Volume 3
Capítulo 1
Seis anos atrás, Nagisa
Eu estava na beira do mar, ouvindo o som das ondas. Plish, plash, pequenas ondas surgiam e depois se afastavam. Minha ansiedade e dor iam desaparecendo, e meu coração ficava mais tranquilo. Escutar a voz do oceano ali, na linha da água, era a única coisa que eu esperava ansiosamente.
"Que está fazendo aí?"
Do nada, ouvi uma voz desconhecida atrás de mim. Era a voz de uma garota, fresca e clara, mas de modo algum fria.
"...Ouvindo o oceano", respondi, embora tenha ficado um pouco tenso; não esperava encontrar ninguém ali.
"Só ouvindo? Não está olhando para ele?"
"Bem, quero dizer, não dá para ver agora."
Realmente não dava; era noite. Durante o dia, o mar brilhava como esmeraldas, mas, naquela hora, a única luz vinha das estrelas, e a água parecia negra. Por isso, eu apenas apreciava o murmúrio das ondas.
"Então por que não vem durante o dia?"
Senti a garota se sentar ao meu lado. No começo, ela me pareceu madura, mas, pela posição da sua voz, percebi que devia ter minha altura. Será que tínhamos a mesma idade?
"Eu gostaria... Mas perceberiam se eu viesse." Mantive a conversa, me abrindo um pouco para ela.
"Perceberiam? Quem são 'eles'?"
"...A questão é que eu estou doente. Deveria estar no meu quarto de hospital. A cama é dura, e ficar deitado o tempo todo dói... então, às vezes, eu fujo para cá."
Aqueles momentos eram meu único conforto, quando eu conseguia escapar, ainda que por um tempo, dos tratamentos dolorosos e da monotonia interminável.
"Deixa isso pra lá. Quem é você? Acho que não reconheço sua voz." Era bom conversar com alguém da minha idade, então fiz uma pergunta também.
"Me trouxeram para cá recentemente. Houve uma situação."
"...Entendo." Quando ela disse "aqui", não estava falando do hospital. Esse lugar era um orfanato em uma ilha isolada.
"Está tudo bem, no entanto. As pessoas que vivem aqui são todas crianças como nós."
Crianças que, assim como nós, não tiveram sorte. Que parte disso estava "bem"? Eu sabia que a resposta era "nenhuma", mas não conseguia pensar em nada melhor para dizer.
"Qual é o seu nome?", a garota perguntou.
"Número 602. É assim que os adultos me chamam", respondi.
E não era só comigo. Todas as crianças ali eram tratadas assim... Mas eu tinha certeza de que essa garota acabaria se acostumando. Um dia, ela também seria "Nagisa."
A princípio, pensei que ela estivesse falando sobre a praia, mas não, ela se referia a isso como um nome.
"Você gosta do oceano, então é assim que vou te chamar", disse ela, com um sorriso discreto. Ou, pelo menos, parecia que ela havia sorrido...
Então, devolvi sua pergunta.
"E você? Qual é o seu nome?"
"Não tenho um. Mas..."
"Mas?"
"Acho que tenho um codinome."
Então, ela me disse qual era. E, naquele momento, pensei que jamais esqueceria esse nome enquanto vivesse.
Eu não queria esquecer.
Para ver você mais uma vez!
"O nome daquela que um dia irá despertá-lo é... Nagisa. Nagisa Natsunagi."
Essa foi a última coisa que Siesta disse antes de a tela se apagar.
Depois que o filme terminou, nenhum de nós, eu, Natsunagi, Saikawa ou Charlie conseguiu falar imediatamente. O silêncio se prolongou, enquanto minha mente fervilhava com as memórias do que eu acabara de ver: os três anos que passei viajando com Siesta.
Nos conhecemos em um avião sequestrado, a dez mil metros de altitude. Depois de um incidente na minha escola, parti em uma jornada com ela. Nossa vida foi uma longa e deslumbrante aventura, até que nossa luta contra a organização secreta SPES nos levou a Londres, onde encontramos uma órfã misteriosa chamada Alicia. Ela se juntou a nós como detetive substituta. No entanto, Alicia possuía outra personalidade, embora não soubesse disso. Essa outra personalidade se chamava Hel, e ela estava tirando vidas inocentes nas ruas de Londres.
Para salvar Alicia, seguimos para o esconderijo do inimigo em busca de Hel. Lá, encontramos o líder da organização, que nos revelou a verdadeira natureza do grupo. Então, Siesta entrou em sua batalha final contra Hel.
Sim, eu finalmente me lembrava de tudo.
O que aconteceu naquela ilha um ano atrás. Por que a detetive já estava morta.
Quem tirou a vida de Siesta naquele dia foi…
"Fui eu." Natsunagi murmurou na quietude.
"Siesta... fui eu quem..."
"Não." Eu não podia deixá-la terminar. Instintivamente, a interrompi.
"Você não fez nada, Natsunagi. Não pessoalmente. Então..."
Era algo que eu já havia dito para Alicia, não para Natsunagi, quando ela usou a semente de Cerberus para se parecer com Alicia. Era a verdade: Natsunagi não havia feito nada. Mesmo que fisicamente tivesse cometido um crime, a culpada era sua outra personalidade, Hel. Natsunagi não tinha ligação com os assassinatos nem com a morte de Siesta. Ela não havia feito.
"Me desculpe."
As luzes da sala se acenderam, e, por alguma razão, Natsunagi se virou para mim e se desculpou. Seus olhos estavam cheios de lágrimas.
"Me desculpe por tirar de você alguém tão precioso, Kimizuka."
Seus dedos se aproximaram do meu rosto. Por um instante, achei que ela os enfiaria na minha boca, como havia feito daquela vez, mas, em vez disso, suas pontas delicadas enxugaram meus olhos.
"...Desculpa." Era eu quem estava chorando.
Achei que já tinha superado quase tudo isso, mas, aparentemente, não. Precisei admitir: ainda não tinha conseguido me desprender completamente de Siesta.
"Então minhas memórias eram artificiais", disse Natsunagi suavemente, abaixando o olhar.
"Até mesmo o meu 'transplante de coração': eu apenas roubei o coração de Siesta. Aposto que aquelas lembranças de infância, de sempre estar no hospital, eram resquícios da minha época como prisioneira da SPES. Como pessoa, eu sempre fui vazia."
Natsunagi dizia essas coisas com frequência: que era uma farsa, que não podia se tornar ninguém, que não conseguia escapar de sua pequena gaiola e voar para longe.
Eu já havia ouvido Alicia se menosprezar dessa forma também. Ela descrevia sua amnésia como um quarto escuro, sem luz ou som.
Agora que recuperei aquela memória de um ano atrás, quando olho para Natsunagi, sua imagem e a de Alicia se sobrepõem. A Alicia que conheci em Londres no ano passado tornou-se Nagisa Natsunagi.
"Nagisa, venha aqui e sente-se um pouco."
Os ombros de Natsunagi tremiam. Saikawa a chamou suavemente, e elas se sentaram juntas no chão de concreto. Como o mais velho, deixar que Saikawa assumisse o papel de confortá-la não era o meu melhor momento, mas, agora, eu estava grato por isso.
"Você quer dizer que suas memórias foram manipuladas?" Charlie foi a próxima a falar.
"As de Nagisa... e as suas também, Kimizuka." Ela me lançou um olhar.
"No caso de Nagisa, provavelmente fizeram isso para suavizar o impacto emocional."
Suspeitei que Fuubi Kase, a detetive ruiva, fosse a responsável. Ela devia ter feito isso sob as ordens de Siesta, para salvar Natsunagi.
"E eu esqueci."
O fato de que já havia conhecido Natsunagi antes.
A razão pela qual Siesta estava morta.
O verdadeiro significado de "SPES" e a identidade de Seed, seu líder.
Aquele pólen tirou minhas memórias das poucas horas que passei naquela ilha.
"Mas você se lembra, não é, Charlie?"
Charlie e eu havíamos ficado frente a frente com Seed no esconderijo do inimigo no ano passado. Ele se apresentou como o "pai de todos os pseudohumanos" e nos revelou o verdadeiro objetivo da SPES. Alegou ser uma semente vinda do espaço, cujo instinto de sobrevivência o levava a subjugar a humanidade. Depois disso, fui atrás de Siesta, mas Charlie permaneceu no laboratório e manteve o inimigo sob controle. Isso significava que ela não foi atingida pelo pólen e, portanto, manteve suas memórias intactas.
"Sim. Eu não fazia ideia de que você não se lembrava, Kimizuka. Afinal, não ficamos comparando informações sobre tudo... Especialmente porque, bem, somos nós."
Charlie riu de si mesma.
Quando Charlie e eu nos reencontramos naquele cruzeiro, fazia um ano que não nos víamos. Depois, no convés do navio de luxo, enfrentamos Chameleon, nosso inimigo jurado. Ele disse que havia matado Siesta, mas estava enganado. Aposto que ele nem sequer suspeitava que Siesta tinha parado seu próprio coração.
"Charlie, eu…." Natsunagi se levantou de repente, mas...
"Não diga nada." Charlie nem sequer olhou para ela.
"Eu sei que não foi culpa sua. De verdade. Só... ainda não consegui aceitar completamente. Me dê um tempo."
"...Okay."
Isso fazia sentido; Charlie havia acabado de descobrir como Siesta realmente morreu. A garota ao lado dela esteve envolvida na morte da professora que ela amava e respeitava. Não havia palavras de conforto simples que pudesse oferecer.
Que tipo de decisão poderíamos tomar em uma situação como essa?
Mais uma vez, o pesado silêncio encheu a sala desconhecida.
"Antes de tudo..."
Após uma breve pausa, uma voz clara e firme se fez ouvir.
"Está tudo bem, acalmem-se. Apertem as mãos. Relaxem os ombros. Respirem de forma rítmica. Fechem os olhos, inspirem profundamente e, então, expirem. O sangue circula. Quando abrirem os olhos, sua visão turva ficará nítida."
A voz era de Saikawa. Eu já a tinha ouvido dizer essas palavras antes. Era o seu feitiço para aliviar a tensão.
"Depois de fazerem isso, que tal tomarmos um chá?"
O sorriso que ela nos deu era tão encantador quanto se esperaria de uma idol.
"Aff. Sério, por que você é a mais madura aqui?"
"Heh-heh! Porque tenho muito mais experiência do que você, Kimizuka... Muita experiência."
"Não tente insinuar nada com isso. Você é uma idol, Saikawa. Lembre-se disso."
Essa garota do ensino fundamental... Bem, isso provavelmente foi melhor do que deixar o clima continuar pesado.
Com esse pensamento, me virei para sair e então, num instante, lembrei que estávamos ali porque havíamos sido sequestrados.
"Onde está o sequestrador?"
Um mau pressentimento tomou conta de mim, e eu olhei para trás.
"Uma festa do chá, hein? Parece agradável. Permitam-me juntar-me a vocês."
No instante seguinte, percebi que havia alguém além de nós quatro na sala.
"Quem está aí?!"
Instintivamente, avancei contra a figura... mas, no momento seguinte, fui lançado pelo ar. Vi o teto e, então…
"Agh!"
Minhas costas bateram contra o chão. Algo como um choque elétrico percorreu meu corpo, e fechei os olhos com força.
"Se tentar tocar este corpo novamente, esmagarei cada osso do seu."
Que injusto. Abri os olhos lentamente, pronto para soltar algumas palavras afiadas contra quem quer que tivesse me arremessado mas então, congelei.
"Você é..."
A pessoa diante de mim era extremamente familiar.
Ela tinha cabelos prateados pálidos. Traços tão belos quanto uma escultura. E vestia... um uniforme de empregada? Seu gosto para roupas não era exatamente como eu me lembrava, mas sua aparência era inconfundível. Durante três anos, passei cada momento com essa garota, cujo nome era….
"Siesta."
Não havia dúvida. Minha ex-parceira estava bem ali.
Porque você disse para vestir um uniforme de empregada
"Por favor, peça o que quiser," disse a garota de cabelos brancos no uniforme de empregada.
Estávamos todos sentados ao redor de uma mesa. Havíamos nos mudado para um café para nossa festa do chá. O lugar era espaçoso, mas não vi nenhum outro cliente. Pelo visto, ela havia reservado o local inteiro.
A pessoa que nos trouxe até ali disse:
"Não precisa se preocupar comigo. Kimihiko está pagando."
Ela saboreava seu chá com elegância, um passo à frente de todos nós.
"Bem, vocês podem se conter por mim, SIESTA," retruquei para a garota sentada no assento de honra.
Com aqueles deslumbrantes cabelos brancos e olhos azuis, ela era, sem dúvida, minha ex-parceira. Mas...
"Você realmente se parece com a Madame," murmurou Charlie enquanto observava SIESTA beber o chá e acenar com aprovação.
Essa SIESTA... não era a verdadeira.Claro que não era. A detetive estava morta há um ano.
"Charlotte. Como eu disse, sou apenas um robô." Ela já havia explicado isso no caminho até aqui.
Essa SIESTA era um androide vivo, criado com base no corpo, nas memórias e nas habilidades de Siesta.
"Tem certeza de que não é a Siesta?" perguntei. Para mim, ela parecia completamente humana.
"Sim. Diferente da Senhorita Siesta, eu não te chamo de ‘Kimi’."
"Entendi. Bom, você tem razão, a verdadeira nunca teria me derrubado com um golpe de ombro. Ela teria deixado eu descansar minha cabeça no colo dela."
"...Fiz uma consulta ao banco de dados, e isso nunca aconteceu."
"Ei, se for desviar o olhar, pelo menos faça isso de forma mais sutil. Se você foi baseada na Siesta, deveria gostar mais de mim."
"Tenho desprezo por você exatamente porque fui baseada na Senhorita Siesta."
"Ok, quero todas as minhas lágrimas de volta." Isso era estranho. O clima sombrio desaparecia como se nunca tivesse existido.
"O que foi isso? Ensaiaram antes? Parecem um casal de velhos casados."
"Yui, não os compare a um casal. Pelo menos chame de uma dupla de comediantes experientes."
Saikawa e Charlie estavam sentadas do outro lado da mesa. Por alguma razão, ambas estavam me encarando. Ah, me deem um descanso, isso não é culpa minha. A culpa é toda da detetive... Mas agora não era hora de dizer algo assim.
"Já que nos sequestrou, presumo que tenha algum assunto a tratar conosco. Ou Siesta pediu para você fazer isso antes de morrer?"
SIESTA foi quem nos sequestrou e nos mostrou aquele registro do passado. O quarto onde ela nos trancou fazia parte do esconderijo onde vivia.
"Sim. A Senhorita Siesta fez vários preparativos antes do dia de sua morte. Encontrar vocês foi um deles; me deixar aqui como reserva foi outro. Ela me instruiu a contar-lhes a verdade."
"Mas precisava de um sequestro para isso?"
"Foi necessário. Não poderia contar de outra forma."
Então SIESTA voltou seu olhar para a única pessoa que havia ficado em silêncio o tempo todo.
"Nagisa." Esse nome foi a última coisa que a detetive deixou para trás.
Ao meu lado, Nagisa ergueu o olhar e ouviu as últimas palavras da grande detetive.
"Permita-me dizer isso em nome da Senhorita Siesta: Obrigada."
O clima nebuloso que pairava até aquele momento se dissipou com essas palavras, como um vento que trazia mudança. Parecia que SIESTA havia aparecido apenas para dizer isso.
O resto de nós absorveu essas palavras junto com Natsunagi.
"Graças a você, a vontade da Senhorita Siesta não desapareceu. Além disso, preservar sua vida e garantir que você fosse para a escola foi seu último desejo, e sua missão. Por isso, tenho minha gratidão a expressar. Obrigada."
SIESTA abaixou a cabeça em um gesto de respeito.
Natsunagi hesitou. "Eu..." Seu olhar vagou e seus lábios se moveram sem emitir som algum.
Podíamos dizer as "palavras certas" o quanto quiséssemos, mas não havia garantia de que isso aliviaria a mente de Natsunagi. A responsabilidade do passado parecia pesar sobre ela, e ela baixou o olhar novamente. O silêncio voltou a reinar.
"Que tal tomarmos chá enquanto conversamos? Este lugar tem uma torta de maçã excelente," disse SIESTA baixinho, e percebi que tortas e chá preto haviam aparecido em nossa mesa.
"Isso me traz lembranças..." murmurou Natsunagi, colocando um pequeno pedaço de crosta de torta na boca.
Notei que ela estava lembrando das memórias, não do sabor.
"...De qualquer forma, SIESTA," comecei a falar por todos nós, questionando aquilo que precisávamos saber.
