Volume 1 – Arco 4

Capítulo 25: O Balthazar

Finalmente havia chegado o dia da luta do Balthazar. Até aquele dia o rapaz não viu o irmão mais velho de Galadriel. Recebeu a informação que ele sempre andava ocupado, e em sua maioria das vezes escondido.

Diego encarou a luta com a mesma prioridade de sempre. Acordou atrasado, sem ninguém na sala, pois desistiram de lhe chamar. Se levantou e foi correndo em direção ao prédio de eventos. A neve continuava a cair no Craveiro.

Quando ele chegou próximo na porta de entrada ouviu varias pessoas gritando. As vozes eram agudas, porém não do jeito das crianças. Eram em sua maioria vozes femininas. 

Enquanto descia as arquibancadas até chegar em uma próximo ao ringue, onde Tiago havia guardado o seu lugar, notou que a maioria das pessoas que estavam ali eram meninas. 

Aquilo lhe encheu de surpresa. Era a primeira vez que via tantas meninas no torneio. Geralmente elas não assistiam aqueles eventos, apenas quando alguma de suas amigas entravam no ringue.

Já sentado, Tiago avisou que o rapaz chegou bastante atrasado e perdeu as outras 4 lutas. Aquela já era afinal, onde seria determinado o vencedor. Após reclamar sobre ninguém ter lhe acordado, Diego se concentrou na luta.

Seus olhos pararam em uma figura alta e robusta. Usava uma camiseta preta muito colada ao seu corpo, musculoso, luvas que não cobriam os dedos, calças militar e botas marrons. Fora isso, seu cabelo era raspado nas laterais e usava um óculos escuro.

— Quem é o grandalhão? — perguntou. — É o Balthazar?

— Não — disse Tiago. — Aquele ali é o Traçal. O Balthazar é o outro.

Diego demorou um pouco para entender a figura que estava vendo. Traçal lutava com o que parecia ser uma mulher, ou no caso um homem com traços muito afeminados.

Ele era alto, esguio, e tinha um olhar profundo. Seus olhos azuis podiam ser vistos de qualquer lugar, e isso era ressaltado pela sua pele, tão pálida que parecia neve. Seus cabelos eram ondulados e compridos, descendo até o seu peito; pareciam nuvens.

Aquele rapaz estava usando uma camisa social por fora das calças, também social. Suas mangas estavam dobradas até os cotovelos, mostrando os músculos finos, porém firmes, de seu antebraço.

Não tinha dúvidas, aquele era um Balthazar. A palidez não deixava escapar. Porém havia algo naquela pessoa que cativava Diego. Cada movimento dele no ringue, o olhar penetrante, a maneira como demonstrava respeito pelo oponente, enquanto parecia estar lhe subestimando, era elegante.

Não como Alastor, com sua voz forçada. Era um verdadeiro elegantismo. Parecia que Balthazar voava pelo ringue, para lá e para cá, como se estivesse voando. Por um momento Diego pensou que aquilo fosse o poder dele, mas notou que não era esse o caso.

Foi aí que ele entendeu o motivo de tanta garota a sua volta.

— Se fosse para apostar, eu diria que o grandalhão tem mais chances — falou. — O Balthazar ali se movimenta bem, mas o Traçal é maior e mais forte. Fora a cara de mal dele.

— Uma luta não é determinada pelo tamanho — apontou Tiago. — Fora que o oponente dele não é qualquer um.

— O que tem de mais nele?

— O que tem de mais é que ele é O Faramir Balthazar.

Diego ficou um pouco confuso, porém logo entenderia o que seu amigo queria dizer.

— BALTHAZAR E TRAÇAL SE ESTUDAM POR UM TEMPO! — começou a conhecida voz de Gutierrez. — TÁ FALTANDO APENAS DOIS MINUTOS, HEIN! MELHOR INICIAR LOGO ESSA LUTA…

O musculoso fez o primeiro movimento, rápido e preciso. Colocou as mãos no chão, ficou de ponta cabeça e girou o corpo para lançar vários chutes em cima do oponente. Os chutes pegavam fogo. Diego não esperava por aquilo. Traçal não era apenas forte, como habilidoso.

