Volume 2

Capítulo 2

⧫ E assim os mortos ressurgem

"Jack, o Estripador, voltou dos mortos. Quero que me ajudem a capturá-lo."

Londres, Inglaterra.

No escritório onde Siesta e eu morávamos, a Sra. Fuubi estava sentada no sofá à nossa frente, fumando.

“…Sra. Fuubi, o que você está fazendo na Inglaterra?”

"Bem, eu não havia contado para vocês dois, mas me enviaram para cá por empréstimo. O contrato acabou ontem; vou voltar ao Japão no próximo voo."

"Eu nunca ouvi dizer que estavam fazendo essas mudanças de pessoal..."

Fuubi Kase era uma conhecida do Japão, uma policial de cabelo ruivo. No entanto, eu não a via pessoalmente há quase três anos, desde que deixei o Japão com a Siesta. Ela apareceu sem avisar, saltou a parte do "olá" depois de tanto tempo e logo nos jogou um pedido sobre o Jack, o Estripador.

"Aqui não é lugar para fumar."

"Cale a boca."

Isso não era justo.

"Então, estou passando esse caso para vocês dois. Capturem ele, tá bom?"

"Você quer dizer o, hmm..."

Jack, o Estripador, também conhecido como o Assassino de Whitechapel, foi o nome do criminoso por trás de uma série de assassinatos que ocorreram na Inglaterra em 1888. O criminoso nunca foi identificado, e até hoje, mais de cem anos depois, o caso ainda chama atenção devido à singularidade do incidente.

"Sim, esse mesmo. Ultimamente, tem ocorrido vários incidentes com o mesmo modus operandi aqui em Londres. Inclusive, um cadáver foi encontrado hoje."

O mesmo modus operandi, hein? Se eu lembrava bem, Jack, o Estripador, era famoso por seus métodos grotescos, cortando os corpos de suas vítimas e retirando seus órgãos. Dito isso...

"Mas o incidente foi há mais de cem anos, certo? O cara está morto."

"Sim, foi por isso que eu disse que ele voltou à vida."

"Isso é loucura."

Mortos não voltam à vida. Até as crianças sabem disso.

...Nesse caso...

"Então, é um Jack, o Estripador moderno? Um imitador?" perguntei para a Sra. Fuubi, que ainda estava soprando fumaça através dos lábios pintados.

"Você está levando isso muito a sério. Mas sim, provavelmente é isso."

"Então comece por aí, por favor?"

"A jovem ali não se interessaria se eu não colocasse isso de outro jeito." A Sra. Fuubi apertou os olhos, mirando a detetive, que estava desmaiada sobre a mesa.

"Ei, Siesta. Ela está falando mal de você."

Siesta estava com a testa sobre a mesa. Eu a sacudi algumas vezes… mas ela nem sequer se mexeu. Agora que ela havia começado a dormir, eu imaginava que seria necessário mais do que isso para acordá-la. Nesse caso...

"Desvie ou morra, Siesta." Levantei-me, peguei uma faca de cozinha e a joguei nela.

"...Isso não é seguro."

Ainda com a cara na mesa, Siesta pegou a ponta da lâmina entre os dedos. Então, ela se esticou de maneira dramática e se levantou.

"Você é programada para não acordar a menos que esteja em perigo mortal?" Perguntei, me jogando no sofá com exasperação.

"A culpa é sua por me dar a oportunidade de tirar uma soneca."

"Não tem nada a ver com a oportunidade. Às vezes você dorme até quando está comendo. Você é um bebê?"

"Hã? Quem é o bebê aqui, não é o Kimi? Aquele joguinho que você joga, de vez em quando..."

"Temos uma convidada. Cala a boca, agora mesmo."

Ouça. Esqueça o que acabamos de dizer imediatamente. Falei sério.

"Então, o que foi mesmo? Jack, o Estripador ressurgiu no presente?" Siesta deu um pequeno bocejo, direcionando a pergunta para mim.

"Como você conseguiu ouvir essa conversa enquanto dormia? E você tem marcas na testa."

"Meus células acústicas estão sempre funcionando, mesmo enquanto eu durmo... Você está brincando, onde? Estão vermelhas?"

"Ugh, você parece um morcego. Aqui, use seu espelho de mão e veja."

"Pelo menos eu não saí por aí criando um tentáculo estranho. Uau, parece um padrão."

"Ha-ha! Você fica parecendo uma criança quando puxa o cabelo para cima. Sua testa é mais larga do que eu pensei."

"Ah, cala a boca. Você vai acabar ficando careca. Seu cabelo também é bem fino."

"Ei! Não começa a mexer! Me larga... Toma isso!"

"Ai! Bem, você tem coragem. Vai ficar dando petelecos na minha testa, é?"

Com um sorriso desafiador, Siesta pulou para cima de mim, e—

"Então quando é que esse tipo de relacionamento começou?"

Revirando os olhos, a Sra. Fuubi soprou a fumaça do cigarro. Ela estava observando eu e a Siesta, que estava sentada no meu colo.

"Eu não sei o que você quer dizer com 'relacionamento'."

"Somos apenas, hm..." Olhei para a menina no meu colo, e ela me olhou de volta.

"“Parceiros de negócios,”" dissemos em uníssono. Os fatos eram óbvios.

Quero dizer, sou eu e a Siesta, ok? Não poderíamos ser outra coisa.

Logo, a Sra. Fuubi se levantou, como se tivesse perdido o interesse em sua própria pergunta. "Bem, não é como se eu me importasse," ela disse, apagando o cigarro. "Apressa-se e vá encontrar a vítima."

 

 

⧫ Mistérios realmente deveriam ser espalhados com cadáveres

"Este é o trabalho do Cérbero."

Siesta se agachou e estava olhando o corpo ensanguentado de um homem.

Nós estávamos dentro de um edifício de igreja barroca — foi lá que o Jack, o Estripador moderno, cometeu o assassinato. A Sra. Fuubi não veio conosco, mas a polícia fez uma exceção para nós, deixando-nos passar a fita e permitindo que examinássemos a cena do crime. No entanto...

"Cérbero?" Perguntei, confuso. Isso não parecia se encaixar com a situação.

"Sua voz está estranha."

"Eu não sou bom com o cheiro de sangue."

"Por que você não escolhe uma coisa? Ou vira a cabeça ou tampa o nariz", disse Siesta. "Olhe." Ela levantou uma das Sete Ferramentas — um pequeno espelho de mão — que ela usava na cintura.

Entendi. Sim, o cara no reflexo estava fazendo uma pose muito bizarra.

Seguindo o conselho de Siesta, passei a apenas segurar o nariz, então me agachei ao lado dela.

No fundo da capela, sob uma grande cruz, estava o corpo de um homem morto que parecia ser um membro do clero.

"Não toque nisso."

"Eu sei. Não vou deixar impressões digitais."

"Está falando como um criminoso."

"Então esse caso vai ser resolvido rapidinho." Mesmo enquanto trocava piadas com ela, juntei as mãos.

Após alguns segundos de oração silenciosa, abri os olhos. Não importa quantas vezes você veja cadáveres, nunca se acostuma com eles. Ao longo dos meus dezessete anos de confusão aleatória, já vi uma boa quantidade de mortes. Ainda assim, o fedor de sangue no ar e os olhos turvos dos mortos sempre mexem com a minha cabeça.

"E então? Você está dizendo que esse Cérbero é a verdadeira identidade do novo Jack, o Estripador?" Perguntei, apertando os olhos diante da cena horrível.

Novamente, vi o corpo de um padre com um buraco grande no lado esquerdo do peito.

"Sim. Esse é o codinome dele. Ele é o cão de guarda de Hades, e dizem que ele devora corações humanos." Siesta jogou o cabelo para trás da orelha, com a expressão sempre fria.

"Então você está dizendo que é ele?"

"Eu não posso ter certeza absoluta ainda, mas..." Siesta colocou um dedo no queixo. "Eu admito, talvez fosse diferente há um século… Quando eles cometeram tantos assassinatos seguidos, mas a polícia ainda não tem nem uma pista..."

"Bom, eu posso imaginar."

Como eu pensei, o inimigo era o SPES — E se nosso suspeito tinha um codinome, então ele devia ser um pseudohumano.

"Qual o objetivo do inimigo? Por que Cérbero está indo por aí roubando corações?"

Ele não poderia estar apenas imitando o Jack, o Estripador, poderia?

"É difícil imaginar que ele esteja fazendo isso de forma independente. Ele deve estar agindo sob ordens superiores."

Ordens superiores... Se eu me lembrasse, o incidente de sequestro onde Siesta e eu nos conhecemos, há três anos, também foi cometido sob ordens da organização do Bat.

"Bem, nós podemos fazer o inimigo nos contar tudo sobre seus objetivos quando o capturarmos."

"Siesta, você parece que torturaria ele com uma expressão séria."

"Não diga coisas que me façam parecer má. Ou será que você disse isso porque quer que eu faça isso com você?"

"Claro que não. Isso é o seu jeito de me condicionar?"

Enfim, essa não era uma conversa para se ter em uma cena de assassinato.

"Você disse que poderíamos fazer ele contar tudo quando o capturássemos, mas... Você tem alguma ideia de como vamos fazer isso?"

Ele já matou várias pessoas. Se nem a polícia conseguiu fazer nada, como ela planeja pegá-lo?

"...O que é isso que você tem?" Em vez de responder à minha pergunta, Siesta olhou para as minhas mãos.

"Ah, isso? A Sra. Fuubi me deu para eu guardar quando fomos cada um para seu lado lá atrás." Fui clicando o isqueiro Zippo que eu tirei do bolso, mexendo com ele. "Ela disse que ia parar de fumar, então eu poderia ficar com ele."

Eu não sabia de onde vinha essa mudança de ideia, mas seria bom não ter que me preocupar com ela fumando na minha casa.

"Entendi. Então, depois de anos separados, ela confiou seu bem mais precioso a um jovem."

"Que tipo de emoção é essa?"

Afinal, para a Sra. Fuubi, eu sou apenas um garoto suspeito com quem ela se encontra em cenas de assassinato.

