Volume 1 – Arco 4

Capítulo 30: Ouro Sobre Verde

Assim que Diego entrou no refeitório, dando suporte para um Tiago abatido, tonto e sangrando, todos viraram os olhos para eles.

— Tá funcionando — sussurrou para o loiro.

— Eu sei...

Enquanto Tiago fazia uma careta fingida de dor, Diego começou a gritar, pedindo para que alguém lhe ajudasse. Todos ficaram imóveis. 

O loiro não estava muito bonito. Além de suas expressões de dor e angústia, seu rosto estava melado de sangue por conta do vazamento do seu nariz. Sua roupa, branca, estava coberta pelo líquido vermelho. 

Foram Dani e Lauro que se aproximaram e perguntaram se estava tudo bem, o que tinha acontecido. Depois deles, vários outros colegas tomaram coragem para ver de perto aquela cena.

— O que aconteceu? — perguntou uma voz calma. Parecia controlada, séria. Era Faramir Balthazar. — Ele está bem?

Era a primeira vez que via o rapaz de perto. Ele era alto, sua camisa era sempre branca. Seus cabelos ondulados, como nuvens, caiam sobre seus ombros até o seu peito. Seus olhos eram azuis e profundos, calmos como um lago adormecido.

Diego quase ficou hipnotizado com o jeito do rapaz, mas logo se recompôs. Tinha de se manter dentro do plano. 

Ele deixou Tiago sob os cuidados dos seus colegas e ficou de frente para Balthazar, o peito estufado. 

— Foi o idiota do seu irmão e aqueles amigos dele! Olha só o que fizeram com o Tiago!

O rapaz levantou uma das sobrancelhas enquanto encarava o estado de Tiago. Não estava falando nada, porém estava na cara que desconfiava das palavras do rapaz. Talvez Diego estivesse atuando de maneira errada. Ele tentou outra tática:

— Só por que ele é de uma familiazinha de idiotas não significa que pode ficar por aí humilhando os outros!

— Não fale assim da minha família — disse Galadriel, que vinha chegando por entre a multidão. Seu rosto estava enrubescido. 

— Você! — O rapaz se aproximou dele, e como não sentiu nenhuma mão lhe puxando para longe resolveu parar o mais próximo do rosto de Galadriel. — Olha só o que você fez! 

— Cala a boca! — exclamou, com autoridade. Estava acostumado a mandar as pessoas calarem a boca e outras obedecerem. 

— Claro não! Você fica aí, atrás dessa historia de ser um Balthazar, mas você não é ninguém. É só uma cobra!

— Não fala da minha família! 

— Galadriel, já chega — pediu uma menina mais velha da turma dos frios.

Diego estava ganhando no grito. As pessoas estavam comentando sobre o assunto, exatamente do mesmo jeito que Tiago disse que aconteceria. O plano do loiro era simples. Bastava o rapaz da cicatriz lançar alguns insultos para Galadriel e atacar ele com as palavras. Não deveria cair na provocação dele, de maneira nenhuma. 

— Já chegada nada! — disse ele, enfurecido. — Esse cara tá falando da minha família. E ele nem olha para a dele. A sua familiazinha era tão fracassada e vagabunda que morreram para nocivos!

— Pelo menos eu não tenho inveja do meu irmão, só porque ele é melhor! — rebateu o garoto.

Ouviu-se uivos de alunos ao seu redor. O círculo de curiosos parecia aumentar. Diego não fazia ideia de como o Craveiro tinha tantos alunos. 

Galadriel tentou abrir a boca para falar alguma coisa, mas não conseguiu. Então lhe empurrou para trás.

— Eu disse para calar a boca!

— O que foi? Tá com raivinha? Eu vi o jeito que você encarou o Faramir no ringue! Acha que não ia notar? Tava todo nervoso com o irmão, foi até tentar tirar satisfação com ele. Soube que até levou uma bronquinha!

Quem estava à volta começou a cochichar e a sorrir. Faramir, que estava ali, em pé, observava tudo com atenção. Diego os olhos azuis dele lhe encarando, lhe analisando. Era como se ele estivesse esperando alguma coisa.

O rapaz o encarou com firmeza, se virou para Galadriel e disse:

— Vou te dizer uma coisa, seu irmão é mais homem que você. Você é só um…

Mas o que ele era ninguém chegaria a saber, já que no instante seguinte Galadriel se jogou em cima de Diego. Os dois ficaram brigando, atracados. Se deram socos, chutes e pontapés. Lauro e Dani tentaram segurar eles, mas o rapaz da cicatriz era mais forte e aproveitou isso para dar um chute no peito do seu oponente. 