— E MAIS UMA VEZ TRAÇAL MOSTRANDO O QUE UM GERADOR É CAPAZ DE FAZER!

O Balthazar não reagiu muito bem. Se defendeu com os braços e foi jogado para trás, sem dar muita atenção a queimadura que recebeu. Traçal voltou a ficar em pé e deu um mortal para frente, atacando o albino com um soco de cima a baixo, rasgando o ar com o seu fogo.

Balthazar, com movimentos rápidos e leves, acertou um soco no peito exposto do oponente, antes do golpe lhe atingir. Traçal foi mandado para trás e caiu de costas. Porém ele se recuperou rápido. Com a guarda fechada, ele se agachou e investiu com vários golpes.

— UM MOVIMENTO ARRISCADO! — anunciou Gutierrez. — TRAÇAL É MUITO MAIOR DO QUE O FARAMIR, E ELE VAI TENTAR ATACAR POR BAIXO!

O albino até tentou acertar alguns golpes, porém o robusto se desviu de todos eles enquanto continuava avançando, o tronco agachado. Por recuar de mais, Balthazar acabou encostando nas cordas. Traçal aproveitou isso para carregar um golpe flamejante e acertou precisamente o tórax do oponente.

Quando o robusto recuou, o rapaz pálido não parecia tão abalado, com exceção do sangue que escorria pelos cantos da boca. Embora as meninas da arquibancada gritassem em protesto, Balthazar continuava com um tom de preocupação em sua postura. Seus olhos fitavam penetrantemente o oponente.

— Os olhos dele — disse Diego, sem pensar sobre isso.

— Quê tem?

— Não sei dizer. — Era a voz da intuição falando mais uma vez.  — Mas ele parece tão calmo. Como se estivesse se… Estivesse lidando com uma criança.

— Está dizendo que o Balthazar está humilhando o Traçal?

— Não. Eu diria que ele está… Ensinando. Como um instrutor. Sem humilhação.

E o que ele disse logo se comprovou, quando Balthazar e Traçal ficaram parados. O rapaz robusto estava ofegante e suando. Ele balançava a cabeça afirmativamente para o seu oponente, pois o rapaz pálido como a neve estava falando com ele, apontando para vários lados da arena com graciosidade.

Enquanto as meninas enlouqueciam — por algum motivo que Diego queria entender — Gutierrez falou:

— COMPETIDORES! FALTAM APENAS UM MINUTO. ANDEM LOGO! 

No entanto, eles não continuaram. Permaneciam rodeando o ringue, as guardas um pouco abaixadas, conversando. Ou melhor, Balthazar estava instruindo, enquanto Traçal aprendia. Não dava para ouvir a conversa por conta do barulho das meninas. A gota de sangue no canto de sua boca continuava lá.

Enquanto a luta não se iniciava, Diego olhou mais adiante, para a arquibancada dos frios. Ele procurava alguém, e achou. Era a menina. Ela estava com as mãos contra o colo, o rosto um pouco zangado. As tranças que formavam uma tiara continuavam do mesmo jeito. Ao lado delas, os Baderneiros.

— Ei, Tiago — chamou, notando algo de estranho. — O Galadriel tá com raiva. Acha que ele está preocupado de que o irmão vá perder?

Assim que o rapaz da cicatriz apontou, os Baderneiros pareceram notar sua presença. Galadriel, Leo, Mini e Bruno — este permanecia lerdo e prestando atenção a luta no ringue — começaram a fazer gestos ofensivos. Diego retribuiu.

— Babacas.

— Não vai provocando — alertou Tiago.

— Eu já disse, se eles fizerem alguma coisa com você, vou quebrar cada um deles.

— E eu já falei que não preciso da sua ajuda. Eu resolvo meus problemas. — Antes que o rapaz da cicatriz pudesse fazer uma objeção, ele apontou: — Agora, olha aí a sua luta.

