Volume 2

Capítulo 3

⧫ Eu encontro uma garotinha. Depois, sou demitido.

Em uma viela estreita, sem qualquer movimentação de pedestres, uma garota dormia em uma caixa de papelão que alguém havia jogado fora.

Normalmente, seria um gatinho ou um cachorrinho, mas, desta vez, era uma garota. Ela tinha cabelos longos e rosados como coral, amarrados em dois rabos de cavalo. Quando afastei uma mecha com a ponta do dedo, o rosto que surgiu era jovem, respirava tranquilamente e estava profundamente imerso em um sonho.

"…O que eu faço agora?"

Francamente, a situação gritava "problema". Para começar, eu só havia entrado naquele beco completamente deserto porque uma maçã da minha sacola tinha rolado para lá. Talvez você esteja pensando: Que clichê total, isso é ridículo… Mas é assim que as coisas acontecem comigo.

"Bem, não é como se eu pudesse escapar disso de qualquer forma."

A experiência me ensinou que, uma vez que eu me metesse em confusão, ela não iria embora até que eu resolvesse. Isso significava que o melhor plano era lidar com o problema o mais rápido possível.

Além disso, já que eu havia passado muito tempo no exterior (em parte porque tinha esse tipo de problema há anos), eu conseguia me virar razoavelmente bem nos idiomas de vários países. Assim, mesmo em situações como essa, eu era capaz de falar com estranhos sem hesitar.

"Ei, você está bem?" Perguntei, cutucando a bochecha da garota com a ponta do dedo.

Era macia. Macia, flexível e elástica como mochi.

"…Nn…uhn…"

A garota se remexeu, e os jornais que a cobriam fizeram barulho. Estiquei o braço de lado e cutuquei sua bochecha novamente.

Cutuca. Cutuca. Cutuca. Cutuca. Depois de algumas rodadas disso…

"Nn, quem é…?"

Finalmente, a garota sentou-se, movendo-se vagarosamente e esfregando os olhos. Então, ela virou a cabeça cerca de noventa graus para o lado, e nossos olhos se encontraram.

Os dela eram grandes e determinados, com cílios longos. Ela parecia ter cerca de doze ou treze anos—uma garotinha fofa agora, mas eu tinha a sensação de que ela seria incrivelmente bonita algum dia.

Eu estava a examinando de perto, quando—

"—Ah."

De repente, como se tivesse percebido algo, a garota apertou os olhos com força.

"Vou ser atacada."

Por algum motivo, senti um pressentimento muito ruim sobre isso, mas perguntei mesmo assim:

"Por quem?"

"Por você!"

A garota me lançou um olhar feroz. Seus olhos estavam um pouco marejados.

"Pode esquecer—não importa o que você faça com meu corpo, você nunca vai controlar meu coração!"

E agora eu era alvo de uma acusação sem fundamento... Não era justo.

"Você até me arrastou para um beco… Você é o pior! Um monstro!"

Você estava dormindo aqui sozinha. Argh, minha cabeça dói.

"Desculpe, mas eu não tenho nenhum interesse por crianças."

"—! Q-quem você está chamando de criança?!"

"Você."

A garota tentou agarrar a frente da minha camisa, mas era baixa demais para que isso funcionasse como uma ameaça.

"Ghk, tome essa! E essa!"

Ela começou a saltitar, tentando enfiar os dedos indicadores no meu rosto. Ela estava tentando me cegar ou algo assim? Essa garotinha era perigosa.

"Eu não sou criança! Sou uma garota normal!"

"Certo, tá bom, tá bom. Entendi, só se acalme."

Eu segurei os pulsos dela, levantando-a do chão de modo que seus pés ficaram pendurados no ar.

"Quando você conhece alguém novo, deveria começar com apresentações. Meu nome é Kimihiko Kimizuka. E você…?"

 

"O meu nome é…"

 A garota franziu o cenho por um momento.

"…Alicia?"

 "Por que você disse isso como se fosse uma pergunta? Veio do País das Maravilhas ou algo assim?"

"Estou com fome."

 "Isso mal conta como uma conversa."

Eu lhe entreguei uma das maçãs que havia acabado de comprar. Isso a tornaria a Branca de Neve? Enquanto Alicia mordiscava a fruta vermelha e crocante, ela finalmente começou a olhar ao redor, curiosa.

"Então, onde estamos?"

 "O que você quer dizer? Não foi você que escolheu este lugar para dormir?"

"……"

 Mais uma vez, tive um mau pressentimento—e alguns segundos depois, ele se provou certo.

"…Não sei."

 Sabia que era isso. Pelo visto, ela não estava apenas perdida ou era uma criança de rua.

"Amnésia," eu disse.

Pela primeira vez, o olhar da garota vacilou, inquieto.

Perguntei o nome dos pais dela. De onde vinha. A data de aniversário. Amigos. O que havia jantado na noite passada. Fiz várias outras perguntas, mas ela balançou a cabeça para todas.

"Tudo o que lembro é que tenho dezessete anos."

 "Você definitivamente está errada sobre isso, então esqueça isso o mais rápido possível."

"…Para onde você está olhando?"

 "Não se preocupe. Quando chegar a hora, elas vão crescer."

Mas esse não era o momento para brincadeiras. Eu precisava agir rapidamente para resolver esse problema.

"Quando terminar de comer, vamos à polícia."

Alicia estava pegando a terceira maçã (aparentemente estava mesmo com fome), e foi nesse momento—

"Ei, sério? Só pode ser azar meu."

Embora o céu estivesse limpo um minuto atrás, a chuva começou a cair de repente. Que ótimo. Bem, só me restava aceitar.

"Vamos correr."

 "Hã?"

Puxando Alicia pela mão, corri em direção ao apartamento onde Siesta me esperava.

"Escuta, tente fazer silêncio, tá bom?"

 Enquanto girava a maçaneta, avisei Alicia.

"Tem alguém além de você aqui, Lobo?"

 "Não trate as pessoas como animais. Meu nome é Kimizuka, Kimihiko Kimizuka."

Eu não fazia ideia do que Siesta diria se descobrisse que eu tinha trazido para casa uma garotinha não identificada.

Por enquanto, deixei que ela tomasse banho e me encarreguei de secar suas roupas molhadas enquanto isso. Poderia levá-la à polícia depois. Conduzi Alicia pelo corredor, de fininho, até o banheiro.

"Caramba, estamos encharcados."

 "Com certeza. Isso está péssimo."

No banheiro, tirei minha camisa e estava prestes a puxar o vestido de Alicia por cima da cabeça dela quando—

"??!! Por que você está agindo como se fosse entrar comigo?!"

 

 "Você é burra?! Eu falei para não gritar."

"As coisas estavam acontecendo de forma tão natural que eu quase caí nessa!"

 "Eu já disse, não mexo com crianças como você."

"O quê—…?!"

O rosto de Alicia ficou vermelho como um polvo cozido.

"Assistente, você voltou?"

 Naquele instante, ouvi a voz de Siesta vinda da sala de estar. Ai, acho que deveria recuar agora.

"Certo, Alicia. Quando sair, vista algumas das roupas sobressalentes que estão ali."

Com isso, fui para a sala sozinho, secando a cabeça com uma toalha enquanto andava.

"Bem-vindo de volta. Está chovendo bastante, não é?" ela disse.

 "Sim, começou do nada… O que você está fazendo?"

Na cozinha, que dava para a sala, Siesta estava sentada em uma cadeira de rodas, misturando algum tipo de massa em uma tigela. Ela era boa com tarefas domésticas, mas eu quase nunca a via cozinhar. Aquilo era uma novidade.

"Eu estava pensando em fazer uma torta de maçã. Você mencionou que se deu ao trabalho de comprar algumas maçãs, então…"

As mãos de Siesta se moviam alegremente.

"……Ah."

 Eu havia esquecido completamente. Tinha deixado Alicia comer todas as maçãs.

"Olha, Siesta, hum…"

 "Heh-heh! Quero dizer, sabe, parece que você tem gostado bastante de mim, afinal. Acho que essa é minha forma de assumir a responsabilidade por ser o objeto da afeição de alguém; pensei que poderia fazer ao menos isso por você."

Ah, droga. Agora ficou ainda mais difícil contar. Por que ela parecia genuinamente feliz, logo ela, que normalmente me dava tanto valor quanto uma pulga?

"Mas você voltou na hora certa. Então? Onde estão as maçãs?"

 "Ah, o negócio é que…"

"Kimizukaaaa."

Foi quando uma terceira voz interrompeu. Eu só conseguia pensar em uma pessoa além de nós naquele apartamento.

"Tem toalhas pequenas?"

Alicia, enrolada em uma toalha de banho, espiou da porta.

Entendi. Entendi muito bem.

Lancei um olhar para Siesta, e nossos olhos se encontraram. O silêncio pareceu se estender para sempre. Então, finalmente, ela disse a palavra que eu já estava esperando.

"—Pedófilo."

Parece que este pode ser meu último dia como assistente dela.



⧫ Um novo caso começa com uma cena saída direto do inferno.

"Entendo a situação."

Siesta falou do alto da cama, onde estava sentada bebendo chá. No entanto, mesmo enquanto dizia isso, olhava para mim com desprezo.

"Darjeeling, hein? Tem um cheiro agradável."

"Mm-hmm. Combina muito bem com torta de maçã."

Eu estava tentando colocá-la de bom humor, mas acabei cavando minha própria cova. Definitivamente, este não era meu dia.

"É seguro assumir que você nunca mais me verá com um avental."

"De jeito nenhum—você só pode estar brincando. Essa era a única coisa pela qual eu vivia esperando. Que tragédia."

"…E agora estou bastante irritada. Aparentemente, até alguém de caráter tão nobre quanto o meu tem espaço para crescer como pessoa."

"Um dos trabalhos de um assistente é fomentar o crescimento emocional de sua chefe… Tá, tá, eu exagerei, só por favor, guarde esse mosquete! Me desculpe!"

Ajoelhei-me ao lado da cama, jurando que compensaria isso algum dia, enquanto inclinava minha cabeça em direção ao cano da arma que ela apontava para mim.

"Eu não sabia que você tinha uma namorada, Kimizuka", comentou Alicia, a garota que havia causado todo esse problema. Valeu mesmo.

Ela estava sentada à mesa, comendo torta de maçã (sem as maçãs). Você acha que eu namoraria uma garota que apontaria uma arma para mim?

"Na verdade, não havia necessidade de ser tão indireto. Você deveria tê-la trazido para mim desde o começo."

Finalmente guardando sua arma, Siesta fez um gesto para que eu levantasse a cabeça.

"Ela é uma garota perdida com amnésia. Não parece um caso para uma detetive?"

…Verdade. Agora que ela mencionou, faz sentido.

"Você disse que era Alicia?"

Siesta chamou da cama para a garota na mesa.

"Você realmente não sabe seu nome verdadeiro nem nada?"

"…Uh-uh. Só que tenho dezessete anos."

"Sete, ok."

"Dezessete!"

Alicia bateu na mesa, levantando-se. Ela devia estar naquela idade em que queria ser vista como adulta.

"Bem, na realidade, ela provavelmente tem uns doze ou treze anos. Dá para perceber pelas panturrilhas."

"Assistente, não é hora de exibir seus hábitos peculiares. Pessoas normais não conseguem dizer a idade de alguém pelo crescimento das panturrilhas."

"—! Então lá no beco, você estava olhando para minhas panturrilhas, não para meu peito?!"

"Não, daquela vez, era para o seu peito. Olhei e pensei: 'Não, não há como ela ter dezessete anos.' "

"O-oh, ufa, você me deixou preocupada. Meu peito, hein? Que bom… —Espere, não, isso não está ok!"

[Jeff: Cara, que conversa é essa kkkkk]

"Assistente, se você deve assediar alguém, limite-se ao Charlie, certo?"

Em algum país estrangeiro distante, ouvi uma bela garota loira soltando uma réplica bastante colorida.

…Mas agora não era hora para isso.

"Alicia, vamos assumir a tarefa de identificar você."

Retomando o assunto principal, Siesta voltou-se para Alicia.

"Mas não de graça."

"Ei, Siesta, você vai cobrar dinheiro de uma criança?"

"O que a idade dela tem a ver com isso? Crianças também são pessoas", Siesta rebateu.

"Além disso, duvido que haja algo menos confiável do que boas ações feitas de graça."

…Ela tinha razão. Relações humanas realmente eram noventa e nove por cento confiança e um por cento interesse próprio. Foi assim que Siesta e eu nos viramos durante nossa jornada.

"Então o que você quer que eu faça?"

Alicia provavelmente não poderia nos pagar com dinheiro. Ela nem sequer tinha comida, roupas ou abrigo. Como poderia compensar uma detetive de ponta?

"Quero que você seja minha procuradora, Alicia. Se aceitar, prometo fornecer comida, roupas e um lugar para ficar."

"Então eu vou trabalhar como uma detetive…?"

Alicia inclinou a cabeça, exageradamente.

"…Siesta, isso não vai ser demais para ela? Não vejo como isso funcionaria."

"Sim, mas…"

Siesta apontou para suas próprias pernas machucadas. Ah, certo. A detetive de ponta estava de licença agora, não é?

"Nesse caso, não seria melhor se eu fosse o detetive, e Alicia fosse minha assistente?"

"Não, mas, bem… Ah, você sabe o que quero dizer. Você simplesmente parece um assistente."

"Isso foi golpe baixo."

"Quer que eu vire uma detetive do nada?" disse Alicia.

"Não sei nem se consigo…"

"Se for detetive, terá meu assistente ao seu dispor."

"Uhul! Vou fazer isso! Me inscreva!"

"Essa transação é oficialmente horrível."

Correção: com Siesta e eu, a relação era um por cento confiança e noventa e nove por cento interesse próprio.

"Então o que eu devo fazer, exatamente?" Alicia perguntou a Siesta.

E no timing perfeito—

"Jack, o Estripador, reviveu."

A voz de uma terceira pessoa cortou o ar, e um calafrio percorreu meu corpo. Virei-me rapidamente e—

"Srta. Fuubi? O que você…? Achei que já tinha voltado para o Japão."