"Por que escolheu este momento para nos reunir e contar a verdade sobre o passado? Por que esconder isso por tanto tempo?"
Um ano. Esse foi o tempo desde a morte de Siesta. Se a missão de SIESTA era nos contar a verdade, por que ela não entrou em contato antes?
"Há várias razões." SIESTA começou a explicar, erguendo os dedos enquanto listava os pontos.
"Primeiro, a Senhorita Siesta levou muito tempo para suprimir a personalidade violenta de Hel, que estava adormecida nesse corpo, e estabilizar Nagisa."
Isso era algo que Siesta havia mencionado em nossa última conversa, ela disse que poderia levar muito tempo para selar Hel. A própria Natsunagi me contou que só recentemente havia conseguido frequentar a escola. Então, demorou um ano para que tudo se encaixasse, huh?
"Segundo, eu estava esperando que os quatro estivessem emocionalmente alinhados."
"Nós?"
"Sim, porque esse foi o último desejo da Senhorita Siesta."
Certo. Essa foi a mensagem que Siesta deixou através de Natsunagi: Natsunagi, Saikawa, Charlie e eu éramos seu legado.
"Mas," Charlie interrompeu, "por que ‘nós quatro’? Especialmente Kimizuka... Precisamos mesmo dele?"
"Ei, Charlie. Por que está falando como se essa fosse uma dúvida óbvia?"
"Na verdade, parece que ela hesitou até o último momento sobre incluir Kimihiko Kimizuka ou não."
"O quê? Eu devia ser o primeiro! Eu era o assistente dela, lembra?"
"Kimizuka, você não vai nos dizer que esses três anos foram uma mentira, vai? Vamos descobrir agora que você era só um stalker dela o tempo todo?" perguntou Saikawa.
"Saikawa, você tem os melhores olhos aqui. O que exatamente você viu naquelas memórias?"
Era inútil. Assim que o clima ficava um pouco mais leve, esse pessoal já começava uma esquete cômica.
"Mas..." Como se tivesse lido meus pensamentos, Natsunagi olhou seriamente para SIESTA.
"Você provavelmente ainda não nos contou o motivo mais importante, contou?"
Por que a SIESTA havia reunido nós quatro agora? Por que ela havia nos contado a verdade? Essas eram as perguntas que Natsunagi fazia.
Os olhos de SIESTA se estreitaram, e ela mencionou alguém de quem eu tinha me esquecido até aquele momento. Era o líder da SPES e, muito provavelmente, nosso maior inimigo.
"No último ano, Seed não fez nada de relevante. No entanto, recentemente, a situação parece estar mudando."
Ela estava certa. O incidente da safira de Saikawa e o ataque de Chameleon ao navio eram provas disso. Mas o que ele esteve tentando fazer durante esse ano?
"Detê-lo é sua responsabilidade, Nagisa." SIESTA colocou sua xícara de volta no pires.
"Minha... responsabilidade..." O peso daquela missão fez com que Natsunagi abaixasse os olhos. Normalmente, ela teria batido no peito, cheia de confiança, e aceitado o desafio. Mas agora, depois de descobrir a verdade sobre seu passado...
"Ela não precisa fazer isso sozinha." Engoli o resto do meu chá de uma vez, sem parar para respirar, e então me virei para SIESTA.
"Saikawa, Charlie e eu concordamos que precisamos derrubar a SPES. Natsunagi não deveria carregar esse peso sozinha."
Natsunagi pode ter herdado voluntariamente a vontade da detetive prodígio, mas Saikawa, Charlie e eu também fazíamos parte do legado de Siesta. Derrotar a SPES era um objetivo que compartilhávamos.
"Sim, isso é verdade. No entanto, o papel de Nagisa nisso tudo não se compara ao de vocês, Yui e Charlotte. Afinal..." SIESTA respirou fundo.
"Nagisa é a detetive prodígio."
Enquanto falava, ela enfatizava claramente aquele título.
"E o que tem isso? Se você quer dizer que é diferente de ser uma detetive comum, Natsunagi já sabe disso."
Siesta também se autodenominava a detetive prodígio, mas seu papel tinha muito pouco em comum com o conceito tradicional de detetive. Em geral, em uma história de mistério, você não esperaria encontrar uma detetive que lutasse contra pseudohumanos e alienígenas.
Diante de tudo o que havia acontecido até aquele momento, Natsunagi já devia estar bem ciente disso.
"...Entendo. Então a Senhorita Siesta nem sequer contou isso a você." SIESTA fez um leve aceno pensativo.
"A detetive prodígio não é o que você imagina, Kimihiko." Ela falava como se tivesse lido minha mente.
"Você está certo ao dizer que não é apenas alguém que resolve crimes de maneira convencional. No entanto, quando usamos o termo 'detetive prodígio', geralmente significa algo muito diferente…."
"Espere."
De repente, a mesa tremeu com força e Charlie se levantou, derrubando nossas xícaras de chá.
"Se você disser mais alguma coisa, estará violando a Carta Federal." Ela lançou um olhar acusador para SIESTA. Eu não fazia ideia do que era essa tal de Carta Federal.
"Isso não importa. Eles já estão envolvidos." SIESTA olhou ao redor da mesa, nos observando um por um, antes de continuar, sua expressão ainda inalterada.
"A detetive prodígio é um cargo. É um dos doze escudos que protegem o mundo, os Tuners."
Os inimigos do mundo e os doze escudos
"Os Tuners... Então é disso que se trata..."
"Hã? Você já sabia disso, Kimizuka?" Saikawa percebeu minha expressão séria.
"O que diabos são os Tuners?"
"Não faço ideia."
"Nunca mais finja que sabe de alguma coisa." A jovem idol de repente me olhou com frieza.
"Este mundo está sob ameaça constante."
Ignorando minha troca de farpas com Saikawa, SIESTA prosseguiu com sua explicação.
"Essas crises ocorrem regularmente e, às vezes, várias ao mesmo tempo. Para combatê-las, uma organização internacional nomeou secretamente indivíduos conhecidos como ‘Tuners’."
Alguém criado para enfrentar as crises do mundo... Agora que ela mencionava isso, tive a sensação de que Siesta já havia dito algo semelhante uma vez. Algo sobre existir para proteger o mundo. Sobre ter esse tipo de DNA.
"Existem doze Tuners espalhados pelo globo. Eles são designados para diversas missões a fim de lidar com crises globais, e cada um ocupa uma posição diferente."
Enquanto falava, ela dobrava os dedos um por um.
"Por exemplo, há o Ladrão Fantasma. O Oráculo. O Assassino. Dizem que há até mesmo um Mago e um Vampiro."
"Vampiro...?" Eu não conseguia imaginar que tipo de trabalho esse cargo envolvia.
"Como eles servem como barreiras contra ameaças ao mundo, muitas calamidades históricas foram evitadas." SIESTA continuou, explicando com clareza.
"Guerra nuclear, mudanças climáticas, pandemias, impactos de asteroides... Em alguns casos, a própria humanidade foi a fonte da ameaça. Em outros, como no caso da SPES, os perigos vieram de fora deste mundo. De qualquer forma, os Tuners sempre combateram essas crises das sombras."
"Então, sem eles, o mundo já teria sido destruído e nós nunca teríamos sabido?"
"Isso mesmo. Dizem até que um dos doze deteve o Rei do Terror, que deveria ter atacado em 1999."
SIESTA mencionou de maneira casual a grande profecia de Nostradamus, que um dia abalou o mundo, como se fosse apenas uma possibilidade entre tantas.
"A linha do tempo em que estamos vivendo agora pode ser, na verdade, um futuro reescrito pelos Tuners."
"Não me diga... Você está dizendo que é realmente possível mudar a história?"
"Afirmar que o que não pode ser observado simplesmente não existe é o cúmulo da arrogância. Além disso, você conhece um caso assim pessoalmente, não conhece, Kimihiko?"
Revirei minha memória em busca de algo aplicável e, então, me lembrei.
"O texto sagrado."
Era o livro que Hel mencionou um ano atrás. O que continha um registro do futuro. Será que seu autor era alguém que realmente conhecia o futuro?
Não, eu não podia deixar minha mente divagar tanto agora. O mais importante era que, agora que sabia sobre os Tuners, eu podia ter certeza de uma coisa a partir do que SIESTA havia dito até então...
"Então, Siesta era uma Tuner", afirmei.
SIESTA confirmou minha suposição sem dizer uma palavra, apenas levando a xícara de chá aos lábios.
Siesta tinha sido uma das doze Tuners que protegiam o mundo, e sua posição era a de "detetive de elite". Sua missão era derrotar a organização SPES. Mas ela nunca havia mencionado isso...
"......"
Charlie mordia os lábios, e apenas um olhar para seu rosto bastou para que eu entendesse: era verdade. Siesta falava sobre enfrentar os inimigos do mundo como se fosse uma missão que lhe foi dada, mas havia algo muito maior por trás disso.
"Dito isso...", SIESTA prosseguiu enquanto eu ainda refletia.
"No ano passado, quando a Srta. Siesta morreu, o posto de detetive de elite ficou vago. Desde então, ninguém assumiu a responsabilidade de combater a SPES."
"O que os outros Tuners estão fazendo? Eles não poderiam assumir essa missão?"
"SPES não é a única crise global", respondeu Charlie.
"Os outros onze Tuners têm suas próprias funções a cumprir."
"Entendo... Então SPES não é o único inimigo do mundo..."
Se isso fosse verdade, significava que, neste exato momento, havia outra ameaça se aproximando do planeta... e alguém lutava contra ela.
"Voltando ao assunto principal...", SIESTA desviou o olhar para Natsunagi.
"Se nada mudar, é provável que você seja nomeada a próxima detetive de elite."
"Eu... eu serei?"
Natsunagi não esperava por essa afirmação. Seus olhos se arregalaram de surpresa.
"Nada foi decidido ainda, é claro. No entanto, você possui o coração da antiga detetive de elite e herdou sua vontade. Além disso, tem a capacidade de utilizar poderes que humanos comuns não possuem. Muitos considerarão que você tem o necessário para ocupar essa posição."
Entendi. Natsunagi não havia apenas herdado o coração e a missão de Siesta. Eles acreditavam que ela também tinha potencial para fazer pleno uso desse poder. Mas...
"Siesta não falará mais através de Natsunagi."
Durante a batalha no navio contra Chameleon, Siesta havia usado o corpo de Natsunagi para se comunicar comigo. Mas então, desapareceu.
Não foi um milagre nem uma intervenção forçada pelo destino. Foi apenas um último capricho... uma despedida.
"Sim, eu sei disso", afirmou SIESTA. Então, voltou a encarar Natsunagi.
"Por isso, no lugar da Srta. Siesta, pergunto mais uma vez: Nagisa, você realmente pretende herdar a vontade da detetive de elite?" Ela queria testar a determinação de Natsunagi.
"Eu..."
A voz de Natsunagi tremia.
"E se...", interrompi. Não tinha um plano nem nada parecido, apenas senti que era injusto pressioná-la a tomar essa decisão agora.
"Digamos que, um dia, Natsunagi aceite o cargo de detetive de elite. O que ela teria que fazer primeiro?"
Não precisava ser naquele momento. Era apenas uma hipótese.
"Vejamos...", SIESTA murmurou, enquanto tomava o restante do chá e olhava para nós quatro.
"Se esse for o caso, eu gostaria que você encontrasse o erro oculto no passado que mostrei a vocês."
Ocupação: Estudante, assistente ocasional
No dia seguinte, eu estava na escola, sentado em sala de aula.
Havia me esquecido completamente das aulas extras de verão.
Pode parecer estranho, mas antes de ser assistente de uma detetive, sou apenas um estudante comum. Pelo menos, é assim que a sociedade me vê. Alguns dias atrás, embarquei em um cruzeiro, fui sequestrado e passei por diversas situações complicadas, tudo durante o que deveria ser o meu período de descanso. Mas, aparentemente, alunos no último ano do ensino médio não têm férias de verdade.
" Passaram só quinze minutos?"
Olhei para o relógio na parede e fui tomado pelo desespero. Essa aula extracurricular da manhã parecia interminável. Ainda faltava mais de meia hora para o almoço.
"Acho que vou dormir."
Dormir é praticamente um dever dos estudantes. Dizem que crianças que dormem bem crescem melhor. Perfeito, eu adoraria crescer mais três centímetros. Pensando bem, Siesta dormia bastante também. Talvez fosse por isso que ela se desenvolveu tão bem... em certos lugares.
"...Hã?" Meu Deus, que pensamento idiota.
Eu devia estar cansado. Só podia ser isso. Afinal, ontem havia sido um dia absurdamente intenso.
Minha carteira ficava no fundo da sala, ao lado do corredor. Deitei a cabeça sobre a mesa, fechei os olhos e tentei organizar meus pensamentos.
Ontem, SIESTA nos contou que o mundo era protegido por doze Tuners e que Natsunagi estava prestes a ser nomeada para um desses cargos: a detetive de elite.
Se ela aceitasse a posição, a primeira tarefa seria encontrar o erro oculto. Depois, SIESTA nos explicou os detalhes. Segundo ela, havia uma falha em algum momento das imagens que tínhamos visto sobre os acontecimentos do ano passado. Se Natsunagi ainda não tinha certeza se queria se tornar a detetive de elite, poderia começar tentando identificar esse erro. Depois, decidiria.
Essas foram suas últimas palavras antes de nos dispensar.
Ou seja, o que eu ou Natsunagi precisavamos fazer agora era encontrar alguma inconsistência oculta nas revelações sobre o passado.
"Mas... não temos nenhuma pista", murmurei para mim mesmo, baixo o suficiente para ninguém ouvir. ...Foi então que percebi que a sala estava ficando barulhenta.
Sem que eu notasse, a aula havia terminado, e já era hora do almoço. Faltavam apenas duas aulas à tarde, e então a programação extracurricular daquele dia finalmente acabaria.
Planejei ir até a loja de conveniência e comprar uma marmita, como sempre fazia. Mas foi nesse momento que aconteceu algo inesperado.
"Oh."
Fiz contato visual com uma garota no corredor, Nagisa Natsunagi. Ela provavelmente estava indo para a cafeteria com algumas amigas; havia três ou quatro garotas ao seu lado, todas com um estilo meio descolado.
Ótimo timing. Precisávamos discutir nosso plano de ação. Levantei-me, pretendendo combinar um horário para nos encontrarmos depois da aula, mas….
"......" Ela desviou o olhar, evitando-me.
Suas amigas riram baixinho, cochichando algo para ela. Natsunagi gesticulou energicamente, negando com a cabeça, e todas se afastaram juntas.
Isso é o inferno?
Senti como se todos os olhares da sala estivessem voltados para mim. Suspirei, me joguei de volta na cadeira e voltei a dormir.
"Até quando pretende dormir?!"
Após a aula, uma voz brincalhona me despertou.
Meus olhos estavam embaçados de sono. Esfreguei-os e, aos poucos, uma figura foi tomando forma diante de mim.
"Ei, acabei de resolver dois incidentes. Estava finalmente me acomodando."
Eu não havia dormido o tempo todo. Como um verdadeiro ímã de confusão, tinha acabado de resolver alguns problemas menores que meus colegas trouxeram para mim depois da aula.
"E, na verdade, não estou mais falando com você, Natsunagi." Lancei-lhe um olhar irritado, lembrando da forma como ela me ignorou mais cedo.
Ela estava sentada de lado na carteira à minha frente, virada para mim.
"Olha, foi mal. Nossa, seu cabelo tá todo bagunçado."
Natsunagi invadiu meu espaço pessoal sem cerimônia, passando os dedos pelo meu cabelo para ajeitá-lo.
"O que foi? Por acaso é a Siesta?"
"Só metade."
Sob a luz alaranjada que atravessava as janelas, ela esboçou um sorriso sutil. O sol estava quase se pondo, e éramos os únicos ainda na sala de aula.
"E então? O que você quer, Natsunagi?" Afastei a mão dela da minha cabeça.
"O que você acha? Você me mandou um sinal na hora do almoço, lembra?"
"E quem foi que ignorou e saiu andando?"
Nada dói mais do que saber que as garotas da escola estão cochichando sobre você, certo?
"...Bom, elas me provocaram." Natsunagi lançou-me um olhar de repreensão.
"Elas estavam, você sabe, perguntando se nós dois éramos... ‘um casal’."
"Não fique envergonhada com esse tipo de fofoca."
"Não foi nesse sentido!"
Ela inflou as bochechas e puxou minha franja, como se tentasse me comunicar algo. Sério, o que agora?
"Escuta, você dorme demais. Quantas horas você acha que eu esperei?"
"Palavras ousadas para alguém que ainda tem marcas vermelhas no rosto."
