Volume 1 – Arco 4

Capítulo 28: Fofoca (3)

Enquanto Diego caminhava de volta até a estrada principal, esperando chegar no refeitório dos alunos e falar com Tiago, ele ficou pensando sobre o que tinha conversado com Sofia.

Tinha sensação de ter descoberto algo importante a respeito de Elizel: A inveja que sentia de seu pai. Mas talvez ele devesse deixar isso de lado e se concentrar nas informações boas sobre Neil. 

Ser comparado com o seu pai lhe deixou feliz, embora o fato dele ser um frio tenha lhe dado algumas dúvidas.

Até aquele momento sua Hagar Selar ainda não tinha brilhado, o que era estranho, pois podia jurar que o ocorrido no ringue, sua luta contra Alastor onde o rapaz ficou tão quente quanto carvão em brasa, foi uma pequena amostra de seu segredo adormecido. 

Mas agora ele se sentia desmotivado. Mesmo que conseguisse um poder, não tinha certeza se queria saber qual era a sua cor, pois isso poderia significar ficar longe dos seus amigos quentes. Afinal, seu pai era um frio, e sua mãe também. 

Embora o parentesco não representasse a cor que você teria, já era uma grande influência. Ele imaginou se caso fosse um frio teria coragem para ser tão rebelde quanto o seu pai, fazendo baderna com a nova turma, que ele considerava ser um bando de caretas, os frios.

Talvez ele fosse motivo de chacota para os seus antigos amigos, os quentes. E o que será que aconteceria com os pontos ganhos em suas partidas? Será que seriam transferidos para os frios?

— Ô, Amante-de-portas — chamou Rafaela, chegando de por de trás do rapaz, onde estava o prédio de eventos. — Quer ficar congelado?

Só agora que o rapaz tinha notado que estava parado na estrada a um bom tempo, parado, olhando a neve que se acumulava no chão. Suas roupas não eram de frio. Estava usando um terno, camisa e sapatos sociais, todos escuros. Achava que seu traje já tinha tecido o suficiente para lhe proteger da neve.

Rafaela se aproximava, sorrindo. As sardas cobriam suas bochechas rosadas. Seus olhos âmbar fitavam os de Diego, de um jeito hipnótico que apenas ela fazia, como se conseguisse lê-lo. 

Diferente do rapaz, a ruiva usava uma touca, um cachecol e… Nada de botas, descalça como sempre. 

— Mais ou menos — respondeu o rapaz. Ele apontou para os pés descalços da menina, avermelhados por conta do contato com a neve. — E você, não sente frio?

— Eu gosto de frio nos pés. É bom para esfriar o resto do corpo também. Se meus pés estão ao ar livre, então todo o meu corpo também está. — Antes dela continuar, o rapaz já sabia o que ela iria dizer. — Então, adivinha quem eu acabei de ouvir agora?

— Não sei — respondeu, sem muita animação para adivinhar. 

A última vez que tinha conversado com Rafaela foi quando ela lhe pediu para ouvir uma conversa entre os diretores e os professores na biblioteca. 

Após esse evento, soube por meio de Tiago, seu amigo, a respeito de um cartão que a menina tinha, que dava acesso ao Craveir em qualquer horario; coisa da qual ela jamais compartilhou com ele.

Ao pensar nessas coisas, o rapaz começou a ficar irritado. Ele começou:

— Eu queria falar com você, antes de você continuar.

— Sou toda ouvidos — ela disse com um sorriso, simples.

— Olha só — começou. — Rafaela, você não me falou que tinha um cartão de acesso daquela primeira vez que nos vimos, uma coisa que podia ter me ajudado a entrar sem toda aquela aventura maluca.

Ele a encarou, esperando que ela o interrompesse para protestar. Quando ela demonstrou que estava apenas ouvindo e fazendo uma cara de quem esperava ouvir mais, o rapaz se ajeitou e continuou:

— E outra coisa, você parece que tá só me usando como uma ferramenta. É essa a impressão que passa. Daquela vez você disse que precisava especificamente dos meus ouvidos, não de mim. — Ele a encarou mais uma vez. Ela continuava tão atenta às suas palavras agora quanto antes. — Quero dizer… Eu não gosto disso. Eu pensei que podia confiar em você, mas agora eu não sei. 

