Volume 1 – Arco 6

Capítulo 45: A Única Arma

A notícia do que havia acontecido com Margô na aula da professora Rúnica foi comentada por todos os alunos. Geralmente os do primeiro até o terceiro ano eram os que mais falavam sobre.

Ela não passava mais seu tempo no refeitório. Evitava todos e ficava geralmente trancada em seu dormitório, impossibilitando que qualquer admirador fosse lhe encher de perguntas.

Diego estava enfurecido com tudo que estava acontecendo. A próxima aula da professora seria no fim da tarde e Margô estaria lá para, talvez, ser abusada mais uma vez.

É lógico que o rapaz não ficou parado nesse meio tempo. Tentou bolar um plano com outros alunos para dedurar a professora aos diretores. Mas para que isso funcionasse era necessário a colaboração de um supervisor, alunos do quinto ano. 

Haviam apenas 4 supervisores e dois deles eram Faramir e Rodrigues. Entretanto, todos, com exceção de Rodrigues, tinham se ausentado do Craveiro para fazer missões especiais. Era como se tirassem licença para poder faltar e isso só acontecia naquela época do ano.

As missões, segundo o que Diego ouvia, eram contenções de nocivos em algumas infestações que ocorriam pelo território da Espanha. Não eram missões mirins, pois eram dadas a família, porém também não eram muito difíceis, afinal de contas os quintanistas ainda não haviam se formado como Assistentes Sociais de verdade.

De qualquer maneira o que restava era contar tudo que aconteceu a Rodrigues, porém todas às vezes que alguém tentava esclarecer a situação para ele, o jovem respondia:

— Além das testemunhas é necessario o relato da vítima, senhores. Onde está a senhorita Rosa?

E o plano dos rapazes caia por terra, já que ninguém conseguia falar com a menina. Se Diego conversasse com ela achava que poderia convence-la a dedurar a professora. Entretanto, a menina parecia estar não só evitando tudo e todos como também ele, que não fazia parte do todo mundo.

— Isso é tão injusto — disse Diego, sentado no refeitório com Tiago. — Só testemunha não é o suficiente?

— Bom, testemunhas não são muito confiáveis. — Ele falava como se estivesse explicando um assunto complicado a um ignorante. — A maioria pode dizer que viu algo sem ter realmente visto. É fácil acabar com a reputação de alguém só com muitas pessoas dizendo: “Olha aquela pessoa é ruim”, ou coisa do tipo. 

— Mas ela realmente estava torturando a Margô, Tiago! — O loiro abaixou a cabeça e voltou a comer, envergonhado. Diego continuou: — Não sei o que aquela mulher tem! Acho que ela gosta de ver sangue. Não sei.

— Por que diz isso? — perguntou o loiro. — Ela não fez a Rosa sangrar, nem nada do tipo.

— Uma vez vi ela se cortando no banheiro. — Diego começou a contar mais a respeito do que viu assim que notou a feição de interesse do loiro: — Foi no baile…

Depois de um tempo, o loiro colocou a mão no queixo, ficou observando o mais absoluto nada e murmurando consigo mesmo. 

— E aí? O que acha? — perguntou o rapaz.

— Acho que temos uma forma de ajudar a Rosa. — Ele olhou para Diego com determinação e começou a contar seu plano mirabolante. — A professora pediu segredo sobre esse assunto. Ela não te puniu. O que significa que ela tem medo de você sair por aí contando.

— Tá, mas e daí? Não é como se isso fosse impedir ela de… Ah! Entendi. Eu tenho que ameaçar ela, dizendo que vou contar.

— Exatamente — concluiu o loiro, orgulhoso. — Mas presta atenção, você não pode contar para ninguém sobre isso. É sério. Se a professora descobrir que você usou o seu único tiro, ela vai contra-atacar. Vai deixar de ser uma ameaça, porque você já contou!

— Aham… Sei. — Diego não parecia acreditar muito naquilo. Na verdade, agora que tinha uma forma de ameaça-la, estava até mais aliviado.

E naquela tarde aconteceu justamente o que o loiro havia previsto. 

Conforme todos iam entrando na sala, notavam que já não havia muita bagunça. Até mesmo a professora parecia normal, usando seu roxo habitual. A sala impecável, nem parecia mais o esgoto que era antes.

Quem estava mais desarrumada que o de costume era Margô, que vestira uma roupa um pouco amassada, o que não era comum para a menina. Sua roupa não era mais rosa e sim um azul clarinho.

