Volume 1 – Arco 4
Capítulo 27: Fofoca (2)
— Ah, não — continuou ela, calma. — Ele era um azul.
Diego sentiu uma sensação boa, como um arrepio, porém misturado com um vazio no estômago. Não era exatamente o que ele esperava, mas ainda assim o seu pai era uma cor primária. O que significava que seus poderes deveriam ser incríveis!
As cores primárias tinham a ver com a sua personalidade, mas não apenas isso. Também falavam muito sobre como você usaria os seus poderes. Se fosse quente, seus poderes seriam usados de forma explosiva, para combate. Quanto mais puxado para o amarelo, mais forte seria essa tendência. Se fosse frio, seus poderes seriam usados de maneira meticulosa.
Ele não conseguia imaginar como que o seu pai, que era uma pessoa tão bagunceira quanto ele, podia ter uma cor
— Mas… — continuou ele, parando para pensar melhor. — Isso quer dizer que ele era frio quando estudou aqui?
— Sim, ele era. Mas o Neil não se comportava nada como um frio. Você sabe, eles costumam ficar quietos e tudo mais, sem fazer muita bagunça. O Neil era o completo oposto. Era bagunceiro, gostava de chamar a atenção e estava sempre perto de alguma confusão. Era o completo oposto do seu tio. Acho que era por isso que os dois não se davam tão bem assim.
Diego recentemente soube que Elizel nutria uma espécie de rivalidade com o Comandante Pedro Vinicius. Isso era desde que tinham a sua idade. E agora ele também soube que não apenas o Vinicius, mas o seu pai também era alvo dessa rivalidade.
E todas essas figuras estavam lá na noite em que a infestação de nocivos matou seus pais.
— Por que eles não se davam bem? — Quis saber.
— Ah, meu bem… O Elizel nunca se deu bem com muita gente. Ele era frio também, mas quando eu digo frio, é realmente… Frio. Da última vez que vi seu tio, ele estava sentado em uma das mesas lá fora, lendo o jornal e esperando para falar como diretores enquanto o professor Nemo contava sobre a vida amorosa dele....
Diego então se lembrou do primeiro dia que chegou no Craveiro, e do primeiro professor que viu, andando pelo Corredor Ziguezagueante. Então era nesse lugar onde estava o seu tio. Tão perto de lhe pegar…
— … Então o Elizel só disse: “É melhor revelar seus sentimentos para ela, antes que ela lhe escape pelos dedos”, enquanto olhava para aquele jornal dele. Eu fiquei horrorizada, parecia que ele estava profetizando que a professora Borstmann ia morrer antes do Nemo se declarar, ou coisa assim.
— Acho que ele nunca foi muito sensível — diz Diego, sem realmente prestar atenção ao que estava falando, afinal ele já suspeitava que o Prof. Nemo gostava da Prof. Borstamann. — Mas, e minha mãe? A senhora conheceu ela?
— Ah, meu bem. Sinto muito, mas o seu pai e seu tio eu conheço desde que tinham sua idade. Já a Emma só veio para o Craveiro no quinto ou sexto ano, se não me engano. Ela era transferida. Então não conhecia tão bem assim. Mas ela era fria, assim como seu pai. E ao contrário do seu pai, era a pessoa mais delicada do mundo.
“A sua mãe sempre foi muito boa com as coisas relacionadas à saúde, isso eu sei. Ela gostava de ajudar as pessoas. Tinha um coração bom, a Emma. Mas no fim, eles acabaram se casando, não foi? Eu fui, junto com o Max. Ela estava linda com um vestido branco e com alguns detalhes em azul.”
Enquanto a Sra. Bjorn contava mais sobre como o casamento dos seus pais foi incrível, Diego acabou sendo tomado por um estranho pensamento. Ele ficou pensando em seu tio, e se ele, nessa época, já teria superado o fato de que seu pai era muito melhor que ele.
Algo além de sua intuição, uma voz que vinha de seu íntimo, começou a se manifestar, e o rapaz foi tomado por uma intensa desconfiança. O quanto o seu tio não gostava de seu pai?
— E depois dele se casar com minha mãe, o meu tio parou de perturbar ele? — O rapaz estava começando a ficar com raiva.
— Querido, o Elizel não tinha raiva do seu pai. Eu aposto que essas desavenças que os dois tinham eram coisa de primos. Como… A Mini e Bruno. Pronto! Eles às vezes têm as próprias desavenças, mas é normal.
