Volume 1 – Arco 6

Capítulo 46: Xeque

Diego foi arrastado até a sala de Rúnica, no andar onde ficavam os diretores e os professores. Ao lado da entrada havia uma mesinha com um jarro de plantas roxas. Na porta havia uma plaquinha escrita: Prof. Rúnica Ramírez Kim.

Kim. Aquele nome era familiar para o rapaz. Enquanto era empurrado para dentro da sala, ele finalmente se lembrou do diretor Kim. Ora, Rúnica era parente de um diretor assim como Tiago?

— Espere aí até eu voltar, Murdock! — exclamou a professora, irritada. Ela saiu batendo os pés com força no chão, deixando o rapaz trancado. 

Meio nervoso com o que aconteceria com ele, mas satisfeito consigo mesmo por salvar Margô mais uma vez, o rapaz andou de um lado para o outro observando como aquela sala diferia de todas as outras que vira até ali. 

Era do mesmo tamanho da do Prof. Riddley, porém, no lugar dos apetrechos militares pendurados e quadros de guerra, a sala era tomada por vasos de plantas que ficavam em cima dos nichos pendurados nas paredes. Algumas dessas plantas brilhavam em diferentes cores. 

A única lampada da sala era amarelada, trazendo um calor a mais para o ambiente e possivelmente substituindo um pouco do calor do sol, já que ali não havia nenhuma entrada para os raios de sol.

Andando de um lado ao outro, começou a pensar sobre o que iria acontecer com ele naquele momento. Contar o segredo da professora foi uma manobra arriscada. 

Ansioso, tentou forçar inutilmente a porta para sair. Depois tentou achar um duto de ventilação, porém a sala era tão fechada que suspeitava que seria deixado para morrer asfixiado ali dentro. 

Bisbilhotando e observando cada centímetro da sala em busca de uma oportunidade para sair dali, tomou um susto quando foi para perto de uma das paredes e reparou na lixeira. Seria quase impossível não reparar, já que estava com a tampa aberta e com panos brancos infestados de sangue. E também uma foto.

Era a mesma foto que a professora estava amaldiçoando no banheiro, na noite do baile, a algumas semanas atrás. Ele a pegou.

A foto estava rasgada no meio, cortando um homem com terno amarelo. O braço dele passava por cima dos ombros de uma mulher centralizada na foto. Ela vestia um vestido branco e tinha um véu no rosto, impossibilitando de se analisar com melhor exatidão as suas feições, embora pudesse ver as coisas mais óbvias.

A mulher era branca e tinha um cabelo preto amarrado em um coque. Bom, a mulher parecia bonita, mesmo sem poder ver muito bem seu rosto. O único mistério ainda era o homem cortado.

Sem ver o tempo passar, tomou um susto assim que ouviu a professora abrindo a porta. Imediatamente o rapaz deu um salto em direção a cadeira na frente da mesa da professora, onde deveria estar sentado, e escondeu a foto porcamente no bolso de trás.

— O que estava fazendo? — perguntou, desconfiada. Ela se aproximou dele, o encarando com altivez por cima dos óculos de gatinho.

— Nada… Eu só… — E tentou mudar de assunto o mais rápido que pôde. — Só queria saber como as plantas crescem se aqui não tem janela.

Uma expressão de desconfiança brotou no rosto da professora. Ela caminhou até a própria mesa, se sentou e então respondeu à pergunta. E respondeu muito bem, já que uma das poucas coisas que realmente interessava a professora eram plantas e as substâncias que podiam ser extraídas delas.

— Pelo visto você não presta atenção em nenhuma das minhas aulas. Essas plantas são para misturas mais específicas e perigosas, por isso ficam comigo. Como por exemplo aquela ali. — Ela apontou para uma planta vermelha e adotou um tom de ameaça. — Aquela ali é Bafo de Dragão. É venenosa e pode matar um humano com a menor dosagem. — O rapaz engoliu em seco. Sabia que ela estava cogitando usar aquilo nele. —  E aquela ali, do lado dela. — Tinha uma planta de cor azulada, que parecia cintilar. — Aquela é um Fôlego, bom para você se recuperar de qualquer cansaço, físico ou mental.

O rapaz tentou se manter o mais atento possível, mostrando interesse. Porém assim que se lembrou de Margô, não conseguiu aguentar. Cruzou os braços e fez uma cara séria, pronto para la enfrenta.