A Srta. Fuubi, nossa conhecida policial, estava sentada no sofá com um cigarro.

"Ah, bem, lembrei que precisava resolver uma coisa. Enfim, quando vocês dois fizeram uma criança?"

Ela olhou entre mim e Siesta, depois para Alicia.

"Você está cega?"

"Você é quem está."

Siesta e eu respondemos em uníssono. Como alguém poderia pensar que Siesta e eu estávamos nesse tipo de relacionamento?

"Então, o que você precisava? Disse algo sobre Jack, o Estripador, voltar à vida."

"Isso mesmo. Ontem apareceu uma nova vítima da caça aos corações. O M.O. é semelhante aos incidentes anteriores."

"Isso é ridículo…"

Não era nem possível. Afinal, Hel havia matado Cerberus—o verdadeiro Jack, o Estripador.

"Hel."

Na cama, Siesta estreitou os olhos.

"Ah, então é isso…"

Hel havia assumido a caça aos corações no lugar de Cerberus. Ela estava planejando reviver aquela arma biológica novamente.

"Parece que você tem uma ideia do que está acontecendo. Ótimo. Tenho algumas informações que podem ser úteis para encurralar nosso culpado," disse Srta. Fuubi.

"Isso também envolve a jovem ali."

Talvez ela tivesse ouvido nossa conversa sobre Alicia assumir o trabalho. E então trouxe-nos um incidente que poderia acabar sendo parte disso.

"Isso ainda é só um boato, mas parece que há algo aqui em Londres que pode nos ajudar a derrubar a SPES."

Oh-ho. Bem, isso era conveniente… Minhas mãos cruzaram-se com as de Siesta.

Então, sinalizando silenciosamente para a Srta. Fuubi continuar, ela nos contou o que era.

"Pelo que dizem, as pessoas chamam de 'o olho de safira.' "

 

⧫ A rotina diária da detetive substituta Alicia

No dia seguinte.

"Tudo bem, vamos lá!"

Uma jovem apontou energicamente para uma ampla avenida no centro da cidade e saiu apressada.

Enquanto isso, eu seguia minha nova chefe, com os ombros curvados de tanto constrangimento.

"Vamos, anda logo!"

"Você está andando rápido demais."

"Hã?"

Não me venha com esse "Hã?". E não incline a cabeça com uma expressão adoravelmente confusa.

"Essa roupa."

Alicia estava vestida com uma fantasia que gritava "detetive de primeira": um austero trench coat e um chapéu de caçador. Além disso, tinha um cachimbo kiseru tradicional japonês entre os lábios… ou melhor, um doce com um palito comprido, que ela usava como substituto.

[Jeff: Como podem ver uma clássica referência aos detetives que vemos em desenhos, esse austero trench coat é o nome do sobretudo que eles costumam usar.]

"Eu sei que dizem para se vestir para o trabalho que você quer, mas isso é ridículo."

"Mas essas roupas são herança da Siesta."

Et tu, Siesta? Não sabia que a detetive de ponta tinha esse tipo de passado.

[Jeff: Mals atrapalhar a leitura de novo, mas essa fala aí foi uma referência massa a linha shakespeareana macarônica "Et Tu Brutè?" no First Folio de 1623.]

[Nix: Esse cara sabe.]

"Você está mesmo se jogando nessa coisa de detetive substituta, hein?"

"Claro!"

Alicia colocou as mãos nos quadris, triunfante.

Depois de conversarmos ontem, Alicia acabou concordando em assumir o papel de detetive no lugar da machucada Siesta, em troca de roupas, comida e hospedagem.

Por enquanto, estávamos procurando o "olho de safira" que a Srta. Fuubi mencionou. Não sabíamos muitos detalhes, mas decidimos começar com um trabalho de campo e uma investigação.

"Vamos em frente!" Alicia declarou, e imediatamente desapareceu.

"Hã? …Ei, espere!"

Antes que eu percebesse, Alicia estava correndo pela calçada como se não houvesse amanhã. Eu me apressei para alcançá-la e acabei correndo mais de cem metros antes de finalmente alcançá-la.

"…Hff… hff, por que você estava correndo…?"

Alicia não estava nem aí para o meu cansaço. "Correr é divertido!"

Ela parecia uma criança em sua primeira viagem à praia. O sorriso dela era tão radiante quanto o sol de verão, e isso era ótimo e tudo mais… mas ela não podia pensar no cara que tinha que acompanhá-la?

"Escute, você nem lembra quem é. Basicamente, você veio do País das Maravilhas. Sentir curiosidade é bom, mas ouça o que eu digo também."

Sem conseguir fingir um sorriso, deixei minha mão cair levemente sobre a cabeça de Alicia.

"Além disso, lembra o que aquela policial ruiva disse? Esta área não é muito segura agora. Nada de ficar andando sozinha por aí."

De acordo com a dedução de Siesta, Hel provavelmente ainda estava em Londres, atacando os residentes no lugar de Cerberus. Não havia como prever quando ela nos atacaria novamente. Se Alicia fosse nos acompanhar, precisava tomar cuidado.

"Certo, eu entendi! Não me trate como uma criança."

Essa é exatamente a frase típica de uma criança.

"Tá bom. Boa menina. Vamos lá, então."

"Uh-huh… Ei, por que você pegou minha mão?! Você foi tão sutil que quase me enganou de novo!"

"Vamos, Alicia, levante a mão enquanto atravessamos a faixa de pedestres."

"O que exatamente você imagina quando pensa em ‘treze anos’?! Quero dizer, dezessete! …Provavelmente."

Ela soava cada vez menos certa, provavelmente por causa da amnésia.

"Hmm, tenho quase certeza de que era por volta dessa idade, mas…"

Depois de atravessarmos, Alicia correu para uma vitrine e observou seu reflexo. Ela puxou suas bochechas macias como marshmallow e inclinou a cabeça, confusa.

"Vamos, precisamos ir. Se ela descobrir que estamos enrolando, Siesta vai me pegar de novo e… Uh."

"…Pegar o quê? ‘De novo’? O que exatamente vocês dois fazem, normalmente?"

Enquanto curtíamos essa conversa, o primeiro destino que alcançamos foi, por algum motivo, uma joalheria.

Naturalmente, não tinha sido ideia minha, é claro. De acordo com nossa nova “detetive de ponta”, este era o único lugar possível para encontrar safiras.

"Elementar, meu caro," ela disse com um sorriso, confiante.

Assim que entramos na loja, Alicia disparou como um foguete. A forma como ela se lançava sobre as coisas brilhantes me lembrava um gato.

"Kimizuka! Eu achei!" Alicia gritou, animada, chamando atenção para um item na vitrine. As pessoas ao redor começaram a rir.

"…Ah. Certo."

A joia, que brilhava tão azul quanto o oceano, custava muito mais do que eu esperava. Dois zeros extras a mais, para ser exato.

"Caso encerrado!" Alicia fez um sinal de vitória com as mãos e então se virou para um dos atendentes: "Essa aqui! Vou pagar à vista, em uma parcela."

"Ei, ei! Você está planejando me fazer comprar isso?!"

"Você não vai?"

"Eu não posso!"

"…Você é pobre, Kimizuka?"

Cala a boca, tá bom? E para de me olhar com esse ar de pena.

"Além disso, isso é só uma joia. O que estamos procurando é mais… Provavelmente algo mais ‘underground’, digamos assim."

"Underground… Entendido!"

Antes que eu pudesse parar, Alicia me puxou pela mão e saiu correndo da loja.

"Você não entendeu! Tenho certeza de que você não entendeu, então, por favor, pare…"

Depois de mais uma corrida (ao menos para mim), chegamos a uma loja literalmente subterrânea, localizada no porão de um prédio antigo em uma viela. O lugar parecia suspeito, mas empurrei a pesada porta e entramos de qualquer jeito.

Lá dentro, havia prateleiras de aço cheias de plantas secas e incensos coloridos. Nos fundos, um vendedor com vários piercings no rosto fumava tranquilamente um cachimbo.

"É aqui! Não há dúvidas!" Alicia exclamou com entusiasmo.

"Só na sua cabeça," retruquei, suspirando.

…Sério, por que ela tem tanta energia? Ela não entende a situação em que está?

"Hmm, isso parece doce," Alicia comentou, olhando curiosamente para o cachimbo do vendedor.

"Você é uma idiota?! Vai acabar viciada!"

Rapidamente, puxei Alicia para fora da loja, de volta à luz do dia. Parecia que tínhamos ficado de mãos dadas o tempo todo…

"Haaaah, estou exausto."

Isso não era trabalho de campo, era babá. Mas Alicia continuava avançando confiante, completamente alheia ao meu sofrimento.

"Você parece estar se divertindo."

"Sim, estou."

Ela estava tão radiante que qualquer sarcasmo pareceria inútil.

"Afinal, faz muito tempo que não saio de casa."

"É mesmo?"

…Muito tempo? O que ela quis dizer com isso?

"Hã?" Alicia percebeu o tom estranho de sua própria frase e parou, franzindo a testa. 

"Espere, por que eu pensei nisso?"

"Você passou muito tempo em um quarto, em algum lugar? Não me diga que foi em um hospital…"

Talvez ela tivesse estado internada e escapado, vagando pela cidade até desmaiar. Se fosse esse o caso, a situação mudava. Talvez fosse melhor levá-la a um médico.

"Mm, eu não sei… Toda vez que tento pensar nisso, minha cabeça começa a…"

Ela parecia sincera. Talvez fosse melhor apenas observar por enquanto.

"Você não precisa forçar sua memória," eu disse.

Em alguns casos, o tempo resolvia esse tipo de problema naturalmente. Além disso, quando Siesta se recuperasse, provavelmente investigaria por conta própria.

"Oh!" Alicia correu novamente, aparentemente livre de qualquer dor de cabeça.

"O que foi agora?"

Ela estava parada em frente a uma barraca de rua, onde um tapete estava estendido no chão, exibindo acessórios artesanais.

"Isto."

Ela apontava para um anel com uma pedra azul… bem, algo que vagamente lembrava uma safira.

"Parece semelhante, mas não é bem a mesma coisa."

Eu evitei usar a palavra “falsificação” na frente do vendedor e mantive minha resposta vaga.

"Entendi. Então não era…"

Os ombros de Alicia caíram, claramente decepcionados. Essa garota não apenas mostrava suas emoções; ela as ostentava.

"Bem, normalmente você não encontra essas coisas logo de cara," consolei-a com uma frase clichê.

Mas provavelmente era verdade: não encontraríamos o olho de safira. Mais precisamente, nem precisávamos realmente encontrá-lo.

Então, por que Siesta deu essa missão para Alicia? Para criar uma relação baseada naquele um por cento de interesse próprio. Assim, Alicia poderia depender de nós sem se sentir um peso. Provavelmente, Siesta apenas usou a informação da Srta. Fuubi para estabelecer essa troca equivalente: comida, roupas e abrigo em troca de procurar o olho de safira.

Apesar de parecer insensível, Siesta era bastante atenciosa.

"Já está na hora de voltarmos… Espera, hein?"

Mais uma vez, Alicia desaparecerá assim que tirei os olhos dela.

"Esqueça o olho de safira. Encontrar essa garota já é trabalho suficiente…"

Quando olhei questionando para o vendedor, ele apontou para a minha esquerda.

"…Argh, eu já devia imaginar."

Era só uma coisa atrás da outra. Pelo visto, esse dia agitado estava longe de terminar.

 

⧫ Uso de álcool e tabaco por menores de idade é estritamente proibido por lei.

"Está bem, um brinde à recuperação completa da Siesta. Saúde!"

 Siesta, Alicia e eu batemos nossos copos juntos em um pub cheio de música animada.

Já fazia duas semanas desde nossa batalha com Hel e nosso encontro com Alicia. Os gessos foram retirados das pernas de Siesta, e agora ela podia andar sem problemas. Hoje, estávamos festejando desde a tarde, ostensivamente para celebrar sua recuperação.

“…Nem lembro mais quantos brindes fizemos.”

 Eu estava bem certo de que este era o quarto lugar que visitávamos desde o meio-dia. Meu estômago já estava cheio, mas as detetives ainda não tinham terminado de comer e estavam analisando o cardápio seriamente. Eu tinha suposto que estávamos no nosso último drink, mas talvez não.

"Tem algo que acho que você vai gostar, Kimi."

 "Ah, é? Então pede isso pra mim."

 Sem nem olhar o cardápio, deixei o pedido nas mãos de Siesta, que estava sentada em frente a mim.

"Hmm, já são nove, né... Não peça nada apimentado, Siesta."

 "Ah, você tem razão. Não quero passar mal de novo e não conseguir dormir."

 "Comida apimentada sempre te dá dor de barriga umas três horas depois."

 "Huh, nunca percebi até você me falar. Que estranho."

 "Olha, só toma um antiácido. Você não terminou de comer ainda, né?"

 "Tá bom. Vou fazer isso."

 Concordando, Siesta engoliu o remédio. Enquanto isso, levantei a mão e chamei o garçom.

"Uhum, vocês são tão sincronizados que dá até medo." Por motivos desconhecidos, Alicia estava me encarando de cara feia do outro lado da mesa. "Que telepatia é essa? Você deixa a Siesta decidir tudo por você, e quando você fala algo, ela obedece..."

Entendi. Para quem estava de fora, nossa troca parecia estranha. Mas, bem, passamos três anos juntos. Era natural deixarmos o outro decidir o que fazer. Ou seja—

"Nós confiamos mais um no outro do que em nós mesmos," murmurei distraidamente.

"...Então, basicamente, vocês são um desses casais melosos—"

 "Com licença, eu gostaria de fazer um pedido adicional."

 Siesta colocou a mão com firmeza sobre a boca de Alicia. Alicia continuou resmungando sem entender (e de dor), enquanto Siesta tranquilamente dizia ao garçom o que queria. Isso é o que é ser uma detetive de ponta: até com crianças, ela não tem piedade.