— Aposto que ele tinha raiva do quão popular meu pai era e ele não.
— Meu bem — riu Sofia. — Acho que você nunca viu o Elizel zangado na vida. Nem sei se eu já vi ele alterado alguma vez, e olha que conheço ele a mais tempo que você.
— Sei… — respondeu, em tom de desafio.
— É sério — continuou Sofia. — Acho que só teve uma vez que vi ele ficar com raiva. Seu tio ficou com uma cara irreconhecível. Mal dava para ver que era ele, como se tivesse tudo nublado.
Diego ponderou sobre o assunto por um momento. Certamente ele já viu o seu tio zangado, embora não pudesse dizer ser uma expressão “irreconhecível”, já que ele sempre parecia de mal com Deus e o mundo.
Na verdade, talvez o rosto de Elizel só estivesse nublado na hora por conta do tanto de maço de cigarros que ele tragava. Ao menos era a possibilidade.
Enquanto Sofia falava ele apenas balançava a cabeça, mas não escutava de fato. Estava decidido a acreditar que o seu tio não passava de um grande invejoso, que sentia raiva do seu pai por nada.
Deve ser por isso que ele não o ajudou na noite em que seus pais morreram. Precisou da presença do Comandante Pedro Vicinius para que o rapaz pudesse ser salvo.
Ele não sabia de fato o envolvimento do Comandante com a sua vida, mas suspeitava que Elizel não teria salvo sua vida. Ele não via um ato altruísta como aquele saindo de seu tio.
Na verdade, conseguia visualizar a cara de satisfação de Elizel ao notar que finalmente tinha se livrado dos Murdock. Imaginou que seu tio tinha ido ao local naquela noite só para poder ver com os próprios olhos.
Mas isso seria impossível. Até onde sabia, as infestações aconteciam de forma aleatória, sem que as pessoas pudessem prever onde iriam acontecer. Por isso existia o Craveiro, para cuidar dos territórios da Espanha, os separando entre algumas figuras importantes.
Elizel podia ser mal, porém não parecia ser o tipo de pessoa que descobriria uma forma de prever os ataques dos nocivos antes que estes acontecessem. Se tivesse descoberto algo assim, já seria mais famoso do que já é.
Mesmo assim, o rapaz deixou escapar um sorriso ao imaginar a cara que o seu tio fez quando percebeu que o filho do seu rival não tinha morrido.
E após imaginar, ficou irritado mais uma vez.
Então uma sineta no prédio, baixinha, tocou, sinalizando que seria agora o momento de Diego ir embora, pois os funcionários logo estariam ali dentro, prontos para comer a refeição que Sofia fez.
— A conversa foi boa, mas tá na hora de você ir. — Ela limpou as mãos em um pano, depois chegou perto do rapaz e lhe deu um beijo no topo da cabeça. O gesto o fez lembrar de Angela. — E vê se não arranja nenhuma confusão, ouviu?
O rapaz balançou a cabeça e começou a andar para a porta, que ainda estava entreaberta. Antes que pudesse, porém, ele se virou e perguntou:
— Qual era a cor dele? — A mulher não pareceu entender a questão do jovem, por isso espremeu os olhos, como se tentasse ler o rapaz. — Quero dizer, a senhora sabe qual a cor da Hagar Selar do meu tio?
— Tantos anos de convivência, é lógico que eu sei! — exclamou ela. Ela pousou a mão sobre a cintura e apoiada sobre a parede com a outra mão olhou para cima para vasculhar a memória. A resposta demorou um pouco para vir. — Acho que era verde, meu bem. Faz muito tempo isso. Mas… É, com certeza era verde.
Verde. A cor dos que nunca poderiam ser azuis, e que comumente eram atribuídas aos Druidas.
Seu tio não era um Druida, até onde sabia, mas sabia que os ligados à natureza não eram levados muito a sério. Geralmente quem tomava toda a atenção era os Magos, com suas mentes brilhantes, ou os Feiticeiros, com suas atitudes consagradas.
— Com certeza — disse Diego, acenando um adeus e saindo.
Com certeza seu tio devia ser um verde qualquer, um bem feio, tipo musgo, e por isso sentia tanta raiva de seu primo, que era um verdadeiro azul, um frio de verdade.
Ora, Elizel não era o centro das atenções, afinal de contas.