Volume 1 – Arco 5

Capítulo 32: Barulho Que Incomoda

Diego estava subindo até o quinto andar, onde ficaria confinado com o Prof. Riddley durante as próximas horas, perdendo o baile. Era o final da tarde, mas ele só iria sair dali quase meia-noite.

Ele olhou para o interior do elevador por alguns instantes. Estava pensando em como faria para ir ao baile, pois tinha de ir. Ao menos era isso que queria. Não tinha treinado horas a fio com Selena para nada. 

Assim que o elevador abriu e ele se dirigiu até a sala do Prof. Riddley, uma que tinha uma moldura cheia de medalhas em cima de uma mesa ao lado da porta. Ele bateu e assim que foi convidado a entrar se deparou com um Riddley muito elegante.

O homem estava vestido com calças sociais brancas, camisa branca, colete branco e ajeitando sua gravata vermelha em frente a um espelho. Do seu lado havia um cabideiro segurando uma capa de marinheiro também branca, porém com alguns detalhes dourados nas ombreiras e vermelhos nas mangas. 

A sala do professor era inteiramente decorada com pinturas de guerra, troféus e medalhas. Ele se orgulhava muito de cada coisa que estava ali, até mesmo as réplicas de canhões de navios; Diego jurava que eram reais. 

Haviam baús, estantes e outras parafernalhas sem sentido, que só serviriam para engrandecer o orgulho que aquele homem sentia pela guerra.

O professor se virou para sua mesa, pegou alguns papéis e empurrou para o rapaz. A frente da mesa dele havia uma cadeira, onde Diego se sentava para responder a alguns questionários.

— Senhor Murdock! Hoje não vou ficar com o senhor!

Ao menos uma boa notícia. Diego costumava dormir enquanto respondia aos questionários, ou ao menos tentava, já que o professor sempre o acordava com gritos, tapas nas costas, ou então era Galadriel quem o acordava com alguma “brincadeira” dolorosa.

— Cadê o Galadriel? — perguntou ao se sentar. 

Geralmente tinha de ficar lado a lado com seu colega. Não estava realmente ansioso para que voltassem a se ver, mas queria implantar na cabeça do professor que o rapaz estava atrasado, então certamente deveria levar uma bronca por isso.

— Ele não irá participar! — Riddley soltou um bufo, como se tivesse se lembrado de algo ruim. Então foi até a frente de seu espelho, ao lado do cabideiro e começou a passar uma loção estranha em sua careca, para que ela brilhasse.

Diego ficou enfurecido. Galadriel iria para o baile?

— Como assim “não irá participar”? Ele está suspenso!

— O senhor Balthazar foi liberado hoje! — disse ele, também enfurecido, embora essa raiva não estivesse direcionada ao rapaz. — Pelo visto ele é importante demais para perder um evento de boas-vindas

Suas últimas palavras saíram como se estivesse imitando a voz de alguém. Então Diego entendeu que não foi Riddley que o deu folga hoje, mas sim alguém de cima que pressionou ele a tomar essa decisão.

Era óbvio. Os Balthazar. Diziam que eles eram uma família muito privilegiada e que todos os superiores do Craveiro os temiam. Era claro que o rapaz acharia uma forma de convencer seus pais a tirá-lo de lá usando a influência que possuíam.

— Recomendo que foque na sua atividade, senhor Murdock! — gritou o professor. — Suas notas só tem piorado com o tempo!

Ele pegou um chapéu de marinheiro, branco, com detalhes dourados e preto, e vestiu sua capa. Só agora o rapaz tinha percebido que em seu colete haviam várias medalhas douradas, cintilando.

O professor andou até a porta, fazendo muito barulho por conta dos sapatos sociais, que tinham um salto. Provavelmente ele tinha escolhido aquele sapato por conta de sua baixa estatura.

— Irei trancar a porta, para que você não resolva fugir! — disse ele ao abrir a porta, pronto para sair, mostrando a chave em suas mãos. — Não irei demorar muito!

O professor fechou a porta atrás de si e saiu pelo corredor em direção ao elevador. Era possível ouvir os sons de seus sapatos batendo no chão mesmo confinado dentro daquela sala.