Logo, Siesta terminou o pedido e soltou Alicia.

"Haah." Alicia arfava. "Isso doeu... Achei que fosse morrer..."

 "Você que se meteu a zombar dos adultos."

 "Para uma adulta, você é péssima em ser adulta! ...Haah, estou com sede."

Alicia esvaziou o copo que estava mais perto e abriu o cardápio de bebidas. Parece que ela ainda estava com sede. "Ei, Kimizuka? O que é essa tal de 'Cinderela'?"

 "Hmm? Ah, é um coquetel. Não tem álcool, então até crianças podem tomar."

 "Exceto que eu tenho dezessete anos, não sou criança."

 "Dezessete anos também não podem beber."

 "Então eu vou querer a Cinderela! Com licença!" Alicia chamou o garçom novamente, acenando… Nossa, as emoções dela são uma verdadeira montanha-russa.

Nas últimas duas semanas, eu percorri Londres com a detetive substituta Alicia, assumindo uma variedade de casos. Nenhum dos incidentes foi algo de grande importância, mas eu estava acompanhado de Alicia, que fazia tudo de acordo com o que suas emoções ditavam. O trabalho foi repleto de dificuldades completamente diferentes das que eu enfrentava quando Siesta era minha parceira. Ao olhar para essas duas semanas, parecia que passamos cada dia criando uma centena de problemas para resolver um só.

"O que foi?" Em pouco tempo, Alicia percebeu que eu estava a observando e inclinou a cabeça.

 "Nada. Só estava pensando como estou feliz que encontramos um lugar para você ir, para descansar um pouco."

Os altos e baixos dessas duas semanas não foram completamente infrutíferos — decidimos que Alicia deixaria o apartamento onde Siesta e eu morávamos e ficaria em uma certa igreja. A igreja administrava uma instituição de caridade que acolhia órfãos, e como Alicia não tinha parentes, aceitaram recebê-la.

"Bem, isso é só uma medida temporária. Até sabermos sobre as memórias e identidade da Alicia, ainda não resolvemos o problema de fato," disse Siesta, pausando o garfo e faca sobre o assado. Aparentemente, o fato de ela ainda não ter completado o trabalho a incomodava, mas ela estava muito ferida para fazer muito. Ela havia negociado com a igreja por trás das cenas; isso já era o suficiente.

 "Eu fui à igreja ontem e foi bem divertido," Alicia disse para Siesta, talvez percebendo o desconforto dela. "Brinquei com outras crianças que também não tinham famílias lá. Me senti até como se estivesse na escola." Alicia sorriu e fez um sinal de paz para nós.

 Parece que até Siesta não conseguia argumentar com um rosto desses; seus lábios suavizaram. "Escola, hein? ...Já faz bastante tempo que não vou a uma."

 Minha última lembrança disso foi o festival cultural, no segundo ano do ensino fundamental. Pensando bem, Siesta me arrastou bastante naquela época também.

"E por que você está me olhando?" Siesta perguntou, estreitando os olhos de forma irritada. "Os crepes e o takoyaki estavam deliciosos, não estavam?"

 "Tudo o que eu lembro é da dor de barriga."

 "Sim, você se trancou no banheiro, não foi?"

 "Agora que penso, você me espiou..."

 "E você ficou com medo na casa mal-assombrada."

 Algumas memórias é melhor deixar enterradas, ok? E o que mais… Se eu me lembrasse direito, nós acabamos fazendo cosplay de uma cerimônia de casamento... Não, isso definitivamente não é algo que eu queira lembrar ativamente. Meu passado sombrio.

 "Bem, a fita de cabelo ficou boa em você, eu acho." Lembrei-me daquela fita vermelha e de como ficava bem em Siesta.

 "Você realmente parecia encantado."

 "Não estava encantado. Eu estava... só um pouco encantado, só isso."

 "Assistente." Siesta retrucou, e secou os lábios rapidamente com um guardanapo.

Hmm? Eu falei algo estranho?

"Uma fita. Que sorte..." Alicia balançava as pernas preguiçosamente. Aparentemente, a garota do País das Maravilhas estava numa idade em que queria se vestir.

 "Eu vou te dar uma depois," disse Siesta.

 "Sério?! Yay!"

 Alicia bateu as pernas mais forte, como se não conseguisse conter sua empolgação, e então—

 "Eu também quero usar isso, e—!" Sua voz abaixou subitamente. "...E ir para uma escola de verdade", ela disse com um sorriso solitário.

 Alicia dizia ter perdido suas memórias antigas, mas esse comentário parecia como se ela inconscientemente soubesse que nunca havia ido à escola.

 Eu não consegui encontrar algo tático para dizer a ela. Enquanto isso, os olhos azuis de Siesta estavam semicerrados, pensativa.

"Estou brincando." No entanto, aquela sombra durou apenas um momento antes de Alicia, energicamente, esvaziar o conteúdo do copo. "Eu não me importo muito. Tenho algo mais para fazer agora."

 "Você quer dizer o trabalho de detetive?"

 "Sim. Eu não tenho tempo para ir à escola." Alicia assentiu.

 "E mesmo assim, eu ouvi dizer que você ainda não encontrou o olho de safira," Siesta interveio com um sorriso levemente desafiador.

 Ela estava certa. Nas últimas duas semanas, Alicia e eu realizamos pedidos bem simples, como encontrar animais de estimação perdidos, mas ainda não avançamos na busca pelo olho de safira.

 Mas provavelmente Siesta não estava tentando seriamente fazer Alicia fazer algo sobre isso. Ela só havia dito isso para aliviar o clima antes que ficasse muito sombrio — ou assim pensei, mas…

 "—Eu sei disso. Eu só preciso encontrar, certo?" Alicia se levantou, empurrando as bochechas com indignação. O que você é, uma chaleira instantânea?

 "Ei, ué, você vai sair agora?"

 "Não precisa vir, Kimizuka."

 "Está escuro lá fora. Vai ter monstros e coisas assim."

 "...Talvez eu vá para casa primeiro, e depois saio bem cedo amanhã."

 Ok, essa mudança de ideia foi tão rápida que até foi meio fofa.

 "...Ahem. Enfim, eu definitivamente vou encontrar amanhã!" Alicia apontou para Siesta e para mim, depois se virou e saiu.

 "Ela não bebeu o coquetel."

 Bem, certamente haveriam várias outras oportunidades. Eu terminei o que restava no meu copo com alívio.

 "Ela é uma menina bem difícil de lidar, não é?" Siesta me entregou um copo novo; não tinha ideia de quando ela havia pedido. "Essas duas semanas devem ter sido difíceis."

 "Você disse... Mesmo que talvez você não devesse ser a pessoa dizendo isso."

 As personalidades e posturas de Siesta e Alicia eram completamente opostas, mas ambas eram pessoas cansativas de se estar junto.

 "O que vamos fazer com ela a partir de agora?"

 Agora que Alicia não estava mais aqui, escolhi aquele momento para perguntar. Mantive a frase vaga, mas sabia que Siesta entenderia.

 "Quando começo um trabalho, nunca volto atrás."

 "...Entendi."

 Se as lesões de Siesta estavam curadas, isso significava que estávamos prontos para enfrentar Hel novamente. Em outras palavras, a separação de Alicia em breve era inevitável.

No entanto, Siesta balançou a cabeça. Ela havia escolhido ajudar uma garota sozinha em aflição, em vez de derrotar um grande mal.

"Eu não poderia recuar antes de conseguirmos ajudá-la a descobrir a idade dela, ou de onde ela veio, ou até mesmo qual é o verdadeiro nome dela. De qualquer forma, não vou deixar um pedido de cliente sem ser cumprido." Siesta sorriu.

E assim, nossa rotina agitada, mas tranquila, ia durar um pouco mais.

"Então, vamos ficar em Londres por um tempo?"

"Sim, provavelmente. Só nós dois no apartamento novamente."

Siesta levantou o copo até os lábios e o engoliu audivelmente, sua garganta branca se movendo. O movimento era bastante hipnotizante.

"O que foi?"

"...Nada. Só estava pensando que isso é meio pacífico."

Por quase três anos, Siesta e eu passamos por tempos turbulentos, perseguindo o SPES ou sendo perseguidos por eles. Caminhamos por desertos sem água, dormimos ao relento durante um furacão, e eu não tinha dedos suficientes para contar todas as vezes que tivemos que fazer nossas necessidades no campo. Foram três anos vertiginosos, às vezes lutando contra pseudohumanos, outras vezes lutando contra os limites da dignidade humana. Para mim, aqueles dias eram tão—

"Você está ficando sentimental."

Siesta me cutucou na bochecha com a ponta do dedo. Ela estava com aquela expressão de quem havia encontrado uma presa digna de provocar... Eu juro, ela ainda é uma leitora de mentes como sempre. Eu realmente odeio esse lado seu, sabia?

"Não é isso." Eu bebi o conteúdo do copo que Siesta havia colocado na minha frente, e então—

"Bfft! —Isso é álcool!"

Droga, é amargo... Era a primeira bebida alcoólica que eu tomava.

"Ei, nós somos menores de idade!"

"Você acha que menores de idade carregam uma dessas?" Siesta lançou um olhar para a minha cintura.

Bem, se ela ia trazer isso à tona, eu…

"Esta é minha festa, lembra? Você vai me fazer companhia até eu terminar," disse Siesta, girando o copo como se tivesse bebido vinho tinto a vida toda.

"Isso não é algo que uma menor deveria dizer."

"E você, Kimi? O que você vai beber?"

"Não, eu já estou..."

"Você vai me compensar, não vai?" Os lábios de Siesta se moveram levemente.

Compensar o quê? Ela está falando do incidente com a torta de maçã?

"Você vai fazer o que eu disser, não vai?" Siesta inclinou a cabeça delicadamente.

Suas bochechas estavam coradas e seus olhos ligeiramente úmidos—talvez fosse o álcool. De algum modo, ela parecia mais jovem do que o normal.

"...Só mais um drink."

Afinal, eu não poderia dizer não a isso, poderia?

 

⧫ Mais tarde, eu vou lembrar desse dia.

"Então, na verdade, eu era bem pequena, então fiquei muito nervosa quando engoli a semente da melancia. Achei que ela pudesse brotar no meu estômago, e então o que eu faria?"

 Depois que voltamos do pub, o rosto de Siesta estava tão vermelho que sua cor de pele original desapareceu completamente. Ela estava sentada na cama, com as pernas abertas em forma de M, pulando para cima e para baixo, mesmo tendo se machucado outro dia. Estava usando um roupão, assim como eu, e toda vez que ela pulava, certas partes... também pulavam dramaticamente.

 ...Ou talvez parecessem assim porque minha cabeça também não estava funcionando direito.

 Eu não sabia. Não conseguia entender direito. Afinal, eu também estava bêbado.

 Eu tinha quase certeza de que, naquele restaurante com vista para as luzes da cidade, prometemos "Só mais um drink", e depois prometemos novamente... Acho que umas dez vezes. No último, talvez tenhamos dado um pacto de dedinho, entrelaçado os braços e virado os copos. Urgh, não consigo me lembrar...

 "Assistente? Está me ouvindo?"

 "Sim, estou ouvindo. Você estava falando sobre se a melancia é um vegetal ou uma fruta, né?"

 "Mm-hmm. Eu pedi um melão, mas aí me trouxeram um limão. Eu não fazia ideia do que estava acontecendo."

 Forçando meu cérebro lento a funcionar, eu me sentei em uma cadeira em frente a Siesta, assentindo enquanto ela contava sua história.

 Nossa conversa já estava quase impossível de seguir há um tempo, e eu desconfiava que ela estivesse me contando uma história extremamente tediosa, mas não havia como Siesta—impecável, calma, tranquila e coletada Siesta, a maior detetive da história—ficar falando de algo sem sentido.

 Provavelmente estava só além da minha compreensão, pensei, então mantive os olhos fixos nos dela e ouvi com atenção. Os olhos de Siesta estavam caídos de uma maneira líquida, derretendo, e não havia vestígio de sua imagem habitual de frieza.

 "Ei, por que você tem ficado tão distante esse tempo todo?" Siesta fez um biquinho, e eu senti como se estivesse fazendo algo de errado, de alguma forma. "Vem aqui."

 "...Para a cama?"

 "Sim. Vamos conversar aqui juntos, tá?"

 Eu... não tinha certeza sobre essa ideia.

 Um homem e uma mulher, indo para a cama juntos... Isso não poderia ser, tipo, um problema? De várias maneiras?

 Tentei reunir o pouco de raciocínio lógico que me restava, mas—

 "Tudo bem com isso?", ela perguntou.

 "Sim, tá tudo bem."

 Se essa foi a resposta que meu cérebro conseguiu formular, então foi isso que eu disse. Seguindo o resultado do meu experimento mental, eu me deitei na cama onde Siesta estava sentada.

 ...Eu realmente precisava deitar na cama? Esse pensamento passou pela minha cabeça, e logo desapareceu.

 "Heh-heh. Essa é a primeira vez que dormimos juntos assim, né?"

 Então Siesta se enfiou debaixo das cobertas ao meu lado, e lá estávamos nós. Na mesma cama, debaixo das mesmas cobertas.

 "Você está bem aqui, Kimi. Tão perto." Siesta se virou para o lado, olhando para mim.

 As luzes do quarto estavam fracas, mas eu podia ver claramente o rosto dela.

 "Se eu ficasse dois dias sem te ver, realmente esqueceria seu rosto."

 "Então isso não muda mesmo quando você está bêbada, né?"

 "Heh-heh. Bem, ficar te provocando é divertido, Kimi."

 "Aí está, a jovem sádica."

 "Na verdade, você gosta quando eu te provoco, né?"

 "Não inventa motivos estranhos para mim!"

 "Então você preferiria que eu nunca mais te provocasse, pelo resto da vida?"

 "......"

 "Eu não falaria mais com você?"

 "......"

 "Você realmente é engraçado, Kimi."

 "...Vai se danar."

 "Essa cara de mal-humorado é meio fofa."

 "Isso não é um elogio!"