Após alguns segundos sem que ele falasse nada, a ruiva piscou. Então, ela olhou para ele, e ainda com o mesmo sorriso impassivo de antes falou:

— Na verdade, eu estou tentando entender o que você está falando. — As palavras dela foram tão simples, saíram sem nenhum pingo de agressividade.

Diego teve de repetir alguns pontos, e aproveitou para explicar melhor sobre outras coisas. Entretanto, quanto mais falava, mais ele notava que suas palavras não faziam tanto sentido assim. Seu discurso era fraco, os argumentos não eram dos melhores. 

— Entendi — disse ela, com a mão no queixo, pensativa. — Entendi, mas desculpe, continuo sem ver lógica. Presta atenção, o fato de eu ser independente é algo conhecido. Todos sabem sobre isso, basta ver o livro de registro.

— Sim, eu sei, mas eu… Não tô falando só disso. É sobre confiança.

— Entendi que você desconfia de mim — disse ela, com simplicidade. — Mas sou incapaz de entender isso. Por exemplo: Sobre o cartão de acesso. Isso é segredo. Nenhum aluno é autorizado a saber sobre isso. Então falar para você sobre isso era proibido.

— M-mas… Mas você é a última pessoa no mundo que pensa em regras. Você até hoje falta às aulas!

Ela riu.

— É verdade, eu passo por cima de algumas regras. Mas o que aconteceria se eu passasse por cima dessa regra do cartão, te falando sobre ele? — Ela esperou uma resposta. Não estava com raiva ou cobrando ele, era apenas uma pergunta. — O cartão de acesso só dá acesso a uma pessoa. Se a porta registrasse mais de uma pessoa entrando eu perderia o meu cartão.

— Eu sei… Eu sei… Eu só… Ahm… Eu só queria…

— Poder confiar mais em mim? — perguntou ela. — Você pode confiar em mim, se eu confiar em você. E eu confiei em você. Disse para evitar comentar sobre meu segredo e sobre o que tinha acontecido naquele dia para qualquer pessoa. Mas pelo que entendi, você contou para o Tiago. 

Diego se inclinou para trás. Ele queria ficar irritado, pois supostamente era uma acusação, uma cobrança. Mas o tom dela não indicava isso. Parecia tão calma quanto se estivesse dando um simples “bom-dia”. 

— Bem… Eu… Contei sim. Ele é meu amigo — disse Diego, tentando se defender, mas sabia que estava passando como o errado da história. Ele sentiu uma pontada de culpa no coração.

— É claro que é — riu Rafaela. — Ele é neto do diretor Nebeque, então deve ter ouvido de alguma conversa a respeito dos cartões. Por que achar essa informação em livros é impossível.

— Tá, eu falei para ele, mas… — começou ele, tentando se desculpar. — Só… Desculpa.

— Sem problemas. Pode contar ao Tiago. Ele é de confiança. Ele é do tipo que se mantém de boca fechada. Inclusive, pode até mesmo falar sobre as conversas que ouvimos, se quiser.

Diego a encarou. Ele queria levar a melhor na discussão de alguma forma. Então ele fez uma pergunta desafiadora.

— Você é mesmo uma Viravolta? 

Ela sorriu outra vez, e Diego preferiu que não tivesse feito.

— Já tenho muitos apelidos, então estou sem espaço para: Mentirosa. 

Nesse momento o rapaz sentiu uma enorme vontade de enfiar sua cabeça no meio de toda aquela neve e ficar por lá mesmo.

— Agora, sobre nossa relação. — A palavra “relação” fez as bochechas do rapaz esquentarem, embora Rafaela continuasse normal. — Olha só, para mim uma amizade é como uma via de mão dupla. Você dá e, de alguma forma, recebe. Na minha opinião, e essa é a minha opinião, uma amizade é destrutiva a partir do momento em que você só suga, sem receber nada. Por isso eu gosto de retribuir cada pequena dívida que tenho com meus amigos, do jeito mais literal possível. E você é um dos meus amigos. Ou ao menos pensei que fosse.

As palavras dela não foram carregadas por raiva, nem ressentimento. E foi por isso que o peito de Diego doeu tanto. Ele sentiu suas bochechas esquentarem mais uma vez. Dessa vez não se surpreenderia se estivesse mesmo tão vermelho quanto um tomate.