...E esse não era o momento para uma conversa idiota.

"Olha, sobre capturar o Cérbero. Você tem um plano?"

Se ficássemos apenas assistindo, as vítimas continuariam se acumulando. Precisávamos agir assim que fosse possível.

"Na verdade, eu já sabia dos danos que o Cérbero está causando há um tempo." Siesta se agachou novamente, olhando para o corpo com o coração faltando.

"Bom, não tem como você perder um incidente tão grande."

Mesmo que não houvesse um pedido de trabalho envolvido, Siesta seguia sua missão e lutava contra os "inimigos do mundo". Era quem ela era. O que significava que havia uma razão pela qual ela não conseguia pegar o Cérbero até agora.

"O inimigo parece ter um bom olfato. Eu tentei me aproximar várias vezes, mas ele sempre escapa."

"Entendi. Isso é coisa de cachorro, eu acho."

Assim como as orelhas do Bat eram altamente desenvolvidas, o corpo da maioria dos pseudohumanos era reforçado em uma área ou outra. No caso de Cérbero, aparentemente, seu nariz era sua característica principal.

"E ainda assim o Cérbero está cometendo os crimes, mesmo estando nós aqui em Londres também."

"...Você acha que é uma armadilha?"

"Eu ia dizer que é uma oportunidade." A detetive estava confiante como sempre. "É verdade, ele pode estar planejando algo. No entanto, se deixarmos essa oportunidade escapar, talvez nunca mais encontremos uma chance boa de capturá-lo."

"Ok, mas como você planeja ir atrás dele especificamente?"

"Você está pensando ao contrário." Siesta se levantou. "Nós não vamos atrás do Cérbero. O Cérbero é quem vai vir atrás de nós."

Ela não parecia estar brincando, mas o que ela estava dizendo não fazia muito sentido.

"Escute. Do ponto de vista do inimigo, essa é uma chance de nos derrotar."

"Mas o Cérbero fugiu porque ele tinha medo de você, certo? Então—"

De repente, eu tive uma suspeita de que eu não ia gostar de onde isso estava indo. "Ué, Siesta, você não está querendo dizer...?"

"Você ficou bom em fazer deduções também." Siesta sorriu. "Eu sou a única que o Cérbero tem medo. Ou seja, se você estiver sozinho, o inimigo vai se jogar direto para atacar você."

"Então você realmente está planejando me usar como isca?!"

Essa detetive quer me usar como isca para o cão de guarda do inferno!

"Você deve ter sabido que esse momento ia chegar em algum ponto, depois que você pegou esse trabalho."

"Eu não tenho memória de ter me preparado para a morte!"

Droga, onde foi parar a parte em que ela disse que me protegeria?!

"Seu momento chegou, Kimi. Agora você vai enfrentar um inimigo poderoso também."

"Não me coloque como um herói lendário."

"Não, eu sou a heroína lendária. No máximo, você é a espada que eu uso para cortar meus inimigos... ou talvez o dono da forja onde ela foi forjada... Não, na verdade, você é o personagem que não conseguiu suceder aquela posição e virou fazendeiro em vez disso, talvez?"

"Você é tão injusta."

Que jeito horrível de tratar sua assistente, especialmente quando ele estava prestes a enfrentar um mal monstruoso totalmente sozinho.

"Bem, devemos ir. Já peguei tudo que preciso da cena." Sem nem ao menos olhar para mim ou para a expressão insatisfeita no meu rosto, Siesta girou em direção à saída.

"...Onde vamos agora?"

"Hmm, talvez uma reunião preliminar para o chá da tarde?"

"Você é a única pessoa no planeta que poderia sair direto de uma cena de assassinato para o chá da tarde."

Essa detetive era esguia, mas comia tão bem quanto sempre. Em Londres, ela estava constantemente devorando assados de domingo nos restaurantes. Nós tínhamos que trabalhar como loucos só para cobrir as despesas com comida.

"...Eu estou sempre sobrecarregando meu cérebro, então meus três grandes impulsos são um pouco mais fortes do que os das outras pessoas." Siesta se virou para me olhar e começou a falar muito mais rápido do que o normal.

Era raro vê-la assim.

Aparentemente, ela estava equipada com as mesmas sensações que uma garota comum.

"É por isso que você está sempre tirando sonecas?" Perguntei.

"Fala o cara que sempre acorda de mau humor."

Jogando bobagens um para o outro, deixamos aquele lugar para trás.

"Então, se seus três grandes impulsos são mais fortes do que os das outras pessoas..."

"...Eu só queria dizer que era a fome e o sono, na verdade."

 

⧫ A detetive de elite não chega atrasada

“Tudo bem, apenas relaxe no seu quarto, Kimi. Coma uma pizza ou algo assim e aproveite o que sobrou do seu tempo de lazer—quer dizer, da sua vida.”

“Você vai vir me salvar, certo? Vai me resgatar antes que ele me mate, não vai?”

Eu estava em um quarto de hotel que a Siesta havia reservado para mim. Terminamos nossa reunião de chá da tarde, depois jantamos. Agora que tínhamos nos separado, eu estava deitado na cama sozinho, falando com ela ao telefone. Estávamos passando pela confirmação final da nossa estratégia: a que envolvia eu ser a isca para o Cerberus.

“Já faz quase três anos desde que comecei a viajar o mundo com você. Passou tão rápido…”

“Não comece a ficar nostálgico de repente. Podemos relembrar quando formos bem mais velhos.”

“No começo, só brigávamos… e acho que isso não mudou. Mesmo assim, a vida nunca foi entediante com você por perto.”

“Para de agir como se eu fosse morrer!”

Eu sou o assistente dela, mas não estou planejando doar minha vida, ok?

“…E então? O Cerberus realmente vai vir até este quarto, não vai?”

Infelizmente, eu já havia concordado com essa manobra e não podia desistir agora. Significa que provavelmente deveria começar a me preparar para aumentar as chances de sucesso.

“Vai ficar tudo bem. Se isso acontecer como eu acho que vai, o Cerberus vai te devorar por volta da meia-noite.”

“Então eu realmente vou morrer, né?”

Sério, venha me salvar. Por favor. Chegue cedo, até.

“Bem, uh, acho que tenho menos de três horas de vida então.”

Quando dei uma olhada pela janela, já estava completamente escuro lá fora.

“Para ser honesta, não tenho certeza da hora, e nem sei se vai acontecer hoje.”

…Sim, acho que não. Tudo que sabíamos era que o Cerberus provavelmente viria atrás de mim agora que eu tinha me separado da Siesta; não sabíamos exatamente o dia ou a hora. Eu provavelmente acabaria esperando nesse quarto de hotel até ele aparecer.

“Você está hospedada no quarto ao lado ou algo assim, Siesta?”

“Você é burro, Kimi?”

Ela não precisava ter dito isso. Injusto.

“Se eu estiver por perto, o inimigo ficará muito cauteloso para agir.”

…Ah, boa observação, na verdade.

“Espera. Você quer dizer que eu estou realmente, genuinamente sozinho? Você tem certeza de que não vou morrer hoje?”

“Vai ficar tudo bem. Eu realmente tomei algumas providências, então há uma chance minúscula de você ser salvo.”

“Só minúscula?”

“Estou brincando. Poxa.”

O problema é que, com você, nunca parece uma piada. “Haaah, eu queria que você estivesse no quarto comigo…”

Imaginando o pior cenário, suspirei involuntariamente.

Nesse momento—

“……Hmm?” A voz no telefone adquiriu um tom provocador. “Então você queria passar a noite comigo.”

“—! Não foi isso que eu quis dizer. Só em termos de segurança física.”

“Você queria dividir uma cama comigo.”

“Eu te falei, não é isso. E além disso, você dorme mal; quantas vezes você me acertou com um soco nas costas?”

“Então você queria tomar banho comigo?”

“Seus banhos duram uma eternidade. Eu não aguento ficar tanto tempo com você.”

“Você nunca diz o que realmente quer quando se trata dessas coisas.”

Infelizmente, é exatamente isso que quero dizer.

“Eu meio que não ligo mais… Ok, vou desligar agora.”

A troca boba de palavras havia drenado toda a minha motivação para me importar com isso. Eu só apostava nas providências que a Siesta disse que tinha tomado. Comecei a desligar, mas nesse momento…

“Siesta, você está do lado de fora?”

Do receptor, achei que ouvi uma buzina de carro ao longe.

“Hã? Bem, sim, mas…”

“Volte para o apartamento antes que fique tarde. O Cerberus não é o único tipo perigoso por aí.”

“……”

Por algum motivo, houve silêncio na linha.

“Siesta?”

“…Ah, desculpa. Foi só estranho ouvir você me tratando como uma garota, então—”

“Você ficou surpresa?”

“Eu ri.”

“Ah, você riu, né?”

Bem, não ria. Seu idiota.

Veja o que acontece no momento em que eu mostro um pouco de bondade a ela?

“Tá bom, vou desligar.”

“Eu não posso me aproximar de você, mas pelo menos deixarei a linha aberta, para você não ficar sozinho.”

“Eu não estou sozinho nem nada… Mas, quer saber, se você realmente, realmente quer manter a linha aberta, então acho que eu poderia—”

“Sim, ok, ok. Não precisa dizer o resto, eu entendi.”

Algumas horas se passaram. Quanto mais indesejável for uma intuição ou previsão, mais provável é que ela acerte em cheio. Qual exatamente era essa previsão, você pergunta? Bem, era o tempo que previmos que o Cerberus atacaria.

—Eu senti alguém no meu quarto comigo.

De acordo com meu relógio interno impreciso, era um pouco depois da meia-noite.

Eu deveria estar sozinho. Só que agora, tinha certeza de que sentira algo se movendo por perto.

Já se passavam várias horas desde a ligação. Eu estava passando o tempo pedindo serviço de quarto e assistindo TV. Depois apaguei as luzes e fui para a cama, embora não tivesse me trocado. Fingi estar dormindo, esperando pela possibilidade extremamente improvável… e aparentemente, eu tive sorte.

