sem dar mais explicações, Charlie ergueu sua espada.
"Se tentarem me impedir, matarei vocês também. Não permitirei que ganhem tempo."
No instante seguinte, ela desapareceu.
Não….
Apenas pareceu desaparecer.
Era a velocidade absurda com que havia encurtado a distância entre nós.
Charlie estava levando isso a sério.
Nem precisava, na verdade.
Eu nunca havia conseguido derrotá-la em combate.
Se fosse uma luta um contra um agora, eu já estava….
"Eu sabia que fiz bem em beber seu sangue."
Eu já tinha ouvido aquele tom zombeteiro há pouco tempo.
O vampiro surgiu entre Charlie e eu, seus olhos dourados brilhando enquanto gotas vermelhas de sangue dançavam ao seu redor. Ele estava no controle agora.
"...! Scarlet, você….!"
Mas aquele sangue era dele.
Junto com o líquido escarlate, o braço direito de Scarlet girava pelo ar. A espada de Charlie o havia decepado.
"Oh-ho. Então você conseguiu arrancar meu braço."
O surgimento repentino de Scarlet pegou Charlie de surpresa; ele, por outro lado, nem sequer pestanejou.
"Meus parabéns. Você tem bastante habilidade... para um humano."
Segurando seu próprio braço direito com os dentes, Scarlet desferiu um chute alto contra ela.
"...!"
Mas não era um chute qualquer afinal, ele era um monstro. Com um baque surdo, Charlie foi lançada para trás.
"Ghk! Quem... é você...?"
Ela caiu no chão, a uma boa distância, e olhou para Scarlet, claramente atormentada pela dor.
"Então, parece que você não tinha considerado a minha existência em seu plano."
Scarlet pressionou o braço decepado contra o ombro ensanguentado. Em segundos, os tecidos se reconectaram sozinhos,ele nem precisou costurá-los.
"Scarlet, por que está aqui?"
Ele havia insinuado que talvez nos víssemos novamente algum dia, mas eu não esperava encontrá-lo menos de uma hora depois.
"Oh, eu havia esquecido algo."
Caminhando até mim, Scarlet deslizou algo no bolso interno do meu casaco.
"Isto é o pagamento que eu receberia daquele mamífero. Como nosso contrato foi anulado, pensei em devolver, mas ele me disse para entregá-lo a você."
"Bat disse isso?"
O objeto era pequeno e rígido. O que diabos...?
"É uma pedra que me permitiria caminhar sob a luz do sol. Ou pelo menos foi o que ele afirmou, mas não posso dizer se é verdade."
Certo, vampiros só podem sair à noite. Bat conseguiu algo tão valioso para Scarlet como pagamento por devolver os mortos à vida?
"E assim, humano, minha tarefa está concluída. Você me deu trabalho extra."
Depois de causar todo aquele caos, Scarlet se preparou para ir embora. Mas eu o interrompi:
"Ei, vampiro. Pode levar essas duas e fugir?"
Pedi que ele levasse Natsunagi e Saikawa para um lugar seguro.
"Isso é um contrato formal? Se for, então…."
"O preço é o meu sangue."
Cortei a conversa antes que ele tentasse negociar. Ele já tinha tomado meu sangue quando nos conhecemos. Se aquele que salvou sua vida lhe pedia um favor, provavelmente ele ouviria.
"...Entendo. No entanto." Scarlet estreitou os olhos.
"Tem certeza de que não quer que eu derrote aquela garota loira?"
Ele fitou Charlie, que se levantava, instável.
"Sim, está tudo bem. Seria pedir demais um favor grande para um sangue tão repugnante."
"Ha-ha! Você é realmente um sujeito divertido."
Além disso, eu precisava dar pelo menos um soco nela.
"Isso significa que assumirei daqui."
Enquanto falava, mantive meu olhar fixo naquela garota com quem eu nunca conseguia me entender, nem me livrar.
Scarlet se virou.
"Muito bem. Aceito seu pedido. Da próxima vez, venha até mim trazendo um novo preço, Kimihiko Kimizuka."
Segurando Natsunagi e Saikawa ao seu lado, Scarlet abriu suas asas negras e voou para fora do recinto.
"Kimi...zuka..."
"Kimizuka...! Eu prometo, nós…!" Natsunagi e Saikawa me olharam, prestes a chorar.
Puxa vida. Continuem assim e vão acabar me fazendo pensar que gostam de mim. Me deem um tempo.
"Certo. Agora."
Os três desapareceram rapidamente, e então restamos apenas eu e Charlie.
Não havia como recuar depois de todo aquele teatro.
"Está pronta?"
Observei Charlie atentamente. Ela já tinha recuperado sua espada.
"...Eu é que deveria perguntar isso a você."
"Ah, é? Bom, tanto faz."
Vamos resolver isso aqui e agora.
Temos um ano inteiro de lutas para colocar em dia.
5 anos antes, Charlotte
“...Ngh, guh...”
Encolhida contra a parede dentro de um velho galpão abandonado, eu soluçava.
“Eles vão me matar...”
Eu sabia o que significava falhar em uma missão para um agente. Eu não tinha eliminado meu alvo, e agora minha vida estava por um fio.
“Por quê? Por que isso aconteceu...?” Tudo isso, cada pedacinho, era...
“Vamos lá, para de chorar já.”
...culpa da garota de cabelos brancos ao meu lado, que estendia casualmente um lenço.
“Se não fosse por você!”
Sim, ela era o alvo que eu deveria matar.
Codinome: Siesta.