"Ei, por que não me avisou antes?!"
"E você devia limpar essa baba aí."
"Vou acabar com você em dobro!"
Natsunagi empurrou minha cabeça contra a mesa. Isso não era justo...
"...Então? O que você queria?" perguntou de novo, após terminar de limpar o rosto.
Seus olhos estavam fixos no sol poente do lado de fora da janela. Estava quase desaparecendo no horizonte.
"...Certo."
Eu ia finalmente trazer à tona o assunto que queria discutir... Mas, por alguma razão, as palavras não saíam.
Não era só comigo. Natsunagi também sabia sobre o que eu queria falar. Mas, na hora de verdade, nenhum de nós conseguia tocar nesse assunto.
"Então você tem amigas, hein?" Em vez disso, joguei uma conversa fiada qualquer.

"Que coisa triste de se dizer..." Natsunagi me lançou um olhar de pena.
"Como você costuma passar os intervalos do almoço?"
"Tenho um lugar especial para isso, então está tudo bem."
Embora, por culpa de uma certa pessoa, eu tenha acabado dormindo durante o almoço hoje.
"Um lugar onde você provavelmente almoça sozinho o tempo todo, Kimizuka? Tipo... o banheiro?"
"Você tem ideia de que isso foi um insulto sério agora?"
Eu sabia que ela herdara a última vontade da detetive, mas não precisava herdar a parte em que zombava de mim o tempo todo também.
Soltei um suspiro e me levantei.
"Se for assim, vem comigo. Vou te mostrar agora."
Natsunagi arregalou os olhos.
"Hã? Você vai me levar para o banheiro? Eu, hum... não acho que isso seja muito..."
"Eu nunca disse isso, e definitivamente não preciso que você fique envergonhada com essa ideia." Mil noites, sozinhos juntos
Segui na frente de Natsunagi, passei por cima da barreira de NÃO ENTRE e subi um pequeno lance de escadas. No topo, havia uma porta de metal trancada com cadeado.
"Kimizuka, você tem a chave?"
"Não. Mas não existe fechadura que eu não consiga abrir."
"Ooh, olha como você é incrível."
"Fui sequestrado e trancado tantas vezes que acabei aprendendo essa habilidade naturalmente."
"Retiro o que disse. Você não é incrível nem um pouco."
"Pronto, consegui."
Após alguns segundos torcendo um fio especial, o cadeado fez um clique e se soltou. Empurrei a porta e passei por ela, dando de cara com o vento.
"Uau..." Natsunagi exclamou, impressionada, ao me seguir.
Esse era o meu lugar especial: o terraço.
O sol já havia se posto, e as estrelas brilhavam no céu escuro e sem nuvens.
"O que acha? Mesmo sozinho, esse lugar não é ruim. O almoço tem um gosto especial quando você o come aqui no terraço."
Sentei-me, recostando as costas contra a grade alta.
"Mas você não precisa ficar sozinho, precisa?"
Natsunagi se sentou ao meu lado. Sua voz tinha um tom levemente exasperado.
"Por que você não faz amigos?"
"Não é que eu não faça amigos. É mais que eu não consigo."
"Parabéns, você acabou de dizer a pior frase possível."
Esse era um prêmio lamentável de se ter no currículo.
"Bom, pode me contar, sabe. Como um ponto na sua 'contagem de amigos'."
Natsunagi esticou as pernas para frente, brincando com a barra de sua saia curta.
"Quer dizer, não precisamos ser apenas amigos, especificamente. Existem, sabe, todos os tipos de outros relacionamentos..."
"Tipo ‘subordinada’?"
"Deixa eu refazer a pergunta, só por garantia. Exatamente o que você era para a Siesta, Kimizuka?"
A conversa estava indo para um rumo que eu não queria.
Enquanto isso, os ombros de Natsunagi caíram levemente.
"Bom, quero dizer... é bem legal ter alguém com quem se pode conversar sobre qualquer coisa. Além disso, eu sou fofa."
Ela pressionou os dedos indicadores contra as bochechas, fazendo uma expressão meio constrangida.
"Eu nunca tive um amigo, então não saberia dizer."
"Você é todo errado, sabia?" Natsunagi fez um bico, parecendo meio indignada.
"É impressionante que você tenha conseguido se dar bem com a Siesta desse jeito."
"...Não me lembro de nos darmos tão bem assim."
Pensei naqueles anos agitados.
"Nós brigávamos uma vez a cada três dias."
"E então você pedia desculpas primeiro?"
"Na maioria das vezes, sim. Mas às vezes eu aguentava firme e a ignorava por uma semana ou algo assim."
"E depois?"
"Ela começava a ficar incrivelmente inquieta e agitada."
"Nossa, como a Siesta era fofa!"
"Então, quando eu finalmente falava com ela, por um instante ela ficava aliviada e depois..."
"Ela voltava a fazer cara feia e dizia: 'Você é idiota, Kimi?'"
"Ei, acertou de primeira. Parabéns, você poderia conseguir uma certificação nível 1 em Estudos sobre Siesta."
Rimos um pouco.
"Mesmo assim, brigávamos tanto que, uma vez, criamos uma regra."
"Para não brigarem?"
"Sim. No dia seguinte a uma briga, tínhamos que ir juntos a um parque de diversões."
"O-o quê? Mas qual era o sentido disso...?"
"É simples: ir a um parque de diversões juntos quando seu relacionamento está estranho é um verdadeiro inferno."
"Ahhh, então, como não queriam isso, pensaram que seria melhor aprender a conviver sem brigar... E? Funcionou?"
"Sim. Graças a isso, adquirimos o hábito de andar na xícara giratória a cada três dias."
"Obrigada por essa piada sem sentido. Extremamente engraçado."
Natsunagi ergueu as mãos em um exagerado gesto de tédio, as palmas viradas para cima.
Essas piadas no estilo americano são divertidas.
"E na verdade..."
Dessa vez, seu tom parecia testar algo em mim.
"Você sempre parece gostar de falar sobre a Siesta, Kimizuka."
Aquela observação soou como uma provocação velada.
"...Não. Não quero falar sobre ela. Neste ponto, não tenho absolutamente nenhum interesse nela."
"Ah, sério? Agora já é tarde demais para alguém acreditar nisso."
Natsunagi acenou displicentemente com a mão, com uma expressão impassível.
Ela só pode estar brincando. Isso não pode estar certo.
"Mesmo assim." Natsunagi desviou o olhar.
"Enquanto você tinha a Siesta, não precisava de mais nada, precisava?"
Ela finalmente trouxe à tona o assunto que ambos evitávamos inconscientemente. Seu perfil parecia um pouco solitário.
"Não se preocupe com isso."
Falei de forma displicente, na esperança de impedir Natsunagi de dizer o que estava prestes a dizer.
"Antes de conhecê-la, eu já estava sozinho, de qualquer forma."
Isso significava que não era culpa de Natsunagi. Ninguém achava que ela tinha tomado tudo. Mais importante ainda, eu não deixaria ninguém dizer algo assim.
"Você é gentil, Kimizuka."
A voz de Natsunagi saiu abafada. Antes que eu percebesse, ela havia enterrado o rosto nos joelhos.
"Mas não adianta. Mesmo conversando com meus amigos, mesmo com você tentando me animar, eu simplesmente não consigo tirar aquela cena da minha cabeça. Eu, tomando o coração da Siesta…." Ela se interrompeu.
O terraço estava deserto, exceto por nós dois. O único som era o sussurro do vento noturno.
As mãos de Natsunagi haviam tirado a vida de Siesta.
Isso era um fato inegável.
Mesmo que tivesse sido outra personalidade dela que tivesse feito isso... Mesmo que fosse o que a própria Siesta queria, isso não diminuiria a sua culpa. Pelo menos, era o que ela pensava.
"Além disso, não foi só a Siesta. Aqueles outros inocentes em Londres... e eu"
Essa era outra maldição pesada que a amarraria à culpa para sempre.
Não importava quem tentasse encorajá-la ou o que dissessem, ela nunca se perdoaria.
Diante disso, só havia uma coisa que eu podia fazer.
"Carinha emburrada."
Passei o dedo indicador nas costas de Natsunagi, por cima de seu uniforme escolar.
"Eep!"
Natsunagi soltou um gritinho fofo que eu nunca tinha ouvido antes, então rapidamente tapou a boca com as mãos.
"O-o-o quê?! O q-q-q-que você pensa que está fazendo?!"
Seu rosto ficou tão vermelho que dava para perceber mesmo no escuro. Ela me lançou um olhar furioso, os lábios trêmulos.
"Haah. Escuta, Natsunagi."
"Eu ainda não terminei de ficar brava!"
"Hã? Isso não era um dos seus fetiches?"
"D-d-d-d-d-duplo golpe!"
"Aí está. Isso sim soa como você."
"Não use as frases de efeito dos outros para medir como eles estão se sentindo!"
Natsunagi começou a me socar de leve. Parecia que ela realmente estava se sentindo um pouco melhor.
"Há muito tempo..."
Enquanto falava, eu me lembrava daquelas memórias do ano passado.
"Lá atrás, quando eu perdi toda a esperança e só fiquei encolhido num canto... Siesta me encorajou."
"Você quer dizer..." Natsunagi parou de me bater.
Sim, você também sabe dessa história.
Foi quando o Chameleon levou Alicia, ou seja, a própria Natsunagi para o esconderijo da SPES. Eu tinha desistido completamente, mas a Siesta me deu um tapa nas costas e me mostrou o que eu precisava fazer de novo.
"Então, eu também posso te dar um tapa nas costas ou segurar sua mão sempre que você precisar."
"...Exceto que o que você fez foi passar o dedo nas minhas costas."
...Bom, é basicamente a mesma coisa. Quase.
"Por enquanto, pode ficar desanimada o quanto quiser."
Afastei-me da grade e me deitei de costas ali mesmo no terraço. Tudo que eu podia ver era o céu estrelado.
"Pode pedir um monte de comida e comer até se sentir melhor, ou assistir a filmes tristes e chorar até não aguentar mais. Pode xingar o mundo e gritar todas as obscenidades que quiser. Se for do tipo que alivia o estresse com karaokê, eu te faço companhia até o sol nascer.
Se nada disso for suficiente para aliviar sua culpa, então pelo menos me deixe carregar metade dela.
Não é como se você fosse a única culpada. Eu também não consegui salvar a Siesta. Então, pelo menos... me deixe carregar um pouco dessa dor por você."
"Kimizuka..." Natsunagi me olhava de cima, meio atordoada.
...Hmm. Será que eu soei muito legal agora? Nesse caso...
"Bom, sabe. Se eu disser isso, meio que vou acabar me complicando, mas..."
Hesitei, então finalmente tomei coragem e falei.
"Estou acostumado a ser maltratado por garotas."
Isso significava que carregar a dor da Natsunagi não era nada para mim.
"...Pfft!" Ela explodiu em risadas.
"Hahaha! Aaah-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha!"
"Não foi tão engraçado assim!"
"Sério, o quê?! Por que você começou a confessar seus fetiches do nada?"
"...! Olha, eu só estava tentando! Te animar! Tá bom?!"
Urgh, por que isso sempre acontece comigo? Não é justo...
"Então você me animou confessando que é masoquista... Uau, isso é preocupante. Você está em um estado ainda pior do que eu imaginava, Kimizuka."
"O-o quê...! Para! Chega de rir! E você não é diferente!"
"Nããão, acho que essa palavra não significa exatamente a mesma coisa para mim que significa para você."
"! Haah, eu não devia ter falado nada... Não, ok, mentira. Eu só queria te fazer rir, te animar; isso não é realmente uma coisa minha..."
Sentei-me, tentando consertar minha fala, mas então…
"Eu juro, isso é tão idiota."
Com um baque, Natsunagi enterrou o rosto no meu peito.
"Realmente, muito idiota." Ela ria enquanto dizia isso... e, antes que eu percebesse, estava chorando.
Mordeu o lábio, tentando não soltar nenhum soluço, mas minha camisa ficou úmida de lágrimas.
"Qual de nós é?" Eu já sabia a resposta, mesmo enquanto dizia isso. Não importava se estava brava, feliz, rindo ou chorando, Nagisa Natsunagi sempre fazia tudo com intensidade. Essa era sua verdadeira essência. Sua paixão.
"Você aguentou muito bem." Olhando para as estrelas distantes, acariciei sua cabeça.
Natsunagi usava o laço vermelho que Siesta havia deixado para ela em seus cabelos.
“ …!"
Naquela noite, no telhado, uma torrente de chuva apaixonada caiu. Ainda assim, as estrelas estavam irritantemente bonitas.
Juro por Deus, eu não…
Depois disso, voltamos para dentro e caminhamos pelo prédio escuro, iluminando nosso caminho com os celulares. A escola estava completamente às escuras; àquela hora, a caminhada parecia um verdadeiro teste de coragem.
"Certo. Agora que você parou de chorar, Kimizuka, precisamos pensar no que fazer a seguir." Natsunagi, que andava ao meu lado, deu um tapa firme nas próprias bochechas.
"Você é uma mentirosa. Minha camisa está encharcada das suas lágrimas e do seu ranho."
No telhado, Natsunagi chorou no meu peito por uns quinze minutos. Meu uniforme escolar foi nobremente sacrificado para ajudá-la a se sentir melhor.
"Ngh… Você disse que levaria metade!"
"Agora que me acalmei, isso é vergonhoso demais, então por favor, pare."
"Posso ficar com metade da sua vida?"
"Juro por tudo o que é bom e sagrado que eu não disse isso!"
Além disso, sua imitação nem soa como eu. Meu Deus. Assim que ela se sente melhor, já começa com isso.
"Mas você me deu um anel."
"…Isso foi há um ano. Não conta."
Dito isso, eu já havia segurado a mão de Natsunagi assim antes, quando ela ainda era Alicia...
"…P-por que exatamente você pegou minha mão assim, como se fosse algo natural?"
Agora quem estava na defensiva era ela. Natsunagi parecia um pouco desconcertada. Normalmente, ela era uma verdadeira sádica comigo, mas até mesmo ela era fraca para ataques-surpresa.
"Só para você saber, Natsunagi… ninguém neste mundo tem mais medo de fantasmas do que eu."
"Hum, não acho que isso seja algo para se gabar."
"Além disso, lembra o que eu disse no telhado? Que seguraria sua mão sempre?"
"Esse é o uso mais patético de um presságio que eu já vi. E isso está me dando um déjà vu..." acrescentou Natsunagi, em um tom mais baixo.
Pensando bem, quando conheci Siesta, tivemos uma conversa parecida naquela casa mal-assombrada do festival cultural.
"Na verdade, Kimizuka, suas mãos estão muito suadas."
"Eu? Eu sou do tipo que para de suar completamente quando está com medo."
"…"
"Então, Natsunagi, por que suas mãos estão suadas?"
"…Eu te odeio, Kimizuka." Garotas do ensino médio são hilariamente fofas quando cavam a própria cova.
"Escuta… Sobre aquela coisa de encontrar o erro que a SIESTA mencionou."
Natsunagi parecia ter se recomposto um pouco e trouxe o assunto à tona sozinha. Se queria assumir o papel de detetive principal, teria que encontrar o erro naquelas memórias que nos foram mostradas.
"Você tem alguma ideia, Kimizuka?"
"Não, nada. Exceto…"
"Exceto o quê?" Decidi contar a Natsunagi o que estava me incomodando.
"Ela fez questão, ao longo de um ano inteiro, de nos contar o que realmente aconteceu naquela época. Por que colocaria um erro nisso?"
"…Você quer dizer que isso não foi algo que Siesta fez intencionalmente?"
Exatamente. Em vida, Siesta acreditava que aquela versão do passado era a correta e a apresentou para nós como a verdade. Se havia um erro ali, significava que…
"Antes de morrer, Siesta cometeu um engano."
Essa era a única conclusão que eu conseguia imaginar. Havia outro segredo por trás daquele incidente no ano passado. SIESTA estava tentando nos fazer descobri-lo.
"Mas será que ela realmente cometeria um erro assim? Siesta, de todas as pessoas…" Natsunagi franziu a testa, cética.
Eu entendia sua dúvida. Passei três anos ao lado da detetive prodígio e nunca a vi cometer erros graves. Siesta sempre estava certa sobre literalmente tudo. O que ela poderia ter interpretado errado?
"Então, há coisas que nem mesmo você sabe sobre Siesta, Kimizuka."
Natsunagi inclinou a cabeça, como se achasse aquilo estranho.
"Sempre achei que você soubesse tudo, até mesmo as medidas dela."