Faramir separou os dois em pouco tempo, mas o estrago já tinha sido feito. Diego tinha cortado o lábio e Galadriel sangrava pelo nariz.

— E vê se não toca mais no Tiago, seu merda! — gritou Diego, enquanto era seguro por Dani e Lauro. — Ele nem sabe se defender! Olha só a merda que vocês fizeram com ele! Vem brigar com alguém do seu tamanho da próxima, babaca!

— Me larguem! — dizia Galadriel. — Você tá morto, seu...!

— O que está acontecendo? — perguntou a voz ribombante do Prof. Riddley, o tirano que sempre falava gritando. Ao lado dele estava um outro rapaz conhecido, Rodrigues, um rapaz moreno que tinha dado a Diego o seu programa de aulas no seu primeiro dia e que o rapaz sabia ser amigo de Faramir. — Causando confusão mais uma vez, senhor Murdock?

— Foi ele que veio para cima de mim!

— E quais são as provas dessa alegação?! — perguntou o professor.

Diego olhou para todas as pessoas a sua volta. Tinha todas as pessoas ali para provar que ele estava certo. No entanto, ninguém parecia se manisfestar. Tantas pessoas e ninguém disposta a confirmar a história? 

Então ele encarou Faramir, que estava em pé, ainda o encarando, o analisando com cuidado. Então um sorriso discreto apareceu no canto de sua boca.

— Eu testemunhei, professor — disse. Ele se aproximou de Riddley. — Os amigos dos meus irmãos acabaram machucando o senhor Nebeque. O senhor Murdock chegou aqui e começou a brigar com o meu irmão, mas sem agressão física. Quem partiu para a violência foi o Gabriel.

Diego ficou impressionado com o fato de Balthazar estar lhe defendendo.

Então o professor encarou Tiago, que estava sentado em uma cadeira mais a frente, fingindo dor como um péssimo ator. “Ainda bem que tem o sangue na camisa”, pensou Diego. Depois olhou para Galadriel, e por fim...

— É mentira! — protestou Galadriel. — Tudo que ele tá falando é mentira! 

— Mentiroso é você! — disse Lauro. — Geral sabe que tu e os Baderneiros vivem enchendo o saco do Tigas, aqui.

Tigas. Era um apelido novo que Lauro havia dado ao loiro, e que fez Diego sentir vontade de rir. Mas teve de se controlar para não perder a postura.

— É verdade, professor — reiterou Dani, do seu jeito formal. — Não há dúvidas. Todos sabem que o Diego é o defensor do Tiago, que vivia sofrendo na mão dos Baderneiros. Da última vez quem o ajudou foi o Diego. Se não fosse ele, acredito que as provocações continuariam.

Diego esboçou um sorriso de satisfação. O plano de Tiago realmente tinha dado certo. Assim que Galadriel abriu a boca para falar alguma coisa, Riddley o interrompeu.

— Silêncio! Senhor Balthazar! O senhor enfrentará uma suspensão! — O rapaz protestou, porém Ridley não deu ouvidos. Foi em direção a Diego. — E quanto a você, senhor Murdock! Fazer bagunça no refeitório não é permitido! Eu tinha reconsiderado deixar passar a sua suspensão nos dias de Sábado! Por conta do baile! Mas não irei fazer isso! Você e ele ficarão de suspensão no mesmo dia!

Diego não se importou. Já era rotina, todo sábado, enfrentar a suspensão com Riddley. Galadriel, por outro lado…

— Como é? Eu nunca que vou ficar com ele! Meus pais vão ficar sabendo disso, com certeza! 

Faramir levantou a mão em sua direção, e seu irmão se calou. Ele se aproximou de Diego e Tiago e começou:

— Peço desculpas pela inconveniência. Mas seria melhor levar logo ele para a enfermaria.

Faramir estendeu a mão para Tiago, para que se levantasse e o seguisse até a enfermaria. Diego protestou.

— De jeito nenhum! Quem vai levar ele sou eu! — Começou a pensar em alguma coisa para justificar a mudança súbita de humor. — Eu não confio em você.

Isso era mentira. Faramir não tinha nada para desconfiar. Talvez Diego fosse a primeira pessoa no mundo a dizer aquilo. O Balthazar apenas o encarou, do alto, com os olhos calmos, e deu passagem para que eles fossem até o elevador, sozinhos. 