O inimigo provavelmente estava sozinho.

Desliguei todas as luzes, então estava muito escuro e silencioso. Não se ouvia nem o ar-condicionado. E então, agora, meus ouvidos definitivamente captaram o som de um segurança de pistola sendo destravado. Alguém estava tentando me matar. No entanto—

“Desculpe. Já estou acostumado a quase morrer.”

Até certo ponto, eu podia sentir onde estava o meu oponente.

Saltando da cama para pegar o inimigo desprevenido, prendi seu braço com a pistola entre minhas pernas em um golpe de chave cruzada.

“……—!”

Era minha vida, e eu a defenderia sozinho.

Sim, eu estava contando com a Siesta como último recurso, mas faria o que fosse possível. Problemas sempre me encontram, então adquiri uma certa proficiência em artes marciais para lidar com isso. Recentemente, a Siesta também me treinou ainda mais.

“Você vai acabar com um osso ou dois quebrados, ok?”

Desculpa, mas não tenho misericórdia de pseudohumanos.

“—……!”

A pistola caiu da mão do inimigo, mas não liberei meu controle. A Siesta não estava por perto, então eu tinha que ganhar tempo suficiente para ela chegar.

“Não se mova. Você vai se machucar…”

De repente, não consegui mais sentir o braço superior em minha mão, e então—

“Ghk, hah…!”

Uma dor aguda atravessou meu rosto. Eu mordi a língua, e o gosto de ferro imediatamente preencheu minha boca.

“…O que, você deslocou seu ombro?”

Estava escuro, então não conseguia ver, mas tinha quase certeza de que estava certo. Ele havia puxado o braço direito para fora da articulação, depois girou o corpo inteiro para dar um chute forte no meu rosto. Nada de “humano normal” aqui.

“Ha-ha. Acho que não seria, né?”

Não era um “humano normal”. Era o Cerberus, o guardião devorador de corações de Hades—e o Jack, o Estripador revenante.

“Bom, Siesta, eu te comprei trinta segundos.”

Colocando minhas esperanças em minha parceira, embora eu não soubesse nem onde ela estava, dei um passo e então balancei minha perna direita. Estava mirando na pistola que o inimigo havia deixado cair. Minha perna cortou o espaço vazio; fiquei tão perto, mas…

“Droga…”

Ele a pegou primeiro. Então ouvi o disparo e senti a bala passar raspando na minha bochecha.

“Então você não se importa de como me mata, né, desde que o trabalho seja feito?”
Ele estava planejando cortar o peito primeiro e depois levar meu coração?

Me agachei o mais baixo que pude, buscando abrigo. Eu estava em desvantagem quando se tratava de armas, e sem poder ver, não havia mais nada que eu pudesse fazer. Tinha que haver algo que eu pudesse fazer—

Ah. Acho que ainda tenho isso.

“Esse é o policial para você. É como se ela já tivesse visto isso acontecendo.”

Ainda tinha o isqueiro Zippo no bolso direito da minha calça. Eu o puxei, acendi e joguei-o na cama.

“…!”

O fogo subiu, espalhando-se num piscar de olhos… até que os sprinklers no teto se ativaram.

“Te peguei.”

“……!”

O inimigo recuou, assustado pelos jatos de água, e eu o empurrei para baixo na cama.

“Fim de jogo.”

Desculpe, Siesta. Parece que eu não vou precisar de você dessa vez.

“Tá bom, vamos ver quem você realmente é.”

Peguei o interruptor de luz ao lado da cama, acendi-o… e vi uma garota com camuflagem, seus cabelos loiros ensopados grudando em sua bochecha.

Ela havia sido imobilizada pela presa que queria caçar, e suas bochechas estavam coradas, talvez com vergonha, ou talvez com medo. Seus olhos, como joias e muito pouco japoneses, estavam ligeiramente úmidos e vacilantes.

“Você é…”

Então a garota me disse quem ela era.

“Sou eu—Charlotte Arisaka Anderson.”

 

⧫  Eu posso perdoar tudo, menos aquele olhar triunfante.

 "Charlie?"

 Eu conhecia essa garota.

 Charlotte Arisaka Anderson.

 Ela tinha 16 anos e, embora fosse cidadã americana, tinha sangue japonês também. Era uma agente que viajava pelo mundo a trabalho, conforme as ordens da organização à qual pertencia, e, a pedido de Siesta, ela já havia trabalhado conosco algumas vezes — ou seja, ela também me conhecia.

 "Você está bem?" perguntei a Charlie, nervoso.

 "......Sim, mais ou menos."

 Segurando seu ombro direito machucado, Charlie se sentou lentamente na cama. Eu também me levantei, dando um passo para trás.

 Mas o que ela estava fazendo ali? Por que ela havia se infiltrado no meu quarto com uma arma...?

 "Ah, entendi. A Siesta pediu para você fazer isso, não foi?"

 Então era isso, o "passo" que Siesta havia mencionado? Eu entendi... Sim, com as habilidades de combate da Charlie, seríamos capazes de enfrentar o inimigo em pé de igualdade. Parece que eu agi por impulso, e agora estava cometendo um excesso de legítima defesa.

 "......Ela pediu sim. Eu juro... você simplesmente se jogou em cima de mim sem mais nem menos."

 "Olha, me desculpa, tá? Mas você entrou aqui com uma arma."

 "Bem, o Cerberus poderia ter chegado antes de mim."

 Entendi. É verdade. Eu estava realmente um pouco paranoico. Se eu tivesse exagerado mais, a Siesta provavelmente teria rido de mim por ter me assustado à toa.

 "Hmm. Tem algo cheirando estranho." Charlie fez um som audível, como se estivesse farejando.

 "Cheiro estranho? Você soltou um peido?"

 "Você sabe o que é o significado de 'tato', não sabe?"

 "Bem, a minha parceira, a detetive de primeira, não tem." Fui até a janela para ventilar o quarto para Charlie.

 "De qualquer forma, você é melhor do que eu pensava, Kimizuka. Você me esmagou completamente." Ela disse atrás de mim. "Mesmo que tenha usado um truque, nunca pensei que fosse conseguir me prender..."

 "É, eu acho que é a primeira vez que consegui te vencer num combate um a um."

 Acho que o treinamento que a Siesta me dá está valendo a pena, pensei. Coloquei a mão na cortina e, assim que fui abrir a janela—

 "Não, será que eu realmente consegui vencer a Charlie?"

 Era uma autocrítica completamente patética, uma dedução sem nenhum orgulho.

 O que acontece é que eu sabia.

 Eu sabia o quão forte Charlotte Arisaka Anderson era. Também sabia que a Siesta foi a primeira a reconhecer essa força. Charlotte jamais perderia para um cara como eu.
 "...Ah, mais importante."

 Eu tinha uma teoria mais simples também.

 "Aquela perdedora de temperamento curto jamais admitiria que perdeu tão facilmente."

 Principalmente não para mim, seu inimigo mortal. Portanto—

 "Quem é você?"

 Virei-me, dirigindo a pergunta para Charlie... ou melhor, para a pessoa que estava se passando por Charlotte Arisaka Anderson.

 "Ah—você viu meu disfarce, não foi?"

 A voz mudou de Charlie para uma voz profunda e masculina. No momento seguinte, seu rosto e corpo se distorceram e se transformaram em um homem de meia-idade e físico robusto, vestido com um manto preto.

 "Bem, não importa. De qualquer forma, eu vou levar seu coração."

 "...! Então você realmente é o Cerberus?"

 Aquela habilidade de se transformar deve ser a razão do seu codinome. O cão de guarda de Hades tinha três cabeças, um símbolo da habilidade de se transformar em outras pessoas. Se seu faro fosse afiado, é claro que a polícia teria dificuldades para pegá-lo. Agora fazia sentido que eles não tivessem conseguido capturá-lo até agora.

 "Notícias ruins, porém. Sua imitação de Jack, o Estripador, chega ao fim hoje."

 Eu tinha recuperado o Magnum durante a luta e apontei para a testa dele.

 "Você realmente parece capaz. Eu pensei que fosse um subordinado daquela detetive de primeira, mas terei que revisar essa impressão."

 Enquanto Cerberus falava, ele fechou os olhos e uniu as palmas das mãos diante do peito. O gesto me lembrou de um sacerdote, embora a impressão fosse um pouco diminuída pelo jeito pomposo de falar e seu físico robusto. No entanto, eu só pude pensar nisso por um momento, antes—

 "A lua está cheia esta noite. Ela faz o sangue cantar."

 No instante seguinte, os músculos de Cerberus começaram a inchar, e então uma pele espessa de pelos se espalhou por seu corpo. Ele parecia—

 "Espera, você é um lobisomem...?"

 Você não está confundindo Cerberus com outra coisa, não? Mas, bem, não era um momento para piadas rápidas.
 "Se você for baleado, não venha chorar para mim."

 Apertei o gatilho, disparando balas, mas…

 "Guarde essas palavras para depois de me acertar."

 Com uma agilidade verdadeiramente bestial, Cerberus desvia dos tiros.

 "Argh...!"

 Quando ele desviou de todos os meus ataques, a enorme criatura se lançou para cima de mim.

 Havia garras afiadas bem na minha frente, e eu não tinha armas. Percebendo que estava a um passo de uma tragédia, fechei os olhos—

 "Agache."

 Ouvindo a voz pelo telefone, no último momento, consegui me agachar.

 "—Khah, hah!" A próxima coisa que ouvi foi um tiro e um gemido baixo. Quando abri os olhos, a criatura bestial estava caída no chão, sangue escuro escorrendo do ombro dele.

 "...Então, abrir a janela me salvou, né?"

 Lembrando que eu não tinha encerrado aquela ligação, coloquei o telefone no ouvido e falei com ela.

 "Ei, por que você demorou tanto? Não venha me dizer que estava dormindo."

 Nesse momento—

 "Eu cheguei a tempo, então, importa?"

 Já estava ouvindo a voz no telefone e, ao mesmo tempo, atrás de mim.