"Oh, eu sei, claro." Vivemos juntos por três anos. Teria sido mais estranho se eu não soubesse.
"…Não, isso é impossível. As oportunidades para descobrir isso não aparecem com tanta frequência."
"Sério? Mas se você toca em alguém, já tem uma noção geral de… …Esquece o que eu disse." Natsunagi afastou minha mão cautelosamente, então me apressei em corrigir.
Só para deixar claro, eu não quis dizer "tocar" no sentido literal, mas sim… você sabe, "conectar-se" por acidente. Foi inevitável. Certo, aquela maciez foi inevitável.
Deixando isso de lado.
"Se há algum erro nessas memórias, não seria mais fácil conversar com as pessoas que estiveram envolvidas?" sugeri.
"Talvez. Pelo que SIESTA disse, podemos nos limitar ao incidente do ano passado, certo?"
"Sim. As coisas que eu gostaria de esquecer daquele festival cultural não contam."
Ou melhor, eu não quero trazer isso à tona. Por isso, vamos interrogar algumas pessoas relevantes sobre toda aquela cadeia de incidentes em Londres e no esconderijo da SPES.
"Então, as pessoas no centro disso tudo são você, Siesta... e eu, certo?"
"Sim. Por outro lado, seria ótimo se houvesse mais alguém com quem pudéssemos conversar, mas não sei..."
A primeira pessoa que me veio à mente foi Charlie. Ela estava conosco quando invadimos o esconderijo da SPES. No entanto, quando falamos sobre encontrar o erro, ela não mencionou nada, o que provavelmente significava que nada soava familiar para ela.
"Hum, então, e quanto ao... líder inimigo?"
"Seed, hein? Ele parece ser do tipo que saberia todas as nossas cartas, além das dele. Mas nem sabemos onde ele está agora."
Ainda assim, ela tinha um ponto. Nossos aliados não eram os únicos que podiam nos ajudar.
"Mas, em relação a outros inimigos..."
Cerberus e Chameleon estiveram envolvidos naquele incidente, mas já estavam mortos. No entanto, ainda havia mais uma pessoa. A mais importante de todas.
"Hel." Quando pronunciei esse nome, os olhos de Natsunagi se arregalaram levemente.
"Mas Siesta não a selou dentro de mim?"
"Sim. Selou. Mas isso não significa que ela desapareceu."
"Então, vamos convocá-la? Mas Siesta a trancou, então..."
"Um ano." lembrei-a.
"Siesta. A Siesta passou um ano tentando convencê-la. Tenho certeza de que ficará tudo bem."
Além disso, se fosse um movimento realmente ruim, Siesta impediria Natsunagi, mesmo que precisasse causar um alvoroço dentro dela. Se ela não estava fazendo isso, então não poderia ser uma ideia tão terrível assim.
O problema era: "Como vamos invocar Hel?"
Da última vez que Siesta surgiu no corpo de Natsunagi, foi porque eu estava em perigo. Mas...
"Se voltarmos ao telhado e eu te empurrar de lá, talvez, no último segundo..."
"Não existe 'último segundo'. Eu estaria cem por cento morto."
Não coloque o dedo no queixo e fique com essa cara séria, como se estivesse pensando 'Será que funcionaria...?'. A vida do seu assistente merece um pouco mais de consideração, não acha?
"Além disso, mesmo que eu estivesse em perigo, Hel não viria me salvar."
Então, o que deveríamos fazer?
Natsunagi e eu continuamos pensando, sem chegar a nenhuma resposta, até que...
"Eu ouvi."
"…!"
De repente, alguém interrompeu e se colocou à nossa frente, iluminando o próprio rosto com uma lanterna.
"Se quiserem invocar Hel, deixem isso comigo."
Ali, no meio da escuridão, SIESTA apareceu, pálida como um fantasma.
"Natsunagi, pode me ajudar? Kimihiko está em perigo."
"Eu nunca vi ninguém ter as pernas bambas tão dramaticamente antes."
O grande mal retorna
Quinze minutos depois, nós três estávamos em um apartamento.
Especificamente, no meu apartamento. Atualmente, eu vivia com o dinheiro que havia guardado enquanto trabalhava como assistente de Siesta.
"Um apartamento de garoto..."
Natsunagi olhava ao redor do quarto. Por algum motivo, parecia inquieta.
"Agora que ele me trouxe para sua casa, não deveria assumir a responsabilidade?"
"Natsunagi, consigo ouvir seus pensamentos estranhamente formais daqui."
Bom, ao menos parecia que ela havia se animado um pouco, então talvez eu devesse considerar isso uma vitória.
"Então? Por que estamos na minha casa?" perguntei a SIESTA, que andava pelo lugar como se nada estivesse errado.
"Porque, se formos fazer muito barulho, este é o local mais próximo onde podemos nos dar ao luxo de fazê-lo."
"Meu senhorio nunca disse uma palavra sobre o barulho ser permitido."
Aparentemente, essa habilidade de simplesmente ignorar o que os outros dizem era algo herdado da Siesta original...
Ainda assim, mais importante agora...
"Detetives não deveriam receber ajuda de seus clientes?"
Aceitamos a oferta dela para invocar Hel, mas SIESTA foi quem fez esse pedido em primeiro lugar. Estava certo apenas aceitarmos a ajuda dela desse jeito?
"Você é realmente estúpido, não é, Kimihiko?" SIESTA me lançou um olhar.
"Tenho certeza de que a Senhora Siesta diria que faria qualquer coisa, desde que fosse para proteger os interesses do cliente."
...Entendi. Ela não hesitaria em aceitar a ajuda do cliente se isso significasse realizar seu desejo, não é?
"Muito bem. Você pode realmente invocar Hel?"
"Sim, é claro." respondeu SIESTA, casualmente.
"No entanto, há algumas coisas de que preciso. Vejamos... Primeiro, há um espelho neste apartamento?"
"Um espelho? Tenho um de corpo inteiro, mas..."
Embora eu não soubesse para que ela queria, peguei o espelho que guardava no armário do meu quarto.
"Isso é um espelho de corpo inteiro bem grande."
"Sim, comprei para poder ver os resultados do meu treinamento diário."
"Hm. Mas parece que você o trancou no armário."
"Enfim, para que você vai usar isso?"
"Você desviou a conversa sem me dar a menor oportunidade de comentar."
Eu não fazia ideia do que ela estava falando. Só estava pensando em retomar minha rotina de treinamento de força a partir de hoje. Sério, pode confiar.
"Vamos invocar Hel neste espelho." O que SIESTA disse era completamente insano.
"Por que essa dúvida?"
"Bem, se você vai simplesmente trazer à tona algo ocultista do nada..."
"Acho que a escala disso é mais modesta do que robôs gigantes e alienígenas."
"Sim, mas eu sou mais propenso a acreditar em ficção científica do que em fantasia." Eu me pergunto... ocultismo conta como fantasia?
"Por outro lado, isso significa que você acredita no que vê?"
SIESTA destacou um objeto preso à sua cintura e o segurou diante de nós.
"Um espelho de mão?" Natsunagi inclinou a cabeça ao observá-lo.
Parecia um espelho de mão comum, redondo, mas provavelmente era...
"Uma das Sete Ferramentas de Siesta, hein?"
Ela costumava ter sete ferramentas secretas que usava para resolver casos no passado. Havia o mosquete que sempre carregava nas costas e os sapatos que lhe permitiam se mover como se a gravidade não existisse. Será que SIESTA havia herdado tudo isso também?
"Este espelho de mão pode capturar qualquer coisa refletida nele, como uma câmera. Agora, vou recuperar essa gravação."
Ao dizer isso, várias cenas começaram a surgir e desaparecer no espelho, uma após a outra. SIESTA havia dito "câmera", mas parecia mais uma filmadora. Ele continha imagens de Siesta e de mim durante nossas viagens. As memórias que nos mostraram no covil do sequestrador deviam ter sido editadas a partir dessas gravações.
As imagens no espelho avançaram rapidamente até pararem em uma cena específica.
"Isso é... Londres..."
O espelho mostrava Hel. Seus olhos vermelhos estavam arregalados de choque. Quando lutamos contra ela pela primeira vez em Londres, Siesta usou esse espelho para explorar o efeito de hipnose dos olhos de Hel. Foi assim que vencemos.
"Essa sou eu também, não é?" Natsunagi murmurou suavemente, observando o espelho.
Essa era Hel, sua outra forma. Naturalmente, eu a conheci no ano passado. Natsunagi agora usava o cabelo diferente e, além disso o boné militar, o uniforme, a maneira de falar, toda a sua aura, tudo havia mudado. Olhando de uma para a outra, a única coisa que parecia permanecer a mesma era a cor dos olhos.
"Tenho que admitir." Natsunagi fitava o espelho, encarando a realidade de sua outra identidade.
"Tudo bem, SIESTA. Como posso encontrar essa outra eu?"
"Não, isso realmente não é uma boa ideia." comecei a protestar.
Não se pode libertar um tigre de uma pintura, nem mostrar um doppelgänger em um espelho. No entanto, sem hesitação, SIESTA disse:
"Um espelho infinito." Ela continuou:
"Nunca ouviu as lendas urbanas sobre eles?"
"Bem, eu ouço muito que eles trazem azar."
Natsunagi assentiu levemente em concordância.
"Há rumores sobre eles. Dizem que podem ser usados para invocar demônios. Que podem mostrar o passado e o futuro."
"…!"
Natsunagi e eu trocamos olhares arregalados. Ambos os rumores nos lembravam de alguém...
Porém, isso não mudava o fato de que tudo ainda parecia extremamente improvável.
"Nagisa, fique em frente ao espelho, por favor."
A expressão de SIESTA não vacilou nem um pouco. Ela levou Nagisa até um ponto a alguns metros do espelho e então lhe entregou o espelho de mão, criando um efeito de espelho infinito enquanto os reflexos se repetiam indefinidamente.
"Agora, deixe-me terminar os preparativos."
SIESTA acendeu uma lanterna e apagou as luzes. Já era tarde da noite. A única fonte de iluminação no quarto era a chama alaranjada, que tremulava de forma sinistra.
Seria isso uma parte necessária do ritual?
"Agora, vamos recuar um pouco. Nagisa, fique onde está e encare seu reflexo."
Deixamos Natsunagi em frente ao espelho e nos afastamos um pouco. Então, esperamos por alguns minutos.
"Nada está acontecendo."
O espelho grande refletia apenas Natsunagi. Não havia nada de estranho nisso. Hel certamente não apareceria no vidro, e tampouco surgiria de repente. Eu já estava ficando impaciente.
"Ei, SIESTA, qual é o sentido de..." comecei a perguntar, mas SIESTA me interrompeu.
"Parece que precisamos de um empurrão final."
Ela caminhou até Natsunagi e retirou a fita vermelha de seu cabelo.
"…!"
Instantaneamente, os olhos vermelhos no espelho se arregalaram dramaticamente.
Agora que a fita de Siesta não estava mais restringindo-a, a figura refletida me lembrava alguém...
Na escuridão, iluminada apenas pela chama laranja, os dedos de Natsunagi se estenderam em direção ao espelho.
"Outra... eu...?" murmurou, em um tom quase delirante.
Sua mão direita tocou o vidro. Ela fechou os olhos vermelhos por alguns segundos, então os abriu novamente.
"Natsunagi?" Chamei, mas ela não se virou.
Em vez disso, foi a Natsunagi no espelho quem falou.
"Faz tempo, Mestre."
Um conto desconhecido daquele dia
"É ela... Hel?"
A garota no espelho tinha olhos vermelhos. Naturalmente, ainda se parecia com Nagisa Natsunagi. No entanto, a imagem refletida a saudou como "Mestre".
Era assim que Hel havia chamado Alicia Natsunagi no ano passado. Isso significava que a garota no espelho, a que estava falando, era...
"Essa sou... eu?"
Natsunagi recuou alguns passos, mas continuou olhando para o espelho.
"Isso mesmo. Eu sou outra você. Meu codinome é Hel."
A reflexão respondeu com naturalidade. Seu olhar vagou além do vidro, pousando em SIESTA e em mim, mesmo que estivéssemos um pouco afastados.
"Viu? Eu disse que um dia seríamos parceiros, Kimi."
Ela me disse isso quando me sequestrou um ano atrás. Hel afirmava que seu texto sagrado previa o futuro e que ele dizia que eu e ela nos tornaríamos parceiros.
Só que...
"Desculpe, mas eu sou parceiro da sua mestre, não seu."
Eu nunca tive intenção de seguir as palavras desse suposto "texto sagrado". Já havia deixado isso bem claro para ela no ano passado.
"Você continua tão frio como sempre." A figura no espelho deu um leve sorriso.
Eu a observei com cautela. Essa era realmente a Hel que eu conhecia...? Lancei um olhar para SIESTA, mas ela apenas olhava para a cena diante dela, sem expressar nenhuma reação.
"E então?"
A garota no espelho estreitou os olhos.
"Vocês foram ao trabalho de me invocar depois de um ano. O que querem?"
Ela olhou diretamente para Natsunagi, sua voz carregada de sarcasmo.
"Não me diga... Vocês querem me fazer sofrer ainda mais?"
Hel era uma segunda personalidade que Natsunagi criou para escapar das experiências da SPES. Ela mesma nos contou isso há um ano, durante a última batalha. Foi isso que a tornou uma pessoa tão distorcida e cruel.
"Não." Impulsivamente, interrompi a conversa.
"Queremos te perguntar algo sobre o que aconteceu no ano passado. Sobre Siesta."
Hel foi uma peça central naqueles incidentes envolvendo Jack, o Demônio. Isso significava que talvez ela tivesse percebido algo sobre o erro de Siesta. Ou pelo menos, eu esperava que sim...
"Não faço ideia."
Hel balançou a cabeça, rejeitando a ideia sem hesitação.
"Aliás, graças àquela detetive, é impossível para mim sair daqui. Ela me dá nojo. Nunca mais diga esse nome perto de mim."
Hel lançou um olhar de desprezo para o lado esquerdo do peito de Natsunagi.
"Nesse caso..."
Natsunagi continuou olhando diretamente para o espelho.
"Quero que você me fale sobre você mesma."
Será que ela estava tentando um novo ângulo? Talvez primeiro fizesse Hel conversar, para então conduzir o diálogo até aquele incidente... ou até Siesta.
"Você quer saber sobre mim? Haha! Isso é um pouco tarde, não acha?"
Os lábios de Hel se curvaram em um sorriso zombeteiro.
"Não tenho que te contar nada. E mesmo que tivesse, eu já disse tudo durante aquela luta de um ano atrás. Veja onde isso me levou—selada dentro de você."
Ela riu com amargura.
"Ou o que? Você quer rir de mim enquanto estou caída?"
"Não!"
Natsunagi gritou contra o espelho.
"Não é isso que eu quero saber! Eu não quero apenas entender sua missão ou porque você luta."
"…Então, o que exatamente você quer saber, Mestre?"
Hel arqueou as sobrancelhas, parecendo um pouco confusa.
"Hum, bem... Suas preferências? Seus hobbies?"
O quê? Isso parece uma entrevista de casamento.
Hel claramente achou o mesmo.
"Eu estou falando sério."
Natsunagi não recuou. Seu olhar permaneceu fixo no espelho, sua expressão séria novamente.
"Quero saber qual é seu chá favorito, por exemplo. Se você ouve música pop. Se gosta de tomar banhos demorados."
Ela deu um passo à frente.
"Quero conhecer a você, não apenas a sua função. Então..."
Ela estendeu a mão na direção do espelho.
"Fale comigo sobre você."
Ah. É verdade.
Essa é a Natsunagi.
Ela nunca teve uma estratégia. Sempre foi movida por sua paixão. Ela genuinamente queria conversar com sua outra personalidade. Nada mais.
"...Idiota."
No entanto, Hel rejeitou esse entusiasmo sem hesitação.
"Além disso, você deveria ser a pessoa que me conhece melhor, de qualquer forma."
"O que quer dizer?"
Natsunagi inclinou a cabeça.
"Você foi quem me criou. Em vez de me perguntar, seria mais rápido apenas lembrar."
Lembrar….
É verdade, Natsunagi pode ter visto algumas das memórias gravadas do ano passado, mas isso não significava que ela havia recuperado completamente todos os seus dezoito anos de lembranças. Até agora, muitas de suas memórias e emoções haviam sido entregues a Hel.
"Mas não há nada que Natsunagi possa fazer sobre isso agora."
"Nesse caso..." Hel me interrompeu.
"Se você insiste, vou te ajudar um pouco. Vamos recuperar minhas memórias... e as suas, juntas."
Os olhos vermelhos de Hel brilharam.
"Muito bem. Conte a história em meu lugar. Conte a sua própria história."