— Legal… Mas já deixou a Margô em paz? — Era uma clara tentativa de intimidação. A professora deixou de observar as plantas com ar de interesse para prestar atenção no rapaz.

— Quando estiver se dirigindo a mim, use o tom certo. Entendido? — Ela o encarou com raiva e depois continuou: — Vamos falar sobre aquela besteira que você disse…

— Besteira nada, era a mais pura verdade…

— Não me interrompa! — sibilou a professora. — Tive uma conversinha com a sua classe hoje e eles concordaram que era pior para todos se espalhassem aquilo.

Então ela não se daria bem caso aquilo se espalhasse. Bem que ele podia ter espalhado o boato por aí aos poucos.

— E desde quando a senhora controla o que os outros falam?

A mulher soltou uma risada que vinha do fundo da garganta.

— Senhor Murdock, acho que você não sabe a extensão dos meus segredos — disse sombriamente. — Se você espalhar isso para alguém, ninguém vai acreditar em você, e eu vou descobrir. Pode apostar que vou. 

Rúnica era uma professora com parentesco direto com um dos diretores, enquanto Diego era apenas um aluno com as piores notas do Craveiro. Era conhecido por causar confusão e de levar tantas advertências que logo mais quebraria algum recorde. Em quem iriam acreditar? Aquele pesamento lhe irritou.

Diego tencionou as sobrancelhas, seus lábios franziram e apertou sua mandíbula. Se pulasse em cima da professora agora sairia com sério problemas, possivelmente acabaria perdendo uma luta com ela. Mas ele não se importaria com isso, estava possesso de raiva.

Assim que ele se levantou, a professora estalou os dedos e imediatamente o rapaz foi parar na sala, junto com os outros alunos quentes do primeiro ano. A diferença era que todos estava parados, como estátuas, olhando para o vazio. No chão, mais a frente, estava Margô. Ela gemia e se contorcia no chão. 

— Margô! — O rapaz correu em direção a ela, porém assim que chegou perto não conseguiu tocá-la. Suas mãos atravessaram a imagem da garota, como se ela fosse feita de puro ar. Era a mesma sensação de quando lutava contra Leo. Ele ficou confuso por um segundo. — O quê?

Imediatamente o rapaz voltou ao local onde estava, a sala da professora. Ela lhe encarava com os olhos saltados, completamente irritada.

— Como você… — murmurou ela. Então ela foi em direção a ele o mais rápido possível, estendeu a mão e puxou de seu bolso a foto que o rapaz resgatara do lixo. — Saia agora mesmo da minha sala! 

O rapaz demorou para processar. A professora tinha a cara de uma pessoa que teve os planos frustrados. O que era exatamente para ter acontecido?

— Não! — gritou o rapaz. — Até a senhora parar de mexer com a Margô! Eu não vou parar de…

— Se você falar alguma coisa para alguém, qualquer coisa, moleque, eu vou destruir a vida de todo mundo da sua sala, entendeu?! 

A voz que saiu dela deixou o rapaz abalado por um momento. A professora estava desesperada e com raiva. Estava usando o máximo que podia, toda a sua autoridade.

Você não pode contra todo mundo! — explodiu o rapaz.

A mulher pareceu que iria gritar com ele mais uma vez. Mas ela manteve a calma. Daí, ela o encarou e estalou os dedos mais uma vez.

Imediatamente o rapaz começou a cair em um buraco infinito. Tudo era escuridão e o abismo não parecia ter fim. Ele sentiu o vento no rosto, o seu estômago revirar. E conforme ia caia, o fazia com mais velocidade. 

E então um pequeno pontinho no fundo do poço brilhou para ele. E esse pontinho foi crescendo, crescendo, até finalmente…

 

D

   I

      N

         G

D

   O

      N

         G

 

Diego voltou à sala da professora, ofegante, cansado, trêmulo. Caíra por um bom tempo, seu coração estava batendo tão forte que ele podia jurar que logo sairia pela boca.

— Agora saia da minha sala — disse a professora, parecendo insatisfeita com o pouco dano que fez com o rapaz. Ela esperava mais?

O rapaz foi até a porta, cambaleando. Ele respirava pela boca e soava muito. Quando passou pelo arco, bateu a porta com força e correu, quase se espatifando nos objetos que estavam no caminho.

Ele estava irritado. Sabia que não tinha a menor chance contra a professora. E mesmo se toda a sala ajudasse, que diferença faria? Ela tinha lhe dado um xeque.



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