Volume 1 – Arco 4

Capítulo 22: Briga de Cachorro Grande

Os gritos de euforia da plateia estavam invadindo todo o ambiente. As crianças gritavam e apontavam para o ringue, surpresas e admiradas com a luta que iria se seguir. De fato, ansiavam para saber como Diego iria lidar com Alastor e seu martelo.

O rapaz não tinha uma resposta para isso, apesar de estar muito preocupado com a situação que se encontrava. De todas as lutas até ali, aquela seria realmente a mais problemática, pois um golpe de martelo em sua cabeça e poderia dar adeus a sua vida.

Alastor continuava a lhe encarar, olhos arregalados e sinistros, sorriso maniaco, o terno vermelho que ressaltava sua aparência maligna. O rapaz da cicatriz começou a se perguntar o que se passava na cabeça de seu oponente. Era como se tivesse prendido um passarinho numa gaiola.

Era certo, Diego havia sido atraído para uma armadilha. Seus movimentos foram previstos antes mesmo de faze-los. Com certeza teve ajuda de outra pessoa para fazer os passos do rapaz. Kisley viu o interesse do rapaz com relação aos Trocas e deve ter reportado a Alastor. Foi aí que o garoto-cervo deve ter começado a traçar seu plano.

Os dois não paravam de se mover, rodando pelo ringue, sem de fato começarem a ação. Estavam atentos, estudando um ao outro. Alastor deveria saber que não aguentaria se recebesse um golpe certeiro de Diego.

Tiago tinha razão, Alastor era um Troca mais esperto do que poderia pensar. Então, qual seria o próximo passo? Recuar não era opção, já que o rapaz da cicatriz jamais iria para seu dormitório sem vingar Selena de algum jeito. Bem, o movimento tinha de vir de algum lado.

Diego deu um passo a frente, os punhos fechados, sobrancelhas tensionadas, olhar furioso. Alastor se aproximou, um pé a frente e outro atrás, sorriso estampado no rosto.

— E PARECE QUE ELES VÃO COMEÇAR A LUTA! QUEM SERÁ QUE VAI DAR O PRIMEIRO, E DECISIVO, GOLPE?

Se o rapaz fosse atingido por aquele martelo teria sérios problemas. Então obviamente era ele quem deveria iniciar, ele deveria atacar primeiro.

Diego se aproximou e começou o seu ataque, um soco em direção aos olhos malignos do garoto-cervo. Entretanto, Alastor havia se movido um segundo antes e já estava prestes a lhe acertar uma martelada nas costelas. Porém o rapaz conseguiu se defender a tempo, transferindo todo o impacto para os braços.

Alastor deu um soco na defesa de Diego, fazendo o rapaz cambalear para o lado. Assim que se recuperou do ataque, viu uma oportunidade. Se aproximou com o máximo de velocidade em direção a Alastor, passando por suas defesas, e lhe acertou três socos na barriga.

O garoto-cervo foi mandado para trás, titubeante. Seu sorriso já não estava tão estampado assim. O público começou a gritar, a vaiar e a comemorar. Era uma mistura indistinguível de som.

Diego abanava o braço atingido como se procurasse que assim a ardência melhorasse. Conseguiu sentir seus ossos estalarem e isso lhe causou uma grande aflição, não poderia usar toda sua força com um dos braços. Teria de evitar os golpes de martelo, de uma forma que não estava conseguindo fazer.

Alastor não estava muito melhor que ele. Sua pose, antes reta e elegante, agora estava curvada, esguia, devido ao golpe que recebera no abdômen. Enquanto arquejava, procurando por ar, ele deu um leve e fraco sorriso para o rapaz da cicatriz.

— Eu não me divirto assim desde que afoguei meu furão! — disse ele. Sua voz não parecia nenhum pouco cansada, embora estivesse contorcido.

O que aconteceu em seguida pegou Diego desprevenido. Alastor se aproximou com velocidade e se preparou para desferir um soco. O rapaz da cicatriz tentou desviar, mas foi enganado, não foi um soco. Foi um golpe de martelo que abriu sua guarda.

Alastor tentou investir ainda mais com o martelo, porém o rapaz da cicatriz tentou se defender a todo custo, mesmo que o custo fosse seus braços. Uma sequência de martelada deixaram hematomas e roxos em seu antebraço. Ele já não aguentava mais levar nenhum golpe quando, sem querer, deixou seus braços caírem.

Foi nesse momento que um golpe pesado, como um pedra, arremessou sua cabeça para cima em um golpe que vinha de baixo. Seus dentes se chocaram com força, sua cabeça foi projetada para trás. A ardência em seu queixo era tamanha, que tinha a sensação de diversas formigas venenosas estarem dentro de seu cranio.

— DIEGO LEVOU UMA MARTELADA NO QUEIXO! EU CAIA COM ESSA!

Seu corpo se inclinava para trás e Diego não conseguia fazer suas pernas lhe obedecerem. Por sorte, acabou pousando nas cordas. Novamente, para as cordas. Ali um segundo pareciam horas em sua cabeça. O mundo girava e não fazia sentindo algum. Um zumbido, gritos, e uma estranha sensação no estômago.

Só teve uma ideia do que estava acontecendo quando Gutierrez anunciou com mais intensidade do que o normal:

— ALASTOR SE APROXIMA COM VELOCIDADE! ELE VAI ENCURRALAR O MURDOCK!