Enquanto Diego levava Tiago até lá e era acompanhado pelos olhares de muitos, ele teve certeza que viu Faramir dar um leve sorriso.

— Essa foi por pouco — disse.

— Falei para não entrar em combate, Murdock.

— O que eu ia fazer? Ele veio para cima de mim!

— Você aguentava algumas porradas na cara e deixava que os outros apartaram a briga...

— Tá achando que eu sou saco de pancadas?

— … Assim você ia ter mais razão, Murdock! E poderia ir ao baile!

Eles entraram no elevador, e antes da porta se fechar, e Diego dizer que não se importava em faltar o baile, uma voz de menina no meio da multidão falou:

— Não vou deixar isso assim, não!

Então uma menina saiu do meio da multidão e foi marchando em direção ao elevador. Ela entrou antes que as portas pudessem se fechar. Ela usava um vestido branco e tinha os cabelos dourados.

Ela ficou de frente para Diego enquanto o elevador subia, de costas para a porta. Ele reparou que ela tinha sua idade. 

Ela tinha uma trança no cabelo que parecia uma tiara… O rapaz deu um passo para trás ao ver melhor o seu rosto. Ele ficou encostado na parede do elevador. Era a menina que brilhava.

— Como vocês dois são fingidos! — exclamou ela, assim que o elevador começou a subir. — Esse drama todo foi para quê? Humilhar o Faramir?!

Ela tinha um jeito engraçado de ficar com raiva. Colocava as mãos na cintura, os cotovelos apontados para os lados. Seu torso ficava levemente inclinado para frente, e sua expressão de raiva parecia bastante forçado. Estava enrugando o nariz de proposito, e as sobrancelhas não iam tanto para baixo.

Diego reparou nisso. Reparou que a pele da menina que brilhava era um pouco dourada, o que combinava com os cabelos. Embora estivesse irritada, continuava muito bonita.

— C-calma, Leindecker — disse Tiago, saindo do apoio de Diego, pois ele provavelmente já tinha notado que não adiantava mais fingir.

— “Calma, Leindecker”? — perguntou ela, enquanto balançava o corpo. Olhava de cima para baixo os dois. — Tiago, eu tinha você na maior estima! Era inteligente e sempre te admirei por isso. Diferente dos outros quentes! Mas agora anda com esse garoto por aí. Deveria escolher melhor com quem anda!

— Ei! — começou Diego, sem saber exatamente o motivo de sua barriga estar tão leve. — Pode parar por aí. Os Baderneiros sempre ficaram enchendo o saco do Tiago, e todo mundo sabe disso. Agora que eu salvei ele, você vem reclamar?

— Salvar ele com mais violência?! — perguntou, irônica. — Não é assim que se resolve as coisas, Murdock. E outra! Saibam que fui eu que pedi para o Leo e a Mini irem até você! — E apontou para Tiago.

— O quê? — perguntaram os dois rapazes, ao mesmo tempo.

— Eu vi o Alastor muito estranho... — começou ela. — Ele não parava de te olhar com aqueles olhos maníacos dele! 

Diego sorriu. Ela tinha a mesma opinião que ele com relação aos olhos de Alastor. Ele deixou de sorrir assim que ela lhe lançou um olhar nervoso. 

— Eu que pedi para o Leo a Mini te ajudarem, porque se eles estivessem com você o Alastor não ia mexer contigo.

— Ah… Foi? — perguntou Tiago, parecendo desconcertado. — Bom, isso explica o motivo de não terem mexido comigo…

Ela cruzava os braços enquanto andava de um lado para o outro no elevador. Depois relaxava os braços. 

— E aí qual é a gratidão que eles recebem? Confusão! Acha que eu não sei que isso tudo foi fingimento? Nem sei como você conseguiu esse monte de sangue na camisa. É da Mini ou do Leo? E agora, como eu vou encarar eles dois e agradecer pelo que fizeram?!

— Mas pera lá! — interrompeu Diego. — Como que eu ia saber que eles estavam lá para ajudar?

— Perguntando? Antes de bater? Parece uma boa opção para mim.

