Volume 1 – Arco 4
Capítulo 26: Fofoca (1)
Diego não sabia o motivo de Sofia estar lhe chamando para uma conversa em um local proibido para alunos. Imaginava que se tratava de algo sério, algo relacionado a algum boato. Possível sobre a briga que teve com Mini. Então certamente ela descobriria que não tem tratado muito bem a sua filha.
Ele tentou não se importar com isso, pois o fato era que Mini não era flor que se cheire. Ela o havia provocado, então não tinha motivo para não detestar a garota. Mesmo pensando dessa forma ele ainda sentia um certo nervosismo de ter de encarar aquela mulher.
Após olhar pelas portas de vidro que não havia ninguém no local, pois as portas do refeitório dos funcionários não eram pretas como as da entrada do prédio principal, o rapaz adentrou.
Do lado de dentro notou que aquele refeitório era muito mais bonito do que os dos alunos, embora fosse menor. Tinha um teto de vidro, onde a luz do Sol entrava e iluminava nas mesas, compridas, se esticando de uma ponta a outra.
Ele se moveu até o local onde pensou que ficaria a cozinha, passando pelos vãos das mesas. Os assentos eram colados nas mesas e também seguiam o seu comprimento, o que, Diego achou, seria bastante desconfortável já que a pessoa não teria a oportunidade de ajustar o seu assento.
Assim que chegou na cozinha, viu que ainda estava tudo fechado, com exceção das portas da lateral, de madeira envernizada, que estava entreaberta e de onde emanava um cheiro bom.
Havia uma sombra sendo projetada por conta da luz amarela que vinha dentro de dentro do local. A sombra foi se aproximando e, conforme se aproximava da porta, Diego ouviu os passos apressados e pesados se aproximando dele.
— Ah! É você, Diego — disse Sofia, parecendo aliviada. Ela segurava uma vassoura com uma das mãos, porém não parecia que estava varrendo nada. Ela encostou a vassoura ao lado da porta e fez um gesto para que ele a seguisse. — Venha, entre.
O rapaz obedeceu. Assim que entrou, suas narinas foram tomadas por um aroma que fez sua barriga roncar. Era macarrão, uma de suas comidas preferidas. Sofia deve ter notado os protestos de sua barriga, pois o fez sentar em uma cadeira alta demais para seus pés alcançarem o chão e lhe deu algo para comer.
Enquanto comia, ela ficou arrumando algumas de suas coisas. Ela informou que ainda não era hora dos funcionários chegarem enquanto ia até o fogão e ajeitava a temperatura de uma enorme panela. O cheiro que saia dela também era agradável.
Após repetir duas vezes e comer de sobremesa um delicioso sorvete de chocolate — sobremesa essa que não era distribuída para os alunos no refeitório, por tanto concluiu que deveria aproveitar o privilégio que estava tendo — o rapaz finalmente encheu.
O rapaz segurou a barriga com a mão, para garantir que ao respirar sua barriga não expandisse tanto ao ponto dos botões de sua camisa saírem voando para todos os lados.
— Quer mais, querido?
Diego balançou a cabeça em negação e a viu rir. Ela pegou o prato do rapaz e foi em direção a uma pia, onde começou a lavá-los.
Sofia era uma mulher que ocupava muito espaço, mas naquele lugar confinado ela se movia com tanta suavidade que nem parecia que estava a poucos centímetros de esbarrar nas panelas.
O rapaz notou que a cozinha estava mesmo muito limpa, provando que Sofia fazia um bom trabalho nos dois refeitórios. Mas como será que ela ficava lá e aqui? Bom, ele resolveu que descobriria isso depois, já que no momento tinha medo de abrir a boca e soltar um arroto.
Então um frasco de vidro com um líquido vermelho, muito familiar, deixado sobre a piada ao lado do braço rechonchudo de Sofia lhe chamou a atenção. Ele tentou se lembrar de onde viu algo parecido com aquilo enquanto analisava.
Antes que pudesse se lembrar, a mulher pegou o frasco com o líquido vermelho e pôs no bolo de seu avental.
— Bom, meu bem, e então… — começou ela, enxugando as mãos em um pano e depois puxando uma tábua de madeira, uma faca e algumas verduras. Enquanto ela cortava os temperos em cima da tábua, falou: — Eu soube que minha filha andou brigando com você. É verdade?
Ela o encarava ocasionalmente, embora a maior parte de sua atenção se voltasse para os cortes que estava fazendo. Aquilo poderia ser algum tipo de gesto ameaçador, porém a voz dela e a maneira como agia, como se aquilo não fosse realmente importante, não demonstrava que estava com raiva. Ao menos, não dele.
— Sim — disse baixo, por conta de sua barriga cheia.