Diego bufou de raiva, e então caiu em cima da mesa, fechando os olhos. Queria muito dormir e fazer o tempo passar, mas só sentia sono quando alguém estava lhe dando aula. E como não tinha ninguém ali, teria de improvisar.

Por muito tempo ele ficou acordado, olhando para um lado e para o outro da sala. Depois se levantou e começou a mexer nas coisas. Queria muito quebrar alguns daqueles pertences só para ver a cara que o professor iria fazer depois; uma espécie de vingança por lhe deixar preso ali.

Depois de muito tempo, mais de uma hora, o rapaz não fez nada. Realmente, dormir seria a melhor opção. Para que sentisse sono, ele começou a responder as questões que estavam à sua frente, as questões tinham a ver com as provas que ele tinha tirado notas baixas, ou seja, todas elas.

De todas as perguntas, três se repetiam com frequência:

Como deve ser tratado o leigo/opulento/assistente-social que por ventura recebeu um parasita de um nocivo tipo v?

Qual é o maior ponto fraco dos nocivos a ser explorado no caso de uma infestação de níveis inferiores a superiores?

Além dos olhos como sendo o ponto mais sensível de qualquer criatura nociva, quais os tipos de gases de alta temperatura que podem ser considerados a maior fraqueza de um nocivo de qualquer tipo?

Já tinha visto elas tantas vezes que já estava familiarizado com cada letra. Mesmo assim, não sabia as respostas delas. Não sabia as respostas de nenhuma questão e as únicas que conseguia acertar era por conta da lembrança de alguma coisa que Tiago disse ou por puro chute.

Após quebrar a cabeça com as provas, ele se deitou sobre a mesa, sentindo os olhos pesados, e dormiu. Dormiu tão profundamente que sonhou com algo lhe incomodando. Era um olhar distante, profundo e penetrante. A Besta.

No sonho, o rapaz não tinha medo dela, embora soubesse que lá no fundo deveria ter. Ela se aproxima do rapaz para lhe atacar, mas ele era corajoso e conseguiu se defender e se livrar dela. Entretanto outras criaturas apareceram, mais fortes e mais inteligentes. E ele ouviu um barulho estranho saindo das bocas delas, que juntas pareciam um único som.

Era um assobio longo. Não era agressivo, ao menos não demonstrava ser. Era um assobio quieto e quase imperceptível. Parecia como um grito distante, sem vibração, que vai se distanciando conforme o fôlego acaba.

As criaturas não atacaram Diego. Elas apenas continuaram soltando aqueles assobios em intervalos cada vez mais longos. Ele não sentia medo daquilo, pois não era uma ameaça. 

Então o rapaz abriu lentamente os olhos. Era difícil abrir os olhos, pois estavam pesados. Seu rosto estava amassado e tinha baba na sua bochecha. Ele ajeitou os cabelos, limpou a cara e respirou fundo. 

“Que sonho esquesi…”

Então ele ouviu o assobio. Ele se levantou, assustado. Não era coisa de seu sonho. A cadeira tombou para trás com o seu movimento abrupto. Ele ficou alerta, como se tivesse sido atacado. Olhou de um lado para o outro da sala, a procura do que quer que fosse. 

Então ele ouviu o assobio mais uma vez. Se aproximou dos cantos das paredes. Estava por detrás do baú do professor. 

Diego empurrou o objeto encostado da parede e o som fica mais nítido, embora ainda distante. Ali está um duto de ventilação. O rapaz olha para ele e quando os assobios pararam, ele ouve que alguém está andando por ali.

“Rafaela!”, pensou o rapaz. Ele ficou animado, pois sabia que apenas ela tinha capacidade para lhe tirar dali. 

O rapaz começou a forçar a grade, a retirando do local e entrando no duto. Ele decidiu que iria atrás dela. Por mais que eles não estivessem se falando a um tempo, depois do que tinha acontecido, sabia que poderia contar com ela para pedir favores.