— Você não entendeu. — Diego se irritou. Ele deu alguns passos à frente até que o rosto dele ficou muito próximo ao dela, dando de ver seus olhos verdes claros. Ela não se intimidou, continuou no mesmo lugar, decidida. — O Tiago passou o ano inteiro sendo infernizado. Jogado no chão, humilhado na frente de todo mundo. Eu fui o único que teve coragem de ajudar, e funcionou. Fale o que quiser sobre eu dar uma surra nos outros, mas eu não sou idiota. Eu sei o que eles continuariam fazendo com o Tiago caso eu não tivesse “usado violência”.

Os dois ficaram se encarando por um tempo. Diego ainda era um pouco mais alto que ela, então podia ter o privilégio de olhar para baixo, como se fosse superior. 

Mas seus olhos não estavam focados em seus olhos. Eles repararam no nariz fino, os lábios e queixo da moça. Mal notou que estava muito perto dela. Podiam dizer que estavam respirando o mesmo ar. 

Ela continuou em um sussurro, baixinho, como forma de revidar a intimidação:

— Bom, se eu soubesse disso, quem sabe eu não teria deixado o Alastor ter ido falar com o Tiago. Pelo menos a confusão seria mais justa. 

Justa. Aquela era uma palavra forte para o rapaz. Ele continuou lhe encarando. Ele sabia que, se aquilo fosse verdade, e tudo indicava que era, deveria agradecer a Mini e a Leo pelo que tinham feito. Isso seria justo.

Enquanto pensava o que fazer e encarava a menina, seu coração batia rápido demais. Ele sentia o sangue bombeando pelos seus dedos.

Então o elevador abriu, e ela deu passagem para os dois, saindo de perto de Diego. Tiago tentou falar alguma coisa, mas ela interrompeu.

— Não quero mais saber sobre isso. Não quero mais saber sobre vocês dois! 

Tiago arrastou Diego para fora, pois notou que aqueles dois estavam muito tensos. Enquanto andavam pelo corredor até a porta da enfermaria, Diego ouviu a menina murmurar: “E ele ainda se diz um Murdock… Sobrinho do Dragão Negro… Tsk!”

Diego se virou para olha-la uma última vez, mas a porta tinha se fechado.

— Olha, Murdock — disse Tiago. — Não fica irritado com ela. Ela tentou ajudar a gente.

— O nome… Quer dizer, qual nome dela?

— Lorena Leindecker, filha de uma das famílias Executivas, igual as do Balthazar. Então por favor, não fique com raiva dela. Ela é a Prometida do Balthazar.

— Prometida?

— Sim. É a maneira que os Assistentes Sociais têm para dizer “noiva arranjada”, ou “casamento arranjado”. Funciona para alinhar os poderes das famílias…

— Ela é noiva do Galadriel? — interrompeu Diego, o tom mais irritado do que ele gostaria que tivesse saido.

— Não! Nunca. Ela é do Faramir Balthazar.

Ele sentiu uma pontada de raiva daquele sujeito. Estava começando a gostar dele, mas agora só sentia vontade de bater nele; só não sabia explicar o motivo.

— Ele não é muito velho para ela? — perguntou.

— É, mas ela é Prometida, não noiva. Então eles só se casam mesmo quando ela for independente. Mas olha, o que eu queria dizer era… Para não ofender ela. Nem o Balthazar.

— Por que? Acha que eu vou atrás dela ou algo assim? — Sua pergunta tinha outro sentido e ele ficou com medo que o amigo notasse.

— Não, mas… Diego. Você viu a cara que fez quando olhava para ela? Estava assustador.

Então ele se lembrou do rosto da menina. De sua pele, e dos detalhes que notou no rosto dela. Ao imaginar isso, sentiu saudades da sensação na barriga que ela lhe causava.

— Tanto faz! — exclamou ele. — Só não quero que mais ninguém venha encher o nosso saco.

Eles entraram na enfermaria e Diego viu seu amigo ser tratado. Os dois conversavam entre eles, e Tiago falava algo muito interessante sobre o seu avô, o diretor Nebeque, e os possíveis comentários que ele iria fazer quando chegasse em casa.

Mas a mente de Diego tinha ficado no elevador. Estava frustrado sem saber o motivo disso. Deduziu que era por não ter dado mais alguns socos em Galadriel. Então se lembrou do Prof. Riddley lhe impedindo de ir ao baile, e ele ficou enfurecido por isso. Aquilo sim era injusto.

Era injusto não ir ao baile? Não foi ele mesmo que tinha dito que não queria ir? Por que querer ir para o baile? Ainda nem sabia dançar.

Ainda.



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