Rúnica finalmente começou a tentar usar Margô como cobaia para seus novos Ciclos de Dor, porém Diego se levantou e gritou para todos ouvirem que caso ela fizesse algo com a menina ele iria revelar o que viu no banheiro, no baile.

De início a professora ficou em choque. Depois ela fez uma cara de raiva e então desistiu. Toda a sala ficou cochichando a respeito do que teria acontecido no banheiro e inclusive até lhe perguntaram após a aula. 

Seguindo os conselhos do amigo, Diego não falou, nem mesmo para Margô, embora ela não tenha perguntado. 

E fácil assim, o rapaz conseguiu livrar a menina de uma enrascada. Bastava a ameaçar a professora que ela ficava na dela. 

Porém, coisas que vem de forma fácil, vão de forma fácil.

Conforme os dias se passavam e Diego conseguia utilizar a mesma tática o tempo inteiro, cada vez com mais insistência, já que Rúnica estava começando a forçar de mais, quase obrigando o rapaz a contar, todos do Craveiro começaram a falar bem do rapaz, pois ele estava defendendo Margô.

Aos poucos a menina começou a aparecer mais nas horas das refeições, voltando a vestir sua cor rosa de sempre. A primeira pessoa que conseguiu falar com ela não foi ninguém menos que Lorena Leindecker. Às duas pareciam ser amigas bem próximas agora, depois dos abusos da professora.

Ainda assim era impossível Diego conversar com sua amiga, já que todos os admiradores da moça começaram a ir para cima dela, com toneladas de preocupações acumuladas. Ao menos ele podia ouvir a risada exagerada dela mais uma vez.

— Sabe quem tava te defendendo? — perguntou Tiago, andando com o rapaz perto do lago. — O Balthazar, o Galadriel Balthazar.

— Não brinca, sério? — No geral os frios apoiavam a atitude da professora, principalmente os garotos; Lorena era uma das raras excessões. E Galadriel era o primeiro a apoiar a atitude de Rúnica contra Diego, então saber que ele estava lhe defendendo era algo completamente fora do comum. — Como você sabe disso?

— O Bjorn me falou. — Era verdade, desde o dia do baile o loiro e o garoto que parecia um grande urso estavam bastante amigos. — Ele disse que o Balthazar fica comentando o quão irritante ele acha a professora. O dia inteiro. E depois fala que não é menos do que sua obrigação defender a Rosa.

Diego riu enquanto tacava uma pedrinha no lago.

— Esse cara é um idiota. — Falar é muito mais fácil do que fazer. — E o que o Leo diz? Aposto que ele fica rindo.

Desde que se enfrentaram no beco, Leo não apareceu muitas vezes na frente do rapaz. Na verdade, ele podia jurar que o garoto de orelhas pontudas e sorriso debochado estava lhe evitando desde aquele dia. Estaria ele com medo? Impossível. Leo podia ser tudo, menos covarde. 

— É, o Lupin é assim. — Depois ele mudou de assunto, falando da irmã de Bruno. — Mas a Bjorn fica irritada quando o Balthazar fala dela. 

— A Mini é uma imbecil — disse ele, jogando mais uma pedrinha no lago. — Ela só diz isso porque tá com ciúmes. — Ele se lembrou do que a Sra. Bjorn disse-lhe sobre sua filha, sobre ela não ser uma pessoa ruim, apenas apaixonada de mais pelo garoto errado. — E para piorar só anda com gente idiota.

Depois de jogar a última pedrinha no lago e ver ela quicar um pouco mais além do que o normal, um silêncio estranho tomou conta da conversa, sendo interrompedido apenas pelo murmurio estranho do loiro, meio atônito.

— A Leindecker… Tchau.

Assim que Diego se virou para ele, Tiago correu para longe. 

— Pera, onde você tá indo….?

— O que deu nele? — perguntou Lorena. 

Quando o rapaz se virou para ela, tomou um susto, não a viu chegando. Ela estava usando um vestido branco e com o aspecto de curiosidade no rosto. As mechas formando uma tiara continuavam lá, intocadas. Os cabelos lisos e compridos caiam como uma cascata.

— Ah, ele? E-ele é meio assim mesmo… — O que estava dizendo? Respirou fundo e adotou uma postura mais descontraída. — E então, a que devo a honra?