Outro passado que precisa ser contado
Todas as manhãs, quando eu acordava, pensava:
"Essa cama é dura demais."
"Minha pobre lombar..."
Eu me espreguiçava, sentindo minhas articulações estalarem.
Isso não era jeito de tratar uma garota em crescimento. Mas não podia reclamar. Eu tinha que ser grata por ainda estarem cuidando de mim.
"Melhor medir minha temperatura."
Essa era a segunda coisa que eu fazia todas as manhãs.
Enquanto deslizava o termômetro para dentro do meu pijama, meus olhos caíram sobre a agulha intravenosa em minha mão direita.
Eu já estava acostumada, mas ainda assim, ver uma agulha enfiada em mim nunca era agradável.
"Certo... 37,2 graus Celsius."
Minha temperatura estava dentro da minha média usual.
Eu anotei os números, então me recostei na cama dura, esperando o café da manhã.
Esse era meu dia a dia.
Foi assim que vivi por doze anos inteiros, desde o dia em que nasci.
Eu tinha uma doença cardíaca congênita e vivia tranquilamente em um quarto de hospital. Não podia sair para brincar com amigos, e as únicas pessoas que vinham me visitar eram os médicos durante suas rondas.
Isso porque eu não tinha pais. Pelo que ouvi, eles me abandonaram logo após o meu nascimento. Sim, eu era uma heroína trágica, carregando uma história de fundo que até mesmo os dramas mais melodramáticos recusariam hoje em dia. Sozinha no mundo, com uma doença incurável.
No momento, eu estava em um quarto de uma instituição que acolhia crianças rejeitadas por seus pais.
"Haaah, isso é um saco, né?" murmurei para mim mesma, tentando me confortar. Por que só eu tinha que passar por coisas assim?
"Arrrgh... Talvez um príncipe venha me buscar."
Será que ele me tiraria desta cama dura e me levaria para um país distante? …E, pensando bem, essa fantasia não era um pouco vergonhosa?
"Já que não sou um príncipe, devo voltar outra hora, Nagisa?"
Sem aviso, alguém chamou meu nome. Quando olhei na direção da voz, vi uma figura na janela... E este quarto ficava no terceiro andar. Suspirei com um sorriso irônico.
"Geez. Não acredito que ela faz isso toda vez."
"Por que está me ignorando, hein?"
A figura enfiou uma ferramenta estranha pela janela, destravou a fechadura e entrou no quarto. Pelo visto, não adiantaria fingir que eu não a tinha notado.
"O que você quer, Siesta?" perguntei, lançando-lhe um olhar severo.
"Aqui estou eu, vindo te visitar, e você continua fria como sempre."
Siesta puxou um banco redondo de um canto do quarto e sentou-se ao lado da minha cama, como se já estivesse acostumada a fazer isso. Eu havia dito que os únicos visitantes eram os médicos, mas me esqueci das amigas encrenqueiras que fiz recentemente.
Uma delas era Siesta. Ela tinha cabelos prateados e olhos azuis. Eu, sendo cem por cento japonesa, não poderia estar mais invejosa da aparência dela.
"Hã? Seu rosto está meio sujo", comentei.
Havia uma mancha de fuligem negra na bochecha de Siesta. Normalmente, sua pele era tão clara que competia com o brilho dos cabelos.
"Ah, eu estava fazendo uma bomba e algo deu errado, então acabei me sujando."
"Você diz isso como se estivesse fazendo bolas de lama", retruquei, incrédula.
"Ainda é de manhã! O que você está aprontando?"
Suspirei e a repreendi: "Você não deveria mais fazer bombas."
Foi uma frase que eu tinha certeza de que nunca mais diria na vida.
"Mas e se um dia eu quiser explodir alguma coisa? Tipo uma corporação?"
"Bem, você também não deveria fazer isso. Independentemente dos seus motivos."
A última coisa que eu queria era uma amiga sendo presa por explodir um prédio de escritórios só porque odiava o trabalho.
"Ei, foi ela quem sugeriu primeiro construirmos bombas."
"Ah..." Eu já sabia onde isso ia dar, mas não precisava gostar.
"Use meu nome, já!"
Outra garota, desta vez com longos cabelos cor-de-rosa, enfiou a cabeça pela janela, logo atrás de Siesta. Ela era tão fofa quanto uma boneca... Mas, como se pode perceber, minha segunda amiga problemática não era nada delicada.
"Haaah... Então você também está aqui, hein?"
Olhei para as duas e meus ombros caíram. Francamente, quando essas duas se juntavam, ficava tão barulhento quanto uma festa americana durante um jogo de futebol.
"Ei, o que isso quer dizer?! Você é tão cruel, Nana!" Ela pulou para dentro do quarto e começou a me dar pequenos socos, irritada.
"Somos melhores amigas para sempre!"
"Éramos, não é?" provoquei.
"Somos! Presente do indicativo! Eu anoto tudo o que fazemos no meu diário todos os dias!"
"Sim, sim, tá bom, Ali."
Essas duas eram minhas recém-adquiridas "amigas problemáticas", e ambas eram bem peculiares.
As outras crianças desta instituição sempre obedeciam aos adultos. Suspeitava que fosse por medo de serem abandonadas novamente. Mas essas duas eram as exceções, construindo bombas e escalando paredes para entrar no meu quarto de hospital, que tecnicamente era fora dos limites.
Sério, elas eram absurdamente estranhas.
"E por que está nos olhando como se estivéssemos te cansando, Nagisa?" Siesta me lançou um olhar frio e irritado.
"Ah, eu só estava pensando que crianças são fofas quando dão trabalho."
"…Das três, acho que sou a mais madura, sabia?"
"Nana, você acabou de dizer que sou fofa? Eheheh, olha só, olha! Esse vestido é feito à mão!"

"Eu não quis dizer desse jeito, e pare de girar. Dá para ver sua calcinha."
"Uau, é verdade! Então, você também gira, Sisi. Assim, derrotamos a Nana com vantagem numérica!"
"Eu não quero fazer parte dessa votação. E não me chame de Sisi."
Nossas conversas sempre seguiam esse padrão. Alguém dizia algo estúpido, outra pessoa apontava o quão estúpido era, e então todas nós caíamos na risada.
Para mim, essa rotina diária era….
"Com licença."
Nesse momento, houve uma batida na porta, e um homem na casa dos sessenta entrou. Ele vestia um jaleco branco.
"Como você está se sentindo...? Bem. Vejo que vocês duas estão aqui também."
O homem era um médico e também o diretor do orfanato. Ao notar as duas encrenqueiras, ele deu um sorriso irônico. Sabia que não adiantava brigar com elas.
"Trouxeram isto para você."
"...? Oh!"
Ele me entregou um ursinho de pelúcia novo. Como presente, parecia um pouco infantil para minha idade, mas, para ser sincera, ele era muito fofo.
"Se bem me lembro, eles têm uma filha cerca de três anos mais nova que vocês, então talvez tenham pensado nessa idade ao escolher o presente."
O presente vinha de um casal japonês muito rico. Pelo que sabia, eles faziam doações generosas ao orfanato e também nos enviavam presentes regularmente. Eu nunca os conheci, mas o simples fato de saber que pensavam em nós me deixava feliz.
"Bom, o que foi que o senhor precisava?" perguntou Siesta repentinamente. Ela parecia saber que ele não estava ali apenas para me entregar um presente.
"Eu realmente não sou páreo para você, hein?" O médico sorriu, meio derrotado.
"Na verdade, preciso da ajuda de vocês três antes do café da manhã. Precisa ser feito de estômago vazio."
"Entendi. Tudo bem." Siesta assentiu sem tentar discutir; sabia que não adiantaria.
Ali cruzou os braços e disse: "Se eu preciso..." como se já estivesse acostumada com aquilo.
Mas eu...
"Você parece bem relutante", comentou o médico ao me lançar um olhar. Ele parecia incomodado.
Tínhamos essa troca toda vez. Mas, independentemente do que ele dissesse, aquilo era algo que eu simplesmente não conseguia….
"Isso também beneficiará vocês, sabem disso, não é?"
"...Sim."
Ah, eu entendia. No fim, sempre tinha que fazer o que os adultos mandavam.
"Obrigado pela cooperação—Número 602."
Com um sorriso satisfeito por cumprir seu propósito ali, o médico se virou para sair.
"O senhor errou", chamei antes que ele saísse. Eu precisava dizer alguma coisa.
"Meu nome não é Número 602. É Nagisa."
Nagisa. Esse era o nome que Siesta me deu.
Aqui, eles apenas nos chamavam por números, mas ela me deu um nome.
"...Sim, é verdade." O médico olhou para trás, sorriu gentilmente e saiu.
"Nagisa..." Siesta me observava, como se quisesse dizer algo.
"Sim, eu sei."
Pensando nas horas dolorosas que estavam por vir, assenti.
A "ajuda" a que o médico se referia dizia respeito aos testes de medicamentos que essa instituição conduzia.
O orfanato se mantinha financeiramente usando as crianças como cobaias em testes clínicos.
Quase como um detetive
Os testes de medicamentos eram realizados a cada duas semanas.
As dezenas de crianças da instituição eram usadas como cobaias, e mesmo eu, com meu coração fraco, não era uma exceção. Faziam questão de me incluir sempre. Diziam que havia dados importantes que só poderiam obter porque eu não era saudável. Mas, por isso mesmo, o fardo sobre mim era maior do que para os outros.
Os testes tinham muitos efeitos colaterais. Ficávamos com febre, vomitávamos ou sentíamos uma dor ardente pelo corpo inteiro. Ainda assim, nosso sacrifício ajudava a manter o orfanato funcionando... e a sensação de missão, a ideia de que estávamos ajudando a desenvolver remédios para doenças desconhecidas, era o que nos fazia continuar.
Mas eu tinha um motivo especial para me esforçar: minhas amigas encrenqueiras.
Siesta foi a primeira. Nos tornamos amigas há alguns meses; antes disso, eu sempre estive sozinha. Não sabia de qual instituição ela veio, nem mesmo de que país era. Eu tinha uma tendência a ficar deprimida, mas ela vinha brincar e conversar comigo quase todos os dias.
Foi por meio dela que conheci outra amiga.
"Encontrei algo engraçado", Siesta disse um dia, trazendo Ali para me conhecer. Como se estivesse me trazendo um novo brinquedo.
E, para ser sincera, ela não estava errada. Quando Ali estava por perto, nunca ficava entediada. Apesar das reclamações, eu sempre esperava ansiosamente pelos dias em que elas vinham me visitar.
E, no entanto...
"Por que elas não estão vindo?"
A última vez que as vi foi no dia do teste clínico. Um dia, três dias, uma semana se passaram, e elas não apareceram no meu quarto. Será que fiz algo para irritá-las? Ou será que algo aconteceu com elas?
"...Onde elas estão?"
Tudo o que eu podia fazer era esperar que viessem ao meu quarto novamente. Eu estava sozinha, mas precisava lidar com isso. Sempre estive sozinha, afinal.
Além disso, eu brigava bastante com Siesta. Talvez fosse melhor assim.
Sim, eu estava sozinha, mas não havia o que fazer.
...Estou mesmo sozinha?
Senti nojo de mim mesma por ser tão mimada. Queria jogar fora essa versão patética de mim.
Arrrgh, quem me dera alguém pudesse fazer isso no meu lugar...
“Haaaaah.” Soltei um longo suspiro, um daqueles que ninguém mais ouviria.
“Sabia que dizem que, toda vez que você suspira, seu casamento atrasa um ano?”
A cabeça de Siesta surgiu de repente debaixo da minha cama.
“YAAAAAAAAAAAAAAAARGH!”
Por reflexo, joguei o ursinho de pelúcia nela.
“Ei, não grita! Se não, vão me pegar.”
“Personagens perigosas como você deveriam ser presas o quanto antes!”
Isso me assustou de verdade! Meu coração quase parou. Será que ela esqueceu que eu tenho um problema no coração? Eu realmente queria que ela pegasse mais leve comigo...
“Estava com saudade?”
“...Nem um pouco. Faz tempo que não fico sozinha, então estava aproveitando.”
Deitei-me novamente na cama, tentando encerrar ali o assunto. Em momentos assim, o melhor era simplesmente encarar o teto e ignorá-la.
“Mentir também atrasa o casamento, sabia?”
Dessa vez, foi um pedaço do teto que se abriu, e o rosto de Ali apareceu.
“YAAAAAAAAAAAAAAAAAAAARGH! VOCÊS QUEREM MESMO ME MATAR DO CORAÇÃO?!”
Além disso, por que estavam falando essas superstições estranhas que eu nunca tinha ouvido antes? O que elas queriam, me manter solteira para sempre?
“Na verdade, eu queria falar sobre algo sério.”
Siesta saiu de debaixo da cama e sentou-se no banquinho ao lado da minha cama.
“Ah? Cadê minha cadeira?” perguntou Ali lá de cima.
“Fica aí mesmo, de bruços, esperando.”
“Sisi, você é tão cruel comigo.”
Siesta ignorou Ali completamente e se virou para mim.
“Já faz três meses que cheguei a esta instalação, e tem algo que está começando a me incomodar.”
Ela lançou um olhar ao redor do quarto e, em seguida, pegou o ursinho de pelúcia que eu havia jogado nela instantes antes.
“Sempre me perguntei por que eles precisam realizar testes clínicos se já recebem doações.”
Ela estava começando a suspeitar da justificativa de que o orfanato dependia dos testes para se manter financeiramente. E ela tinha razão. Se eles estavam usando as crianças como cobaias apenas para ganhar dinheiro extra, isso era um grande problema. Nós não queríamos participar desses testes. Só aceitávamos porque era a única forma de manter a vida que conhecíamos.
“Além disso, olha isso.”
Siesta apontou para um zíper nas costas do ursinho de pelúcia. Ela o abriu e algo caiu no chão. Meus olhos se arregalaram.
Era um pequeno aparelho redondo, parecido com uma bateria.
“É um dispositivo de escuta,” explicou Ali do teto, apoiando o queixo nas mãos.
“O orfanato está escondendo alguma coisa de nós.”
“...! Você quer dizer que estão nos vigiando? Então será que não estão ouvindo a gente agora mesmo?” perguntei, preocupada.
“Está tudo bem,” garantiu Siesta.
“Eu fiz um esquema para que eles ouçam apenas um áudio falso vindo deste quarto, em vez da nossa conversa real.”
“Espera um pouco! Desde quando eu virei personagem de um filme de espionagem?!”
“Haha, isso faz parte do motivo pelo qual não viemos te visitar por uma semana. Estávamos nos preparando. Me desculpe.”
“Preparando-se para o quê?! E como?!”
Haaah, eu simplesmente não conseguia acompanhar o raciocínio delas. Será que não podiam ser um pouco mais sensíveis às minhas limitações físicas?...
Espera, minhas limitações?
“Vocês fizeram isso por mim?”
Por que Siesta começou a suspeitar do orfanato justamente agora? Será que foi porque viu o quanto eu estava relutante em participar do último teste?
“Eu não sei do que você está falando.” Siesta levantou-se com naturalidade, fingindo não ter notado nada.
“Sabe, você tem jeito de detetive.”
Ali, que ainda estava no teto, pareceu se animar.
“Certo, Sisi. Faça isso.”
“Entendido. Aqui vamos nós!”
Siesta, sem mais nem menos, me puxou para suas costas.
“Hã? O quê?! O que, o que é isso?!”
“A partir de agora, você faz parte disso com a gente, Nagisa.”
Como de costume, Siesta abriu a janela. Então, colocou um pé no parapeito.
“Ei, espera, espera, espera! O que você vai fazer?!”
Tive um pressentimento realmente, verdadeiramente horrível sobre aquilo... Mas, a essa altura, eu já não tinha mais escolha.
Porque, comigo em suas costas, Siesta já havia saltado.
“Está tudo bem. Meus sapatos podem correr pelo ar.”
“Isso é impossíveeeeeeeeeeeel!”
Fechei os olhos com força, certa de que estava prestes a morrer.
As meninas também sonham com bases secretas
“Hm. Parece que ela acordou.”
Essa era a voz de Siesta. Quando abri os olhos, a primeira coisa que vi foi seu belo rosto.
Eu tinha desmaiado depois daquilo? Estava deitada em um sofá. Quando me sentei, percebi que estava em um cômodo desconhecido.
“Bem-vinda à nossa base secreta!”
Essa era Ali. Quando me virei em direção à sua voz, ela estava ali, em pé, com as mãos na cintura e um sorriso triunfante no rosto.
“Base secreta?”
Olhei ao redor e notei que o quarto era um tanto estranho.
