Volume 1 – Arco 5

Capítulo 34: Rosa

Diego estavam Rafaela próximos. O rapaz com o ouvido encostado na porta da sala repassando tudo que ouvia para a ruiva, que estava embaixo da mesa. Entretanto, às vezes ele esquecia de falar algo, pois simplesmente não acreditava no que estava ouvindo.

— Onde queres chegar com isso? — perguntou o diretor Augusto, o sotaque português carregado.

— Eu sei que o senhor é o mais novo diretor a ser aceito no Craveiro e tudo mais… Bom, parabéns, mas, sabe, ainda tem muito que aprender. — Antes que o diretor pudesse repostar o insulto, Rosa o interrompeu. — Tudo que quero é tirar vocês do vermelho.

— C-como pode saber que estamos no vermelho? — gaguejou.

— Antes era só uma suspeita, agora eu sei. — Ele riu. Sua risada era engraçada. O ar saia pela sua boca e batia em seus dentes. Era um claro e audível:“Tchiá…! Tchiá…! Tchiá…!”. — Precisam de dinheiro, eu sei disso. E posso dar uma quantia generosa em troca de algumas… Informações.

— Que tipo de informações?

— Por exemplo, o motivo de estarem no vermelho. Veja, sou um investidor como qualquer outro. O que vai me assegurar que investir em vocês vai me dar retorno?” Entenderam? Se já perderam dinheiro antes, podem perder depois.

— Ora! — começou o diretor Augusto, exaltado. — E por que pensas que as coisas funcionam dessa maneira? Acha que vamos aceitar seus termos por dinheiro?

— Acho — disse Rosa, com simplicidade. — Principalmente você, senhor Augusto. Então dá para fechar a boca enquanto o diretor pensa sobre a minha proposta?

— Ora, seu…

— Mas o que é isso, senhol Losa — disse o diretor Kim, perplexo. — Tenha calma…

— Fique fora disso também, senhor Kim. — Ele fez uma leve pausa enquanto sorria e então falou com seriedade: — E então, diretor Nebeque? O que me diz?

Por um momento a sala ficou em silêncio. Diego imaginava como estaria a cara de Nebeque naquele momento, analisando o jeito do homem a sua frente; o quão desaforado poderia ser um sujeito mais novo que ele, tratando pessoas superiores daquele jeito.

— Orlando — disse Nebeque. — O motivo é que está nos faltando recursos. Investimos em algumas expedições que ainda não deram seu devido retorno. Apenas isso.

Diego estranhou a voz do diretor. Tinha algo nela que não estava certo, embora seu tom e jeito de falar fosse o mesmo que ouvira da outra vez. Ainda assim, sua intuição queria lhe dizer que algo estava errado. Ele balançou a cabeça e voltou a prestar atenção.

— Entendo — continuou Rosa. — Esses investimentos sem retorno tem alguma coisa a ver com aquela missão que vocês deram para o Comandante Vinicius e o Capitão dele?

— Como sabes disso? — perguntou Augusto, irritado. — Tais missões são confidenciais!

— O senhor tem problema de memória, Augusto? Acabei de pedir para ficar quieto. Fora que também disse que tenho meus informantes, não disse? E pago muito bem para receber informações. — Ele deu uma risada sugestiva. — E sabe uma informação interessante?! Ouvi dizer que a organização multou vocês por relatório falso. Engraçado, não é?!

— I-i-i-isto é um absurdo! — gaguejou Augusto.

— Absurdo é mentir o nível da infestação só para pagar menos pela recompensa! — gritou o homem, mas logo depois ele voltou a seu tom jocoso e de superioridade. — Onde já se viu? Uma infestação com nocivos vermelhos e vocês relatando que eram amarelos. Sorte que o Capitão Roudini é mesmo tão forte quanto dizem.

— Losa — começou Kim. — Nós não sabíamos que ela uma infestação desse nível…

— Por favor, me chame de senhor Rosa. — Ele parou um segundo e andou de um lado para o outro da sala. Seus sapatos faziam um barulho alto enquanto pisavam no chão. — Bom, levando em consideração que vocês fizeram essa malandragem para pagar mais barato, quando tinham dinheiro para pagar o valor real; mas obviamente não têm mais depois da multa que receberam, suponho que devam ter investido dinheiro pesado em alguma expedição para longe. — Ele parou de andar, subitamente. — Eu diria que para fora do território espanhol. Talvez?

Ele estava mais uma vez falando sobre seu tio, que fora mandado em uma missão pra algum lugar bem longe; que fazia parte do território francês, da Flor-de-lis, segundo o que Rafaela havia lhe dito.

— Enviamos O Elizel e a esposa para uma missão — disse Nebeque, simples e calmo, embora tivesse a voz estranhamente deslocada para o rapaz. — Mas essa é uma missão sigilosa.

— Que bom — suspirou Rosa. — Pensei que tinha realmente recebido a informação errada. Só não sei se isso me deixa aliviado, ou mais desconfiado de vocês. Vejamos: Vocês enviaram o Dragão Negro em uma missão especial que... deixe eu adivinhar, tinha alguma coisa a ver com um recurso que estão precisando?

Quando Diego passou essa informação para Rafaela, ela deu um sorriso. De fato, ela fez a mesma teoria com o rapaz, de que o Craveiro queria algum recurso importante, embora ele não estivesse se importando com aquilo, queria saber mais a respeito de Elizel.