Faltavam trinta segundos para a rodada acabar, quando Diego viu Balthazar e Traçal balaçando a cabeça em confirmação, levantando a guarda e investindo um contra o outro com muita rapidez. O albino era mais veloz.

O grandalhão tentou um golpe de direita, com chamas, mas errou. Balthazar desferiu uma joelhada em seu rosto, o lançando para trás. Assim que o rapaz albino pousou no chão, ele limpou o sangue que escorreu de sua boca com o dedão, e desenhou alguma coisa na palma de sua mão esquerda.

Diego notou aquilo e gravou em sua memória.

Quando Traçal tentou ir para cima, Balthazar recuou, fazendo o oponente errar, e investiu com a palma aberta, tocando o tórax do oponente com a mão esquerda. 

Por um momento os dois ficaram parados no tempo, como estatua. O cronometro continuava. Faltavam poucos segundos. As meninas continuavam gritando, porém elas se calaram ao ver o evento seguinte.

Um fogo azul saiu das mãos de Balthazar e atravessaram o corpo do robusto, como um propulsor de um foguete. Todos ficaram em silêncio. Quando Traçal tombou, todos olharam para ele, para ver se ainda continuava vivo.

Para a surpresa de todos, não havia um único ferimento em Traçal. A chama, pelo visto, tinha sido forte o suficiente apenas para fazer um grande efeito e desmaiar o grandalhão. Traçal continuava vivo, embora estivesse caído.

— FARAMIR É O VENCEDOR! 

O grito fino das meninas preencheu todo o ambiente. A gritaria foi ainda maior quando Balthazar deu a mão para o oponente caído poder se levantar. Assim que os dois ficaram em pé, o albino deu um abraço discreto no grandalhão e levantou a sua mão, como se aquele fosse o verdadeiro vencedor.

Todas as pessoas ficaram eufóricas. Até Diego, que estava mais interessado na luta, começou a bater palmas para a performance, e principalmente, gesto, que não tinha nada de orgulhoso.

Já Galadriel não estava satisfeito. Se recusava a aplaudir, mesmo quando Leo o cutucava para tal. Aquela atitude era realmente estranha. Se Tiago tivesse ganhado uma luta como aquela, certamente ficaria feliz. Ainda mais se fosse seu irmão.

Diego também reparou que a menina que brilhava tinha sumido. Pelo visto tinha saído mais cedo. Ele suspirou, um pouco desapontando. Então começou a sair do local junto de Tiago. Entretanto, os Baderneiros apareceram em sua frente.

— E aí, cachorro — disse Galadriel. — Já vai comer a ração?

Era impressionante como os dois se conheciam a tão pouco tempo e já nutriam ódio um pelo outro.

— Saí da minha frente, papel.

— Papel? — disse. — Não tem nada mais criativo? — Ele deu um passo a frente enquanto lambia os lábios. — Se eu fosse um vira-lata, como você, iria me preocupar em treinar mais para não apanhar de mulherzinha.

Diego também deu um passo à frente, ficando a poucos centímetros do rosto do albino.

— A mulherzinha que você tá falando dá doze de você, papel — falou, apontando para Mini, que ficou tão vermelha quanto um tomate. Ela tentou abrir a boca em protesto, mas nada saiu.

— Ei, ei! — Leo afastou os dois, com seu sorriso debochado. — Calma aí, tudo tem hora, Gabriel. Se o professor te pegar, já era.

Era estranho ver Leo, logo ele, separando uma briga e falando sobre professores. Não tinha sido ele que o rapaz que insultou a mulher da cantina, a Sra. Bjorn?

Já era nada. Ninguém ia se importar com um cachorro morto.

— Quem ia sair morto era você! — exclamou Diego, tentando se desvencilhar de Leo. Porém até mesmo Tiago estava lhe prendendo.

Conforme os dois eram empurrados para lados opostos, trocando inúmeros insultos, o Prof. Gutierrez chegou.