“Isso tudo é... papelão?”
Todo o ambiente, paredes, mesa e até o sofá em que eu estava deitada, era feito de papelão. Era literalmente uma casa de papelão.
Era, sem dúvida, o máximo de "base secreta" que se poderia imaginar. A questão era o que elas faziam ali e por que tinham me trazido para cá.
“Esse é o nosso quartel-general de estratégia.”
Siesta sentou-se em uma cadeira de papelão. Notei que ela usou o plural, o que significava que nossa outra amiga encrenqueira também estava envolvida. Claro.
“Ela me pediu para fazer isso, então eu fiz. Sisi, eu juro... Quando ela coloca algo na cabeça, simplesmente não para.”
Ali ergueu as mãos para o alto, em um exagerado gesto de resignação.
“...Eu realmente gostaria que você não me chamasse por esse apelido ridículo.”
Siesta desviou o olhar, parecendo incomumente envergonhada. Ela sempre agia de forma tão madura que era um alívio ver que também tinha um lado infantil.
“Então você disse que este é um quartel-general de estratégia?”
“Isso mesmo. Fizemos desta a base da nossa resistência enquanto elaboramos um plano para contra-atacar os adultos.”
Siesta abriu as portas de um armário de papelão. Dentro, havia...
“O que... é isso...?”
Eram armas. Muitas delas. Do tipo que eu só tinha visto na ficção. Eu não sabia os nomes técnicos, mas ali havia todo tipo de armas de fogo e lâminas de vários formatos.
Não me diga que isso era obra de...
“Eh-heh-heh! Eu que fiz!”
Ali fez um sinal de paz com os dedos.
Não esperaria menos de uma garota que fazia bombas por diversão. Ali criava todo tipo de brinquedo, chamando-os de "invenções", e as outras crianças a adoravam por isso. Mas eu nunca imaginei que ela tinha feito algo tão absurdo...
“Mas... a gente realmente precisa de coisas assim?”
Observei as armas a uma distância segura. Eu não tinha nem coragem de tocá-las.
“Se vocês têm algo tão perigoso à disposição, isso significa que estão realmente planejando lutar contra os adultos, não é?”
E, afinal, havia mesmo necessidade de tanta "resistência"? O que os adultos e essa instalação estavam escondendo de nós?
“Boa pergunta. Ainda não sabemos.” Siesta balançou a cabeça lentamente.
“Mas não há mal em estar preparada para tudo. Devemos tentar resolver os problemas antes mesmo que eles surjam.”
“...V-você está tornando tudo muito complicado.”
Ela realmente tinha a minha idade? Bem, quer dizer, ela nunca me contou sua idade real, mas...
“Então, o que me diz?” Siesta perguntou.
“Vai lutar ao nosso lado, Nagisa?” Para ser sincera, eu estava com medo.
Não de desafiar os adultos, mas de descobrir a verdade. Eu temia que algo mudasse de maneira irreversível.
Não era como se eu estivesse satisfeita com esse lugar, claro. Se descobrir a verdade nos libertasse dos terríveis testes clínicos, eu nem saberia descrever o quanto isso seria bom.
Mas, nos últimos doze anos, minha vida inteira eu estive aqui, naquela cama de hospital. Não importa o que eu fizesse, esse tempo parecia me agarrar e se recusar a me soltar.
“Eu...” Não consegui encontrar uma resposta de imediato e abaixei os olhos.
Observando-me, Siesta disse:
“Um dia, vamos simplesmente sair daqui e olhar para o oceano sob a luz do sol.”
Essas palavras me fizeram lembrar de nosso primeiro encontro. E então:
“Vamos consertar seu coração também. Assim, poderemos correr pela beira da água o quanto quisermos. Mas, para termos um futuro assim, algo precisa mudar.”
Ela estendeu a mão esquerda para mim.
“...Acho que não tenho muita escolha, não é?” Soltei um suspiro dramático e disse:
“Eu vou ajudar vocês!” Peguei sua mão e me levantei.
“...Hrm. Por que vocês duas estão nesse mundinho só de vocês?”
Alguém parecia estar de mau humor.
Ali estava com os braços cruzados e se mantinha firme, talvez nem tanto olhando para nós.
“Não fique emburrada. Vou te dar um abraço bem grande depois. Ou melhor, Nagisa vai.”
“Sisi, sua idiota! Naaaaagisaaaa!”
“Whoa, você está cheirando a óleo...”
“Eu só estava fazendo uma inveeentiooon!”
Enquanto observávamos Ali ter seu pequeno chilique, nós duas rimos.
Se fôssemos nós três juntos, poderíamos superar qualquer mudança, qualquer dificuldade.
Em algum momento, toda a minha hesitação desapareceu.
“Muito bem, mais uma vez...”
Mudei minha posição para que nós três ficássemos em círculo.
“Vamos descobrir o segredo desta instalação juntos!”
Estendi minha mão direita para elas, com a palma virada para baixo.
“Hã? Ah. Vamos fazer isso, então?”
“Ah-ha-ha! Nana, você é mais criança do que eu pensava.”
“Não me tirem o chão bem na última hora!”
Rimos, brigamos, comemoramos e fizemos nosso juramento juntas.
“...Aff.”
Como eu pude me envergonhar assim? Inacreditável.
Voltei para o sofá, apoiei o cotovelo no braço e descansei o queixo na mão.
“Hm?”
Ao olhar mais uma vez ao redor do quarto, percebi que havia um monte de brinquedos e bichos de pelúcia perto da janela.
Seriam aqueles que aquele casal sempre nos dava? Mesmo assim, parecia muitos para Ali ter conseguido sozinha.
Bem, tudo o que eu poderia dizer agora era...
“Ali, acho que você é cem vezes mais criança do que eu.”
O verdadeiro inimigo
Várias semanas depois...
“Ah! Siesta, você acabou de pisar no meu pé.”
Siesta e eu estávamos caminhando lado a lado por um prédio escuro.
“Hã? Não pisei, não.”
“...Você só pode estar brincando. Então, o que foi que acabou de...”
Estava tão escuro. Um calafrio repentino percorreu minha espinha, e eu agarrei o braço de Siesta.
“Sim, estou brincando.”
“Isso foi maldade! Por que você faria isso?!”
Eu juro, essa garota... Parece que nasceu só para provocar os outros. Eu realmente não conseguia lidar com ela, e rezava fervorosamente para que, um dia, encontrasse alguém que pudesse assumir esse papel no meu lugar.
“E então? O inimigo está mesmo por aqui?” perguntei, abaixando a voz.
“Sim, com certeza. Todas as câmeras do prédio estão sob nosso controle agora.”
Nós havíamos hackeado os sistemas de vigilância remotamente e sabíamos exatamente quem estava no prédio e onde. Ali estava monitorando a situação e nos guiando de volta ao quartel-general estratégico, garantindo que nada desse errado.
“Finalmente chegou a hora,” murmurei, tentando me preparar mentalmente.
“Essa é a nossa resposta,” disse Siesta. “Não vamos mais fazer o que mandam.”
“...Certo.”
Nas últimas semanas, investigamos essa instalação sob a liderança de Siesta. Tiramos fotos secretamente, instalamos grampos e realizamos diversos tipos de reconhecimento. Utilizamos as invenções de Ali para coletar informações até que, finalmente, fizemos uma grande descoberta. Hoje, Siesta e eu iríamos confrontar o inimigo com tudo o que havíamos descoberto.
Claro que isso mudaria completamente nossas vidas.
Por ser fisicamente frágil, eu quase nunca brincava com amigos. Ultimamente, porém, havia feito duas amizades que poderia considerar verdadeiros parceiros de crime. Se nos voltássemos contra essa instalação, talvez fôssemos separados. E eu não podia negar que essa ideia me deixava um pouco solitário.
“Quer desistir?” Siesta sussurrou docemente, como se tivesse lido minha mente.
“Você é um pé no saco.” Respondi irritada. Eu precisava expulsar aquele pensamento da minha cabeça.
Sim, hesitei. Pensei que talvez fosse melhor deixar tudo nas mãos dos outros dois. Mas se eu fugisse agora, com certeza me arrependeria depois.
Essa era minha chance, pensei. Minha última chance de escapar daquela cama dura. Daquela gaiola.
E então, declarei:
“Estou dentro. E não vou perdoar vocês duas se me deixarem de fora disso.”
Enquanto falava, deslizei a mão para dentro do bolso, tocando algo rígido. Eu realmente esperava não precisar usá-lo.
“Honestamente... Vocês dois são como crianças.” Siesta sorriu suavemente.
Caminhamos um pouco mais e, por fim, chegamos ao nosso destino: um elevador que levava ao subsolo. Fizemos um aceno de entendimento um para o outro, entramos e descemos.
Assim que as portas se abriram, a primeira coisa que vimos foram vários tanques enormes. Eles estavam cheios de um líquido verde, e dentro deles havia algo conectado a tubos.
“Bem, bem... Visitantes?”
Uma voz ecoou de algum lugar nos fundos da sala.
“Ainda é um pouco cedo para o experimento, no entanto.”
O dono da voz emergiu da escuridão: um homem de óculos, vestindo um jaleco branco. Meu médico. O diretor do orfanato.
“São... pseudo-humanos?” Siesta apontou para as formas dentro dos enormes tanques.
“Oh-ho. Fez bem o dever de casa.” O canto de seus lábios se ergueu, reconhecendo silenciosamente que a hipótese de Siesta estava correta.
Esse era o segredo da instalação.
Aquelas não eram, de fato, pesquisas clínicas. Eram experimentos humanos.
Tentavam conceder habilidades físicas extraordinárias implantando uma fonte de energia desconhecida nos corpos das crianças. Faziam esses testes em órfãos, repetidamente, na esperança de criar, eventualmente, um “pseudo-humano.”
“E você... também é um deles?” Siesta pressionou o diretor.
“Eu sou Seed.”
De repente, o tom do homem mudou. Ao mesmo tempo, sua aparência começou a se transformar. Primeiro, ele se tornou um homem loiro de cabelos penteados para trás. Em seguida, seu corpo se distorceu até assumir a forma de uma mulher voluptuosa com longos cabelos. E, finalmente...
“Esta é a forma com a qual estou mais acostumado agora.”
Ele se transformou em um jovem esguio, de cabelos brancos.
Bom, eu não conseguia dizer com certeza se ele era realmente masculino. Seus traços simétricos poderiam muito bem ser femininos, se alguém quisesse vê-los dessa maneira... Não sei bem como explicar. Havia algo quase sagrado naquela falta de gênero, naquela androginia total.
“Dito isso, esta é apenas uma forma temporária. Os que estão ali também não são os verdadeiros.” O jovem, que se autodenominava Seed, observou o conteúdo dos tanques com olhos serenos. “São cópias que criei a partir de partes de mim mesmo.”
“Então você está tentando usar as crianças para criar um pseudo-humano de verdade?”
“Bem, por ora, essa é uma forma geral de dizer,” Seed respondeu.
“Embora eu não goste muito do termo pseudo-humano.”
“Para quê?” Sem pensar, interrompi a conversa.
“É para a guerra? Dinheiro? ...Por que vocês tiveram que nos sacrificar?”
Vivi naquela instalação por doze anos, mas havia algo que nunca tinha percebido.
Muitas das crianças haviam desaparecido.
Garotos e garotas que estiveram ao meu lado em testes clínicos um dia simplesmente sumiram no outro. Eles devem ter morrido nos experimentos... e, então, nossas memórias sobre eles foram apagadas com algum tipo de droga.
“Alguns tentam usar meu poder para obter dinheiro ou força militar. No entanto, pessoalmente, não tenho o menor interesse nisso.” Seed manteve o rosto inexpressivo. “A única coisa que me motiva é um instinto obstinado de sobrevivência.”
Ele balançou levemente o corpo, bloqueando nosso caminho.
“E então? Agora que descobriram a verdade sobre essa instalação e os meus objetivos... Qual é o sentido de me confrontarem?”
“Vamos te impedir, é claro. Não importa o que aconteça.”
No instante seguinte, Siesta sacou o mosquete das costas e apontou para ele. Naturalmente, era mais uma das invenções de Ali.
“Uma ameaça vazia?”
“É real.” Enquanto falava, tirei um detonador do bolso.
Essa instalação ficava em uma ilha isolada, no meio do oceano. Sabíamos que não poderíamos fugir, então teríamos que lutar.
“Basta eu apertar esse botão e explodirei o laboratório em pedaços.”
Levei meu polegar até o botão vermelho. Se eu o pressionasse, nós também não sairíamos ilesos, mas deveria servir como uma boa tática de negociação.
“Vocês ainda são tão ingênuos.” Algo semelhante a decepção brilhou no rosto impassível de Seed.
“O plano começa agora.”
“O-o que você está dizendo?!”
Ele não estava nos levando a sério. Segurei o detonador novamente, certificando-me de que ele o visse.
“Você se sacrificaria, hein? Não adianta. Basta olhar para seus dedos trêmulos para ver que você não tem coragem para apertar esse botão.”
“Eu….!” Estava prestes a responder quando...
“Então por que não aperta?”
Os olhos de Seed brilharam em um vermelho intenso.
“...Hã?”
Por alguma razão, meu polegar se moveu sozinho. Estava sendo atraído para o botão.
“Espera, o quê?! Não...!”
Meu dedo estava prestes a pressionar o interruptor. E eu sabia que aquela bomba era real...
“....!”
Percebendo o perigo iminente, Siesta apontou a arma para Seed e puxou o gatilho.
“...? Não... disparou?”
Nenhuma bala saiu do cano. E, enquanto isso, meu polegar finalmente pressionou o botão vermelho, mas….
“Nada aconteceu?”
À primeira vista, parecia que havíamos sido salvos. No entanto, isso também significava que tínhamos um problema ainda maior.
As duas invenções de Ali falharam.
Foi coincidência? Apenas azar? Ou...
“Eu conheço esse futuro desde um passado distante,” Seed murmurou.
E então...
“Ah, vocês dois estão sendo tão malvados.”
Alguém mais falou atrás de nós.
Virei-me, temeroso, e vi uma garota de cabelos rosados.
“Vocês não podem apontar essas armas para o meu chefe.”
O último nome que pronunciei foi...
“Ali...?”
Eu não conseguia aceitar o que estava vendo. Meus dedos falharam e o detonador caiu no chão.
Ali passou direto por mim e se posicionou ao lado de Seed, com um leve sorriso nos lábios.
“Por quê...?”
Ao meu lado, Siesta também a observava. Sua expressão estava sombria e seus olhos semicerrados. Tinha certeza de que ela rezava para que a explicação que acabara de imaginar estivesse errada.
“Ah-ha-ha! Desculpa aí. Sempre estive do lado dele.” Ali forçou-nos a encarar a cruel realidade.
“Já faz tempo que sei que as crianças estavam desaparecendo da instalação.”
Isso era algo que nós só descobrimos recentemente, as mortes das crianças nos experimentos fracassados e as drogas usadas para apagar nossas memórias sobre elas.
Mas Ali disse:
“Eu mantenho um diário há anos e nunca perdi um dia sequer. Quando comparei minhas memórias falhas com ele, percebi que as crianças estavam sumindo e ninguém se lembrava delas.”
Agora que pensava nisso, a base secreta de Ali estava cheia de bonecas e bichos de pelúcia, tantos que eu jamais poderia acreditar que eram todos dela.
Aqueles brinquedos pertenciam às crianças que morreram?
Ela realmente sabia das mortes muito antes de nós.
“...Se você sabia disso, então por que se juntou a eles?” Ela deveria saber quem eram os verdadeiros vilões ali.
“Bem, é natural ficar do lado de quem é mais forte, não é?”
Ali usou uma lógica semelhante à nossa, mas chegou a uma conclusão completamente diferente.
“É preciso viver de forma inteligente, sabe?” Ela nos lançou um sorriso provocador.
“De qualquer forma, essas crianças não servem.”
Seu tom mudou de repente, e ela apontou para Siesta e para mim enquanto aconselhava Seed.
“Uma garota que pode ser enganada tão facilmente não terá utilidade para você. Não desperdice sementes com elas.”
Sementes?. Eu nunca tinha ouvido esse termo antes.
No entanto, pelo que havíamos descoberto até agora e pelo rumo da conversa, eu podia adivinhar.
"Sementes" deviam ser a fonte de energia desconhecida que transformava crianças em pseudohumanos.
Ali estava dizendo que Siesta e eu não deveríamos recebê-las.
“Você deveria me dar uma, por favor,” ela insistiu, tentando convencer Seed de que era digna.
“Como inventora, é óbvio que eu ficaria interessada em pseudohumanos. Além disso, eu já te ajudei tanto. Certo? Vamos lá, não vai me dar umazinha?”