— Mas enfim, era só isso? — Diego balançou a cabeça em positivo. Ele estava mesmo planejando uma maneira de sair daquela conversa. —Eu disse que tinha algo para te contar. Então, a conversa que eu ouvi foi entre o Gabriel e o irmão dele, o Faramir. O Gabriel estava com raiva do irmão porque ele demorou para derrotar o Traçal. Convenhamos que o Faramir poderia ter derrotado ele nos primeiros minutos. Bem, isso irritou Gabriel.

Diego lembrou de como Galadriel estava desapontado na luta do irmão. Então era por aquele motivo. Mesmo assim, ainda era um motivo muito ruim.

— Mas por que?

— Porque o Gabriel queria que o Faramir mostrasse o “Poder Dos Balthazar”, de como a família dele é incrível, e tudo mais. Daí, o Faramir deu uma lição de moral nele, falando que nem tudo se resolvia com briga e nem todo respeito se ganha com base na força.

Faramir Balthazar era mesmo uma pessoa incrível, pensou Diego.

— E então…? — falou ele, ao perceber que a moça não continuou. 

— Bom, é só isso. Eu sei que você e o Gabriel são…

— Inimigos mortais — completou.

— Eu iria dizer tretados, mas se isso aí servir... Enfim, achei que essa informação é importante para você.

— Hm… Não sei. O que tem de mais em saber que o Galadriel levou um esporro do irmão? Só prova que o Balthazar é legal e o irmãzinho dele é um babaca.

— Se você olhar por outro lado, vai notar que o Faramir tem autoridade suficiente para calar o irmão. 

— E aí? Tà dizendo que toda vez que eu devia brigar com o Galadriel na frente do Balthazar, só para ele levar um carão? 

— Eu sou apenas uma simples informante. O garoto-dos-planos é outra pessoa. — Ela se despediu do rapaz, se virou e começou a andar de volta para o prédio de eventos, alegando que iria ouvir mais algumas outras “fofocas” por aí. — Ah! A propósito, Amante-de-portas! Essa informação foi por conta da casa. 

Com uma piscadinha, ela foi embora.

Diego sentiu vontade de rir, mas não conseguiu. Havia julgado mal aquela menina. Realmente, tinha de considerar que sua intuição estava lhe pregando uma peça com relação a ela. E que Tiago não estava tão bem informado sobre a ruiva.

De fato, Rafaela era, de certa forma, interesseira. Mas ela mesmo admitiu que essa era a sua maneira de encarar uma amizade. 

E qual era a forma de Diego encarar uma amizade? Ele não foi justo ao falar os segredos que ela tinha pedido para não serem contados a Tiago; embora ela não tenha ficado irritada.

Ele já estava próximo do prédio principal. Andava olhando para o chão, tomado por aquela camada de neve. Não parava de pensar sobre todas as informações que havia adquirido até ali.

Pensou sobre seu pai e seu tio. Que talvez a rivalidade deles fosse tão intensa quanto a inimizade que ele tinha por Galadriel.

Se lembrou do momento em que ficou com vergonha, quando estava com Sofia, por se lembrar daquela menina sentada com os Baderneiros. Diego sentiu vontade de enfiar sua cabeça em algum canto, apenas para ver se conseguia apagar aquele momento.

Depois ele pensou no frasco com o líquido vermelho. E então, uma lembrança lhe veio. Ficou espantado quando se lembrou de onde já tinha visto. Mas não podia ser, devia ser um engano...

Assim que pensou sobre isso, o rapaz foi atraído por ruídos vindos da direita.

Entre os prédios, em um beco um pouco escuro, Diego conseguiu ver algumas figuras que se mexiam, falavam alto e riam. 

Ele ouviu a risada esganiçada de Mini, e os “Ei, ei!” de Leo. No meio deles estava…

Impossível. Simplesmente não podia ser verdade. Tiago estava no meio deles, e era o alvo dos risos. Como eles tinham coragem de fazer aquilo? Se aproveitaram de sua ausência para infernizar Tiago? Eles seriam tão malignos a esse ponto?

Independente da resposta, o fato era que Diego começou a se encher de raiva.



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