 "Bem, vou esquecer disso em dois dias, então."

 "Agora estamos de volta a isso?!" Eu me virei em direção a Siesta.

 "Mas..."

 O que eu vi foi seu perfil; ela estava olhando para o teto.

 "Eu nunca vou esquecer esses três anos que passei com você."

 Acho que nunca esquecerei a coragem no rosto dela enquanto eu viver.

 "Heh-heh. Ops, fiquei um pouco séria, né."

 No entanto, Siesta rapidamente voltou à sua expressão de embriaguez e se virou em direção a mim.

 "Se tirassem a seriedade de você, o que sobraria?", eu perguntei.

 Eu perdi a chance de voltar à minha posição inicial, e Siesta e eu acabamos deitados lá, cara a cara.

"Isso é muito cruel. O que você acha que sou, afinal?"

A personificação da lógica? A detetive cerebral, talvez? Era isso o que eu deveria dizer?

"Por que não..."

Com um movimento suave, Siesta fechou a distância entre nós.

Faltavam apenas alguns centímetros, e nossos narizes—e possivelmente nossos lábios—se tocariam. Nossos corpos já estavam quase pressionados um contra o outro, e do volume do peito de Siesta, eu podia ouvir o som de seu coração batendo forte.

"...fazermos algo bobo, só dessa vez?"

Meu corpo inteiro ficou quente.

A propósito, já tínhamos discutido suas três grandes motivações em algum momento.

"Siesta, eu..." A próxima coisa que soube foi que estava me inclinando sobre Siesta.

"...Assistente." Siesta fechou os olhos, apertado.

Tomando uma decisão, aproximei meu rosto, meus lábios, mais e mais perto dela, mais perto—

 

⧫ A maioria dos momentos de fraqueza tarde da noite faz você querer morrer pela manhã.

“Ufa, alguém me mata, por favor.”

Quando acordei na manhã seguinte, depois de um minuto ou dois tentando pensar, esse foi o primeiro comentário que me veio à mente.

Primeiro de tudo—minha cabeça doía como o inferno; o álcool da noite passada definitivamente ainda estava no meu sistema. E essa dor de cabeça era figurativa e literal, graças à detetive brilhante que dormia profundamente ao meu lado, respirando tranquilamente.

Ouvi dizer que, quando você bebe álcool o suficiente para encher uma banheira, esquece tudo na manhã seguinte... mas, infelizmente, meu córtex cerebral se lembrava do vexame de ontem com uma clareza devastadora.

“Uu, ghk, me mata agora…”

Minha primeira bebedeira misturada com o clima da madrugada resultou em um diálogo embaraçoso. O que diabos eu estava pensando ontem? O que me fez ir para a cama com a Siesta? E depois disso...

“Bleeergh.”

Várias emoções e o conteúdo do meu estômago subiram em uma onda de náusea. Coloquei a mão na boca, tentando sair da cama, e foi nesse momento—

“……”

Os olhos da Siesta se abriram, e nós nos encaramos. Ficamos nos olhando, piscando, por um momento que pareceu durar uma eternidade.

“…Bom dia.”

“……”

Eu a cumprimentei com cautela, mas não houve resposta.

Em vez disso, Siesta se escondeu debaixo das cobertas, verificando alguma coisa. Então, ela voltou a colocar a cabeça para fora. Sua expressão era indecifrável. Isso era bem normal… mas, por alguma razão, parecia haver algo como uma ameaça no olhar dela.

 

“Bom dia”, Siesta respondeu após uma eternidade. Ajustando firmemente seu robe, ela tirou uma pequena maleta prateada da sua habitual mala de viagem.

Não consegui ver exatamente o que ela estava fazendo, pois estava de costas para mim, mas presumi que estava pegando algo da maleta. Assim que pensei nisso, Siesta se virou para mim.

“Assistente, quero que estenda o braço.”

“Só depois que você guardar essa agulha enorme!”

Siesta estava segurando uma seringa na mão direita; havia líquido escorrendo da ponta.

“Está tudo bem. Só vai doer por um segundo.”

“De jeito nenhum! Quando eu disse que queria morrer, não estava falando sério!”

“Não vai te matar. Esta injeção apenas apaga temporariamente as memórias humanas, só isso.”

“Você tá brincando, né?! Isso é outra das suas Ferramentas Especiais?!”

“Não, não é. Vamos lá, você não lembra? No festival cultural, quando capturamos as Senhoritas Hanakos. Tem só um pouco daquele mesmo ingrediente que estava misturado naquela droga.”

I-isso não podia ser pior… Aquilo era garantia de funcionar…

“Está tudo bem. Fiz alguns testes e desenvolvi uma versão melhorada que não prejudica a sua saúde.”

“Espere aí, você testou isso em mim?! Achei que estava mais esquecido do que o normal ultimamente, foi por isso?!”

Se foi, isso não era brincadeira. Ainda de robe, tentei correr para fora do apartamento, mas—

“Eu não vou deixar você escapar.”

“Ghk, hah.” Siesta pulou nas minhas costas, montando em mim e me imobilizando no chão.

“Agora estenda o braço. Você vai esquecer tudo sobre ontem… Sobre mim ontem.”

Eu não era páreo para uma Siesta irritada, e a seringa se aproximava do meu braço direito—

Ding-dong. No último segundo, a campainha tocou, anunciando um visitante.

 

“...Alguém está aqui.”

“……”

“Você tem certeza de que não precisa atender?”

“Tsk!”

“Não faça ‘tsk’ para mim, apenas… Não.” Isso é totalmente fora do seu caráter.

Relutantemente, Siesta saiu de cima de mim e foi atender a porta.

“Sim?”

Quando abriu a porta, do outro lado estava…

“Estava muito barulhento aqui. O que vocês estavam fazendo?”

…Alicia, a detetive substituta.

“Bem, não que eu me importe.” Ela colocou as mãos nos quadris e declarou: “Missão cumprida.”

Alicia nos avaliou triunfante. Ela segurava uma pequena sacola. Missão cumprida? Não podia ser que ela tivesse encontrado o olho de safira depois de tudo isso, podia?

Será que Alicia—nossa Alicia—tinha conseguido encontrar o que a Siesta quase desistira de buscar?

“Aqui.”

Alicia estendeu a sacola para mim. Dentro dela estava—

“Um tapa-olho?”

Era um tapa-olho preto, perfeitamente comum, algo que não fazia o menor sentido no contexto da conversa.

“O olho que realmente importa é esse, não é?” Alicia declarou ousadamente, apontando para o meu olho esquerdo. “A menos que você use um tapa-olho como deveria, ele não vai cicatrizar.”

Ficando na ponta dos pés, Alicia colocou o tapa-olho em mim.

“...Então você percebeu, hein?”

“Bem, passamos duas semanas juntos.”

Eu não estava intencionalmente escondendo isso de Alicia, mas meu olho esquerdo havia sido ferido naquela luta contra Hel. No dia a dia, não era um grande problema, mas minha visão prejudicada tinha feito com que eu perdesse Alicia de vista na cidade várias vezes.

“Esse olho fantasma pode nem existir—em vez de depender dele, você deveria cuidar bem do que já está aqui.”

Aparentemente, eu tinha subestimado Alicia como pessoa. A garota que expressava abertamente todas as suas emoções provavelmente era só a superfície. Sua verdadeira essência devia ser—

“Essa é minha resposta.” Alicia lançou um olhar para Siesta. “É a certa?”

Era isso? Esse tinha sido o problema que Siesta havia imposto a Alicia o tempo todo? Ela queria ver qual resposta a garota daria quando fosse encarregada de encontrar algo impossível?

Depois de um curto silêncio, a Princesa Kaguya do Bambu deu sua tão aguardada resposta.

“E-exatamente como eu planejei.”

Os olhos de Siesta vagavam de um jeito tão dramático que era difícil acreditar.

“Sério, como você pode ser tão ruim em mentir?”

Mesmo que só por um momento, a substituta havia superado a especialista.

 

⧫ O ponto de virada para tudo

“Não sou muito boa em ser esperta no calor do momento.”

Siesta estava andando ao meu lado, sua expressão incomumente amarga.

Depois do episódio daquela manhã, Siesta havia me acompanhado ao supermercado para fazermos compras, agora que suas pernas estavam completamente recuperadas.

“Faz tempo que não vejo você assim,” comentei.

A detetive brilhante parecia uma super-humana perfeita, mas tinha um número surpreendente de pontos fracos.

“...Cale-se.”

Era incomum vê-la tão irritada assim também. Não era ruim inverter a dinâmica de poder de vez em quando, certo?

“Você gostou tanto assim do presente de uma garota?” Siesta lançou um olhar frio para o tapa-olho no meu olho esquerdo.

Mas antes que eu pudesse fazer algum tipo de objeção—

“...Não, desculpe. Não foi isso que quis dizer.”

Os ombros de Siesta caíram um pouco, e havia menos confiança na sua voz do que de costume.

“Só estou envergonhada por não ter sido tão atenciosa com o seu olho.”

“É mesmo?”

Por um momento, eu não soube o que dizer.

“Bem, sabe. Você é humana, no fim das contas, acho.” Escolhi algo completamente óbvio. “Fico feliz que você seja humana o suficiente para ser guiada por emoções pequenas assim.”

“...Sério.”

Ela sorriu levemente, depois assentiu silenciosamente uma ou duas vezes.

Depois disso, continuamos caminhando por um tempo, até que Siesta parou de repente. Ela estava observando o letreiro de um espaço de música ao vivo no subsolo. Havia um pôster de um artista colado na parede ali perto—e, embora não mencionasse o nome, anunciava um convidado do Japão para uma apresentação futura.

“Siesta?”

“...Não é nada.”

Siesta balançou a cabeça e voltou a caminhar.

“Ainda não.”

“...?”

Quando estava prestes a perguntar o que ela queria dizer, meu celular vibrou no bolso. Segundo a tela, era uma ligação internacional. Curioso, atendi e ouvi uma voz muito familiar.

“Ei, seu moleque. Parece que você conseguiu sobreviver de alguma forma.”

Ela falava como um homem de meia-idade, o que provavelmente era o motivo de os caras evitarem uma mulher tão atraente. Mas dizer isso era garantia de ser esquartejado.

“Isso é o que você deveria ter dito quando nos encontramos antes, Sra. Fuubi.”

“Além disso, Siesta e eu sofremos ferimentos graves por causa daquele caso do Jack, o Estripador, que você trouxe para nós. Mais cedo, quando apareceu do nada no nosso apartamento, você não mencionou isso.”

Enquanto eu pensava nisso, parecia incrivelmente injusto, e eu estava planejando continuar com uma ou duas reclamações, quando—

“Hã? Quando foi que nos encontramos?”

A voz ao telefone não era provocativa. Ela parecia genuinamente confusa.

“Ah, do que você está falando? Foi há duas semanas. Você apareceu sem avisar e nos falou algo sobre um olho de safira, lembra?”

“Quê? Eu só visitei vocês uma vez, para discutir o caso do Jack, o Estripador. Está me confundindo com outra pessoa?”

Minha pele se arrepiou inteira.

“Eu só ouvi dizer que vocês dois tiveram uma briga feia depois disso, essa é a primeira vez que eu ligo.”

“Espere aí, você só pode estar brincando. O que foi aquilo, então?” Duas semanas atrás, quando encontramos a Sra. Fuubi pela segunda vez… Não, pensando bem, tinha algo estranho. Quando ela apareceu naquela vez, estava com o isqueiro Zippo, mesmo tendo dado ele para mim antes.

“Alô? Kimizuka? Helloooo?”

A voz do outro lado da linha parecia estar se distanciando cada vez mais.

Minha sensação desagradável se transformou em uma certeza rastejando por todo o meu corpo.

“Assistente.”

Siesta parecia já ter entendido o que essa conversa significava. Ela assentiu silenciosamente, sua expressão sombria.

A Sra. Fuubi que encontramos em Londres daquela vez era uma impostora.

E havia apenas uma criatura capaz de realizar esse truque: Cerberus, o metamorfo.

⧫  Detetive genial vs Detetive genial

Era o dia seguinte àquela ligação com a verdadeira Sra. Fuubi.

“Mas Hel definitivamente matou Cerberus na nossa frente. Não matou?” eu disse.

Na sala do nosso escritório e residência de detetives...

Enquanto Siesta e eu mexíamos no nosso curry, eu tentava organizar os pensamentos sobre a situação.

“Essas cenouras estão duras como pedras…” ela reclamou.

“É, foi um erro me deixar cozinhar, né?”

“Por que você fala disso com tanto orgulho?”

“O negócio é que eu não consegui encontrar a faca de cozinha usual em lugar nenhum.”

“…Então foi por isso que os vegetais estão em pedaços. Você os quebrou com as mãos.”

Ok, não era hora de discutir sobre o curry.

“Enfim, você está certa. Cerberus morreu. Não acho que haja qualquer erro quanto a isso.”

“Então o que foi aquela falsa Sra. Fuubi? Se aquilo era uma habilidade de transformação, então Cerberus realmente não pode estar…”

“Qual teoria você está defendendo, Kimi?”

“Bem, não importava qual teoria tomássemos, sempre haveria uma contradição. Cerberus parecia ter morrido bem na nossa frente — mas depois não havia explicação para a falsa Sra. Fuubi que apareceu logo em seguida.”

“Isso significa que ambas as coisas podem ser verdadeiras ou ambas falsas.”

“O que é isso, um enigma zen?”

“Não brinque com isso.” Siesta enfiou uma colher com um pedaço de batata na minha boca. Ok, e sim, esse prato foi um fracasso.

“E se nossa policial falsificada for, na verdade, a Hel?”

“Hel? Mas ela não tinha uma habilidade de transformação…”

“Sobre os pseudohumanos,” Siesta interrompeu, “eles são criados com um objeto específico como núcleo. Se herdam o núcleo, podem também herdar as habilidades especiais.”

“Isso é aquele negócio de pedra negra que a Hel tirou do peito do Cerberus?”