Ela falava exatamente como a Ali infantil que eu conhecia, implorando pela semente como uma garotinha mimada. Mas.
“Acho que ainda é cedo para você.” Seed rejeitou sua proposta sem alterar a expressão.
“Não tem problema.” Não sabia por que ela estava sendo tão insistente, mas Ali redobrou o pedido.
“Eu sei que consigo lidar com isso. Vou dominar essa semente com certeza.”
“Então, o que faremos com esses dois?”
Seed se referia a mim e a Siesta, é claro. Descobrimos o segredo da instalação e o que Seed realmente era. Agora, ele perguntava como deveríamos ser descartados.
“Só apague algumas das memórias deles, como sempre faz,” Ali respondeu, sem nem nos olhar.
“Depois disso, pode deixá-los ir. Acho que eles não seriam úteis de qualquer jeito.”
Ela falava sem parar, como se estivéssemos totalmente fora de questão.
“Ah, certo, pode apagar minha existência da cabeça deles também? Meio nojento pensar que ficariam lembrando de mim o tempo todo.” ...Então era isso.
Ali continuava sendo Ali.
“Aliás, aproveitando, acho que não precisamos das outras crianças também. Quero dizer, você estava usando este lugar para criar um pseudohumano, certo? Se eu me tornar o primeiro sucesso, você não vai mais precisar deste laboratório….”
Enquanto Ali ainda tagarelava, Siesta a interrompeu.
“Você realmente está bem com isso?” Sua voz era cortante.
“Se eu entendi direito, você está planejando se sacrificar para nos salvar.”
“...!” Pela primeira vez, o rosto de Ali se contorceu. Era isso. Eu tinha entendido tudo errado.
Quando algo em que acreditamos se prova errado, precisamos nos perguntar no que devemos acreditar de novo.
Eu deveria ter confiado nas emoções de Ali, e não em suas ações. Deveria ter confiado em sua natureza, como sempre fiz.
“...Está tudo bem,” Ali murmurou baixinho.
“Se alguém for sacrificado, este experimento acabará. Se eu dominar a semente corretamente, ninguém mais precisará passar por isso! Não é verdade?!”
Ali apenas fingia ser aliada de Seed para nos proteger.
Ela havia descoberto o segredo da instalação antes de qualquer um, e tenho certeza de que, inicialmente, planejava lidar com isso sozinha...
Mas então, Siesta começou a fazer a mesma coisa.
E Ali sabia que, uma vez que Siesta decidisse algo, ela não desistiria.
Ela nos arrastou para isso, mas, ao mesmo tempo, atuou como agente dupla para nos manter seguros.
“Então, por favor...” Colocando uma mão sobre o peito, Ali gritou para Seed:
“Eu farei isso! Vou herdar essa semente por você! Para que esses dois possam….”
“Certo.” A expressão de Seed permaneceu inalterada ao aceitar seu pedido. No momento seguinte, um longo tentáculo brotou de suas costas.
“...! Eu não vou deixar!”
Algo sobrenatural estava se desenrolando diante dos meus olhos, e eu quase recuei.
Mas a ponta daquele tentáculo era afiada, e era fácil imaginar o que aconteceria a seguir.
Mesmo sem uma arma, corri em direção a Ali.
“...!”
Mas foi então que uma dor terrível atravessou o lado esquerdo do meu peito.
Meu coração... Agora não!
“Nagisa!”
“V-vá...”
Caí de joelhos.
Siesta se concentrou em mim, mas, com um olhar, pedi para que fosse até Ali. Mas então…..
“Esta é uma excelente oportunidade para um experimento. Não podemos permitir que você o interrompa.”
Mesmo sem ninguém falar, ouvimos uma voz.
“...!”
Quase imediatamente, Siesta desabou no chão.
Era como se algo invisível tivesse caído sobre ela.
“Vamos, sem resistência.”
“! Não... Pare...!”
As costas de Siesta se arquearam. Sua voz tremia.
“Ha-ha! Você gosta tanto assim da sensação da minha língua?”
Uma risada desagradável ecoou pelo ar vazio.
Nosso oponente devia estar invisível.
Nem mesmo Siesta previa um inimigo que não aparecia nas câmeras de segurança.
Estávamos impotentes.
Diante de nós estava um inimigo gigantesco, com um tentáculo que se movia como se tivesse vida própria e uma única garota.
“Certo. Vamos conduzir o último experimento,” disse Seed com frieza.
“Esta é minha semente. Aceite-a.”
O tentáculo afiado se aproximou do peito de Ali, bem sobre seu coração.
Era o pior desfecho possível.
Ela se virou parcialmente para trás e nos olhou.
Trazia em seu rosto o mesmo sorriso despreocupado de sempre.
“Tratem de me esquecer logo.”
Não tenho lembranças claras do que aconteceu depois disso.
O choque foi tão grande que eu os perdi?
Ou será que impus aquela dor e sofrimento a outra pessoa?
Era como se eu estivesse trancado na escuridão. Perdi completamente a noção de quem eu era.
No final, gritei um nome.
Minha amiga não era compatível com a semente. Ela morreu ali, diante de mim, em meio a uma torrente de sangue.
A única coisa que ficou gravada em minha mente para sempre foi o seu nome.
"Alicia!"
Encontrando erros e comparando respostas
“Isso mesmo. Seis anos atrás, nós três lutamos contra a SPES naquela instalação na ilha. A detetive prodígio... bem, Siesta, eu e Alicia.”
Natsunagi disse tudo isso de uma vez, como se as memórias estivessem voltando de repente.
Um ano atrás, Charlie e eu encontramos o líder inimigo em um laboratório. Esse devia ser o mesmo centro de testes mencionado nessa história.
Seis anos antes, a SPES estava tentando criar pseudohumanos lá, usando crianças como cobaias.
Essa história nos trouxe duas novas informações.
A primeira era que Siesta e Natsunagi se conheciam desde crianças.
Siesta não tinha dado a ela o nome de "Nagisa" apenas um ano atrás, pouco antes de morrer, mas sim seis anos antes. Será que ela repetiu esse nome cinco anos depois porque percebeu que Hel era, na verdade, sua antiga amiga Nagisa?
E o outro fato era….
"Alicia realmente existiu. Ela não era apenas uma parte de Natsunagi."
Um ano atrás, quando conheci Alicia em Londres, assumi que sua aparência era falsa, algo que Hel (ou Natsunagi) criou usando a semente de Cérbero.
Mas Alicia era real. Uma garota de cabelos cor-de-rosa.
Natsunagi a conheceu naquela instalação seis anos antes. Ela viu Alicia morrer. A imagem dela ficou marcada para sempre em sua mente e, anos depois, ao usar a semente de Cérbero, ela assumiu inconscientemente sua aparência.
Mesmo depois de perder suas memórias, o nome Alicia ainda estava em algum lugar dentro dela.
“Eu nunca chamei m inha mestra de ‘Alicia’, sabia?”
No espelho, Hel estreitou os olhos.
Ela estava certa. Hel manteve todas as memórias de Natsunagi em seu lugar. Ela devia saber que “Alicia” era alguém diferente.
"Ainda assim, suponho que você nem consiga imaginar, mas houve um tempo em que aquela detetive prodígio era jovem e inexperiente," Hel continuou.
Siesta ainda era uma criança quando enfrentou Seed sem um plano.
Só Chameleon já teria sido demais para ela. Talvez essas experiências tenham moldado a detetive impecável que eu conhecia.
Mas, mesmo assim...
"No ano passado, Siesta não era o tipo de pessoa que cometia erros facilmente. Por que ela não percebeu que Natsunagi se parecia com Alicia em Londres? Por que ela não notou que havia algo errado?"
Siesta, Alicia e Natsunagi se conheceram seis anos atrás.
Cinco anos não seriam tempo suficiente para Siesta esquecer suas amigas.
Eu simplesmente não conseguia acreditar que ela veria aqueles rabos de cavalo cor-de-rosa e não reconheceria Alicia.
"É simples," Hel disse.
"A detetive prodígio também perdeu memórias."
"...! Siesta? Com memórias apagadas?" Na verdade, isso fazia sentido.
A própria Natsunagi havia acabado de nos contar: naquela instalação de testes, as memórias das crianças eram apagadas regularmente.
Depois da morte de Alicia, Siesta deve ter sido forçada a esquecer parte de suas lembranças da instalação, incluindo a SPES, Natsunagi e Alicia.
"O que aconteceu com Siesta depois disso?"
"Ela fugiu da ilha." Hel sorriu friamente.
"Mesmo depois de apagarem parte de suas memórias sobre a SPES e seus amigos, aquela detetive prodígio escapou da instalação... Mas não estava fugindo. Ela fez isso para lutar. Roubou a semente de Seed e, um dia, sem aviso, desapareceu."
"Siesta pegou uma semente?"
Talvez eu não devesse estar surpreso.
As habilidades de combate de Siesta eram sobre-humanas.
E então havia o seu coração...
Assim como os ouvidos de Bat, a língua de Chameleon e o faro de Cérbero, o coração de Siesta tinha uma habilidade especial.
Quando Natsunagi adquiriu o coração dela, recebeu suas memórias também. Talvez isso tenha sido efeito do poder da semente.
"...Mas por quê?" Eu não consegui esperar Hel continuar sua explicação.
"Se as memórias de Siesta foram apagadas, por que ela roubou a semente e fugiu do orfanato?"
"Você realmente quer que eu diga?"
No espelho, seus lábios se curvaram.
"É simples. Mesmo que ela tenha esquecido por que estava lutando ou quem era seu inimigo, ela lembrou da missão que lhe foi dada. Só isso," ela disse com um sorriso amargo e insatisfeito.
"Muito bem. Acho que já contei quase tudo o que havia para saber sobre o passado. Você realmente tem uma vida difícil, desenterrando histórias que já deviam ter terminado há um, quatro, seis anos."
...Ela tinha razão.
Natsunagi, Siesta e eu havíamos esquecido tantas coisas, e todas eram memórias vitais.
Ultimamente, passávamos nosso tempo reunindo esses fragmentos, um por um.
Esse acerto de contas com o passado deve ter começado naquele dia.
O dia em que Nagisa Natsunagi me despertou naquela sala de aula depois da escola.
O dia em que ela colocou essa história em movimento de novo, mesmo depois de seu suposto fim.
Essa história em que a detetive estava morta.
"Nagisa." Siesta deu um passo à frente e finalmente falou, encarando as costas de Natsunagi.
"Tem certeza de que quer encerrar essa história desse jeito?"
Seus olhos azuis estavam firmes.
Mesmo dentro de um corpo de boneca mecânica, eles não haviam mudado.
Eu conhecia aquele olhar.
Era o mesmo de um ano atrás, quando eu descobri que Hel e Alicia eram a mesma pessoa e tentei fingir que não era verdade.
Ela não deixava ninguém mentir ou fugir.
"Hel."
Reconhecendo esses sentimentos, Natsunagi falou para seu reflexo no espelho.
"O que aconteceu comigo depois disso? Depois de ver Alicia morrer?"
A história de Natsunagi ainda não tinha terminado.
Alicia morrera, Siesta escapara da instalação... mas o que havia acontecido com Nagisa Natsunagi?
"Foi aí que eu nasci," Hel lhe disse.
Essa história havia começado quando Natsunagi disse que queria saber mais sobre Hel; ela também a encerraria.
"Bem, minha consciência já estava dentro de você, adormecida. Para ser mais precisa, foi essa a primeira vez que me tornei sua personalidade dominante, Mestre."
E desde então, o corpo de Natsunagi estava sob o controle de Hel? O choque da morte de Alicia havia desestabilizado suas memórias e sua personalidade, e Hel havia aproveitado a chance.
"Depois disso, eu me tornei uma membro formal da SPES. Não me importei de deixar que eles experimentassem comigo. As outras crianças estavam no caminho, então eu as expulsei todas da instalação. Depois disso, fui especial para o Pai, a única."
Foi isso o que aconteceu...? Então Siesta e eu encontramos Hel em Londres no ano passado, depois que ela subira nas fileiras e se tornara uma das oficiais da SPES...
Ainda assim, havia algo naquela explicação que não fazia sentido para mim.
"Por que você iria tão longe por SPES? Por Seed?"
Seed havia dito que era seu instinto de sobrevivência que o fazia atacar a humanidade. Como os oficiais da SPES eram clones dele, eles cooperavam porque seus instintos os forçavam a fazer isso.
Hel era diferente, porém. Ela era humana, e também uma personalidade adquirida que cresceu na mente de Natsunagi. Não havia uma razão lógica para ela se alinhar com Seed.
"Heh. Você é um sádico?" Os olhos vermelhos no espelho se estreitaram.
"Olha, não me faça passar vergonha repetidamente. Era amor, tá? Amor." A garota deu um sorriso autocrítico.
"Esse era o núcleo de que eu precisava."
"O núcleo...?"
"Isso mesmo. Você pode chamar de um ponto de ancoragem, algo para me manter neste mundo. Sem isso, eu sentia que desapareceria. Afinal, sou apenas uma falsa."
Curiosamente, sua mestra Natsunagi havia confessado ter o mesmo medo exato. Ela estava sofrendo por ter perdido suas memórias e sua identidade também.
Entretanto, a dor era a mesma para Hel. Como uma personalidade alternativa sem um corpo físico, ela era um conceito extremamente vago.
"Você vai rir de mim por buscar o amor por essa razão? Por me aproximar do Pai e tentar conquistar seu afeto, porque eu não queria desaparecer? Por acreditar cegamente em seu amor, enganar meus camaradas, e atormentar inocentes? Por perder a batalha e perder meu poder depois de tudo o que fiz?. Você vai rir?" Ela perguntou, sorrindo.
"Não. Eu não vou," disse Natsunagi.
"Como poderia?" Ela continuou.
"Mais importante, eu sinto muito. E obrigado."
"...O que você está dizendo?" Hel não esperava ouvir isso de Natsunagi, e fez uma careta.
"Primeiro, as coisas que eu nunca pude dizer diretamente a você. Você carregou toda minha dor e sofrimento, não foi? Eu sinto muito... Eu sinto muito mesmo."
Hel era uma personalidade alternativa que Natsunagi criara sem saber, para ajudá-la a escapar da dor. De certa forma, ela havia nascido apenas para assumir o sofrimento de outra pessoa. Agora, Natsunagi estava dizendo a esse outro eu o que sentia pela primeira vez.
"'Obrigado'? Eu... Eu não quero agradecimentos de….!"
"Bem, eu quero dizer..." Antes que Hel pudesse se enfurecer, Natsunagi falou do fundo do coração.
"Você me protegeu."
"De dor e dificuldades, você quer dizer? Eu realmente não quero que a pessoa que tive que proteger me agradeça."
"Não, não é isso." Novamente rejeitando as suposições de Hel, Natsunagi olhou fixamente para o espelho.
"Você se tornou membro da SPES para me proteger. Não foi?"
"Eu não sei do que você está falando." O lábio de Hel se curvou.
"Eu entrei para a SPES para o seu bem? Isso não pode ser possível…."
"Quero dizer, se você não tivesse feito isso, eles teriam me matado."
"...!"
A expressão do reflexo se quebrou, mais como se tivesse se despedaçado.
"Seis anos atrás, descobrimos o segredo da SPES. Alicia não conseguiu tomar a semente, e foi morta. Meu corpo estava fraco demais para ser útil para a SPES. Eles teriam me matado também, em pouco tempo. Eles deveriam ter feito isso. Mas então você apareceu."
Natsunagi olhou firmemente para seu outro eu no espelho.
"Hel, ao insistir que você seria útil para a SPES, você os impediu de me descartar. Quando jurou lealdade a Seed, você estava tentando salvar minha vida. Tudo foi por minha causa. Para me proteger, você se tornou um diabo."
"...! Você não pode provar nada disso. Que provas você tem de que sou tão fraca?" Hel estava respirando com dificuldade.
"Você mesma disse. Você deixou as crianças da instalação escaparem." Natsunagi não deixou nenhuma palavra de Hel passar. Ela continuou a construir sua teoria.
"Você disse que pretendia se tornar especial para Seed, mas isso não é convincente. Você tem um coração. Você consegue sentir simpatia pelos outros."
"Um coração humano? ...Isso é impossível. Você sabe quantas pessoas inocentes eu matei em Londres."
"Você está certa. E não é um crime pequeno. Mas você fez isso para me salvar também."
"...!" Os olhos vermelhos de Hel se abriram.
"Um ano atrás, na luta contra Siesta, você perdeu seu coração. Isso significava que meu corpo morreria."