Graças ao aviso do professor, Diego conseguiu levantar seus braços mais uma vez, um segundo antes de Alastor lhe desferir mais golpes e socos. Conseguiu se defender. Não iria adiantar muito, já não estava mais aguentando os golpes nos braços. Se continuassem assim, iriam quebrar.

— QUANTO MAIS SERÁ QUE ELE VAI AGUENTAR?

Ele também queria saber isso. A dor só piorava a cada golpe. Teria de fazer alguma coisa. Teria de pensar em algum plano. Então se lembrou de Maria, que segurou sua cabeça e deu uma joelhada em seu nariz. Até agora o seu nariz doía um pouco.

Assim que Alastor começou a recuar para pegar impulso para um novo golpe, Diego se levantou, tonto e machucado, e mirou suas mãos nos chifres de cervo do garoto maniaco. Não conseguiu. Alastor acertou uma martelada em sua têmpora.

O mundo ficou escuro. Sentia seu corpo dormente cair como uma tabua. Cairia no chão e iria desistir. Era isso, não foi capaz de vencer Alastor em nada. Entretanto, antes que caísse totalmente, o garoto-cervo lhe segurou pelos cabelos e lhe ergueu. Não seria tão fácil assim sair das mãos daquele sádico.

Diego tentou se desvencilhar, porém não tinha forças. Como era fácil manter ele erguido, ali, seguro e fragilizado. Sentia que seu corpo estava encostado em um dos cantos, sem conseguir cair. Não tinha forças nem para erguer os braços e desistir.

Mais golpes em seu rosto, tapas, socos e ocasionalmente algumas marteladas que zuniam em seu ouvido. Seu rosto começou a inchar, seus olhos foram fechando. Sangue escorria de toda a sua cara. 

Nessa altura já não conseguia distinguir nada. Tudo que sentia era um enjoo na barriga. Será se já estava com vontade de vomitar? Se fizesse isso em cima da Alastor, ele recuaria e o deixaria desistir? Mas não era um enjoo normal. Era um familiar, o mesmo de quando seu tio o treinava. E o mundo ficou preto mais uma vez.

 

 

— Ragnar! — chamou Diego. Estava em um verdadeiro campo de batalha. Corpos e mais corpos de pessoas queridas ao seu redor, ensanguentadas, desmembradas, mortas. Mais ao longe, ao norte, estava o que ele tanto procurava. — Pare de ser corvade, e me enfrente como um verdadeiro guerreiro!

Mais a frente, no grande campo aberto, graças as árvores derrubadas, estavam milhares de criaturas estranhas. No meio delas, erguido por uma carruagem, encontrava-se Ragnar. Vestido em trajes complexos, cobrindo seu corpo abominável.

Diego sentia uma enorme repulsa por aquela criatura. Queria de todas as formas que ela tivesse o seu fim, o mesmo fim que ela havia causado nos mortos aos seus pés, seus irmãos. A criatura ria, embora parecesse chocada. Ela apontou seu longo dedo em direção a ele e falou em uma linguá estranha.

Então, todas aquelas criaturas animalescas começaram a se apressar em sua direção. Ele não deixaria que nenhuma criatura saísse viva, especialmente Ragnar.

Quando a primeira criatura chegou a sua frente, o bárbaro explodiu sua cabeça com um único golpe.

 

 

Assim que Diego abriu os olhos, viu o que tinha feito. Via na expressão surpresa de Alastor o que acabou de acontecer. 

Enfurecido, o rapaz tinha se livrado das garras de seu oponente e desferido um soco em seu rosto. Alastor tinha se afastado, as mãos no rosto, gemendo de dor. O rosto do garoto-cervo fervia como carne queimada.

— E QUASE QUE ALASTOR RECEBEU UM DIRETO NA CARA! ELE ATÉ SE AFASTOU!

Então aquele golpe não fora certeiro, constatou Diego. Foi um golpe de raspão, e mesmo assim tinha produzido efeito suficiente para deixar uma queimadura na cara daquele maniaco. Seus braços ainda doíam, porém, ele sabia poder aguentar a dor, principalmente agora que estava completamente enfurecido.

Diego investiu com tudo em direção a seu oponente. A coceirinha atrás de sua nuca lhe dizia para ficar de cabeça baixa, costas expostas. E assim o fez. O rapaz chegou no pé de Alastor com a velocidade de um projétil.

Alastor tentou espantar o oponente com um golpe de baixo para cima com seu martelo, porém Diego conseguiu desviar. O garoto-cervo tinha perdido o seu golpe, e agora olhava desesperado para seu oponente no seu encalço.

— ELE ESTÁ BEM EMBAIXO DE… O SOCO VAI DESTRUIR A CARA DO ALASTOR!

Diego, de baixo para cima, investiu um soco direito com toda a sua fúria. Suas veias saltadas eram visiveis, o ranger de seus dentes, e calor que emanava de sua pele, como carvão em brasa. 

Alastor tentou recuperar a guarda aberta, porém era inútil. O golpe iria lhe acertar a todo custo. Então, tentou outra estratégia bem no último segundo. Com um golpe de cima para baixo, ele investiu seu martelo em direção ao rosto de Diego. 

Agora só teriam de esperar quem acertaria o golpe primeiro. Independente de quem fosse, a luta seria decidida ali, naquele movimento.

Os olhos de Diego brilhavam, seu punho fechado parecia queimar, o suor em seu corpo começou a evaporar devido ao calor que emanava de sua pele. 

Então o barulho do golpe preencheu todo o local; depois, silêncio. 



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