“Exatamente. É concebível que ela tenha secretamente retirado isso e roubado as habilidades do Cerberus.”

“Então você está dizendo que Cerberus já está morto, e a Hel herdou sua habilidade, fingiu ser a Sra. Fuubi e fez contato conosco?”

Isso explicaria porque a caça ao coração ainda estava acontecendo, mesmo depois da morte do Cerberus.

Mas então, por que diabos a Hel nos procurou? Foi uma jogada ousada, vir falar conosco e com a Alicia.

“Além disso, ela fez questão de falar sobre os assassinatos em série que estava cometendo e nos contar sobre a existência do olho de safira. Uma provocação...? Não — sob uma perspectiva comum, seria mais provável que fosse uma armadilha.”

“Ainda não sabemos qual é a verdade. Mas o que precisamos fazer não mudou. Vamos dar um fim nesses assassinatos.”

Sim, ela estava certa. Vamos derrotar a Hel, sem dúvida, ponto final.

“Aliás, as vítimas dos incidentes atuais têm algo em comum? Ou são aleatórias, como as do Cerberus?”

“Parece que elas estão atacando transeuntes ao acaso”, disse Siesta. “O número quatro foi morto na noite passada.”

“Então ela está indo por aí roubando corações para reviver a arma biológica?”

“Não tenho certeza. Pode ser para ela mesma.”

“Para ela mesma? ...Ah, entendi.”

Certo. Naquele último confronto mano a mano com a Siesta, Hel perfurou seu próprio coração com sua lâmina.

“Se for esse o caso, a Hel pode estar indo atrás de um coração substituto.”

“Ela consegue fazer um truque de boneca de vestir como aquele?”

“Consegue,” Siesta respondeu casualmente. “Afinal, o inimigo é um pseudohumano.”

…Verdade. Estivemos lutando contra monstros o tempo todo.

“Ainda assim, estou impressionado que você tenha conseguido descobrir tudo isso em apenas um dia.”

Ontem, depois que terminei a ligação com a Sra. Fuubi, Siesta desapareceu na cidade sozinha. Finalmente, por volta da hora do jantar de hoje, ela voltou com todas essas informações.

“Não foi fácil, eles amordaçaram a imprensa. Além disso, se eu estivesse em plena capacidade durante aquelas duas semanas, teria notado algumas coisas antes.”

“Não se preocupe com isso, descanse enquanto estiver machucada, pelo menos. Se não o fizer, eu…”

Eu parei. Siesta me lançou um olhar rápido.

“Não, esquece.” Eu enfiei a porcaria do curry na boca, ao invés de terminar o pensamento.

Às vezes eu me preocupo que você possa quebrar. Para ela, minha preocupação egoísta provavelmente seria só um incômodo.

“Vai ser um dia e tanto amanhã”, eu disse para quebrar o silêncio.

“Verdade. Mas nesse caso…” Curiosamente, Siesta hesitou. Mas ela não precisou dizer nada para que eu entendesse.

“Alicia, né?”

Encontramos um lugar que aceitaria a Alicia temporariamente, mas, claro, que isso não resolvia completamente o problema. Se nos lançássemos na batalha contra a Hel, acabaríamos empurrando o problema da Alicia para mais tarde. Siesta provavelmente estava preocupada com isso.

“Se for sobre mim, eu estou bem.”

Bom, se a Alicia disse isso, então provavelmente poderíamos manter nossas prioridades como estavam, mas...

“…! A-Alicia, quando você—!”

No instante seguinte, Alicia estava ao meu lado esquerdo, mastigando o curry que eu fiz.

“Isso está muito barulhento para ser curry”, ela comentou.

Foi quando eu finalmente me lembrei da faixa no meu olho esquerdo. A menos que eu pensasse nisso, esquecia que minha visão estava limitada.

“Você lavou as mãos?”

“Não me trate como uma criança. Lavei até as impressões digitais saírem.”

“O que você é, um criminoso procurado?”

“Enfim.” Alicia trouxe a conversa de volta ao assunto original. “Você não precisa se preocupar comigo. Deveria focar no problema que está matando pessoas.”

Com uma calma inesperada (embora talvez eu esteja sendo rude ao colocar assim), Alicia insistiu que deveríamos resolver os incidentes que estavam ocorrendo na cidade antes de lidarmos com o problema dela.

“Alicia, qual é o seu jogo aqui?” Siesta parecia vagamente cética enquanto observava Alicia. “Você não veio até aqui só para dizer algo tão sensato, veio?”

…De alguma forma, senti que a temperatura na sala caiu alguns graus.

Não querendo ser menosprezada, Alicia se inclinou sobre a mesa, encarando Siesta diretamente. “Eu quero que me deixe ajudar nesse caso também.”

“Eu pensei que você diria isso. Mas não, absolutamente não.”

“Por que não?”

“Porque é perigoso. Quatro pessoas já morreram.”

“Eu resolvi casos com o Kimizuka também. Por duas semanas inteiras.”

“Você quer dizer encontrar gatos e entregar carteiras nas delegacias?”

“Tamanho S não importa quando se trata de casos!”

“Isso é um pouco forçado.”

“Mas ainda assim é um argumento!”

Mas suas opiniões continuaram em trilhos paralelos, sem se cruzar — até que, fisicamente, a distância entre seus rostos foi diminuindo, até que quase estavam com os narizes tocando… Embora Siesta não tenha se movido um centímetro de sua posição original.

“Calma um pouco.” Eu segurei o pequeno ombro de Alicia e a voltei para sua cadeira.

“…Eu também sou uma detetive.” Os ombros de Alicia caíram conspicuamente. Ela perdeu essa rodada.

“Alicia, no melhor dos casos, você foi uma detetive substituta.” No entanto, Siesta não aliviou. Ela apenas disse a verdade. “Agora que me recuperei, você não é mais necessária.”

“…Ei, Siesta. Não acha que isso é um pouco severo?”

O que ela estava dizendo estava correto, mas a resposta certa nem sempre é a melhor solução.

“O quê? Você está do lado dela, Kimi?”

“Você sabe que eu não disse isso.”

“Ah, então você realmente gosta de meninas pequenas... Huh, você está certo. A faca de escultura sumiu.”

“Eu te disse, eu não gosto. Além disso, não fique procurando objetos afiados no meio dessa conversa.”

“Então o quê? Você passou três anos comigo, e agora escolheria ela depois de só duas semanas brincando de detetive…”

Ela se cortou, aparentemente percebendo que realmente disse demais dessa vez.

“Siesta, o que há de errado?”

Ela estava agindo estranho hoje.

…Não, não era só hoje. Ela parecia estar assim ultimamente.

Era como se estivesse ansiosa e impaciente, por alguma razão. Mas então ela se abria abruptamente e começava a agir como se quisesse que eu a tratasse como um bebê. Pensando bem, ela estava agindo sozinha mais vezes recentemente, tentando resolver as coisas sem me contar. Ela estava escondendo algo de mim?

“Não é nada. Não há nada de errado,” Siesta respondeu indiferente da cozinha.

Ela não se virou para me olhar. E claro, não respondeu a nenhuma das minhas perguntas... Mas essa era a relação que havíamos construído.

Ela não morreria sem me contar. O simples fato de ela ter me prometido isso naquela época já era um grande progresso.

“Tudo bem, então.” Alicia se levantou suavemente. Ela olhou para Siesta, e seus olhos estavam determinados. “Vou fazer do meu jeito.”

De certo modo, isso foi o adeus dela para Siesta; em outro sentido, foi o verdadeiro nascimento da nova detetive.

“Eu juro que vou resolver esse caso. Quando eu fizer isso, eu—”

Alicia mordeu o lábio.

“Alicia?” eu disse.

Ela balançou a cabeça. “Nada.” Por que nenhum dos detetives respondia às perguntas de sua assistente? “Ainda assim, é assim. A partir de amanhã, vou contar com você, Kimizuka.”

O pedido surgiu do nada, e eu não fazia ideia do que eu ajudaria, mas meu empregador me colocou em um rigoroso regime de treinamento diário—

“Sim, claro. Pode deixar, estou nessa.”

E então, por reflexo, dei uma resposta que provavelmente não causaria ofensa.

“Yay! Ouviram? O Kimizuka vai ser meu assistente a partir de agora também!”

“………Huh?”

A reação veio de Siesta, que estava se virando para olhar para mim e para Alicia.

Quer dizer, um “Huh?” mental passou pela minha cabeça também, mas quem realmente disse em voz alta foi a Siesta.

“Não, Assistente é meu… Meu…”

Ela não conseguiu completar a frase. Seus lábios se moveram um pouco, sem jeito.

Foi então...

“Sirene?”

Um aviso de grande problema passou pela janela.

Esse som significava que Hel havia roubado o coração de uma quinta vítima.

 

⧫ As pessoas chamam isso de Jack, o Diabo

Até agora, a imprensa tinha sido restringida devido ao receio de que chamar mais atenção para os crimes pudesse escalá-los. No entanto, com a quinta vítima dessa cadeia de assassinatos grotescos, o Jack, o Estripador moderno — agora conhecido como Jack, o Diabo — finalmente foi exposto aos olhos do público.

O motivo foi que, enquanto as quatro primeiras vítimas haviam sido mortas tarde da noite, este assassinato ocorreu em um horário relativamente cedo, na presença de várias testemunhas. Mais importante ainda, a quinta vítima foi uma jovem mulher membro do parlamento, que era bastante famosa neste distrito. Uma política carismática e bonita foi assassinada de maneira grotesca — a mídia estava se atropelando para cobrir o incidente.

“...E esse é o resultado, huh?”  

Chegamos à grande casa onde a quinta vítima havia morado com a mãe, mas já estava sendo cercada por uma multidão de repórteres com câmeras. Eu sabia que estava ali porque esperava encontrar alguma pista, mas claramente isso estava ultrapassando os limites.

“No meio de uma tragédia...”  

Enquanto observava a mídia completamente ignorando os sentimentos da família enlutada da vítima, Alicia apertava seus pequenos punhos ao meu lado.

Os repórteres batiam na porta e pressionavam tanto a campainha que parecia que ela não aguentaria muito tempo. Finalmente, a porta se abriu, como se não aguentasse mais a pressão, e uma mulher de cerca de sessenta anos apareceu, visivelmente exausta. Os repórteres a cercaram apressadamente.

“Kimizuka, aquela é...”  

“Sim, provavelmente é a mãe dela.”  

A mulher recuou diante da multidão de câmeras à sua porta.

“...Desculpe. Não posso lhes dizer nada...”  

Mas os repórteres continuaram a importuná-la, até que as perguntas soaram quase como acusações.

“Kimizuka...”  

Alicia puxou meu braço suavemente.  

“Sim, eu sei.”  

Justo quando eu estava me perguntando se havia algo que pudéssemos fazer para afastar a multidão...  

Bang! Ao longe, ouvi o estalo de um tiro.  

Depois disso, as coisas aconteceram rapidamente. Apressados, os repórteres se espalharam, correndo em busca de informações mais frescas. Menos de um minuto depois, todos, exceto nós, haviam ido embora.

“Bando de mercenários, não?”  

Eles eram como vermes se lançando em uma isca dispersa. Usando descaradamente os instintos de animais tolos — nossa detetive de elite era um pouco diferente dos outros.

“Estou impressionado, Siesta.”  

“Está pensando em voltar para mim agora?” Ela se aproximou de mim e me lançou um olhar gelado.  

Eu não lembrava de ter dissolvido nossa parceria em primeiro lugar.  

“…Obrigado,” Alicia disse suavemente, temporariamente colocando a estranha tensão em seu relacionamento com Siesta de lado.

“Não foi como se eu fizesse isso por alguém em particular.”  

“Ah, só diga o que quer dizer.”  

Ah, isso. Siesta sempre me dizia esse tipo de coisa. Nunca imaginei que a veria do outro lado.

“Ah!”  

Alicia deu um grito breve, como se tivesse notado algo. No entanto, quando me virei, ela já estava na porta da frente, apoiando a mulher que havia sido atacada pela mídia.

“Rápido, vocês dois!” Alicia chamou, direcionando-nos.

A mulher estava prestes a desmaiar devido à súbita liberação da tensão. Tanto Siesta quanto eu a ajudamos a se apoiar em nossos ombros e, juntos, a ajudamos a entrar na casa.

“Desculpem-me pelo transtorno que causei”, a mulher disse.  

Agora estávamos na sala de estar, e parecia que o descanso tinha ajudado um pouco.  

“Eu vou preparar o chá...”  

“Não, por favor, não se incomode.” Tremendo, ela tentou se levantar do sofá.

“Você está bem?” Sentando ao lado dela, Alicia deslizou para apoiá-la e a abaixou novamente no sofá. Siesta e eu sentamos em frente a elas.

“Desculpe. Foi muito repentino, e ainda estou muito abalada...”  

A mulher olhou para uma foto emoldurada que estava em uma prateleira próxima. Nela, ela e sua filha — a deputada que havia morrido no incidente — estavam juntas, sorrindo.

“Meu marido morreu jovem em um acidente, e por tanto tempo, nunca pude dar nada àquela menina... E ainda assim, ela me disse que um dia seria rica o suficiente para me dar uma vida confortável. E ela fez — ela cresceu e se tornou uma jovem esplêndida, e até construiu essa casa para mim. Ela foi boa demais para mim, e eu estava tão orgulhosa...”  

Um soluço escapou dela, e Alicia começou a esfregar suas costas suavemente.

“Quero perguntar sobre o dia do incidente,” Siesta interveio, mesmo enquanto a mulher chorava. “Você notou algo de estranho na sua filha?” Sua forma de perguntar era direta, e sua expressão não mudou nem um pouco. Como se acreditasse que fosse isso que deveria estar fazendo, Siesta fez seu trabalho.

“Naquele dia...? Não. Não havia nada de particularmente estranho antes dela sair de casa...”  

A mãe parecia achar difícil responder à pergunta, enquanto enxugava os olhos com o lenço.

“Nesse caso, quando você viu o corpo da sua filha, algo...”  

“Siesta.”  