 Fazendo a cara mais emburrada que eu conseguia, virei-me—

 E lá, em pé no parapeito da grande janela, olhando muito satisfeita consigo mesma, estava uma garota de cabelo branco.

 "Sentiu minha falta?"


⧫  A diabólica carmesim, a rainha do gelo

"Bem, agora," disse Siesta.

Ela se lançou sobre o Cerberus caído, com o mosquete em punho, então montou sobre ele e pressionou a boca do cano contra sua pele.

"Hmm, déjà vu."

A cena do avião, três anos atrás, passou pela minha mente. Naquela vez também, Siesta tinha pressionado sua arma contra a cabeça de Bat para controlar o sequestro, como uma heroína de filme de ação.

"Você...! Quando fez sua aproximação?" Cerberus rosnou de onde estava imobilizado; sua expressão estava cheia de agonia. "Meu olfato não percebeu sua presença... então por quê?"

Sim, esse tinha sido o plano de Siesta: me usar como isca, enquanto ela se ocultava em algum lugar fora do alcance do olfato de Cerberus... Mas então, ela havia entrado no campo de batalha sem ser notada.

"Bem, aparentemente ainda resta um pouco daquele cheiro." Siesta farejou.

"Cheiro?"

"Hã? Você não percebeu antes de abrir a janela, Kimi? Até um minuto atrás, este quarto estava cheio de um tipo especial de gás."

"Gás? Ah, agora que você fala..."

Quando Cerberus ainda estava disfarçado de Charlie, ele estava incomodado com o cheiro no quarto. Não poderia ser... Mas quando isso aconteceu?

"Aquilo." Siesta apontou para o teto—ou, para ser mais preciso…

"Os aspersores, né?"

Provavelmente esse era o verdadeiro "passo" que Siesta havia dado. Ela viu que eu estava carregando um isqueiro Zippo, previu a possibilidade de os sprinklers entrarem em ação durante a luta e preparou o gás para ser liberado junto com a água. O gás havia entorpecido o super olfato de Cerberus, fazendo com que ele não percebesse a Siesta.

"...Como sempre, você está preparada demais."

Era como se Siesta soubesse de tudo que aconteceria antes de acontecer.

"O resultado está claro, eu venci. Aceite."

Siesta pressionou novamente a boca de sua arma contra Cerberus.

Achando que deveria contatar a Sra. Fuubi enquanto tivesse a chance, peguei meu smartphone—e foi quando aconteceu.

"Eu não posso permitir ser capturado ainda."

Mal Cerberus terminou de falar, seu corpo começou a encolher rapidamente.

"—! A habilidade de transformação dele!"

Em um instante, Cerberus ficou do tamanho de uma criança e escorregou da captura de Siesta.

"Assistente! Feche a janela!"

Não podemos deixar ele escapar...!

Virando rapidamente para a janela atrás de mim, tentei bloquear a rota de fuga de Cerberus, mas…

"Demorou."

Até aquele momento, ele já havia retomado sua forma de homem-bestia e estava saltando levemente sobre minha cabeça.

"Eu tenho uma missão. Mais uma. Preciso obter apenas mais um coração fresco, e até lá..."

Ele se inclinou para fora da janela, e—

"Você pode deixar o seu, Cerberus."

Um jato de sangue.

Então a cabeça de Cerberus—somente sua cabeça—caiu pela janela e desceu. Após um momento, seu corpo decapitado lentamente tombou para trás.

"...Hã?"

Minha mente não conseguia processar o que eu estava vendo. Por que Cerberus estava morto?

Quem foi? Quem fez isso?

"Assistente!" Era Siesta. Ela soava mais agitada e tensa do que nunca. "Cuidado."
Ela apontava seu mosquete para a janela, mas a boca do cano parecia um pouco vacilante.

"Esta é a primeira vez que nos encontramos pessoalmente, não é, detetive de primeira," disse uma voz amargamente fria.

A falante, que estava sentada no parapeito da janela, balançou a espada que usou para cortar Cerberus, limpando o sangue.

"Você é..."

Uma garota de cabelo curto e olhos vermelhos. Ela usava um uniforme militar vermelho-vinho, e várias espadas pendiam de sua cintura. Parecia ter a mesma idade de Siesta. Entre seu chapéu de serviço e o colarinho alto, eu não conseguia ver seu rosto com clareza.

Mas a impecável detetive de primeira estava cautelosa com ela. Quem diabos era—?

"Meu nome—meu codinome—é Hel," ela disse, sentada na janela, limpando a espada com um pano.

"Codinome... Então ela é outra?"

"Ela é uma das oficiais de mais alto escalão da SPES," murmurou Siesta.

Ela estava ao meu lado agora, e sua expressão estava grave.

"Na mitologia nórdica, Hel é o nome da rainha que governava Niflheim, o país do gelo."

"Então não há sistema para os codinomes deles, né?"

Pelo menos, estava claro que ela estava em um nível completamente diferente de Bat e Cerberus.

"Bem, agora."

Hel desceu do parapeito da janela e seguiu diretamente até o corpo de Cerberus, sem sequer olhar para nós. Ela se agachou—e cravou sua espada no lado esquerdo do peito dele.

"...Ughk." A cena grotesca fez meu estômago se revirar.

Com um rosto sem emoção, Hel enfiou o braço no peito de Cerberus... E então retirou algo do sangue acumulado.

"Agora temos a peça final." A mão ensanguentada de Hel segurava o que parecia ser um pequeno pedaço de minério negro. "Agora, vou levar isso comigo e iniciar a operação..."

"Você acha que vamos deixar você?" Siesta olhou furiosamente para Hel. A mira da arma de cano longo estava perfeitamente firme agora.

"Bem, bem." Hel devolveu o olhar de Siesta. "Mas você não pode atirar."

 

“Do que você está falando…—?”  

De repente, como se tivesse notado algo, as sobrancelhas de Siesta se ergueram.  

“E você não pode dar um único passo desse lugar. Não pode falar.”  

Os olhos vermelhos de Hel brilharam de maneira ameaçadora.  

Os olhos de Siesta se alargaram. Sua boca se mexia como se fosse um peixe que tinha tirado a cabeça da água em busca de comida, mas ela não disse uma palavra.  

“Não pode ser—Uma habilidade pseudohumana…” 

Se Hel também fosse membro da SPES, então ela teria algum tipo de poder especial. 

Se ela pudesse fazer isso, seria uma habilidade que controlava as ações dos outros...?  

Eu estava em pânico demais para pensar nisso racionalmente. Ela havia imobilizado Siesta. Nesse caso, o próximo movimento do inimigo era óbvio.  

A garota com o uniforme militar vermelho correu em minha direção.  

“Agora, por que você não vem ver o inferno comigo?”  

Nesse momento, minha mente perdeu o vínculo com o mundo.

 

⧫  Rumo ao futuro, um ano a partir de agora

"Onde...?"

Quando abri os olhos, meu entorno estava escuro e desconhecido.

"......!"

Meus braços estavam algemados e minhas pernas estavam presas por correntes. As pernas da cadeira em que me colocaram pareciam estar fixadas no chão de concreto, e o cheiro de mofo me atingia as narinas. Minha voz também estava ecoando... Estaria eu no subsolo?

"Parece que você acordou."

Uma figura emergiu da escuridão.

Ela usava um boné de serviço, abaixado até o rosto, e um uniforme militar vermelho com gola alta. Eu mal conseguia ver sua expressão, mas não tinha como errar. Era a garota que me raptou e me trouxe até aqui—

"Hel!"

Eu a tinha encontrado naquele hotel, e depois...

"Onde estamos? Você planeja... Me matar?"

Engoli em seco. Por que ela tinha se dado ao trabalho de me separar da Siesta e me trazer até aqui?

"Você aceitaria se juntar a nós?"

Eu não esperava isso de jeito nenhum, e por um momento, minha mente ficou em branco.

"O que você está dizendo?"

No momento seguinte, Hel estava atrás de mim.

"Sim, isso foi um pouco confuso, não foi? — Eu quero que você seja o meu parceiro."

A voz me fez imaginar sua língua em minha orelha, e arrepios correram por minha pele.

"...Eu não entendo. O que você ganharia com isso, tendo-me como parceiro?"

"Você não pensa muito em si mesmo, não é?"

"Prefiro chamar isso de modéstia."

Mesmo em uma situação como aquela, o sarcasmo fluía naturalmente. Na verdade, talvez fosse porque eu estava em grande perigo. Se eu não tivesse esse humor ácido, teria dificuldades para manter minha sanidade. Essa garota, Hel, era ameaçadora o suficiente para me fazer estremecer.

"Não, não me entenda mal. Isso é o tremor de uma guerreira."

"Mas eu não disse nada."

"Se você acha que fiz xixi nas calças, fique à vontade para checar."

"Entendo. Então vocês dois brincam assim o tempo todo."

Hel sorriu timidamente, então finalmente se afastou das minhas costas.

"...Não sabia que você sabia sorrir."

"Ah-ha-ha. Isso é maldoso da sua parte. O que você acha que sou?"

Com os passos soando no chão, Hel deu uma volta ampla ao redor da minha cadeira.

"Um demônio sem emoções? Um monstro que não fala sua língua? Uma vilã com quem você nunca chegaria a um entendimento? Você realmente é cruel."

Hel deu outro sorriso fino.

"Eu sou só uma garota."

Hel cruzou na minha frente. Ela segurava um livro grosso que pegara de algum lugar, com os olhos fixos nas páginas.

"Eu realmente duvido que 'só uma garota' possa matar um companheiro a sangue frio", retruquei, lembrando o que Hel fizera com o Cérbero no hotel.

"Companheiro? Ah-ha-ha, não, não. Isso foi nada mais do que um componente, lá para levar o plano a uma conclusão bem-sucedida."

Hel riu alto, como se eu tivesse contado uma piada muito engraçada. O som era despreocupado, natural, sem malícia — e cruel. Assim como Hel mesma parecia.

"Você está planejando me usar e depois me descartar também? Além disso, você não tem nada a ganhar ao me fazer seu parceiro."

Não podia acreditar que era isso o que ela realmente queria. O que ela estava planejando?