— O que está acontecendo aqui, meus amigos?

— Nada de mais — disse Galadriel. — É só que não me dou bem com gente daquela laia.

— Se não gosta do senhor Murdock, então por que está aqui? — perguntou. Sua pergunta era sincera, não era desafiadora.

— Para me torrar a paciência, é obvio — disse Diego.

— Cala a boca! — gritou Galadriel. — Você não sabe de nada. O Bruno e a Mini é que querem falar alguma coisa para o cachorro aí. Eu só vim acompanhar eles, porque sabe como é, não sei se o Murdock aí é vacinado contra raiva.

Diego ficou incrédulo, possesso de raiva, e curioso em simultâneo.

— Mentira! — gritou, tentando se desvencilhar de Tiago. — O que é que esses dois vão querer comigo?

— Eu não quero nada, não! — gritou Mini, a voz esganiçada. A vermelhidão tinha sumido de seu rosto e dado lugar a uma expressão irada. — Quem vai falar é o Bruno.

— Tudo bem, já chega — começou Gutierrez, acelerado. — Vamos todos se afastando. Se o Bruno quer falar com o Diego então que eles façam isso sem vocês dois brigando. Vamos, se separem. Diguem adeus. Vamos, vamos.

— Rhum! — começou Galadriel. — Professor, o meu irmão tá no vestiário ainda?

— Sim, sim, amigo.

— Posso ir falar com ele.

— Sem problema, sem problema. Agora vá rápido, por que já vou fechar esse lugar. E vocês, tratem de se comportar.

O professor saiu para um canto escuro das arquibancadas e começou a gritar com alguns alunos que estavam escondidos. 

Galadriel soltou um último insulto a Diego e começou a descer as escadas. O resto dos Baderneiros sairam do prédio de eventos junto com o rapaz da cicatriz e o seu amigo loiro.

Assim que chegaram lá fora, Bruno cutucou Diego no braço. Pelo visto não foi uma brincadeira de Galadriel. O garoto gigante estava mesmo querendo falar algo.

— A mãe… hm… Quer falar com você. Ela tá te chamando. — Ele apontou para um prédio que ficava ao lado do dormitório: Era onde os funcionários faziam as refeições. A entrada de alunos não era permitida.

Diego julgou que fosse mais uma pegadinha para ele cair e levar uma advertência. Porém, vinda de Bruno? Ele duvida muito. Não era uma pessoa essencialmente ruim. Talvez alguém estivesse coagindo o grandalhão a fazer aquilo. E outra, o que a mãe de Bruno queria com ele?

— Bom, então a gente se vê — diz Tiago.

— Quê? Não, eu não vou. Eu nem conheço a mãe dele.

— Como assim não conhece? — grita Mini para ele. — Ela até te deu um beijo de boa-sorte na cantina, cachorro!

— Quê? — Então Diego sentiu um embrulho no estômago. 

Sra. Bjorn. Esse era o sobrenome de Bruno, Mini e do Sr. Max. A mulher que trabalhava no refeitório era mãe daqueles dois. Isso explicava a intimidade entre ela e Leo. Na verdade, não explicava, continuava ofensivo.

— O que a senhora Bjorn quer comigo?

— Sei lá, cachorro! — diz Mini, irritada. — Mas ela quer falar com você, e pronto. Agora some daqui! Não vai deixar deixa ela esperando! 

— Ela em razão — diz Tiago. — A mãe deles pediu para conversar com o Lauro e o Dani depois deles fazerem uma bagunça enorme lá na cantina.

— Mas eu nem fiz nada! — defendeu-se. 

— Ei, ei! Quando é que você faz alguma coisa — riu Leo. — Vamos lá, meus amigos. Deixa o vira-lata levar uma bronca em paz.

Com um último olhar para o loiro, Diego foi em direção ao refeitório exclusivo, se preparando para receber um esporro enorme, por algo que ele nem sabia que fizera de errado.



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