Eu não deixaria ela ir mais longe. Siesta olhou para mim, então fechou a boca.

“Eu não pude dar nada a ela”, a mulher disse suavemente. “Eu só peguei o que ela me deu, e não pude dar nada em troca. Quem diria que isso ia doer tanto? Nunca imaginei...”  

As lágrimas estavam escorrendo por seu rosto agora. Não havia nada que Siesta pudesse dizer. Eu a impedi, mas também não consegui encontrar algo para dizer.

“Isso não é verdade.”  

A voz era tão emocionada que eu pensei que fosse da mulher, mas não — vinha da pessoa que estava ao lado dela.  

“Ninguém nunca só recebe, ou só dá. Nenhum relacionamento é unilateral.”  

Alicia se levantou, com lágrimas escorrendo pelo rosto, e falou com sinceridade para a mulher.

“Se você ‘só pegou’ algo da sua filha, eu tenho certeza de que foi porque você deu tanto a ela no passado! Não é assim?! Os sentimentos das pessoas sempre vão e voltam. É assim que deveria ser.”  

Ela não tinha provas, e provavelmente nem mesmo um argumento convincente — mas Alicia usou a paixão constante que queimava dentro dela para alimentar suas palavras.

Alicia estendeu a mão para a pessoa que ela queria salvar. Ela era o oposto de Siesta, provavelmente eu também não teria conseguido fazer isso.

“…Obrigada.”  

A mulher se levantou, então gentilmente puxou Alicia para um abraço.  

“De alguma forma, sinto que minha filha está me dizendo essas coisas.”

 

 

 

 

 

 

⧫ Com certeza, de agora em diante, para sempre.

"Sobre antes."

Estávamos voltando para casa. Após um longo período de silêncio, Siesta falou com algum esforço.

"Por que você me impediu?"

Ela provavelmente estava perguntando por que eu havia interrompido sua pergunta. Eu deveria ser seu assistente, então por que eu me coloquei no caminho de seu trabalho?

"Para começar, esses incidentes são supostamente obra de um atacante aleatório. Ou seja, não faz sentido perguntar se a vítima fez algo diferente antes."

"Sabemos que isso foi verdade para os primeiros quatro incidentes. Não há garantia de que o quinto tenha sido o mesmo. Eu precisava fazer essa pergunta para descartar a possibilidade de ser uma exceção."

"Então, por que perguntar sobre o corpo? Perguntar se ela percebeu algo quando viu o corpo — isso não era..."

"É a mesma coisa. Pode ter havido algo além da remoção do coração, algo importante que apenas a família perceberia. Você perdeu a chance de verificar isso." A frustração nos olhos de Siesta era como uma faca.

O que ela estava dizendo era lógico, objetivo e correto. No entanto, "correto" era tudo o que era. Às vezes, ser apenas certo não era suficiente para salvar alguém.

...Na verdade, eu não estava exatamente pensando nessas palavras. De fato, a justiça de Siesta me salvou várias vezes. No entanto, eu aprendi que havia alguém que pensava que isso não era tudo. Alguém que acreditava que ser correto nem sempre era a prioridade.

Isso devia ser o motivo de minha hesitação. Mesmo que talvez eu não devesse ter hesitado.

"Eu farei o que for necessário para derrotar a Hel. Não importa o que eu tenha que fazer, eu a derrubarei. Isso é o que eu penso. Mas..." De repente, um toque de solidão entrou em sua voz. "Vejo que você não é o mesmo."

"Siesta, eu sou..."

"Você era a única coisa em quem eu acreditava, sabe?" Suas longas pestanas estavam abaixadas, mas eu podia ver a incerteza em seus olhos azuis por baixo delas.

Sua expressão parecia triste e vagamente resignada.

Eu queria dizer a ela, "Não, não é isso o que eu quis dizer…", mas as palavras não saíam.

"Eu vou para casa por hoje." Com isso, Siesta seguiu em frente.

"Siesta..."

"Nos vemos mais tarde."

Minha mão se estendeu atrás dela, mas tocou apenas o ar vazio. Siesta voltou para o apartamento sozinha.

"............ Mas estamos indo para o mesmo lugar." Suspirei, sozinho no entardecer. Esta noite estava se tornando bastante desconfortável. "Além disso, pare de se esconder e venha para fora, Alicia."

Chamei a detetive especialista que estava espiando pela brecha entre dois edifícios. Ela ainda era muito, muito ruim em seguir pessoas.

"Ah, você percebeu? Que estranho..." Alicia parecia genuinamente confusa enquanto andávamos lado a lado.

"Bem, sabe como é. Esse tipo de coisa acontece bastante." Alicia provavelmente nos viu brigando, então disse a ela para não se preocupar com isso. "Quero dizer, quando viajamos juntos por três anos, é natural que acabemos brigando uma ou duas vezes. Na verdade, seria mais estranho se não brigássemos. Você sabe que nós duas temos personalidades e estilos de vida completamente diferentes. Na verdade, é até impressionante que tenhamos durado três anos inteiros. Ela está sempre tirando uma soneca e depois me repreende por acordar de mau humor. Brigamos assim praticamente todo dia, e... Bem, ok, talvez essa tenha sido a primeira vez que foi algo tão sério, mas, hum... ah, qual é o ditado mesmo? 'O que não te mata, te fortalece.' Talvez possamos aproveitar essa oportunidade para aprofundar nossa compreensão uma da outra em vários aspectos. Hum, quero dizer, não que eu queira melhorar nossa compreensão mútua, na verdade... É só..."

"Uau, você está realmente preocupado com isso." Alicia estava me olhando como se eu tivesse crescido uma cabeça extra. "Você tem ansiedade estampada no rosto. E se estava tentando esconder seus pensamentos, realmente não funcionou."

"...Vamos parar de falar sobre isso, certo?"

Se Alicia estava me olhando assim, era completamente sem esperança. Eu apaguei os últimos minutos da minha memória.

"Ah, já que estamos falando sobre isso..." Em vez disso, lembrei de algo e comecei a procurar no bolso da calça.

"Ugh."

"Geez, não é nada estranho. Aqui." Eu entreguei o objeto que tirei para Alicia.

"Hã? Isso é— É o que você encontrou naquele dia...?" Alicia examinou cuidadosamente o anel na palma da mão.

Era o anel com a pedra azul que ela encontrou naquela barraca na estrada, naquela vez em que estávamos procurando pelo olho de safira.

"Bem, sabe. Não é exatamente um presente de agradecimento por isso, mas enfim." Eu apontei para o curativo sobre meu olho esquerdo.

O presente era basicamente apenas um brinquedo, então eu não estava esperando muita reação, mas...

"—Estou feliz." Alicia fechou os olhos, apertando o anel contra o peito.

"...Alicia?"

O pequeno corpo dela parecia estar tremendo um pouco. "É o primeiro presente que alguém me deu."

"Alicia, não me diga— Sua memória...?"

Mas Alicia balançou a cabeça. "Eu tenho essa sensação, embora. Eu acho... antes de perder minha memória, eu devia ter sido uma criança ruim." Alicia sorriu de maneira fina.

Ela estava se culpando, não culpando seu ambiente; ela procurou dentro de si mesma a razão pela qual nunca tinha recebido um presente.

Quando ouvi esse comentário autocrítico, quase estendi a mão para a cabeça dela... mas, no último minuto, pensei melhor.

Eu não tinha qualificação para fazer isso. Então, fiz piada do jeito que sempre faço, para camuflar. "Você faz parecer que não é uma criança ruim agora."

"—Hã?! Eu sou uma criança incrivelmente boa! Eu sou animada, fofa, honesta e todo mundo me ama!"

"Você me faz rir."

"Bem, não faça isso!" Alicia me socou com as duas mãos, e eu deixei ela bater no meu peito, nem me incomodando em bloquear.

Ela disse que tinha dezessete. Ela parecia ter treze. Emocionalmente, ela tinha sete.

Eu olhei para aquela estranha detetive especialista com um pensamento em mente.

"...Ei."

De repente, o ataque sem dano parou, e então uma voz pequena e fina veio da região do meu peito.

"Coloca o anel." Ela pediu, olhando para cima.

"Eu?"

"Sim, você."

"Em você?"

"Sim, em mim."

...Eu não previ essa possibilidade. Enquanto eu coçava a cabeça, tentando descobrir o que deveria fazer, Alicia colocou o anel em minha mão livre, então se colocou na minha frente e estendeu a mão, com a parte de trás virada para mim.

"Por que sua mão esquerda?"

"Se você colocar no dedo errado, eu vou ficar brava."

“Você tem que estar brincando. Isso é vagamente como uma proposta?”

"...Isso é só brincadeira, tá bom? Brincadeira."

Mas eu não tinha escolha. Eu me ajoelhei, pegando a mão fina de Alicia.

"Fale seus votos."

"Por que você está sendo o pastor também?"

"Heh-heh!"

Não me dê esse riso fofo como se isso fosse normal. Poxa.

Limpei a garganta algumas vezes, então falei os votos, ou o que fosse.

"Bem, uh, então, de agora em diante, ou para sempre, ou algo assim... Espero trabalhar com você, e tal."

Que diabos ela estava me fazendo fazer? Isso era como um daqueles jogos onde, se você pensar, perde.

"Foi bem fraco."

"Fica quieta. Não fica se aproveitando."

Eu coloquei o anel no dedo anelar de Alicia, e então—

"Eu falei demais antes."

Ouvi uma voz muito, muito familiar. Quando olhei, vi a garota que eu esperava — e ela começou a falar rapidamente, com os olhos voltados para o chão.

"Bem, claro que ainda não acho que minha ideia estava errada, e também não acho que seja certo desviar disso tão facilmente. Mas é natural que você tenha suas próprias opiniões sobre a justiça, assim como eu... e como estamos trabalhando juntas como parceiras, hum, às vezes é necessário que comparemos e ajustemos nossos princípios... Resumindo, o que quero dizer é que não foi bom eu tentar forçar você a se conformar às minhas próprias ideias. Foi, hum, inadequado, acho, agir como se estivesse desapontada. Dito isso, realmente há algumas coisas que você deveria reconsiderar... Hum, não estou tentando relembrar a conversa, é só..."

A garota, que continuava fazendo um espetáculo de desculpas de maneira que me lembrava alguém que eu conhecia, finalmente olhou em frente, como se tivesse decidido. Eu tenho certeza de que não preciso contar o que ela viu.

Finalmente, superando um silêncio que parecia que duraria para sempre, ela sorriu e falou.

"Espero que vocês sejam muito felizes juntos."

Ah, então os olhares podem matar, pensei.

"Kimizuka, obrigado por tudo que você fez por mim."

"Ah, sim, eu vou morrer, não vou?"

⧫ Eu não entendo você

"Ei, Siesta. Você consegue me ouvir?"

"………"

Já era quase meia-noite, e o quarto estava escuro. Siesta estava na cama, e eu estava deitado no sofá. Eu sabia que ela não estava dormindo; os lençóis continuavam se mexendo.

"Você não consegue me ouvir?" eu disse. "O que, morri e não percebi? É isso que está acontecendo?"

"………"

E assim por diante.

Já se passavam três dias desde aquele conflito, mas o humor de Siesta ainda não melhorou. Durante esses três dias, nós agimos completamente de forma independente, sem trocar nem uma palavra. Perseguimos Hel, também conhecida como Jack, o Diabo — Siesta sozinha e eu com Alicia. Aparentemente, ela não gostava do fato de eu ainda ser assistente de Alicia.

"Você é uma criança?" resmunguei, finalmente começando a ficar irritado. "Não é justo me insultar assim enquanto você está apaixonada por uma garotinha, Kimi."

…Finalmente, agora sim. Aparentemente, eu não era um fantasma depois de tudo.

"Eu acho que um assistente que foi injustamente ignorado por três dias merece um pouco mais de piedade, embora."

"Não, eu não percebi que você estava aí. Só achei que você tinha ido para um país onde poderia se casar com uma garota de treze anos."

"Não me dê o tratamento do silêncio por três dias inteiros só por causa de uma piada. Eu pensei que você tivesse surtado de verdade."

"Bom, eu realmente surtei de verdade."

Bom, então não faça isso. E não quebre o personagem de repente, também.

"Heh-heh. Mas, parando para pensar, tudo isso começa a parecer engraçado. Por que você estava fazendo uma proposta ao lado da estrada?"

"É falta de educação rir de uma proposta. Embora não tenha sido bem isso."

Eu já havia explicado, e explicado novamente, que não era nada disso, que era só uma brincadeira.

Mais uma vez, expliquei a conversa que tive com Alicia e as circunstâncias.

"Ninguém jamais deu um presente para ela antes."

Alicia ficou quase radiante ao receber o presente. Então, foi só uma brincadeira, e… Na verdade, me pergunto o que ela pensou que fosse.

Nos últimos três dias, o sorriso de Alicia, segurando sua mão esquerda para cima sempre que podia, voltou à minha mente várias vezes, depois desaparecendo de novo.

"Ei, Siesta. Você ainda não sabe nada sobre Alicia, né?"

É verdade que estávamos ocupados com Hel no momento, mas talvez Siesta tenha descoberto algo.

"Mm, não faço ideia."

Para uma detetive de primeira como ela, isso era incomum. Talvez fosse porque ela ainda não havia se jogado totalmente na investigação.

"Mas..." ouvi Siesta se sentando. "Sabe, Kimi, tudo bem, né?"

"O que você está falando?" perguntei, ainda deitado no sofá.

Fechei os olhos, para que, de alguma forma, não fizéssemos contato visual, mesmo no escuro.

"Mm, não faço ideia." Siesta repetiu exatamente a mesma frase que tinha dito antes.

Nesse momento, meu celular vibrou. Eu o tinha deixado na mesa, então me levantei rapidamente para checar a tela.

"Desculpa, Siesta. Eu vou sair por um tempo."

"Está tarde. Para onde você vai?"

Empurrei a porta e disse: "Minha noiva está em apuros."

 

⧫ Não me importo se você rir de mim

"Alicia!"