"Você está perguntando o que eu ganharia?" Hel olhou para o livro. "Antes de qualquer conversa sobre prós e contras, o que está escrito no texto sagrado é absoluto, sabe?"

"O texto sagrado?"

Ela estava se referindo ao livro que estava segurando?

"O que eu tenho aqui é só uma parte dele. Várias coisas que vão acontecer com você no futuro estão escritas aqui."

"Isso é loucura..."

"E isso não poderia acontecer? E, no entanto, já aconteceu. Por exemplo, este texto sagrado previu que Cérbero morreria ali, e você viria parar aqui."

Isso tinha que ser mentira. Ela estava apenas falando de coisas que já haviam acontecido, como se tivessem sido previstas muito tempo antes.

"Você não parece acreditar em mim."

"Sim, mas não leve para o lado pessoal. Eu só acredito em mim mesmo."

"Que coincidência. Eu sou igual."

Talvez nós dois pudéssemos até nos dar bem, então. Não que eu quisesse.

"Então você já ouviu falar das Folhas de Agastya?", perguntou Hel. O livro ainda estava em suas mãos.

"As Folhas de Agastya... Acho que era um livro de profecias escrito por um santo indiano, há alguns milhares de anos..."

A Siesta sempre me contando informações e curiosidades, e eu tinha a impressão de que ela me mencionaria isso uma vez. Muito tempo atrás, o santo indiano Agastya havia escrito revelações que recebeu dos deuses em folhas de palmeira na antiga língua Tamil, ou algo assim. Ela também disse que o futuro de cada pessoa estava detalhadamente escrito ali.

"Este texto sagrado foi criado com as Folhas de Agastya como sua base. O seu futuro também está escrito aqui."

Com os olhos no livro aberto, Hel deu outra volta pelo amplo quarto.

"Por exemplo, daqui a um mês, você voltará àquela rotina normal que sempre desejou e viverá como um estudante comum."

"Isso não vai acontecer. Aquela detetive não vai me deixar ir assim tão facilmente."

Claro, se ela estava se referindo ao fato de que nós destruiríamos completamente a SPES daqui a um mês, teríamos nosso final feliz e depois voltaríamos às rotinas normais, eu até aceitaria, mas...

"Daqui a um ano, você assumirá o manto novamente, em um papel mais próximo de 'detetive' do que 'assistente', e terá um papel importante na resolução de múltiplos casos."

"Isso também não vai acontecer. Eu nunca fui nada além de assistente da Siesta."

Afinal, não tinha como ela ceder a posição de detetive para mim, tinha?

"Memórias esquecidas de um coração, uma safira milagrosa no valor de três bilhões de ienes e o legado deixado pela detetive de elite. Se você se lembrar dessas palavras daqui a um ano, poderá verificar as respostas por si mesma."

"Olha, sobre o que você está falando? O que isso quer dizer?"

"O que era mesmo— seu talento para ser arrastado para as coisas?"

Hel fechou o livro. Eu não tinha contado a ela sobre isso. Será que ela estava sugerindo que as Folhas de Agastya cobriam até isso?

"Não acho que seja bem isso."

"...O que você está dizendo?"

"Você não é arrastado para as coisas. Você arrasta os outros. Você arrasta o mundo inteiro", Hel disse, estendendo os braços, como se quisesse envolver tudo ao seu redor. "Esse talento seu é o poder de transformar tudo e provocar incidentes. Você mesmo é o centro do mundo. Eu vou fazer você ser minha parceira para salvar o mundo junto comigo."

"Acho que você quis dizer 'destruir o mundo'."

"Para mim, salvar e destruir são a mesma coisa."

"Você está me dizendo que destruir o mundo vai te trazer algo que você quer?"

"Você poderia dizer que sim."

"E se eu recusar?"

"Então você recusa." Hel deu meia volta e começou a se afastar. "Segundo o texto sagrado, você não será minha parceira por um bom tempo ainda. Só que fazer as coisas antes do tempo ajudaria a apressar as coisas com o Pai—" Ela de repente calou a boca.

Pai? Quem seria esse?

"É uma pena, no entanto. Ser minha parceira viria com uma variedade de benefícios", ela continuou, assumindo um tom mais brincalhão, como se nunca tivesse dito aquela última frase. "Primeiro e mais importante, você seria pago por não fazer nada."

"Que barganha, hein."

Eu adoraria que uma certa detetive de cabelo branco que insiste em me fazer trabalhar como um cão ouvisse isso.

"Você poderia jogar videogame em uma TV de tela grande o dia todo, se quiser."

"Você é um anjo?"

"Poderia comer lanches, sorvete e miojo quando quisesse, quantas vezes quisesse."

"Você é uma deusa?"

Ei, detetive de elite de cabelo branco, você ouviu isso? Uma vilã prometendo ser minha 'sugar mama'. Você tem dois segundos antes de eu virar o jogo.

"Então, o que você me diz?"

A garota com uniforme militar estendeu a mão direita para mim, onde eu estava sentado na cadeira.

"Kimi— Seja meu parceiro."

Com um sorriso simples, ela fez uma oferta bem atraente.

E minha resposta foi:

"Sim— claro que não."

Desculpe por isso. Eu sempre fui um covarde e baseio minhas decisões no que tenho a perder, não no que tenho a ganhar.

"Porque, no final das contas, eu teria mais medo de me tornar inimiga da Siesta do que de você." Sorrindo um pouco pela escolha irônica que me foi dada, recusei a proposta de Hel de forma direta. "Você nem pensou que eu ia aceitar sua mão, pensou?"

"Ah-ha-ha. Você sabia?"

Hel sorriu como uma criança travessa que viu sua brincadeira ser descoberta, virou-se e foi embora. Enquanto ela estava de costas, eu tentava encontrar uma maneira de tirar as algemas.

Honestamente, estou impressionado que ela tenha tido coragem de estender a mão para mim, sendo ela mesma a razão de eu não poder aceitá-la. Ela sempre presumiu que eu iria recusá-la.

"Em troca, então, tem uma coisinha que eu gostaria que você visse."

No momento seguinte, o quarto ficou um pouco mais iluminado. Hel deve ter ligado a luz ou algo assim. Eu olhei ao redor, e—

"O que... que diabos...?"

Até onde eu pude ver, havia algo escondido nas sombras.

Estava em uma gaiola de ferro, e me lembrava de um enorme réptil. No entanto, eu nunca tinha visto uma criatura como aquela antes.

A coisa parecia ter quase quatro metros de comprimento. Não via nada que se parecesse com olhos em sua cabeça, e dentes enormes saíam de sua enorme mandíbula. Um líquido viscoso escorria de sua boca em intervalos regulares, e, embora eu visse sinais mínimos de vida, a criatura estava bem imóvel.

Talvez estivesse dormindo?

"Isso é uma arma biológica", Hel me disse, sem emoção. "O seu hálito contém uma toxina que se combina rapidamente com o oxigênio atmosférico."

"...Então você vai usar isso em um ataque terrorista? Aqui em Londres?"

"Exatamente. Esse é o futuro histórico, registrado no texto sagrado. É a salvação de Deus."

"Em que religião...?"

Rgh, os pseudohumanos não foram suficientes para eles? Agora eles tiveram que criar uma coisa dessas? Se soltassem esse monstro em uma área populosa... Na verdade, isso me lembra— onde estamos agora? Onde ela pretendia liberar esse monstro? Não parecia que havíamos saído de Londres, mas...

"Ah, lembrei, você perguntou onde estamos. Eu ainda não te disse."

Hel colocou a mão na gaiola de ferro, acariciando a cabeça da arma biológica com carinho.

"Estamos sob o edifício onde o Parlamento Britânico se reúne: o Palácio de Westminster."


⧫  Já é tarde demais para tentar agir de forma descolada

“…Se você tem uma instalação como essa diretamente sob o centro nervoso do país, parece seguro assumir que você tem um número significativo de colaboradores.”

Nos últimos três anos, Siesta e eu estivemos combatendo a SPES constantemente, e ainda assim não conseguimos impedir completamente a invasão deles. Ela já havia avançado muito além do que imaginávamos.

“É exatamente o que você disse. Temos camaradas em todo o mundo, na política, nas finanças, na polícia, no clero… É bem possível que alguém bem ao seu lado seja, na verdade, um membro da SPES.”

“Isso é uma piada e tanto,” eu retruquei.

Enquanto a atenção de Hel estava voltada para a arma biológica, eu usei os dentes para tirar o fio que sempre mantenho no bolso do meu peito. Coloquei-o na fechadura das algemas e torci-o de forma aleatória, confiando no instinto e em anos de experiência. Não é à toa que me envolvo em problemas constantemente. Já estou acostumado a ser sequestrado e trancado.

“Por que você me contaria sobre esse plano, então?” continuei na conversa, participando o suficiente para não levantar suspeitas. “Qual é o objetivo de me mostrar esse monstro? Você está planejando me fazer a primeira refeição dele?”

“A refeição dele, hm?” Hel disse.

De trás dela, eu a vi parar de se mover.

“…Bem, só uma figura de linguagem.”

Eu não deveria ter dito isso. Seja o que for que eles façam comigo, espero que não me deixem ser comido por aquela coisa nojenta…

“Você está no caminho certo, embora tenha adivinhado errado.”

…Foi por pouco. Eu realmente estive a um passo da morte ali.

Ainda assim, esse “caminho certo” que Hel mencionou era preocupante. Não poderia ser—

“Você está planejando soltar essa coisa na cidade e deixar ela comer as pessoas?”

“Ah, não, não. Já demos bastante comida para ela.”

“Vocês deram? …—!”

Isso era o que estava acontecendo…? A caçada aos corações que estava ocorrendo ultimamente, por conta do Cérbero, estava centrada em Londres. A verdadeira razão por trás desses incidentes era—

“Aquele monstro come corações humanos?”

Esse era o alimento dele, ou talvez a fonte de seu poder. A arma biológica funcionava com carne e sangue humanos.

“Impressionante. Você realmente tem bons instintos. Eu sabia que seria um parceiro adequado para mim.”