Enquanto andava pelos dutos, virando aqui e ali, atrás do barulho à sua frente, ficou imaginando se era melhor gritar por seu nome e a fazer parar ou não. Achou melhor que era o suficiente apenas lhe seguir, já que o som poderia viajar e chegar na sala de outro professor que resolveu não ir ao baile.

Diego sentiu vontade de rir ao imaginar um professor qualquer, sentado em sua sala, estudando, pois se recusou a ir ao baile, e de repente tomar um susto com o som da voz de um Murdock em sua sala, saindo por seus dutos. Seria no mínimo assustador, ou curioso.

Já estava tudo tão escuro que ele não conseguia ver nada. Continuou a se rastejar mesmo assim, até que deixou de ouvir o rastejar à sua frente. Será se ela tinha entrado em algum duto, e ele não prestou atenção?

Então o assobio veio mais uma vez. Dessa vez vinha pela frente e por trás. Ele ficou confuso. Ele sentiu um arrepio em seus braços. Não era Rafaela.

Diego começou a se rastejar para qualquer lugar, qualquer lugar para sair do confinamento onde estava. Não tinha medo do escuro ou de ambientes apertados, mas estava começando a se sentir mal, a se sentir sem ar. Sua barriga estava começando a doer, da maneira que fazia quando ele tinha aqueles pesadelos.

Ele foi para qualquer lado, com velocidade. O assobio parecia mais perto, não importava por onde andasse. Estava fazendo muito barulho, ele sabia disso, mas não se importava. Tinha de ir para um lugar claro, alguma saída.

Os dutos o levaram para baixo, depois para cima. Era um labirinto, e ele tinha de dar um jeito de sair dali.

Foi aí que colocou os dedos sobre um duto. Não deu tempo para racionalizar, o seu próprio peso foi responsável por abri-lo, o fazendo cair em cima de uma estante de metal. Ele conseguiu se agarrar para não cair de vez no chão, mas acabou escorregando e caindo de costas. 

Estava tudo escuro. Não conseguia ver nada além de uma pequena fresta de luz que saia por baixo de uma porta. Finalmente não estava mais em confinamento, embora estivesse no escuro. Ao menos os assobios tinham parado, embora ele sentisse que o ar estava muito pesado, como se houvesse outra pessoa ali.

Devia ser coisa de sua cabeça. Ele começou a andar pelas prateleiras até a porta, mas antes que chegasse, viu que tinha pisado em alguma coisa. Seus olhos estavam começando a se acostumar ao escuro, por isso conseguiu ver arquivos.

Um deles estava com marcas de garras o segurando. Ele pegou o arquivo rasgado e analisou o nome. Embora estivesse escuro, já estava conseguindo ver o nome: ELIXIR DO INGÊNUO

Ele folheou o arquivo rasgado, porém não conseguiu ler nada. As letras eram pequenas demais. Ele só conseguia ver desenhos de alguns lugares e também alguns gráficos. O rapaz deixou o arquivo de lado, o colocando no provável lugar da estante de metal que estava.

Enquanto o fazia, se deparou com alguns outros nomes interessantes como: Ficha Criminal das Personalidades Marcantes e Vestimentas e Acessórios: Regras Para Visitar e Estudar no Craveiro.

Depois de guardar o arquivo no meio desses, escondendo ele o máximo que podia para que ninguém notasse o rasgo de garras na parte superior, notou um outro arquivo que lhe chamou ainda mais a atenção.

Ele pegou o arquivo, as mãos trêmulas. Engoliu em seco enquanto o encarava. E por um instante esqueceu de tudo que tinha acontecido até ali. Ele ignorou os passos de cascos andando ao seu redor. Tinha alguma coisa com ele, mas ele não se importava com isso agora.

Nas suas mãos estava a coisa mais valiosa que ele queria. Ele iria proteger aquilo de algum jeito.

O arquivo se chamava: ATA DE REUNIÃO: Esclarecimentos Da Infestação No Território Da Família Murdock, 10 de Novembro de 1998. Mais abaixo no arquivo havia o nome Testemunhas: Elizel D. Monte e Pedro Vinícius.



Comentários