O que encontrei quando cheguei ao meu destino era exatamente o que eu temia, o pior cenário possível. Em um beco escuro, sob um poste de luz piscando, duas figuras estavam caídas no chão. A mais próxima de mim era Alicia.

Corri até ela. "...! Você está bem?!"

Ela estava deitada de bruços. Quando a ajudei a se sentar, apoiando-a com o meu braço, vi que ela estava sangrando muito do ombro direito. No entanto, não vi outras feridas...

"...—Kimi...zuka."

Ela estava consciente também. Ok, ela vai sobreviver, pensei, e imediatamente usei o celular para chamar uma ambulância.

"E quanto… A ele...?" Com uma mão trêmula, Alicia tentou apontar para algo.

Certo, e quanto à outra pessoa no chão...?

"Ele tem um corte no lado esquerdo do peito."

Quando me aproximei dele, Siesta já estava fazendo os primeiros socorros no homem caído. Ela devia ter me seguido até ali.

"Ele está inconsciente, mas acho que a vida dele não corre perigo. Ele é um policial."

Vi uma arma e uma faca no chão perto dele. Sim, eu imagino que um policial usaria um colete à prova de facas. Isso deve ter impedido que o ferimento fosse fatal.

"Ei, Assistente?"

"Alicia está segura também. Provavelmente foi coisa do Dia... Jack, o Diabo, mas por enquanto, ninguém morreu. Isso é bom."

"Assistente."

"Parece que a ambulância já chegou. Eu vou com a Alicia, então... Você vai para casa descansar, tá?"

Aliviado pelo som da sirene que se aproximava, levantei o corpo pequeno de Alicia.

"Assistente. Você está bem com isso?" A voz de Siesta estava vagamente triste, e por um momento, isso me fez parar.

No entanto...

"Quando voltarmos, vamos comer torta de maçã. Todos nós três."

Esse desejo infantil foi a única coisa que consegui dizer.

"...Kimizuka?"

Depois disso, quando ela acordou na cama do hospital, Alicia esfregou os olhos e percebeu minha presença.

"Ei, você está acordada. Alguma coisa está doendo?"

Alicia balançou a cabeça. "Kimizuka, eu..."

"Está tudo bem."

Alicia tentou se sentar, mas eu a segurei para que ficasse deitada na cama.

"Quem diria que você ia encontrar o Jack, o Diabo, né? Mas pelo que o médico diz, se você descansar por um tempo, você vai se curar. Isso já é alguma coisa." Peguei uma maçã gelada da geladeira, coloquei a faca na casca e comecei a cortar. "A polícia deve aparecer em breve. Você foi uma vítima nesse incidente, então provavelmente vão te perguntar um monte de coisas... Mas eu vou estar aqui, então não se preocupe. Vou garantir que nada feio aconteça."

"Kimizuka."

"Ah, e parece que o policial que estava no chão com você vai se recuperar. Por enquanto, essa quinta vítima ainda é a última. Então, descanse tranquila por enquanto e—"

"Kimizuka!"

Alicia agarrou meu braço direito. Um arrepio de tensão percorreu meu corpo, mas...

"Você é a pessoa mais central de tudo."

"...Descascar maçãs é difícil."

Coloquei as fatias, que agora estavam bem pequenas, em um prato.

"Aaaaaah."

"O que, você também?!"

Tenho quase certeza de que já vi isso antes. Espetei uma fatia de maçã com um palito e levei até os lábios de Alicia.

"Mm, está tão doce."

"É ótimo que você seja honesta."

"Você disse que eu sou fofa e honesta?"

"Calma, vou pegar um cotonete para você."

"Você não está sendo um pouco dura com alguém que está machucada?"

"Se você consegue brincar, é sinal de que está bem."

Depois dessa troca rápida, nós duas rimos um pouco. A mesma conversa de sempre. Os mesmos sorrisos.

"Na verdade, Kimizuka, como você encontrou aquele lugar tão rápido?"

Alicia lentamente se sentou, e eu me sentei no pequeno banco redondo ao lado da cama.

"Ah, eu coloquei um transmissor em você."

"Ah, entendi."

"Quer mais maçã?"

"Sim. Ah, eu consigo comer sozinha." Mas quando Alicia pegou uma das fatias restantes de maçã, colocou na boca e... "...Bfft! Espera, você achou que poderia me enganar assim?!"

"Não cuspa sua comida." Usando um lenço, limpei a substância que se espalhou pelo meu rosto. O cheiro estava horrível.

"O quê?! Que transmissor?! Que assustador! Perseguidor!" Alicia estava abraçando os próprios ombros, com os olhos marejados.

"Não, você está com a ideia errada. Sabe como você sempre sai correndo? Era uma precaução."

"Sério, quando você fez isso?! Onde você colocou?!"

"Alicia, suas roupas íntimas são surpreendentemente barulhentas."

"Você é horrível! De todos os lugares que eu posso imaginar, esse é o pior!" Alicia cobriu o rosto e se jogou de lado na cama.

[Nix: wtf mano kkkk]

"Foi por isso que consegui te resgatar hoje."

"...Isso não vai te livrar da culpa."

"Desculpa, tá?"

Alicia fez beicinho, emburrada, e eu coloquei um pedaço da maçã pequena entre seus lábios.

"Então, o que você estava fazendo? Está bem tarde," eu disse, olhando distraidamente pela janela do quarto do hospital.

"...Eu não queria que mais ninguém passasse por algo tão triste."

Ela provavelmente estava falando sobre a mãe da quinta vítima. Mais cedo, Alicia havia salvado a mulher de uma forma que nem Siesta nem eu seríamos capazes.

"Além disso, esse é o meu trabalho," ela acrescentou.

"...Por que você é tão determinada, Alicia?"

Por que ela estava tão focada em se tornar uma detetive? Não era como se ela fosse obrigada a isso, e nenhum de nós estava forçando-a.

Além disso, Alicia deveria estar se concentrando principalmente em recuperar sua memória. E, no entanto, ela tinha dado prioridade ao papel de detetive que Siesta lhe havia atribuído, não só durante esse incidente com Jack, o Diabo, mas até mesmo no começo... Mesmo depois que Siesta tentou impedi-la. O que diabos estava a motivando?

"Eu...," Alicia disse suavemente. "Eu sempre estive em um quarto escuro em algum lugar. Era tão, tão escuro... Sem luz, sem som. Nada."

Isso era... Mas não, provavelmente a memória dela ainda não havia voltado. Isso era só a impressão subjetiva dela, e por isso era o fator mais importante para ela.

"Eu não sabia de nada. Eu era ninguém. Todo dia, tudo o que eu podia fazer era contar os dias até o fim. Era tão entediante, tão doloroso. Mas então..." Alicia continuou. "Um dia, de repente, eu pude ver. A luz entrou, eu ouvi sons... E então eu aprendi como maçãs eram doces."

Alicia olhou para a fruta descascada e torcida no prato e sorriu suavemente.

"Então, eu pensei, talvez, só talvez, eu pudesse viver minha vida de novo. Um fio foi lançado naquela escuridão sem fim. Então, eu puxei desesperadamente. Puxei e puxei... Se eu chegasse ao fim, se eu pudesse me tornar alguém novo... Se 'detetive' fosse a missão que me deram, então eu viveria por isso", Alicia me disse, com a expressão destemida. "Por isso."

Ela realmente não parecia ter sete ou treze anos. Ela parecia uma mulher, nobre e bonita o suficiente para dar trabalho à Siesta.

"...Estou ficando um pouco cansada."

No entanto, isso durou apenas um momento. O sorriso suave de Alicia era tão infantil quanto sempre.

"Eu acho que conversamos um pouco demais."

"Uh-huh... Eu estou com um pouco de sono."

"Bem, é no meio da noite."

Esfregando os olhos, Alicia se ajeitou de volta sob os cobertores.

"Eu vou ficar aqui até amanhã. Então, relaxe e durma."

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"Então..." Alicia deslizou sua mão esquerda para fora dos cobertores. O anel ainda estava em seu dedo. "Segure minha mão."

Tentei ver seu rosto quando ela disse isso, mas, infelizmente, ela havia bloqueado completamente minha visão com seu edredom.

"Tem certeza? Vou zombar de você por agir como uma criança."

"...Não me importo se você zombar de mim. Só segura." Sua voz estava emburrada, mas de alguma forma persuasiva.

"Se essa é sua ordem, detetive."

Eu apaguei as luzes, segurei a pequena mão esquerda de Alicia—e por um breve momento, eu também dormi.

Menos de uma hora depois, me arrependi da minha tolice.

Quando a brisa da janela me acordou, Alicia tinha desaparecido.

 

⧫  Por isso, eu não tinha qualificação para afagar aquela cabeça

Corri pelas ruas escuras.

Felizmente, eu sabia onde ela estava agora. Estava indo direto para o local no meu celular.

"Perto daqui, huh?"

Finalmente chegando ao meu destino, olhei ao redor. Não havia alma viva à vista.

Então, entrei em uma igreja com uma torre distinta e imponente.

"Não consigo ver nada..."

A essa hora, claro, nenhuma luz estava acesa. Eu fui em direção ao fundo, me guiando pela luz do meu smartphone.

Então, entrei no santuário, onde senti uma leve luz.

Ela vinha da lua, seus raios filtrando pelas janelas de vitrais e iluminando suavemente o ambiente.

Preciso encontrar Alicia, rápido, pensei. Dei um passo à frente, e então—

Senti algo.

Ainda não estava perto, mas esse pensamento não durou muito. Estava em cima de mim num instante. Eu não conseguiria lutar assim tão escuro. Se meu oponente já estava escondido aqui por um tempo, seus olhos já tinham se ajustado. O inimigo tinha a vantagem.

"É isso que você pensou?" Mudei a minha venda para a direita.

Meu olho esquerdo já estava acostumado com a escuridão. Então, mirei minha arma na figura bem à minha frente.

"—Eu me rendo."

Surpreso com a minha contra-ataque inesperado, meu oponente levantou ambas as mãos timidamente.

"Eu nunca pensei que veria o dia em que eu levantaria a bandeira branca para você. Acho que fiquei um pouco enferrujado."

"Por que você não fica feliz com o quanto sua assistente cresceu—Siesta?"

Trocamos algumas provocações verbais e depois deu de ombros.

Baixei a arma, recolocando minha venda na posição original. Meu olho direito já estava praticamente ajustado agora.

"O que você está fazendo aqui, Kimi?"

"Eu poderia perguntar a mesma coisa. Por que está aqui?" Eu tinha dito para ela voltar para casa e descansar.

"Estou limpando o lugar. Adivinhei que Hel pudesse vir até aqui, então fiz com que evacuassem as crianças."

Ah, certo. Os clérigos não eram os únicos na igreja. Havia muitas crianças órfãs também. Era a igreja que havia acolhido Alicia.

"O que te fez achar que Hel viria até aqui?"

"Hmm? Você faz umas perguntas bem estranhas." Siesta inclinou a cabeça; sua expressão era a mesma de sempre. "Eu vim aqui porque queria te perguntar exatamente isso."

"Eu tenho várias reclamações sobre tudo isso, mas, em primeiro lugar, como você sabia onde eu estava? Não me diga que me colocou um rastreador ou algo assim."

"Você deve estar brincando. Eu não sou você, tá? É instinto, nascido de longos anos," Siesta respondeu com leveza. Pessoalmente, achei isso muito mais assustador do que a alternativa.

"Ok, então, próxima..."

"Escute."

Justo quando eu estava me preparando para uma nova resposta...

"Quanto tempo você vai continuar adiando isso?"

Os olhos azuis de Siesta estavam fixos em mim.

Ela não estava brava—parecia apenas triste, ou talvez resignada.

Se eu tivesse que dizer, era a mesma expressão que ela usou alguns dias atrás, quando brigamos.

"Você já percebeu também, não percebe, Kimi?"

“Perceber o quê?” Inclinei a cabeça, forçando um sorriso.

Eu juro, ela nunca diz de forma direta. Ou será que ela estava secretamente tentando obter alguma informação de mim com perguntas indiretas?

"Jack, o Diabo, está procurando seu coração perdido. E ela está indo atrás de corações."

Isso mesmo. Foi por isso que cada vítima até a quinta teve seu coração retirado, e por isso o policial quase virou vítima hoje.

"Exatamente. Aquele policial foi ferido no lado esquerdo do peito. Sem seu equipamento de proteção, ele poderia ter morrido. Ele definitivamente foi atacado por Hel. Porém... nesse caso, o que dizer dela?"

A luz da lua iluminou Siesta. Seus olhos azuis ainda estavam fixos em mim.

"Por que o ombro direito de Alicia foi ferido? Por que o policial atirou nela?"

Isso, agora que eu pensava, parecia que o médico tinha dito algo sobre como Alicia estava sangrando depois de ser atingida por uma bala.

“Mas e daí? Isso era um problema?”

Eu não entendia. Não conseguia entender.

Mais importante, eu precisava encontrar Alicia. Eu sabia que ela estava por aqui em algum lugar.

"Você não acha que ele atirou em legítima defesa?"

"Siesta, se mova, ok? Eu estou..."

Pus a mão no ombro de Siesta e a empurrei para o lado, avançando sobre o tapete vermelho do santuário.

"Você não acha que a faca que estava no chão junto com a arma parecia familiar?"

Eu não sabia. Eu não sabia nada sobre isso. Eu não tinha checado se a faca da cena do crime parecia com a faca que havia desaparecido de nossa cozinha.

"Assistente, escute."

"—Deixa isso pra lá, temos que encontrar Alicia, rápido!"

Eu tinha que sair daqui. Eu precisava ir para algum lugar onde as palavras de Siesta não pudessem me alcançar, ou então...!

"Eu sei que você sabia, também, Kimi."

A tristeza em sua voz era demais para mim, e eu me virei.

Atrás de Siesta, no fundo do santuário, a Virgem Maria estava me observando.

"Quero dizer, a verdadeira razão pela qual você colocou um rastreador naquele anel foi—"

"Pare!"

Meu grito ecoou pateticamente pela vasta igreja.