“—Eu te disse que não quero nada disso.”

Finalmente, as algemas saíram, e eu rapidamente liberei minhas pernas. Eu tinha ouvido algo; comecei a cortar caminho em direção à fonte do som—

“Onde você pensa que vai?”

Ela me pegou imediatamente. Bem, se eu corresse, ela acabaria me pegando de qualquer jeito.

“Você será meu parceiro algum dia, e quero que você veja o que está prestes a acontecer, não importa o que aconteça. Vamos, Betelgeuse.” Suponho que esse fosse o nome da arma.

Hel tirou algo da manga do seu uniforme militar.

“Aquela pedra preta…”

Eu tinha quase certeza de que era o objeto que Hel havia retirado da cavidade torácica do Cérbero. Se os corações humanos eram a fonte de energia dessa arma viva, provavelmente aquilo era a chave final para ativá-la.

“Betelgeuse, é hora de trabalhar.”

Com isso, Hel empurrou a pequena pedra para o lado esquerdo do peito da arma biológica. E então…

“—grr, —guh, —!, ______ghkgyaaaaaah!”

Um rugido reverberou pelo corredor subterrâneo. A arma biológica estava acordando.

Como se suas amarras tivessem se rompido de repente, o enorme monstro se sacudiu, batendo todo o seu corpo contra a gaiola de metal, liberando sua agitação. Então—

“Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah!”

Em um instante, com um estrondo feroz, ele explodiu para fora da gaiola. Impossível de controlar, o monstro se atirou em direção a Hel, como se fosse engolí-la inteira.

“Meu Deus, você está barulhento.” Os olhos vermelhos de Hel perfuraram o monstro. No instante seguinte…

“—! Gyaaaaaaaaaaaaaaaah!”

Em movimentos rápidos demais para meus olhos acompanharem, Hel sacou várias espadas e as cravou em Betelgeuse, por todo o seu corpo.

“Calma aí, tudo bem?”

Betelgeuse de repente ficou submisso, se agachando como um enorme animal de estimação.

“Você está planejando soltar um monstro como aquele? …Você é insana.”

“É o destino. É a minha missão.”

“Se for esse o caso, isso termina aqui e agora.”

“Oh, é? Vai me parar sozinho?”

O sorriso de Hel se curvou nos lábios pintados.

“Esse é um ótimo sorriso.”

“Hm? Você está tentando me paquerar?”

“Eu estou sendo diplomático. Desculpe, mas não há como eu ser seu parceiro.”

Depois dessa última troca casual, ambos sabíamos que logo seguiríamos caminhos diferentes.

“Entendo. Uma pena. Por agora, então, veja essa cidade ruir.”

Hel saltou sobre Betelgeuse, montando seu pescoço. Ela provavelmente estava planejando sair para a superfície e começar destruindo o centro nervoso do país.

No entanto, eu já tinha dito a ela. “Isso acaba agora.”

“Como, exatamente? Você nem tem uma arma, então como diabos…”

“Você está com a ideia errada. Quando eu disse que iria te parar?”

Vamos lá. Você sabe que não há como ela me deixar roubar a cena.

“—Assistente!”

Como um raio de luz na escuridão, uma voz quente se filtrou de algum lugar da instalação.

“Assistente… Onde você está?!”

Ela se aproximava cada vez mais, até que a ouvimos claramente na parede à esquerda.

“Assistente…! Onde está meu assistente?! Assistente!”

…Sim, não precisa gritar isso toda hora. Calma aí. Eu estou bem aqui.

“Olá?! Assistente… Ele não está aqui… Onde está ele?! Onde está meu assistente?! Assistente… Eu não consigo achar— Assistente…!”

Hum… Não. Isso é, uh… Ela está bem?

Encarar ela depois disso vai ser bem constrangedor, né?

“…! Argh, essa parede! Está no meu caminho! Não preciso disso agora! Ugh, já quebra logo! Sai da frente!”

No momento seguinte, houve um estrondo ensurdecedor, e—

“Assistente!”

Siesta, pilotando um robô gigante, quebrou pela parede. Parte da cabine era transparente, e sua expressão estava mais ansiosa e apavorada do que eu já tinha visto antes. O cabelo prateado pálido do qual ela tanto se orgulhava estava completamente bagunçado.

No entanto, embora Siesta estivesse ofegante, não demorou muito para ela perceber que eu estava bem e avaliar a situação. Ficamos nos encarando por dez segundos inteiros, e então—

“Ufa. Eu juro, Assistente, você dá um trabalho danado.”

“Você perdeu sua chance de tentar ser descolada há um bom tempo.”

⧫ Você é um anjo, eu sou um monstro.

Mais uma vez, virei minha atenção para a arma de combate humanoide que a Siesta havia chegado. Sua forma blindada era principalmente branca e tinha cerca de cinco metros de altura – um pouco maior que a arma biológica da Hel. Uma área perto da cabeça da unidade era de vidro, e eu podia ver a Siesta sentada dentro dela. Aquele provavelmente era o cockpit.

A máquina parecia ter saído diretamente de um anime de robôs. Seus braços e pernas grossos eram marcantes, mas eu avistei portas de disparo de mísseis e balas nas articulações. Era realmente uma arma de combate.

…O que me fez pensar em uma pergunta. “Siesta, de onde você tirou isso?”

Provavelmente não havia se passado mais do que algumas horas desde que eu fui sequestrado. Como ela conseguiu um robô de combate em tão pouco tempo?

Em resposta à minha pergunta perfeitamente natural, Siesta disse:

“…Bem, eu encontrei isso… jogado na estrada?”

Ela estava se recusando a me olhar.

“Você é uma mentirosa! Não poderia ter apenas encontrado isso na estrada!”

“…Não, sério. O que você acha que eu fiquei tão abalada com o seu sequestro que surtei, negociei com o governo britânico e peguei emprestada a arma experimental Sirius? Nem pensar.”

“Isso foi até mais elaborado do que eu esperava!”

Ela mesma contou tudo. Ela é péssima em mentir, é inacreditável.

“Siesta, olha, você estava muito desesperada para me salvar.”

“…! …Eu tô te falando, não foi isso!” Siesta murmurou. Ela havia virado o rosto, e eu não conseguia ver direito.

“Honestamente. Você vai me deixar com ciúmes, com uma troca tão apaixonada com meu futuro parceiro,” comentou a Hel, sem a menor pitada de ciúmes ou sequer interesse.

“Hel.”

Os olhos azuis de Siesta brilharam, mirando a Hel do cockpit.

Hel respondeu se preparando para o combate, montada sobre o pescoço de Betelgeuse, que se inclinava para frente.

“Não vou deixar você fazer o que quiser mais com essa cidade.”

“Você realmente acha que pode me parar? Acha que pode parar o destino?”

E com isso, a batalha começou.

“—Ghkgyaaaaaaaaaah!” O monstro rugiu e avançou em nossa direção, correndo sobre as quatro patas.

“Assistente!”

Abrindo a tampa e se inclinando meio para fora do assento do piloto, Siesta estendeu a mão para mim. Eu segurei sua mão, deixei ela me puxar para cima e me desloquei para dentro da unidade.

“…Isso aqui é apertado.”

“Bem, foi feito para uma pessoa só, sabe.”

Pressionados juntos no cockpit apertado, Siesta e eu fomos para a batalha contra o monstro.

“Eu controlo o lado direito, então você cuida do lado esquerdo, Kimi.”

“Não me faça pilotar isso do nada. Eu nem tenho carteira de motorista.”

“Bom, tempos desesperados exigem medidas desesperadas. Não consigo alcançar aí se você ficar no meio. Acelera, lá vem ele.”

Betelgeuse e Hel não perderam tempo, estavam pulando em nossa direção da esquerda.

“…—! Ok, tudo bem!”

Não era hora de hesitar. Eu agarrei uma alavanca por instinto, tentando guiar a unidade… mas—

“Whoaaaaa?!”

A Sirius, com a gente dentro, imediatamente perdeu o equilíbrio e caiu.

“Ai-ai-ai… O que é isso, a perna?”

Droga. Aquilo deveria ser um soco épico com o foguete.

No entanto, ainda estávamos bem. Quando seu alvo de repente desapareceu, Betelgeuse passou direto, caindo atrás de nós. Estávamos lutando contra um monstro que acabara de acordar. Ele tinha poder, mas não controle. Estávamos provavelmente bem equilibrados.

“Se você tem tempo para analisar a situação, poderia usar isso para não ficar em cima de mim?”

“Hmm? ……Oh.”

Eu tinha caído, e os olhos frios e irritados de Siesta estavam logo abaixo de mim. Aparentemente, minha mão tinha parado em algum lugar inconveniente, e eu me afastei rapidamente. Embora o cockpit fosse tão pequeno que não houvesse muita distância para me afastar.

“Certo, isso não vai funcionar. Acho que vou pilotar depois de tudo.”

“Mas você não consegue alcançar as alavancas se ficarmos lado a lado, certo?”

“Se ficarmos lado a lado, não.”

…Ah. Bem, acho que é a única opção.

“—Ghkgyaaaaaaaaaaaaaaaah!”

Atrás de nós, a arma viva estava rugindo. Apressadamente, nós nos ajeitamos, mexemos nas alavancas e colocamos a unidade caída de volta em pé.

“Se você aproveitar essa situação para me tocar onde não deveria, vou perder todo o respeito por você.”

“Zero de confiança no seu assistente, né?”

Suspirei, ajustando o cinto de segurança.

“Estou brincando. Certo, vamos lá de verdade agora— Sirius, mova-se.”

Com isso, Siesta apertou firme o controle de onde estava sentada em meu colo.

“Vamos lá.”

“Uau…!”

Com um rugido do motor, a unidade avançou rapidamente em direção ao grotesco monstro de quatro patas. Com tanta potência, fechamos a distância em pouco tempo.

“Vamos para a abordagem direta.”

Hel estava bem na nossa frente, montada no pescoço de Betelgeuse. Com um estrondo violento, a arma humanoide e a arma biológica se trancaram.

