Volume 1 – Arco 7
Capítulo 53: Missão Impossível
Não tinha mais o que fazer. O plano foi por água abaixo, já que o Prof. Nemo notou a presença dos dois alunos do lado de fora da sala.
Mas o que Margô estava fazendo ali? Havia passado todas aquelas semanas sem falar com os dois depois da briga que tiveram. E agora, em um momento tão importante, ela resolveu aparecer.
— Senhor Murdock, senhorita Rosa. O que fazem aqui? — perguntou o professor se virando na direção dos dois.
Diego precisaria de uma boa desculpa agora. Olhou para Margô irritado e depois voltou sua atenção para o professor.
— Ahm… Eu só queria saber o que o Tiago queria… Professor.
De todas as coisas que podia dizer aquela não foi uma das melhores.
— O Senhor Nebeque precisava conversar comigo em particular. — Ele começou a pegar suas coisas de cima da mesa, incluindo a bolsa com a chave dentro. — É muito bom saber que você está preocupado com seu amigo, mas terei de conversar com ele a sós. É um assunto bem particular.
Com um aceno de cabeça, o professor chamou o loiro para irem andando em direção aos elevadores. Tiago apenas concordou e foi atrás, passando perto de Diego com os olhos arregalados. O rapaz só não saberia dizer se era surpresa pelo plano ter falhado ou raiva.
Ao menos Diego sabia estar frustrado, e de certa forma isso era culpa de Margô, porém ele não podia brigar com ela.
— E então, podemos conversar? — perguntou ela, sem ligar muito para outros detalhes. Isso não era comum. Geralmente ela perguntaria o que ele estava aprontando, já que tinha uma excelente intuição, porém hoje a moça estava desconcentrada, ou simplesmente ansiosa para falar alguma coisa.
Diego não notou isso de imediato, só foi perceber a urgência que sua amiga possivelmente tinha quando os dois já haviam chegado no refeitório. Isso porque a cabeça do rapaz estava ocupada demais pensando o quão estupido ele podia ser. Ora, roubar uma chave não seria tão fácil assim. Faltou mais planejamento, mais passos.
— Daí eles falaram que iam fazer tipo uma explosão, mas eu acho que é uma má ideia porque... Ei! Di! Tô falando contigo! — Margô estalou os dedos na frente do rosto dele, e ele finalmente acordou de seus devaneios. Mal tinha notado que já estava sentado e com uma bandeja cheia de torta na sua frente. — Você tá bem?
Ele comeu um pedaço da torta, mas não conseguiu sentir o gosto. Estava sem fome.
— Tô — disse com a boca cheia. Depois que engoliu, voltou sua atenção à menina à sua frente, tentando se focar nela e parecer o menos aborrecida possível. Era difícil, não era do tipo que mascarava suas emoções; principalmente as de raiva. — E então, o que você quer conversar depois de tanto tempo sem falar comigo?
— Eu não falei com você porque estava com raiva, e você sabe muito bem o motivo! — Suas mechas louras ficaram levemente avermelhadas. Diego não se importou, estava muito chateado para levar os sentimentos da menina em consideração. — E eu só vim falar com você para resolver isso. Não quero ficar mal com você… Eu sei que você só tentou ajudar. Mas eu te pedi várias vezes para você não falar nada para o meu pai. Será que ao menos esse pedido você poderia fazer?
Diego se contorceu na cadeira. Acabou de perceber que, talvez, se falasse para a menina à sua frente o plano que estava prestes a fazer só para falar com o pai dela, ela não ficaria nem um pouco feliz.
— Eu tinha que tentar alguma coisa! Não podia deixar você desse jeito… Você até começou a faltar aulas e levar advertências por conta daquela bruxa velha.
Ela suspirou.
— É, mas meu pai não precisava saber disso.
E então uma pausa muito incômoda preencheu o ambiente, por mais que as pessoas ao redor fizessem muito barulho. Ele ficou muito tempo observando a sua amiga, quieta. E foi aí que percebeu uma coisa nova nela.
Ele nunca se atentou a perguntar a cor dela, nunca tinha lhe passado essa ideia em sua cabeça. Isso porque as cores já não representavam nada para ele, pois não tinha uma. E como não tinha uma, então passou a desprezar as pessoas que tinham, de tão aborrecido que ficou.
Mas no seu ouvido, em forma de brinco, havia uma diminuta pedra de cor alaranjada. Era muito próximo ao amarelo, poderia até ser e o rapaz na verdade estava vendo de um ângulo incorreto.
Foi aí que veio uma súbita realização: Margô era filha única, e uma menina que tinha a cor mais próxima do amarelo que ele conhecia no Craveiro. Isso explicava sua fama, embora sua personalidade já chamasse a atenção por si só. Ela era um prodígio, e isso era um peso, pois tinha de agradar o pai, de certa forma.
O pai dela, que pelo visto gostaria de ter uma menina que não comete erros e que é capaz de lidar com problemas gigantescos sozinha.
Havia muito poder dentro de Margô, muito potencial. E era por isso que o pai dela era tão rigoroso. Não que isso fosse motivo para ser um…
— Idiota — murmurou baixinho, sem perceber, pois estava pensando alto.