“Sim, eu sei. Eu sei.”

Eu percebi há muito tempo que Hel e Alicia eram a mesma pessoa.




⧫  Mais uma vez, partimos em uma jornada.

Eu suspeitava que Hel, ou "Jack, o Diabo", fosse, na verdade, Alicia, e ainda assim, até o final, eu agia como se tivesse pelo menos um mínimo de crença nela. Isso tinha sido por causa da habilidade dela de controle mental, ou eu pessoalmente queria confiar nela? Eu não sabia.  

A única certeza era que Alicia tinha sido nossa inimiga.  

"...Mas Siesta."  

Ainda assim, eu tentava lutar contra esse fato inquestionável.  

"Se Hel e Alicia são a mesma pessoa, então e a falsa Srta. Fuubi? Você não disse que era a Hel no começo?"  

Alicia estava lá durante aquela visita. Se aquela falsa fosse a Hel, então Alicia não tinha nada a ver com isso, e—  

"Não, Alicia era a Hel; ela usou a habilidade do Cerberus para se transformar. Devemos assumir que aquela falsa era mais um inimigo."  

"Não... Você está dizendo que estamos enfrentando dois transformistas?"  

"Essa provavelmente é a teoria mais razoável. Essa pode até ser a ameaça mais problemática. Como o chefe deles, por exemplo."  

...! Não podia ser. A SPES tinha inimigos piores que a Hel?  

"Por enquanto, no entanto, Hel tem prioridade. Precisamos encontrá-la rápido, ou..."  

"Você quer dizer Alicia!" Quando Siesta começou a se virar, eu segurei sua mão.  

"Não, Hel, Alicia. Ela é... Ela é..."  

Eu sabia. Eu sabia, sabia. Logicamente, pelo menos. Mas meu coração ainda não tinha acompanhado. Eu ainda não queria admitir.  

"Durante nossa luta, o coração de Hel foi ferido. Imediatamente depois, Jack, o Diabo, começou a roubar corações humanos, e ao mesmo tempo, uma garota desconhecida apareceu em nossa porta. Escute, Assistente." Siesta se virou para mim. "Você está dizendo que tudo isso é uma grande coincidência?"  

Soltei sua mão.  

"...Você sabia o tempo todo?"  

"Não. Se eu tivesse percebido antes, haveria menos vítimas... Mas eu simplesmente não consegui me convencer a suspeitar dela até o último minuto."  

Provavelmente tinha sido a habilidade dela, então. Siesta nunca deixava seus sentimentos pessoais afetarem o que ela fazia. Quando olhamos nos olhos de Hel—de Alicia—e ouvimos o que ela disse, nós ficamos absolutamente incapazes de duvidar dela.  

Era controle mental. Tanto Siesta quanto eu estávamos na palma da mão de Alicia o tempo todo.  

"Isso não pode estar certo." O eco silencioso da minha voz soou patético na igreja. "Então o que? Você está dizendo que aquele sorriso dela, e suas lágrimas, sua bondade, cada coisinha, foi apenas um mal-entendido?"  

E quanto ao grito dela?  

Aquelas palavras que haviam salvado a mãe da quinta vítima—seriam elas uma mentira também?  

"Não, eu acho que aquilo foi genuíno."  

Isso foi algum pequeno consolo.  

"O encorajamento de Alicia realmente ajudou ela. Ela nos disse que foi quase como se a própria filha dela estivesse falando com ela, lembra?"  

Sim. Ela disse isso com lágrimas no rosto. Ela a abraçou, e—  

"...!" Eu senti arrepios por todo o corpo, e um som sufocado escapou de mim.  

"Naquela hora, Alicia tinha..."  

O coração da filha daquela mulher dentro de seu peito.  

A mãe havia abraçado a assassina que matou sua própria filha como se aquela assassina fosse a própria filha.  

Isso era... Não havia como consertar isso.  

Precisávamos encontrar Alicia rapidamente, rapidamente. Precisávamos detê-la, ou...  

"Desculpe. Eu falhei como um detetive, não é?"  

Nem precisávamos procurá-la, ela veio até nós voluntariamente.  

Alicia estava parada na porta da igreja com um sorriso triste.  

...Mas, na verdade, já sabíamos que ela viria até aqui.  

Depois que Hel perdeu seu coração durante aquela luta, ela procurou por um novo. Ela passou por cinco corações, um após o outro, e falhou em pegar o sexto mais cedo. Ela precisava de um coração novo o mais rápido possível—e veio até a igreja porque sabia que, mesmo a essa hora, encontraria pessoas aqui. Ela estava mirando o coração de um dos outros órfãos. Alguém que deveria ser seu companheiro.  

"Alicia..."  

Ela estava se aproximando cada vez mais, e eu não conseguia me mover.  

Ainda assim, não sentia hostilidade dela. Siesta e eu estávamos de pé, lado a lado, e Alicia parou na nossa frente.  

"Há outro eu dentro de mim, eu acho." Alicia colocou a mão sobre o lado esquerdo do peito. "Dos dois, tenho certeza de que eu sou o lado 'sombra'. Acho que é por isso que não tenho memórias, por isso não sei quem sou, e por isso sempre estive na escuridão."  

Transtorno dissociativo de identidade, às vezes conhecido como ter múltiplas personalidades.  

Era uma reação defensiva. Quando alguém passava por uma dor ou sofrimento grande demais para sua mente suportar, ela dissociava aquelas memórias e emoções de si mesma e as integrava como uma personalidade diferente, para reduzir o peso físico e mental.  

Por exemplo, o abuso sofrido na infância por parte dos pais resultava em trauma, e, para reduzir o dano emocional, a criança criava outra personalidade. Casos assim foram registrados em muitos países ao redor do mundo.  

Neste caso, podíamos conjecturar que Hel era a personalidade principal, a que existia primeiro. Durante aquela batalha, ela sofreu danos consideráveis; sua mente se dissociou do evento, e a personalidade de Alicia surgiu. Foi por isso que Alicia não sabia quem ela era e por que ela tinha poucas memórias.  

"Eu ficava dizendo, lembra? Eu realmente tenho 17 anos." Alicia fez uma piada um pouco forçada.  

"…É, você disse. Desculpe por não acreditar em você."  

A aparência de Alicia provavelmente era algo temporário que Hel havia criado usando a habilidade do Cerberus. A verdadeira Alicia tinha 17 anos, e sua forma verdadeira era aquela garota de olhos vermelhos com uniforme militar.  

"Acho que até eu percebi, na verdade," Alicia murmurou de repente. "Eu só fingia que não tinha percebido, o tempo todo."  

"…Percebido o quê?"  

"Que a outra eu estava matando pessoas enquanto eu estava inconsciente."  

Alicia apertou o peito com as mãos, fechando-as em punho.  

"É tão estranho. Quando eu estava investigando com Kimizuka, pensei que talvez o culpado realmente fosse outra pessoa. Eu realmente, realmente queria que fosse verdade."  

Naquela cama de hospital, Alicia me contou sobre como esteve na escuridão por muito tempo, e como, de repente, a luz entrou. Como, além dela, havia um novo eu, e um novo papel, que ela tentava manter. Uma multidão de mãos se estendeu para ela do fundo do inferno, e Alicia fugiu delas o melhor que pôde.  

"Alicia, não é sua culpa." Eu segurei seus ombros. "Mesmo que suas mãos tenham matado pessoas, você mesma não fez nada!"  

Eu queriam acreditar nisso. Era verdade, não era? Alicia não havia feito nada de errado.  

Sim, ela era um pouco egoísta, e não estava exatamente ansiosa para fazer o que lhe era dito, e estar com ela me dava bastante trabalho—mas ela também era bondosa. Ela conseguia compartilhar a alegria dos outros. Ela se divertia com eles. Ela ficava brava por causa deles e chorava por eles.  

Isso não era um mal-entendido ou algo assim. Ninguém me fez pensar isso. Essas eram apenas as impressões que eu construí ao longo dessas poucas semanas com ela. Eu nunca deixaria esse desastre quebrá-las!  

Isso não era culpa de Alicia. Ela não havia feito nada... Nada mesmo...  

"Kimizuka, desculpe. Acho que ainda fui uma criança ruim, afinal." Alicia estava chorando.  

Ela mordia o lábio enquanto lágrimas grandes como joias caíam de seus olhos.  

"Não precisávamos sair caçando um diabo, não é?"  

Uma daquelas lágrimas caiu sobre o dedo anelar da mão esquerda dela.  

"O diabo estava dentro de mim o tempo todo."  

O anel de Alicia estalou audivelmente.  

A joia azul se quebrou, e o transmissor que eu havia escondido nele se despedaçou em fragmentos.  

"Assistente!"  

Siesta me empurrou para o lado, e eu caí no chão.  

Quando olhei apressadamente para cima, o braço esquerdo de Alicia estava congelado no meio do movimento. Ela estava segurando uma faca, e Siesta levantou os braços, bloqueando-a com um bloqueio em cruz.  

Ela estava segurando a faca de frutas que eu havia usado para descascar a maçã no quarto do hospital dela.  

"Alicia..."

Os olhos de Alicia estavam vazios—ela estava em transe. A mente de Alicia já não estava mais ali. Seria assim que ela havia atacado aquelas cinco pessoas? …  

Mas, mesmo que ela pudesse dominar civis comuns, ela não teria chance contra Siesta.  

"Desculpe."  

Pedindo desculpas suavemente, Siesta prendeu Alicia no chão e pressionou o cano de um Magnum contra a parte de trás de sua cabeça.  

"Siesta, não!" No momento seguinte, eu a empurrei para o lado.  

"Você está ficando maluco, Kimi?! Se não fizermos isso aqui—!"  

"Não, você não pode! Se resolver isso matando-a, Alicia não… Ela não vai…!"  

"Você não percebe que essas emoções estão distorcendo decisões vitais?!"  

"Você não aprendeu que é assim que as pessoas são?!"  

Siesta e eu apontávamos nossas armas para a testa um do outro.  

Para nós dois, esse era o nosso limite. Não poderíamos ceder.  

"Bem, bem. Briga interna?"  

Ouvi uma voz de algum lugar. Procurei por ela, mas não consegui localizá-la… Mas já havíamos passado por uma experiência semelhante semanas atrás.  

"Deixe-me recuperá-la."  

Nesse instante, o corpo de Alicia, caído no chão, desapareceu abruptamente.  

"…! Chameleon!"  

Eu olhei para o espaço vazio. Mesmo que eu não o visse, eu sabia que ele estava lá.  

"Tive bastante trabalho para encontrá-la, sabia? Eu tirei os olhos dela por um momento, e então ela desapareceu. Não só mudou de forma, mas também perdeu a memória."  

…Então era verdade, então. Depois daquela primeira batalha, Hel usou a habilidade de Cerberus para se transformar nesse formato, a fim de se esconder de nós. No entanto, ela havia sofrido danos tanto mentais quanto físicos, e a personalidade de Alicia havia surgido acidentalmente. Ela havia vagado pelas ruas de Londres— e foi aí que eu a encontrei, dormindo naquela caixa de papelão.  

"Parece que ela precisará de tratamento completo. Por enquanto, vou levá-la para minha residência."  

"—Onde você está indo?!"  

"No oceano, aproximadamente setecentas milhas náuticas a noroeste, há uma ilha isolada que serve como nossa base. O que acha? Eu acredito que já está na hora, não é? Uma vez que vocês se preparem, por que não vêm nos visitar?"  

Com um tom meticulosamente educado, Chameleon fez sua declaração de guerra.  

"Agora, então. Estaremos esperando."  

Essa foi a última coisa que ele disse, e então ele realmente desapareceu.  

Os únicos que restaram foram Siesta e eu.  

Um silêncio vazio e pesado caiu.  

Eu havia perdido uma companheira e o vínculo que eu havia cultivado durante aquele tempo. Eu nem conseguia olhar Siesta nos olhos.  

Depois de alguns minutos, ou talvez meia hora ou mais…  

"…—!"  

Uma dor aguda percorreu minhas costas.  

"…Achei que você tivesse me atirado."  

Quando me virei, de onde estava sentado no chão, Siesta acabara de me bater nas costas, com força.  

"Você é idiota, Kimi?"  

Sim, tudo bem. Pode me chamar de qualquer nome.  

Mas—  

"Eu não vou me desculpar."  

Em vez de olhar para Siesta, deixei minhas costas falarem por mim.  

"Isso está certo. Não precisa se desculpar." Para minha surpresa, Siesta se sentou no chão, de costas para mim. "Você estava tentando fazer o que era certo, e eu também. Então você não precisa se desculpar. Eu também não vou. Isso está bem para nós," disse Siesta, atrás de mim.  

"...O que devemos fazer agora?" Perguntei de forma patética. Havíamos perdido tudo.  

Em resposta, Siesta disse...  

"Primeiro, vamos à loja juntos."  

Ela estava perfeitamente calma, falando comigo no mesmo tom de sempre.  

"Vamos comprar as maçãs maiores, mais vermelhas e redondas que encontrarmos. Depois, faremos uma torta de maçã deliciosa, comeremos, prepararemos um chá realmente excepcional e beberemos juntos. Depois disso… Bem, se você insistir, podemos tomar um banho juntos... Embora eu vá estar de toalha de banho, vale lembrar. Então, quando anoitecer, podemos pedir pizza, fazer um brinde com refrigerante e assistir filmes alugados a noite inteira. Vamos adormecer no meio de um deles, e ambos ficaremos de mau humor quando acordarmos, brigando por coisas pequenas. Depois, passaremos o dia do jeito que sempre fazemos, e, depois disso—"  

O calor nas minhas costas desapareceu, e eu me virei.  

Minha parceira estava ali, estendendo a mão para me ajudar a levantar do chão.  

"Vamos partir para uma jornada para salvar nossa amiga."  

Peguei sua mão sem hesitar.  

Talvez, então, os três de nós pudéssemos andar juntos novamente, mais uma vez.

 

 

a

Apoie a Novel Mania

Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.

Novas traduções

Novels originais

Experiência sem anúncios

Doar agora