“Eu não posso acreditar que você tenha criado um monstro desses.”

Enquanto Siesta empurrava a alavanca de direção para frente, ela olhou fixamente para Hel através do vidro.

“Você está bem no meu caminho.” Hel virou seus olhos vermelhos e gelados para Siesta. A indiferença fácil que ela demonstrava na nossa conversa havia sido substituída por uma hostilidade aberta.

“Esse é o meu trabalho,” disse Siesta e tocou com a ponta do dedo em um botão. Um ponto perto do pulso da Sirius disparou uma rajada de balas.

“______!”

Quando Hel viu, ela deu uma leve espetada nas costas de Betelgeuse com uma das espadas, usando a dor para controlar os movimentos da criatura, e esquivou-se de nosso ataque. Ela me lembrou uma jóquei controlando seu cavalo habilidosamente com um chicote.

Mas Hel não parecia gostar das suas chances de lutar contra nós em um confronto direto, então ignorou a gente e fez Betelgeuse subir pela estrada subterrânea.

“Siesta, não deixe ela escapar! O único objetivo dela é liberar aquele monstro nessa cidade!”

Para Hel, não era necessariamente necessário lutar contra nós. As casas do Parlamento Britânico ficavam logo acima dessa estrada subterrânea. Tudo o que ela tinha que fazer era atingi-las, e o dano seria imensurável.

“Eu sei. Não começa com esse discurso só porque não tem o que fazer.”

“Poxa, você é tão injusta…”

Empurrando a alavanca de direção para frente, Siesta foi atrás de Hel e Betelgeuse. “Nossa, você é teimosa.”

Quando nos aproximamos novamente, Hel tirou uma das muitas espadas da cintura e a arremessou em nossa direção.

“……!”

Sem se intimidar, Siesta tentou interceptar com a metralhadora da unidade— mas mesmo que nossa força fosse inegavelmente maior, o monstro tinha a vantagem em termos de mobilidade. Ele evitava todas as nossas balas; só atingíamos o espaço vazio.

“Hel… Por que você está fazendo um ataque terrorista como esse?”

Enquanto Siesta procurava uma oportunidade para vencer, ela continuava acelerando pelo túnel subterrâneo ao lado do inimigo.

“Por quê? Porque é destino.” Da posição onde estava, montada em Betelgeuse, Hel olhou para nós de canto de olho. “Minha vontade não tem nada a ver com isso. Eu só estou seguindo o texto sagrado.”

“—Sim, e você não fala de outra coisa o tempo todo.”

Era tão impossível se comunicar com ela que eu já estava ficando irritado.

Pelo menos, Siesta parecia sentir a mesma coisa.

“Não, eu estou falando de você. O que exatamente você pensa sobre tudo isso?”

O braço direito da Sirius fez um golpe contra Betelgeuse… mas, como antes, o monstro desviou rapidamente.

“Eu? Como disse, minha intenção é fazer acontecer o futuro que está escrito nesse texto sagrado. Essa é a única razão de eu existir. A única razão pela qual eu nasci.”

Hel cravou uma espada nas costas de Betelgeuse. Com um pequeno gemido, o monstro acelerou, fugindo pela parede.

“Siesta!”

“Motor à velocidade maxima!”

Eu alcancei a Siesta de trás, coloquei minhas mãos sobre as dela, e empurramos a alavanca para frente. Grandes asas mecânicas brotaram da parte de trás da Sirius, o motor rugiu, e subimos no ar.

No tempo que levamos para sair do subsolo, o teto da instalação subterrânea se abriu, revelando o espaço negro acima de nós.

“Você é boa, eu sou um monstro. Tudo bem.”

Hel e Betelgeuse estavam subindo no Big Ben, a enorme torre do relógio ligada ao Palácio de Westminster.

“Você é um anjo, eu sou um monstro. Isso está certo. É o que eu sempre quis.”

Logo, Hel e Betelgeuse pousaram no topo da torre. A boca da arma biológica se abriu; aquele hálito venenoso traria morte a qualquer ser vivo e causaria uma tragédia imensa. O ataque terrorista da SPES seria completo.

Mas nós ainda podíamos alcançar.

Só mais um pouco; um passo a mais.

Se nós conseguíssemos…

“Assistente,” Siesta me chamou, sem virar para trás. “Você precisa se afastar daqui rapidamente. Não importa o que aconteça.”

…O que ela estava dizendo?

Mas antes que eu pudesse perguntar, já fui arremessado para fora da tampa, indo em direção ao espaço vazio.

O mundo virou e se revirou. Eu estava girando ou era tudo o resto? Meu senso de direção estava completamente bagunçado— mas logo, algo puxou minhas costas, e no instante seguinte, eu estava flutuando no céu noturno com a ajuda de um paraquedas.

“Siesta, por que…?”

No próximo instante—

No topo da torre, contra a escuridão, eu vi o monstro e o robô se chocando— e então ambos despencaram em direção ao chão.


⧫  Obrigado por ficar brava.

“Siesta!”

Uma grande coluna de chamas se ergueu nas ruas escuras.

Foi ali que a Sirius e o Betelgeuse aterrissaram, o que significava que seus pilotos também deveriam estar ali. Enquanto as sirenes soavam à distância, eu cheguei à zona de impacto, um pouco afastado.

“Siesta… Ei, Siesta! Onde você está, onde você foi? …Siesta!”

Entre a fumaça e o vento quente, não consegui manter os olhos abertos. Um cheiro forte de queimado estava fazendo minha cabeça girar; meu corpo estava todo quente, e meus joelhos estavam prestes a ceder a qualquer momento. Eu tropecei para frente, protegendo meu rosto com os braços, e então—

“…Você é estúpido, Kimi?”

Meus ouvidos captaram uma voz suave que eu nunca confundiria com de mais ninguém, mesmo no meio dos destroços em chamas.

“Você mal tem qualificação para falar dos outros. Não precisava ficar me chamando várias vezes assim; eu consigo ouvir você.”

O vento soprou e a fumaça se dissipou um pouco, revelando Siesta. Sua pele clara estava manchada de fuligem, e ela estava sangrando tanto que só de vê-la eu sentia dor.

“Você é quem está sendo estúpida.” Eu corri até ela e puxei seu corpo pequeno para um abraço antes mesmo de perceber o que estava fazendo. “Por que você fez algo tão imprudente? Por que me mandou embora sozinho?”

Siesta provavelmente estava planejando me evacuar sozinho o tempo todo. Aquela unidade foi feita para uma pessoa, e tinha apenas um dispositivo de ejeção. Quando ela me colocou naquela cadeira, esse era o plano.

“…Só como último recurso. Eu não tinha intenção de morrer aqui, pessoalmente. No entanto, se apenas um de nós pudesse sobreviver, eu—”

“Que nada!”

O grito zangado saiu de bem no fundo do meu estômago, e os olhos azuis de Siesta se arregalaram.

Bom. Abra bem os seus ouvidos e ouça bem direitinho.

“Não venha falar como um filósofo, tá? Olha. Há três anos, naquele avião, a dez mil metros de altura, você me recrutou. Você fez essa escolha, e você tem que cuidar de mim até o… até o final, até o fim de tudo. Olha, me desculpe, mas eu sei que não posso sair daqui sem você! Eu morreria sem você, entendeu?! Se você entende isso, então faça o seu trabalho e me mantenha seguro, porra!”

Meu corpo estava quente.

Era por causa da coluna de fogo ao meu lado?

Ou era porque eu tinha gritado com tudo o que tinha?

Não, era porque eu estava gritando com ela pela razão mais patética: Você tem que ficar viva para me proteger. Minha respiração estava descompassada enquanto eu exalava, e eu estava suando como se estivesse morrendo.

“Ninguém nunca me repreendeu tanto na minha vida.” Siesta me olhou, um pouco atordoada. “Não sabia que você podia ficar tão bravo. Como é que eu vou dizer isso—”

“Surpresa?”

“Divertida.”

“Ah, pelo amor de Deus.”

“Olha, eu te falei, não ria de mim.”

“Heh-heh.” Fiel às palavras dela, Siesta soltou uma risadinha. “Você morreria sem mim, né?”

“Ei, não tira isso do contexto.”

“Essa foi uma proposta bem apaixonada.”

“Eu não estou propondo nada!”

“Bom, tenta de novo quando fizer dezoito anos.”

“Eu te falei—! Haaah, deixa pra lá…”

“Heh-heh!” De vez em quando, aquela máscara fria dela se quebrava, e ela ria sem se importar com o mundo.

Nossa, essa detetive fera...

“Eu prometo isso.”

Siesta olhou para cima, suavemente.

“Eu não vou morrer sem te avisar. —Eu juro que não vou. Obrigada por ter gritado comigo.”

Com um leve toque, Siesta deixou sua testa descansar contra o meu peito.

Foi quando aconteceu.

“______! Ai—!”

Algo rasgou meu olho esquerdo. Minha visão ficou vermelha… Será que o sangue entrou no meu olho? O que foi isso? O que havia me atingido?!

“Assistente!” Os olhos de Siesta estavam arregalados e preocupados. Que expressão mais estranha para você.

“Eu estou bem. Mais importante…”

Eu direcionei a atenção de Siesta para a frente, para…

“Hff… Hff, ainda não. Não posso… morrer ainda… Não aqui…”

Além das chamas ardentes, o próprio inferno estava se aproximando de nós, envolto em fumaça negra.

“Hel…”

Ela havia voltado. E estava ainda mais machucada que a Siesta, segurando apenas uma espada vermelha.

“Você está viva.” Siesta deu um passo à frente, me protegendo.

“Claro… Eu não… estou destinada… a morrer… aqui.”

Ela não estava mais segurando o texto sagrado, provavelmente ele se queimou na explosão. Mesmo assim, como se ainda estivesse tentando manter a promessa, Hel fez um movimento como se estivesse abrindo o livro.

“Eu sou a que vai ganhar no final. Se não, entregar isso ao pai teria sido inútil...!”

Pela primeira vez, Hel mostrou algo que se parecia com uma verdadeira emoção.