Antes que Margô pudesse questionar, Tiago chegou parecendo mais feliz do que geralmente estaria.
— Murdock! — Ele pôs as duas mãos com tudo em cima da mesa, os olhos arregalados de animação. — Consegui a chave.
Diego quase saltou da cadeira de espanto, porém ficou em dúvida por um segundo.
— Mesmo?
Tiago puxou do bolso uma chave. Não era grande coisa. Na verdade, não havia nada de grande naquilo. Mas a felicidade de ver que seu plano não foi por água abaixo lhe fez, literalmente, dar um salto.
Enquanto dava leve pulinhos com seu amigo como uma espécie de dança comemorativa, Margô pigarreou e chamou a atenção dos dois:
— Ei! Que chave é essa que vocês conseguiram? — Ela os encarou com desconfiança.
Diego gelou. Sabia que estaria com sérios problemas se contasse para ela a verdade, e com mais problemas ainda se não contasse. Ora, a menina tinha uma boa intuição e estava perfurando os pensamentos dos dois garotos com o olhar.
— Não vão me dizer que…
— A gente tem que ir, já se passou muito tempo — disse Tiago, arrastando Diego até o elevador. Os dois já estavam com suas mochilas, cheias de apetrechos separados a dedo pelo loiro.
E assim eles saíram correndo da menina em direção ao elevador. Enquanto subiam, Diego soltou diversos questionamentos para o seu amigo, ao qual ele respondeu com um simples:
— Usei meus poderes de levitação, lóóóógico. — Imitando jocosamente as ênfases estranhas que as gemas Siena costumavam dar; em especial a Selena.
Quando chegassem no andar dos professores, teriam uma nova surpresa.
Assim que viraram o primeiro corredor afim de ir em direção a sala do professor, se depararam com Nemo, andando de um lado para o outro, carrancudo. Imediatamente Diego puxou Tiago para um canto e os dois ficaram escondidos.
— O que ele tá fazendo aqui? — murmurou.
— Pera, deixa eu ouvir…
Porém, por melhores que fossem os ouvidos do loiro, não se comparavam com a audição do rapaz da cicatriz. Ele conseguia ouvir através de portas enfeitiçadas com poderes anti-ruído, como ele não poderia escutar o professor?
— Droga, onde foi que eu deixei essa chave…? Será se eu deixei na sala…? Mas eu trouxe o Nebeque para cá…
— Ele tá procurando as chaves — disse Diego.
Tiago soltou um palavrão baixinho. Sempre ficava nervoso quando algo ia contra seus planos. Ele parou um tempo para pensar seu próximo passo, com aquele velho hábito de murmurar igual um maníaco enquanto pensava.
Após alguns minutos deles, evitando o professor, o loiro finalmente teve uma ideia. O plano era simples, teriam de ir por um caminho mais complicado para poder chegar na sala do professor e talvez proporcionar alguma distração.
Então o plano foi colocado em prática. Os dois foram, agachados, em direção a corredores de outros professores e outras salas. Isso demorou mais alguns minutos, até que finalmente conseguiram chegar perto da porta que queriam. Porém, Nemo continuava lá.
— Que cara insistente — murmurou Diego.
— Boa ideia — disse Tiago de um jeito estranho, como se o amigo tivesse acabado de dizer uma coisa realmente muito relevante.
O loiro tirou de sua bolsa alguma coisa parecida com uma bolinha de gude. Ele foi até um outro corredor e jogou com toda sua força o objeto naquela direção, voltando com cautela para seu local de origem. E o plano deu resultados. Nemo foi em direção ao barulho, perguntando quem estava ali.
Os dois se lançaram para dentro da sala do professor. Abriram a porta com rapidez e a fecharam com mais gentileza a fim de não fazer ruídos desnecessários. Depois trancaram pelo lado de dentro, e quase soltaram mais um viva pela conquista, conseguiram chegar na sala.
Logo eles começaram a vasculhar-lá e não demorou muito para acharem o que queriam: O duto que daria acesso a sala cheia de arquivos.
Para entrar por ali era um pouco complicado, pois tinham de subir uma estante para isso; o duto ficava exatamente em cima da estante. Ao menos ela servia como uma escada para chegar até lá.
Tiago foi esperto, amarrou a corda na estante, que era bastante pesada, e com isso fez um caminho conforme iam em direção a sala, pelos dutos.
E mais alguns bons minutos se passaram enquanto iam de um lado para o outro, se perdendo aqui e ali, apenas para voltarem para a sala e refazerem o trajeto.
Na quarta vez em que adotaram um caminho diferente, Diego achou uma comporta no chão muito familiar, e tudo isso graças aos capacetes com lanternas do amigo. Olhando pelos vãos da grade, pôde ver, estava no lugar certo.
— Chegamos! — sussurrou para o amigo, que soltou um suspiro de alívio.
E então seu coração começou a bater mais forte, pois finalmente saberia a verdade sobre o que havia acontecido na noite em que seus pais morreram.