— Eu sabia! — exclamou ela, agora cortando as cenouras com maior velocidade. — Aquela menina é muito zangada. Eu tô quase sem saber o que fazer com ela. Acredita que no começo do ano ela teve uma briga com uma colega da turma dela também? A menina foi parar na enfermaria com um monte de cortes no rosto! Quase que eu morro de vergonha…
Diego podia imaginar muito bem aquilo. E ao ver a reação indignada de Sofia com relação a Mini lhe fez querer rir, mas ele tentou não fazer.
— É verdade! — Sofia pareceu ter percebido a risada contida. — Ela sempre foi uma menina difícil de lidar. Muito solta, muito ousada, sabe? Gosto dela sendo assim, uma menina que não leva desaforo para casa. Mas não precisa se meter em confusão. — Ela pegou as cenouras cortadas e as jogou no enorme caldeirão. — E agora que eu sei que ela andou caçando-conversa com você… Ah, fico feliz de não ter lhe acontecido nada.
— É. Consegui sair dela a tempo. — Mas aquilo não era bem verdade. Se não fosse por Leo, o rapaz teria no seu primeiro dia de aula nas mãos da filha daquela mulher. — Ela não é amiga de pessoas... ótimas.
— É, eu sei que o Leo e Gabi não são flor que se cheire.
Diego deu uma outra risada contida. Era engraçado alguém, que não Mini, chamando Galadriel por aquele diminutivo. Em sua cabeça era como chamar um cachorro de cachorrinho.
— Mas ela gosta tanto deles — continuou. — E eu até entendo o porquê. Eles foram os únicos da turma dela que aceitaram ela do jeito que ela é, sabe. Nervosa e tudo mais. E além disso, o Bruno também é amigo deles. E eu nem sei como isso aconteceu direito. Foi a amizade mais inesperada, um Lupin, um Balthazar e dois Bjorn, amigos. Rhá!
Diego deu de ombros. Ele julgava que ficar sem grupo era melhor que se associar àquele, mas não discutiria. Na verdade, até o momento o rapaz não via razão para ter sido chamado até ali. Considerou que ela queria apenas conversar. Então tentou ser educado e puxar conversa.
— Bom… — começou o rapaz, pensando bastante nas palavras que usaria. — Eu sei que ela gosta do Galadriel.
— Ah! Ela adora ele. Todo o dia é o “Gabi isso, o gabi aquilo”. Daqui a pouco eu vou ter um treco de tanto “Gabi” dentro de casa.
Dessa vez Diego riu de verdade, deixando a gargalhada sair alto.
— Pode rir — disse ela, também sorrindo. — Mas aposto que um dia você vai ficar como ela. Apaixonado, digo. Toda criança tem aquele amor” à primeira vista”. Eu tive quando era criança. O Max também teve, pelo que ele me disse. E aí, não consegue pensar em ninguém?
Diego parou de rir, pois imediatamente pensou em um brilho distante, um cabelo dourado, como ouro, e a trança que mais parecia uma tiara. O rapaz sentiu o rosto ficar quente e então balançou a cabeça para Sofia.
— Não. — Sua voz saiu sem convicção.
— Ah, não? — debochou ela. — Então por que você está mais vermelho que esse tomate? — Ela segurou um tomate para o alto e riu. Então se aproximou dele e deslizou delicadamente a ponta de seu nariz com o dedo. — Você me lembra o seu pai quando eu falava sobre a Emma.
Sua atenção foi direcionada.
— A senhora conheceu o meu pai? — disse, curioso.
— Quem não conhecia? Ele era um Murdock, e além disso, é de Neil Murdock que estamos falando! Fora que o primo dele era o Elizel. Cheio de pessoas importantes na família, vocês, hein?!
— E como ele era? — Estava começando a ficar ansioso.
— Para ser sincera, eu não sei muito bem como ele era. Eu tinha mais contato com o Elizel do que o Neil. — Ao ver os olhos de decepção do rapaz ao citar o tio, ela tentou concertar: — Mas sei de algumas coisas, e a principal delas é que ele não era muito diferente de você.
— Como assim?
— Ele tinha o pavio curto, igual você. E era um pouco agressivo. Nos torneios ele era brutal. Sempre derrubava os oponentes com poucos golpes. Ao menos era o que me diziam, eu nunca fui muito chegada nos torneios. Acho que a única coisa de diferente de vocês dois… É a cor.
— Ele tinha qual cor?
— Você não sabe? — Ela lhe encarou cheia de dúvida. Tentou procurar algum sinal de ironia na cara dele, ficando surpresa ao não achar nada. — Meu Deus, querido. Eu pensei que alguém tivesse lhe dito. Pelo menos o Elizel tinha falado! — Ela começou a cortar os temperos com força, deixando marcas na tábua.
— E então… Qual era a cor dele? — Quis saber. — Ele era um amarelo igual ao Capitão Roudini?
— Ah, não… — continuou ela, agora calma, falando baixinho, como se contasse um segredo: — Ele era um...