Isso aconteceu logo após a batalha entre a arma humanoide e a arma biológica em Londres. Usando seu espelho de mão, Siesta fez com que os olhos vermelhos de Hel se virassem contra ela, e Hel atravessou seu próprio coração com sua espada.
Não apenas foi uma crise de vida ou morte para Hel, como deveria ter significado a morte de sua mestra.
"Depois que Cérbero morreu, você fez parecer que estava continuando com os assassinatos de Jack, o Diabo... mas na verdade, você estava procurando por um coração compatível para mim."
"...! Mas a detetive prodígio não disse uma palavra sobre isso no ano passado. Ela achava que eu estava apenas trocando corações como se fossem baterias, tentando me manter viva. Você está dizendo que ela estava errada, Mestre?" Hel pressionou Natsunagi sobre suas intenções, seus olhos sombrios.
"Não. A própria Siesta está dizendo que chegou a uma conclusão errada."
"...Oh," murmurei. Esse era o erro que SIESTA havia nos pedido para encontrar, o erro que Siesta cometera um ano atrás.
Siesta havia interpretado mal os motivos de Hel, interpretado mal seus sentimentos.
"A detetive prodígio disse isso? Não me faça rir. Quando ela teria…."
Antes que pudesse terminar a frase, Hel congelou.
"Você entende, não entende? Você é eu, afinal," argumentou Natsunagi.
"Siesta vive dentro de mim. Durante o último ano, ela tem conversado com sua personalidade no meu subconsciente. Nesse tempo, ela chegou à conclusão que acabei de dizer. Ela percebeu que, para você, eu sou, na verdade, a coisa mais importante do mundo."
"...!"
Os olhos da garota no espelho vacilaram, como se estivessem perturbados.
"Hel. A maioria das pessoas te acusaria de ser um demônio que tirou vidas inocentes. Mas eu sei a verdade. Eu sou a única que sabe. Mesmo que você seja um demônio... definitivamente não é um monstro sem sentimentos." Natsunagi recusou-se a aceitar a autodepreciação de Hel.
"Você disse que queria ser amada, e talvez isso seja verdade. Mas você não queria apenas ser amada. Você me amou. Você foi gentil o suficiente para me amar."
"Pare...!" O grito doloroso de Hel ecoou no quarto silencioso, onde apenas a chama da lanterna tremulava.
Natsunagi não parou. "Seus pecados são meus. Eu sei que um dia pagarei por eles."
"Pare com isso... Eu não... Eu não queria isso..." Uma única lágrima escorreu pelo rosto da garota no espelho. Era de Natsunagi, ou...?
Como um observador externo, eu não tinha como saber. Também não tinha o direito de fazer suposições. Mesmo assim.
"Não. Eu vou te ajudar a carregar seus pecados. Vamos passar nossas vidas inteiras nos redimindo. Afinal…." Natsunagi ergueu a palma da mão para o espelho.
"Não existe algo como apenas receber ou apenas dar. Nenhum relacionamento é tão unilateral. Estou errada?"
Esse era um espelho. Um espelho infinito, fazendo duas garotas se confrontarem. Tudo fluía para os dois lados, pecados, amor, lágrimas e até sorrisos.
Se Natsunagi acreditava em Hel, então eu tinha certeza….
"Eu juro... você é mesmo uma tola, Mestre," sussurrou a garota no espelho.
No momento seguinte, eu ouvi. E vi claramente.
O grande espelho rachou com um estalo alto, e Hel saltou para fora dele. Natsunagi a segurou e a envolveu em um abraço apertado.
"Obrigada."
Tenho certeza de que esse foi o momento em que Nagisa Natsunagi se libertou de seu passado.

E assim começa um novo caso
"Então? Exatamente que tipo de história foi essa?"
A conversa diante do espelho havia terminado, e SIESTA e eu estávamos conversando na sala de estar.
Imediatamente depois disso, Natsunagi desmaiou; SIESTA disse que provavelmente era uma reação a recuperar suas memórias de repente. No momento, ela estava descansando no quarto.
“O que você quer dizer com ‘que tipo de história’?” SIESTA perguntou, elegantemente bebendo seu chá. Aparentemente, androides também precisavam se reidratar.
“Não se faça de boba. Quando você disse que convocaria Hel com um espelho infinito, estava mentindo, certo?”
Eu conhecia essas lendas urbanas sobre espelhos infinitos, sobre como era possível invocar demônios com eles, ou ver o passado e o futuro. Convocamos a personalidade alternativa de Natsunagi para o espelho e perguntamos sobre o passado, mas aquilo simplesmente não parecia real para mim.
“Você continua tão teimoso como sempre, Kimihiko.” Ela colocou a xícara sobre o pires. Sua expressão e postura eram idênticas às da verdadeira detetive.
“Mas, ao mesmo tempo, você está certo.”
“Ah, estou?” Então por que me xingou?
“Dito isso, Nagisa realmente estava conversando com Hel.”
“Quer dizer que ela estava interpretando os dois papéis naquela conversa?”
Não, “papel” provavelmente não era a palavra certa. Era mais como se ela estivesse conversando consigo mesma através do espelho.
“Eu só preparei um ambiente onde isso pudesse acontecer com mais facilidade. Depois disso, Nagisa convocou Hel de seu subconsciente e conversou com ela.”
“Entendo... Então, de certo modo, Hel realmente estava lá?”
Duas garotas, separadas por um espelho.
Natsunagi e Hel definitivamente se encontraram ali, confrontaram-se e resolveram as coisas.
Eu tinha certeza de que Natsunagi agora havia recuperado todas as suas memórias, no sentido mais verdadeiro. A essa altura, ela seria capaz de aceitar a realidade delas e seguir em frente.
“A propósito.” Decidi perguntar algo que vinha me incomodando. “Se Siesta percebeu que cometeu um erro no último ano, como ela contou isso para você?”
Se SIESTA nos pediu para encontrar o erro, então Siesta deve ter contado a ela de alguma forma. No entanto, Siesta aparentemente percebeu seu erro enquanto conversava com Hel dentro do corpo de Natsunagi.
Como o corpo de Siesta não existia mais, como ela passou a mensagem para SIESTA?
Diante dessas perguntas perfeitamente naturais, SIESTA respondeu:
“Isso aconteceu na única vez em que a Senhora Siesta tomou emprestado o corpo de Nagisa.” Ela começou a falar sobre o incidente da semana passada.
“Logo após sua luta contra Chameleon naquele navio de cruzeiro, a Senhora Siesta me instruiu a entrar em contato com seu grupo.”
“...Ah. Então aconteceu enquanto eu estava apagado.”
Então foi nesse momento que ela fez isso. Depois de resolver todas as suas pendências, Siesta voltou a dormir dentro de Natsunagi.
“Ainda assim, quem diria que Siesta erraria em uma dedução?”
Eu não estava tentando criticá-la. Só estava genuinamente surpreso.
“Isso pode ter sido causado por suas memórias perdidas também.” A voz de SIESTA saiu baixa enquanto ela olhava para sua xícara.
“A Senhora Siesta havia esquecido tanto Alicia quanto Nagisa. Ela não se lembrava de como a personalidade de Hel foi criada. No entanto, se tivesse notado algo estranho no fato de uma amiga morta há seis anos ter aparecido em Londres... ou se tivesse percebido os verdadeiros sentimentos de Hel sobre Natsunagi... Em qualquer um desses casos, ela poderia ter chegado à conclusão certa um ano atrás.”
...Entendo. Então Siesta era como eu e Natsunagi.
Todos nós havíamos perdido memórias preciosas e cometido alguns mal-entendidos, mas agora estávamos preenchendo as lacunas, uma por uma.
“Então até Siesta comete erros,” eu disse, embora realmente não precisasse.
“Sim, ela é humana.” A resposta de SIESTA foi casual. “...Diferente de mim.” Ela acrescentou, com um tom levemente melancólico.
“Escute, SIESTA, você é...”
Antes que eu pudesse terminar de falar, aconteceu.
“Seu telefone está tocando,” SIESTA apontou, e eu percebi que o smartphone que havia deixado sobre a mesa estava vibrando.
Na tela, o nome Fuubi Kase brilhava.
Chamadas dela quase nunca significavam boas notícias; eu já pressentia o pior ao pressionar o botão de atender.
“Tenho más notícias e más notícias. Qual você quer primeiro?”
“Isso nem é uma escolha...” Baixei a cabeça. Era exatamente o que eu temia.
Do outro lado da linha, ouvi um longo suspiro e pude imaginar a fumaça de cigarro.
“Sra. Fuubi, quando é que você realmente vai parar de fumar?”
Ela já tinha declarado que ia parar pelo menos duas vezes. E eu estava lá nas duas ocasiões.
“Bem, eu sempre quero parar. Mas essas malditas coisas simplesmente não desgrudam dos meus lábios.”
“Por que não arranja um namorado, então?”
“Vou desligar na sua cara.” ...Ué, foi você quem ligou.
“Então? Qual é essa má notícia?”
Eu preferia não ouvir, mas, como ela tinha me ligado, provavelmente envolvia a mim. Nesse caso, era melhor descobrir logo.
“Certo. Primeiro...” A Sra. Fuubi fez uma pausa, depois soltou uma bomba:
“....Seed e Bat se uniram.”
“Então você realmente sabe sobre Seed, Sra. Fuubi.”
No passado que eu havia esquecido, a Sra. Fuubi me resgatou da ilha depois da morte de Siesta. Aparentemente, seus laços com SPES eram mais profundos do que eu imaginava.
“Sim, eu imaginei que você descobriria em breve.” Como se quisesse se adiantar, a Sra. Fuubi exalou a fumaça do cigarro de forma preguiçosa.
“De qualquer forma, não sei qual é o esquema, mas aparentemente Seed ajudou Bat a fugir da prisão. Fiquem atentos, garotos.”
“Bat escapou da prisão, e agora está com Seed...”
Mas Bat havia se rebelado contra a SPES quatro anos atrás. Como punição, ele fora obrigado a realizar aquele sequestro aéreo a dez mil metros de altitude. Por que ele se uniria agora ao líder da SPES?
“E, além disso, a outra má notícia é...” Quando ela estava prestes a me contar o restante, a campainha tocou.
“Visitante?” perguntou a Sra. Fuubi com um tom repentinamente sombrio.
Nesse momento, eu nem precisei perguntar do que ela estava preocupada, mas...
“Vou atender.”
“Ei, estou tentando te dizer….”
“Eu sei. Mas já providenciei um seguro, caso...”
No improvável caso de o visitante ser ele, SIESTA estava aqui. Ela e eu trocamos um olhar, e então me dirigi à porta.
“Além disso, ele não tem motivo para vir atrás de mim agora.”
Resmungando e certo de que Bat estava bem do lado de fora, girei a maçaneta.
“Afinal, se ele estiver tocando a campainha, deve ter boas maneiras, não é?”
Quando abri a porta e vi quem estava realmente ali, fiquei incrivelmente confuso.
“S-Saikawa?”
Aquelas mechas de cabelo rosa e o tapa-olho sobre o olho esquerdo não deixavam margem para dúvidas. Minha visitante era a atrevida Yui Saikawa, a idol mais fofa do mundo.
“Kimizuka, por favor, seja meu produtor!”
Ela me olhava de cima para baixo. Como de costume, parecia completamente alheia ao ambiente.
6 Anos atrás, Yui
“Não importa o que aconteça, nunca deixe ninguém te separar desse olho esquerdo.”
Fizeram a cirurgia enquanto eu dormia. Quando acordei, tudo já tinha acabado.
Eu estava deitada na cama, e minha mãe conversava comigo.
“As pessoas podem tentar te tirar ele, mas não dê ouvidos a elas. Você precisa protegê-lo.”
A voz e o rosto dela estavam mais severos do que eu jamais os tinha ouvido ou visto, mas a mão que ela estendia era delicada. Suavemente, ela tocou as bandagens sobre o meu olho esquerdo.
“Quer dizer que sou tão fofa que todos os sequestradores do mundo estão atrás de mim?”
“Você pode ser minha filha, mas é tão resistente que ninguém acreditaria que você acabou de sair de uma cirurgia.”
Minha mãe pousou a mão na minha testa e suspirou.
O que diabos isso significava?
“Querido, diga algo para ela.” Ela se virou para meu pai.
“Olhem como minha filha é adorável.”
“Ela cresceu assim por sua causa, sabe.” A cabeça da minha mãe voltou a cair.
Sim, meu pai me mimava pra caramba. Se eu dizia que queria pão, ele saía e comprava um bolo inteiro; se eu pedia uma bicicleta, ele me dava um navio de cruzeiro. Graças a isso, eu já sei pilotar um barco.
Bem, é um preço a pagar. Ainda assim, eu não conseguia andar de bicicleta.
“Mas, Yui, você sabe que as coisas não podem continuar assim, não é?”
Minha mãe se voltou para mim novamente. Ela não parecia zangada, apenas um tanto triste e inquieta.
“Um dia, você terá que sair para o mundo lá fora.”
Eu podia ser jovem, mas sabia que, quando minha mãe dizia “lá fora”, não se tratava literalmente. Era uma palavra que ela sempre usava para me convencer.
“Você vai precisar fazer amigos.”
Eu não tinha nenhum amigo. Nem sequer passei muito tempo na escola.
“...Está tudo bem. Conversar com muitas pessoas não é divertido.”
As crianças sempre excluíam quem não fosse como elas. Eu nasci cega do olho esquerdo, e isso me tornava diferente. O fato de minha família ser rica também podia ser parte do problema. Sempre existia uma linha invisível entre mim e os demais, uma barreira de ar que eu não podia transpor.
“Enquanto você e papai estiverem aqui, não preciso de mais nada.”
Eu já tinha chorado enquanto dizia isso para ela antes, e repeti hoje. Então, puxei os cobertores para cobrir a cabeça.
“Não vamos conseguir te proteger para sempre, sabe.”
Minha mãe suspirou novamente, parecendo bastante cansada. Eu sou esperta; sei como lidar com esses momentos dela.
“...Você vai embora?” Eu espreitei debaixo do futon, falando com vozinha de criança.
“N-não fique com esses olhinhos de cachorrinho voltados pra mim, Yui.”
Minha mãe me abraçou fortemente.
É, minha mãe é realmente quem mais me mima. Mesmo assim, é difícil acreditar que eu poderia enganá-la tão facilmente. Talvez eu tenha talento para a vida de idol.
“Yui,” disse meu pai. Pousando uma mão no ombro da minha mãe, ele nos separou delicadamente.
“Vamos tirar essa bandagem, tudo bem?”
Eu secretamente vinha evitando isso, mas ele era perspicaz e percebeu logo o que eu estava fazendo.
“...Tá bom.”
Eu estava um pouco tensa, mas o olhar sério dele me impulsionou a dar o passo. Estendi a mão para o tecido branco que estava enrolado na minha cabeça, sobre o meu olho esquerdo, e o deslizei para fora.
“Pronto. Dê uma olhada.” Eu espreitei no espelho de mão que meu pai me ofereceu.
“É tão bonito...”
O olho azul brilhava como uma safira, e eu me peguei suspirando por ele. Meus pais haviam encomendado esse olho falso para mim.
“Esse olho combina com você melhor do que qualquer outro, Yui. Queremos que você use vestidos encantadores e ilumine o mundo. Você vai brilhar como essa joia.”
Enquanto meu pai falava, ele parecia mais sério do que eu jamais o tinha visto.
“Esse olho vai iluminar seu caminho e te ajudar a encontrar o que mais importa para você. E, por isso...” Ele me fitou.
“Não importa o que aconteça, você nunca deve permitir que alguém te afaste dele.”
Ele disse a mesma coisa que minha mãe.
“...Querido, não roube a cena assim,” reclamou minha mãe.
“Se eu não fizesse isso, não seria o papai mais descolado, de jeito nenhum.” Ele assentiu sem graça.
Meus pais se dão tão bem.
Algum dia, seria incrível se eu encontrasse pessoas com quem pudesse conversar assim tão bem...
Brincadeira. Isso era uma piada. Esses dois são tudo o que eu preciso.
E então….
“Não, você ainda não é muito legal.”
“Ah...” Eu completei a piada para eles.
Mesmo assim... Ainda assim, algum dia...
Se eu der um salto corajoso para o mundo lá fora... se encontrar amigos que me aceitem como eu sou, sem que eu precise esconder coisas ou guardar segredos... a vida será mais divertida?
Heh-heh. Por alguma razão, ver esse olho azul me deu vontade de rodopiá-lo.
Vou arriscar desta vez.
Só pensei nisso agora há um minuto, mas talvez eu vá me dedicar a me tornar uma cantora idol.
Traduzido por Moonlight Valley
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