“Entendi. Você é…”

Os olhos azuis de Siesta se arregalaram de surpresa.

“Siesta?”

Ei. O que você acabou de perceber?

“Agora… eu posso… acabar com isso.”

Mas antes que eu realmente pudesse fazer a pergunta, Hel levantou sua espada militar.

“Você não conseguirá dar um passo sequer desse lugar, e minha espada vai te atravessar!”

Seus olhos vermelhos brilharam da cor do sangue, e ela avançou contra Siesta, que ficou paralisada.

“Siesta, corra!” Gritei sem pensar… mas Siesta não se mexeu.

Era como se seus pés estivessem colados ao asfalto. “A habilidade da Hel…!”

Era controle mental, ou algo do tipo. Quando aqueles olhos vermelhos te olhavam, você ficava possuído pela compulsão de fazer o que Hel mandava. Siesta já havia caído sob o feitiço dela, e agora ela não conseguia se mover…!

“Siesta!”

A ponta da espada de Hel se aproximava implacavelmente de Siesta, e então—

“…………Huh?”

Hel ofegou.

Seus olhos vermelhos vagaram, vacilando. Então ela olhou para baixo, para si mesma.

Hel havia atravessado a lâmina carmesim no próprio peito.

“Qu… Por que…?”

A próxima coisa que seus olhos surpresos viram foi o espelho de mão que Siesta usava na cintura, preso a uma corrente.

Hel estava olhando para seus próprios olhos vermelhos enquanto dizia as palavras “Minha espada vai te atravessar.”

“Xeque-mate,” disse Siesta.

Hel desabou no chão aos pés dela. “______!”

Sangue escorria lentamente de algum lugar perto de seu coração. Seus olhos estavam cheios de confusão.

“Como eu perdi…? Isso… não deveria… Eu tenho… uma missão… Eu tenho uma missão, e eu luto… …Missão? Por que… Por que eu… nasci? Por que eu…”

“A resposta…”

Siesta puxou a espada do peito de Hel, fazendo a garota gritar e um jato de sangue sair dela.

“A resposta vai te esperar no inferno.”

Então Siesta balançou a lâmina para baixo, na direção da cabeça caída de seu inimigo.

Mas não havia terminado.

“—Camaleão…!”

Hel gritou para o céu.

“! Ela está sinalizando algum tipo de ataque?!”

Rapidamente, eu escaneei a área… mas, um momento depois, eu sabia que havia adivinhado errado.

“…! O corpo dela está… desaparecendo…”

Não o da Siesta — o corpo de Hel começava a desaparecer, derretendo pouco a pouco na escuridão, como se ela estivesse sendo escondida por uma capa transparente.

“Eu não vou deixar você fugir!”

Apontando sua mosquete, Siesta disparou no local onde Hel estava… mas, até então, não havia mais vestígios do inimigo.

“Siesta, isso também é a habilidade da Hel?”

“Não, provavelmente não. Foi um dos camaradas dela,” Siesta explicou friamente, baixando a arma.

“Camaleão… Esse é o nome de código da SPES, né?”

Com essa habilidade, eles provavelmente podiam fazer a si mesmos e o que tocassem desaparecer. Se for isso, não podíamos ir atrás da Hel.

Quando quase ganhamos, nosso pior inimigo escorregou de volta para a escuridão.

“Então isso foi um empate, e todos se deram mal?”

“Sim. Quando voltarmos para casa, teremos que discutir nossos próximos passos.”

Certo. A Hel ainda estava viva em algum lugar. Mas ela também estava machucada, o que significava que essa poderia ser nossa melhor chance. Precisávamos nos reorganizar e depois ir atrás dela assim que possível. Já que estávamos de acordo com isso, estávamos prestes a retornar ao hotel onde estávamos mais cedo, quando—

“______!”

Siesta deu um passo, e seu rosto se contorceu.

“Siesta?”

“…Desculpe.”

Quando essas palavras saíram de sua boca, seus joelhos cederam, e ela desabou.

 


⧫  Eu vou perdoar tudo, menos esse mal-entendido

“Ahhh.”  

A boca aberta parecia a de um passarinho esperando comida, e eu estendi uma fatia da maçã que eu havia descascado.  

“…Nom… Hmm… gulp… Hmm. Essa maçã não está muito suculenta.”  

“Não reclama quando alguém está te alimentando.”  

“Bem, isso não é culpa minha. Eu estou machucada.”  

“É, nas suas pernas! Suas mãos estão boas!”  

Em um quarto do nosso escritório/área de convivência…  
Siesta, que estava deitada na cama, não se mexeu diante da minha resposta. Em vez disso, ela se esticou de forma exagerada. Raramente para ela, estava vestindo um moletom junto com outras roupas extremamente casuais. Porém, havia uma razão para suas escolhas de roupas não-combatentes.  

“Já esqueceu como você ficou me dando sermão por tanto tempo, mesmo estando ferida?”  

“…Você se comportou como se estivesse bem, então achei que não fosse sério. Desculpa.” 
 
“Bem, eu também estava agindo por adrenalina e tinha me esquecido do machucado.”  

“Então por que só eu estou levando a culpa?”  

Durante aquela luta quase fatal no Big Ben, há alguns dias, as pernas de Siesta haviam se ferido de maneira que levaria duas semanas para se curar completamente. Hel havia escapado e, em teoria, deveríamos tê-la perseguido o mais rápido possível. Mas com a Siesta em coma, isso não seria possível. Decidimos então nos estabelecer em Londres novamente e esperar que ela se recuperasse.  

“Você está bem, Kimi?”  

“O suficiente para me matar de tanto cuidar da minha parceira egoísta e exigente.” 
 
“Entendi. Que bom.”  

“Isso foi sarcasmo, sabia? Extremamente sarcástico. Não ignore isso.”  

“Porque, se algo acontecesse com você, eu não conseguiria continuar.” 
 
“…De onde veio esse papo meloso? Agora está ficando estranho.”  

Além disso, eu realmente duvido que ela esteja pensando em algo tão nobre.  

“Deixa pra lá, só se apressa e se cura. Eu sou péssimo em tarefas domésticas.”  

Eu estava viajando com a Siesta há quase três anos, e houve várias vezes em que passamos longos períodos juntos sob o mesmo teto, mas eu deixava todas as tarefas para ela. Eu me sinto culpado por isso, mas é uma questão de divisão de trabalho apropriada. Como ela me coloca para trabalhar como um cão na maioria das vezes, eu gostaria de pedir um descanso de alguma forma, pelo menos.  

“É coabitação, o estilo de vida com o qual você sempre sonhou. Você poderia aproveitar um pouquinho, não poderia?”  

“Não chame isso de coabitação. Somos colegas de quarto estratégicos.”  

“Além disso, você deveria melhorar sua capacidade de viver sozinho. O que você vai fazer se eu não estiver mais por aqui?”  

“…Ei. Não estamos falando sobre isso.”  

“Oh, é verdade.” 
 
“Não quero me meter em problemas de novo,” Siesta disse com um pequeno sorriso. 

“Eu pelo menos gostaria que você aprendesse a lavar roupas. Ninguém gosta de caras sujos.”  

“Eu adoraria te atender aí, mas… Bem, você sabe. Tem algumas, hum…”  

“Hmm? Ah, minhas roupas íntimas?”  

“Ei, eu estava tentando ser sutil. Não diga isso.”
 
“Se você for usá-las na cabeça, faça onde eu não possa ver,” ela disse.  

“Esse pensamento nunca passou pela minha cabeça.”  

“Ah—bem, se você for um cheirador, eu realmente preferiria que não—”  

“Como eu disse, você não tem fé no seu assistente?”  

Sério, o que foi esses três anos, hein?  

“…Haah.”  

Eu juro, essa minha parceira. Eu não conseguia nem sorrir ironicamente quando estou tonto, e então eu me levantei.  

“Hmm? Vai sair?”  

“Huh? Sim, vou ao supermercado.”  

“Não disse que havia comprado tudo o que precisávamos hoje de manhã?”  

“Ei, Siesta, vamos lá. Se liga.”  

“Você queria umas mais doces, mais suculentas, não é?”
  
“Caramba. Você literalmente acabou de dizer isso, não acredito que você esqueceu.” 

Nesse momento, Siesta ficou me olhando sem entender por alguns segundos— e então desabou em risos.  

“Q-que? O que tem de engraçado?”  

Quando Siesta ri assim, é sempre para me provocar. Mas eu não consegui pensar em razão alguma… O que diabos fez Siesta rir tanto dessa vez?  

“…—, Kimi.”  

Contendo a risada, Siesta finalmente conseguiu falar. 
 
“Eu suspeito que você gosta de mim muito mais do que deveria.”  

……?! ……??!?!?!?!?!!  

“Huh? Você não faz sentido. Huh? Não, huh? Que diabos??????”  

Do que ela está falando? As lesões dela estão afetando ela? É isso? Será que ela bateu a cabeça também? Ela nunca diria algo tão absurdo de outra forma. Quero dizer, vai lá. Eu estava só cuidando de uma pessoa doente. Ela disse que queria maçãs doces, então eu ia comprar umas, só isso… Ou, bem, ok, talvez pareça um pouco que estou mimando ela demais, ou dando mais atenção do que deveria, mas isso não significa que eu veja Siesta de forma especial, e esse mal-entendido é extremamente irritante, então sim, basicamente—

 

 

"Cale a boca, idiota!"

 Tive a sensação de que estava agindo como uma criança da escola primária, mas tudo bem. Eu precisava sair e esfriar a cabeça.

 Hmm? Estranho. Por algum motivo, a maçaneta escorregou e eu não consegui girá-la.

 Estava quebrada? Sim. Provavelmente. Com certeza. Dei um chute na porta e saí do quarto.

 "Droga, nunca mais vou mimá-la."

 …Bem, depois dessa vez. Afinal, ela está machucada. Sim, só dessa vez. É uma situação única. Dizendo isso para mim mesmo, eu fui em direção ao supermercado.

 E, nessa ida ao mercado, em um beco perto da grande avenida conhecida como Baker Street—eu encontrei uma garota perdida.



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