Era minha primeira experiência real de combate desde que entrei na organização, e eu estava tão nervosa que achei que meu coração fosse explodir. Mesmo assim, consegui encurralá-la nesse galpão abandonado, e atirei no lado esquerdo do peito dela... ou pelo menos achei que tinha atirado.
Por algum motivo, ela não sofreu ferimento algum, e quando percebi, era ela quem me imobilizava. Então, ela me fez uma certa proposta, e agora estávamos ali.
“Não me importo se você quiser chorar ou gritar comigo, mas seu rosto tá uma bagunça. Toma, assoa o nariz.”
...Ela não fazia ideia de como eu estava me sentindo. Irritada, arranquei o lenço branco da mão dela e assoei o nariz com força.
“Aceitar piedade do meu inimigo. Isso é humilhante...”
“Heh-heh. Bom, você enfrentou a pessoa errada.”
Ao meu lado, a inimiga sorriu com elegância. Ela ia me deixar louca.
“...! Tá bom, chega! Faz o que quiser comigo.”
Agora que falhei na missão, a organização ia acabar comigo de qualquer forma. Morrer aqui seria melhor do que isso, mas...
“...Mas eu não quero morreeeeer!”
Eu só tinha doze anos. Ainda tinha tanta coisa que eu queria fazer. Queria usar roupas da moda, comer comidas gostosas. Claro que eu estava preparada para o pior com um trabalho desses, mas isso não significava que eu queria morrer.
“Eu já te disse.”
Enquanto eu me encolhia, abraçando os joelhos, a garota de cabelos brancos repetiu sua proposta:
“Vou fazer parecer que morri aqui. Assim, sua organização não vai te matar.”
“...O que você ganha com isso?”
Receber ajuda de um inimigo era simplesmente vergonhoso... mas se eu aceitasse, talvez conseguisse sobreviver. Esse paradoxo tornava tudo difícil de engolir.
“Por que você faz esse trabalho?” minha ex-alvo perguntou do nada.
“...Meus pais.”
Como ainda não tinha encontrado uma resposta pra mim mesma, resolvi seguir a conversa.
“Eles são soldados e espiões há muito tempo. Hoje em dia quase não os vejo, mas sempre os respeitei. Seus nomes e rostos nunca são divulgados. Algumas pessoas dizem que eles são horríveis, monstros, que o que fazem é um crime contra a humanidade. Mas eles protegem o mundo nos bastidores. Tenho orgulho deles... e do meu trabalho.”
E eu falava sério. Essa era minha vocação.
Eu protegeria o mundo à minha maneira.
“Entendo. Então somos parecidas.”
Enquanto dizia isso, minha antiga inimiga não olhava diretamente para mim.
Pensando bem, eu sabia pouco sobre ela. Muitos espiões e assassinos pesquisam profundamente sobre seus alvos. Na verdade, a maioria faz isso. Mas dessa vez, eu não quis correr o risco. Não queria me apegar a ela a ponto de não conseguir puxar o gatilho.
“Eu também tenho um objetivo. E por isso, não posso deixar que você me mate agora.”
“Ah...”
“Mas se você também está lutando pelo seu, então não deveria morrer aqui.”
“...E por isso está me salvando?”
Se fosse isso mesmo, ela era a pessoa mais boazinha do mundo. Ajudar alguém que tentou te matar...
“Exatamente. E em troca, gostaria que me ajudasse de vez em quando.”
“Hã?”
“São os termos do acordo. Eu salvo sua vida agora. E, em troca, você me ajuda em algumas missões. Que tal?”
Ela se inclinou para espiar meu rosto, sorrindo.
“...Isso não é justo.”
Instintivamente, eu sabia que ela não precisava da minha ajuda. Ela só chamava isso de “troca” pra que eu pudesse aceitar sua bondade sem vergonha.
Ela não só tinha vencido, ela me destruiu por completo.
“...!” As lágrimas que eu segurava escorreram de novo.
“Ah, céus. Acho que é melhor...” disse ela. Acho que não suportava me ver desabando daquele jeito.
“Deixe-me te dar um conselho, pra não cometer o mesmo erro outra vez.”
Ela enfiou a mão no vestido, mexeu em algo e tirou um objeto.
“É tão bonito...”
Era um pingente com uma joia azul.
O padrão da luz refratada mostrava que era totalmente impecável.
“Essa pedra pode aguentar o impacto de um projétil de artilharia. Eu a coloco sobre o peito esquerdo, dentro do sutiã. Tenho um conhecido que é muito bom em fabricar essas coisas,”
ela comentou, como se fosse algo trivial.
“Ouvi dizer que você era uma boa atiradora, então tinha certeza de que acertaria direto no meu coração.”
“Então você sabia o tempo todo...?” murmurei. Já tinha passado da surpresa e chegado ao deslumbramento.
“Detetives de primeira linha resolvem os incidentes antes mesmo que eles aconteçam, sabia?”
O sorriso que ela me deu teria encantado qualquer um que o visse.
“...Eu não sou páreo pra você.”

Tenho certeza de que foi naquele momento que aconteceu. Quando percebi que queria que essa garota fosse minha mentora. Quando soube que faria qualquer coisa por ela. —E então:
“O que devo fazer primeiro... Senhora?”
Desde aquele dia...
O desejo dela se tornou o meu também.
Traduzido por Moonlight Valley
Link para o servidor no Discord
Entre no nosso servidor para receber as novidades da obra o quanto antes e para poder interagir com nossa comunidade.
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios