Volume 1 – Arco 5

Capítulo 35: O Segredo Do Elevador

Diego e Rafaela estavam em pé na frente do elevador, já aberto. Do lado de fora eles encaravam a figura esquisita e curiosa do diretor Nebeque, o diretor-chefe do Craveiro. 

O rapaz da cicatriz sabia muito bem que estavam encrencados, já que não deveriam estar ali, mas sim em outro lugar; Rafaela no baile e Diego trancado, esperando por um Riddley que nunca viria.

Entretanto, Nebeque os encarava com uma surpresa quase infantil. Não parecia encarar aquela atitude como uma afronta que ia de encontro com as regras de toda a associação. 

— Que surpresa agradável. — Ele sorriu para os dois, ainda no elevador. — Vão descer?

Os dois nada responderam. Diego não sabia qual era a reação que a sua amiga estava fazendo, pois não parava de encarar o diretor, buscando em sua cabeça alguma desculpa para estar ali.

— Como o senhor… — começou o rapaz, intrigado, porém sentiu que algo se aproximava por detrás da porta dos diretores. Eles estavam saindo, era o que sua intuição lhe dizia.

— Melhor entrarem logo — disse Nebeque, com gentileza. 

Os dois pularam para dentro do elevador e no mesmo segundo o diretor apertou uma série de botões aleatórios com seu dedo largo e magro enquanto resmungava algo como: “Hm… Vejamos… Assim, assim e…”. Finalmente, a porta se fechou antes que os vissem e o elevador começou a descer.

— Quase, quase… — Ele falava mais consigo mesmo do que necessariamente com os outros dois ali. Ele girou o corpo e encarou os rapazes. — E então, o que iria me dizer antes de eu lhe interromper, Jovem Diego?

Diego gaguejou:

— E-Eu… Eu ia perguntar como… como que o senhor pode estar em dois lugares ao mesmo tempo.

Nebeque pareceu pensar por um instante, considerando a pergunta cuidadosamente. Olhou para cima, deu um suspiro, como se chegasse a uma conclusão, e voltou a encarar o rapaz.

— Essa é uma pergunta interessante. Existem muitas formas de uma pessoas estar em dois lugares ao mesmo tempo.

— É que a gente viu o senhor com os diretores… Ui! — Rafaela lhe deu um golpe nas costelas. Ela lhe olhou, pela primeira vez, zangada. — O que foi? 

— Então vocês conseguiram ouvir atrás das portas? — Ele olhou por cima dos óculos em forma de triangulo, surpreso. — Curioso.

O rapaz entendeu o motivo da irritação da ruiva. Ele acabou de estragar os planos dela de continuar ouvindo os diretores. Isso ao menos seria bom, pois não o pediria mais favores como aqueles, ou ao menos assim esperava.

Tentando mudar de assunto o rapaz desviou sua atenção para o ambiente ao redor, apenas para ver se conseguia tirar o diretor de sua linha de pensamento. 

Quando olhou para cima e viu os números do elevador, que indicavam o andar onde se localizavam, estranhou. Uma série de símbolos esquisitos, parecidos com aqueles que via nas aulas de seu tio, estavam no lugar dos números.

Nebeque olhou para os símbolos.

— Ah! Isso? Isso pode acontecer de vez em quando, é bastante comum. Acho que ele vai demorar um pouco para voltar. — Então voltou a encarar os rapazes. — Até lá, se importariam de falar sobre o que ouviram? 

Os dois se encararam. Rafaela deu de ombros, ainda parecendo aborrecida, mas enquanto o rapaz contava tudo, ela voltou com seu olhar deslumbrado já que não sabia de todos os detalhes. 

O trabalho de Diego em repassar as informações para ela não foram tão claras quanto ele estava contando para o diretor. Ele tentou sempre se focar na parte em que Rosa desafiava os outros diretores e não demorava nas partes de Elizel.

Ainda não sabia exatamente o que pensar a respeito de seu tio e tinha medo de acabar deixando suas emoções confusas transbordarem sem querer. Tinha medo de demonstrar que estava verdadeiramente irritado com seu tio e suas mentiras.

Assim que parou de contar tudo, o diretor ficou pensativo por mais alguns segundos. O seu modo de pensar parecia um pouco com o de Tiago, exceto que era menos exagerado e estranho. Ele olhava para cima, mexia os lábios e então soltava um ruído quando chegava em uma conclusão.

— Interessante. Muito interessante. — Ele encarou o rapaz e depois a ruiva. Deve ter notado que estavam curiosos, por isso falou: — Obrigado por me contar isso, eu não sabia. Para mim o Orlando ia aproveitar a festa e não ter uma conversa com os outros.

— Espera — começou Diego. — Então não era o senhor dentro da sala?

Só depois de fazer a pergunta e reparar no olhar assustado de Rafaela que o rapaz notou que sua curiosidade talvez tenha ido longe demais. Era uma pergunta muito direta.

— De certa forma, eu creio que sim — riu. — Mas devo ter esquecido desse compromisso. — Aquelas últimas palavras foram o basta para finalizar aquele assunto. Depois ele continuou com uma pergunta: — Aliás, se estou me lembrando bem, vocês dois vão ao baile, não vão?

Diego balançou a cabeça lentamente. Estava tomando cuidado para ler as intenções do diretor. Talvez fosse ganhar um novo castigo depois de tudo que tinha feito. Ele até poderia colocar a culpar em Rafaela, mas não iria fazer isso. 

— Mas você vai vestido dessa maneira? — continuou o diretor, olhando de cima para baixo o rapaz. 

Diego se assustou e depois olhou para as suas roupas. Seu terno estava sujo e suas calças também. Sua roupa branca estava amassada e tirada para fora das calças. 

— N-não… Eu vou colocar a roupa de festa que a Angela separou para mim… Quer dizer, eu estava suspenso na sala do professor, mas ele não veio. Aí eu saí…

— Sim, sim. — O diretor apenas acenou com a cabeça positivamente. — Eu soube da sua suspensão. Mas digamos que o professor Riddley tenha ficado sonolento de mais por exagerar na bebida. Aposto que ele não vai se lembrar de nada no dia seguinte. A menos é claro que alguém o acorde.

Aquilo era claramente um convite, embora o rapaz não pudesse acreditar. O diretor estava lhe dando aval para ir ao baile. Finalmente ele poderia ir correndo para o seu dormitório e colocar a melhor roupa para ir dançar com a…

— Tiago está lá, se divertindo com o Bruno e o Fabio — continuou o diretor. — E a filha do Orlando, a Margô, está chamando a atenção de todo mundo com aquele vestido amarelo. A Selena e a Sheila também estão. Uma de branco e a outra de preto. — Então o diretor se inclinou um pouco em direção ao rapaz e falou calmamente, como se contasse um segredo: — Mas se quer saber a minha opinião, nenhum vestido está mais radiante do que o da senhorita Leindecker.

Lorena. 

Diego ficou imediatamente vermelho e com as bochechas quentes. Para disfarçar ele fechou a cara e disse com irritação:

— Já estamos aqui por um tempão e nada do elevador chegar. — Era obviamente uma cobrança.

— É verdade — riu o diretor, se virando e apertando uma nova série de botões. — Ah! Parece que já chegamos. — E a porta se abriu.

Diego tomou um susto. Estavam no banheiro masculino do andar das aulas.

— Então, nos vemos depois. — Nebeque parecia muito calmo, como se parar um elevador dentro de um banheiro fosse algo do seu cotidiano. — Vou voltar para falar com os diretores. Tenho de chama-los para ir ao baile.

Quando os dois rapazes saíram em direção a porta do banheiro, Diego olhou para trás e perguntou de maneira incrédula:

— Diretor, o senhor não vai brigar com a gente?

Ele riu.

— Bom, talvez eu devesse. Mas, segundo vocês, eu não estou aqui e sim lá em cima. — Com um último sorriso bondoso, e um tchauzinho com os dedos, a porta se fechou, dando lugar ao que antes eram as paredes brancas do banheiro.

 

 

Enquanto os dois saiam do Craveiro, Diego conversava com Rafaela. O caminho que seguiam era o principal, cheio de banquinhos nas calçadas e jadins nos cantos, espalhados pelo meio-fio. 

Haviam poucas luzes para iluminar todo o caminho, apenas alguns postes de luz e a as luzes que saiam pelas janelas das estruturas iluminavam o caminho. De fato, não era comum no Craveiro haver muita luz de noite, já que não era comum que alunos estivessem do lado de fora a noite.

— Você sabia que o elevador fazia aquilo? — perguntou.

— De maneira nenhuma. Mas isso é um problema. O elevador, as portas. Se espalharmos isso vai dar problema para o Craveiro.

— Por quê?