— Como disse — continuou o diretor, calmo, como se estivesse mostrando a soma de um mais um. — Essa missão é sigilosa. Então nem você e tampouco a organização podem se envolver.

— Preocupante. O senhor sabe o que dizem sobre o Dragão Negro por aí, não sabe? — Após mais alguns segundos de risada, ele continuou: — No mundo dos Executivos, um mundo muito rico por sinal, ele é taxado de louco. De dois anos para cá vocês viram o que aconteceu com ele. Digo, com o comportamento dele e tudo mais. 

— Onde quer chegar, Orlando?

— Ele está aprontando alguma coisa, diretor. — Agora o homem não parecia tão jocoso assim. Parecia desesperado para dar uma informação, como uma criança tentando provar que não foi ela que quebrou um objeto. — Ele está testando poções, venenos, para fazer alguma coisa. E eu acho que é uma arma química. A família dele não é conhecida pelos venenos?

— Continuo sem entender o ponto. Elizel tem minha total confiança…

Diretor! Se vocês colocaram Elizel para ir atrás de algum recurso, como penso que tenha sido, reconsiderem a atitude. Ele está louco por especiarias, e não confio que ele vá cumprir o embargo da missão. — Gradualmente ele foi recuperando o seu tom jocoso e altivo. — Talvez… Tchiá..! Talvez ele acabe roubando de vocês.

— Obrigado pela preocupação — concluiu Nebeque, com simplicidade. Seu humor era inabalável. As provocações de Orlando Rosa não aparaciam lhe preocupar de maneira alguma. — Mas como disse, confio plenamente em Elizel. Mais alguma coisa a acrescentar?

De repente a conversa passou a ter um tom casual.

— Sim, sim. Vocês sabem, voltei para cá. Minhas férias no oriente renderam bastante para a família Rosa — riu.

— Ficamos sabendo. Fico feliz pelo seu casamento. A senhora Rosa era da família Kayka, correto?

Precisamente! — disse, exagerando o alongamento das sílabas. — Uma das mais lindas da Sakura, diga-se de passagem.

— Ainda não a vi pessoalmente, mas se for tão linda quanto a filha não tenho dúvidas. — Nebeque riu.

— Está dizendo que sou feio, diretor? Eu também sou pai dela — riu Rosa, completamente distraído. Nem pareciam que acabaram de brigar. O clima ainda parecia muito tenso para soltarem aquelas piadinhas. 

— Você ficaria surpreso com o quanto a Margô parece com você.

Aquilo foi estranho. O tom de Nebeque foi profundo, como se estivesse dando um alerta, um aviso.

— Ficaria mesmo — respondeu, parecendo aborrecido, embora Diego não soubesse o motivo. Parecia que finalizou a conversa abruptamente. — Bom, cuidem bem da minha menina. Ouvi dizer que o Craveiro é uma das melhores associações da Europa. — Ele riu mais uma vez, forçado de mais. — Agora, já vou indo. Tenho muito o que fazer.

— Ora! — começou Augusto. — Não vais aproveitar o baile? Datamos ele especificamente para celebrar a sua chegada. Uma homenagem a…

— Homenagem ou puxação de saco? — interrompeu o homem. — Aposto na segunda opção. Mas eu gostei da recepção. Mas enfim, sabem como é... Compromissos.

Os passos do homem foram em direção a porta. Diego se rastejou para debaixo da mesa enquanto era puxado por Rafela, que logo depois cobriu os dois com o pano branco. 

Nenhum dos dois puderam ver a figura, mas o tecido do pano era fino por dentro, dando de ver vagamente que o homem usava calças sociais rosas, junto com sapatos de couro, também rosa. Viram o seu contorno ir até um dos dois elevadores, esperar um tempo e então entrar.

— E essa é a nossa deixa — disse a ruiva, enquanto arrastava Diego, segurando a sua mão. — Vou te levar para o baile. Só não prometo dançar com você.

Enquanto era arrastado até o outro elevador, que já estava subindo devido ao toque da moça, Diego se lembrava de que tinha um baile para o qual queria ir. Sua sua mente estava tão bagunçada que tinha se esquecido. 

Segundo Orlando Rosa, um homem que pelo visto tinha muito dinheiro, seu tio era responsável por experimentos com veneno controversos. “Experimentos, armas químicas.” Ele se lembrou que seu tio lhe deu veneno uma vez. 

Venenos, armas químicas, sonhos estranhos, A Besta. O rapaz estremeceu, tinha uma sensação ruim, de que algo ruim iria acontecer. E de fato aconteceu assim que a porta do elevador abriu. 

Diego e Rafaela paralisaram ao ver a figura que estava ali dentro.

Era uma figura alta e esguia, de pele morena e enrugada. Usava óculos em forma de triângulo. Sua barba grisalha chegava até a barriga e era estranhamente quadrada. Tinha um chapéu roxo, que parecia um copo, sobre a careca reluzente. 

Sua roupa era um manto roxo acinzentado e por cima dela usava um peitoral preso em seus ombros com detalhes dourados e enfeitado com cinco pedras reluzentes de cores diversas. Vários anéis nos dedos.

Como ele estava ali? Era impossível. Teoricamente ainda deveria estar na sala com os outros diretores. A figura os encarou com surpresa e então esboçou um sorriso gentil, fraternal.

Aquele era o Diretor Nebeque.



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