Ela riu. Aquilo era bom. Sua risada era boa de ouvir.

— Eu soube o que você está fazendo pela Margô. — Depois disso ela adotou um tom mais sério. — Eu conversei com ela, para ela relatar o que tá acontecendo para os diretores, mas parece que ela é orgulhosa de mais para isso.

— Então esse é o problema? — Diego começou a ficar irritado.

— Meio bobo, eu sei. Eu disse para ela. Mas ela falou que tinha a ver com a forma que o pai dela olha para ela.

— O pai dela acha ela incrível, eu mesmo ouvi ele dizer isso. — Diego começou a andar de um lado para o outro, pensando o quão absurdo era aquilo.

— Claro que acha — concordou a menina. Estava usando um tom calmo, como se tentasse tranquilizar o rapaz. — Ela só não quer ser vista como um problema para a família. Ela disse que quer resolver os próprios problemas

Diego teve uma lembrança de Tiago lhe dizendo algo parecido uma vez, sobre problemas. Aqueles dois tinham tudo para se dar bem e mesmo assim ficavam com aquela historia de resolverem os problemas sozinhos.

Tiago poderia resolver o problema com os Baderneiros se simplesmente contasse ao diretor, e Margô contando para os monitores. Todos tinham a faca e o queijo na mão. Porém, é claro que tinham de “resolver seus problemas sozinhos”.

— Que bando de idiota. 

— É mesmo — concordou a moça mais uma vez. — Bem, eu também queria te dar… Ahm… Parabéns pela atitude. Digo, de defender a Margô. Você não é covarde.

O coração do rapaz deu um salto. Assim que ele ia abrir a boca para falar, agradecer as informações que recebeu, pois, certamente Margô teria escondido dele, ou qualquer coisa que pudesse prolongar um pouco mais aquele dialogo, Selena soltou um grito:

— Pivete! — Ela parou bem na frente dos dois, encarando Diego. Estava bem irritada, mãos na cintura. — Então é assim? Primeiro você me usa para dançar com a Margô! E depois dá em cima dessa loira? — Diego queria muito enfiar a cabeça na terra. A menina se balançava e fala de um jeito tão vergonha-alheia que ele daria qualquer coisa para sair dali. — Seu… Seu… Seu folgado!

E ela empurrou o rapaz, saindo dali com lagrimas nos olhos. Ah, como seria bom se o rapaz tivesse uma pistola agora. Talvez não tão bom, já que ficaria em dúvida em atirar em Selena ou em si mesmo.

Lorena, com os olhos saltados de surpresa disse rapidamente:

— Acho-que-eu-já-vou-indo…

E saiu mais rápido do que chegou. Diego queria conversar mais um pouco com ela, porém já era o suficiente. Agora restava descobrir o motivo do seu amigo, o loiro, ter saído correndo daquela maneira assim que viu Lorena chegando.

 

D

   I

     N

        G

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   O

     N

        G

 

E novamente era aula da professora Rúnica. Mais uma vez o rapaz ameaçaria a mulher e assim livraria sua amiga. Talvez ganhasse mais do que um “Parabéns” de Lorena se continuasse ajudando a amiga daquela forma.

Rúnica não demorou. Assim que entrou na sala estalou os dedos e o rosto alegre e altivo de Margô se desmanchou em dor. O rapaz se levantou no mesmo instante e começou a gritar.

— Não toca nela! Para com isso! Ou eu vou contar o que aconteceu no banheiro! 

Ele continuou repetindo aquilo varias e varias vezes, porém a professora não parecia tão alarmada quanto antes. A menina soltou mais um grito de dor.

— Para com isso! 

Ela não obedeceu. Quanto mais ele falava mais a menina reclamava. 

— Por que eu deveria, senhor Murdock? Ela é uma voluntária. E hoje estamos estudando sobre parasitas…

— Para com isso! — gritou ele com ainda mais força.

— Ou se não o quê? — perguntou ela, irritada.

— Ou se não eu vou contar para todo mundo que a senhora fica se cortando!

Então ela estalou o dedo mais uma vez e Margô parou de gemer. Todos olharam para o rapaz, surpresos. Tiago murmurou um “Não…” baixinho, quase um gemido de dor também. Tarde de mais. O que vem fácil, vai fácil.

Diego tinha entregue sua única arma contra a professora. 

— Senhor Murdock, me acompanhe até a minha sala.

E agora seria a vez de Rúnica usar as dela.



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