— Você realmente é muito atento as regras dos Assistentes Sociais — zombou Rafaela. — Aquele elevador e as portas sem som são o que chamamos de Item Mágico. 

O rapaz franziu a testa.

— Pera, não posso usar a palavra magia para descrever os poderes, mas posso para descrever os itens?

— Sim, pode — respondeu ela, de maneira simples. — E isso tem motivo. A palavra magia não é muito bem vista e isso combina com os itens mágicos.

— Como assim?

— Itens mágicos são proibidos, Diego. — A maneira óbvia que ela disse aquilo deixou o rapaz um pouco frustrado. Não era como se ele soubesse de regras como aquela.

— Como que segredos podem ser permitidos e itens mágicos não?

Ela fez uma pequena pausa para pensar, embora seus olhos amarelados continuassem a encarar o rapaz fixamente, sem piscar em nenhum segundo.

— Para fazer um segredo poderoso você tem que ser excepcionalmente bom. — começou ela. — Estudar muito, praticar bastante. Claro, isso depende se você é Mago, Druida ou Feiticeiro, mas, no geral, da na mesma. É necessário muito esforço para ser muito poderoso, o que é praticamente impossível. 

— Mesmo assim é possível — disse o rapaz, querendo mostrar que tinha um ponto. 

— Sim. E também é rastreável. Quanto maior for o seu segredo, mais você chama a atenção. Daí é questão de tempo para alguém conseguir bolar um plano para te neutralizar. 

— E o que os itens tem a ver com isso?

— Itens mágicos são irrastreavéis. Impossíveis de neutralizar com precisão. Se uma pessoa mal-intencionada colocar as mãos em um item muito poderoso, ela nem vai precisar fazer esforço para causar um grande estrago. Tudo que ela precisa é acionar o item e pronto.

Fazia sentido. No mundo dos leigos, as armas como pistolas também eram vistas dessa forma. Se você tem uma arma de fogo em posse pode acabar matando alguém sem muito esforço. 

Entretanto, essas armas eram necessárias para facilitar trabalhos de caça, ou até mesmo defender a sua vida. O que o fazia crer que aquela regra não passava de uma tremenda injustiça.

— O que uma porta sem som e um elevador estranho podem fazer de tão mal? — perguntou, irritado.

— A princípio, nada. Mas acredite, as pessoas costumam usar os itens mais simples para fazer as coisas mais complicadas. Tipo… Se aquele elevador pode parar em qualquer lugar que quiser no mundo inteiro, ele pode ir para onde estão acontecendo conversas ultra-secretas. Ou quem sabe ele pare exatamente dentro de uma pessoa e ela exploda. — Ela fez um gesto de explosão com as mãos.

Diego ficou horrorizado com a cena em sua cabeça.

— Aquele elevador pode fazer isso? — Quis se assegurar.

— Duvido.

Então o rapaz revirou os olhos e voltou a ficar aborrecido. Aquele elevador não era nada perigoso, tampouco as portas. Concluiu que a proibição de itens mágicos era uma decisão idiota.

— E então, você vai ao baile assim? — perguntou Rafaela. Ela não estava lhe julgando, era apenas uma pergunta normal.

— Não, vou no dormitório me trocar primeiro.

— Bom, seria uma honra lhe acompanhar até lá, mas eu vou voltar para o baile agora. Vou avisar o Tiago sobre sua chegada. Ou quer fazer surpresa?

— Pode falar, não tem problema.

Então os dois chegaram em uma bifurcação, onde o rapaz virou a direita para ir ao dormitório enquanto a ruiva continuou reto, em direção ao prédio de eventos. Antes que o rapaz entrasse de uma vez ele olhou para a ruiva e chamou a sua atenção:

— Ei!

— O quê? — perguntou ela, se virando em sua direção, os olhos radiantes.

— O favor de avisar o Tiago… Esse eu vou ficar te devendo alguma coisa em troca? — Ele apertou os olhos, desconfiado, embora tivesse um sorriso no rosto.

Ela riu.

— Essa é por conta da casa.

Então Diego a observou se virar e ir em direção ao prédio. Ele não entrou no dormitório de imediato, estava pensativo. Seu coração estava ansioso pelo que viria logo em seguida. 

Foi ai que ele sentiu um arrepio na nuca que o fez estremecer. Tinha alguém lhe observando de longe, e ele sabia disso. Quando se virou, deparou-se com um par de olhos brilhantes no meio da escuridão, lhe observando.



Comentários