Volume 1 – Arco 4

Capítulo 21: Muito Previsível

Dois alunos subiram no ringue para pegar Maria — ficou inconsciente após seu rosto ser lançado com velocidade contra o chão — e levá-la até a enfermaria, enquanto que Diego, ainda tonto pelos ataques elétricos desferidos em seu corpo, cambaleava de volta ao vestiário. Por sorte, na metade do caminho teve a ajuda de Tiago.

— É isso aí — disse o loiro, cheio de si. — Você mandou bem. Conseguiu explorar a desvantagem dela, usando os próprios ataques como contra-ataque.

— Fiz de propósito — riu Diego, surpreso com a própria ideia de ter feito tudo aquilo. Certamente não teria feito nada, apenas caído no chão, desistido de lutar, se não tivesse em mente o aviso de Tiago: Aguentar os ataques de Maria o máximo que pudesse.

Enquanto sentava e tentava parar a tontura, começou a pensar em tudo que aconteceu. Para começo de conversa, não era para ele ter se distraído logo no começo da partida. Se tivesse se mantido focado em Maria, teria dado um jeito naquele primeiro golpe. Então ele se lembrou do motivo da distração, aquela menina.

Diego queria perguntar sobre para o seu amigo, porém um sentimento estranho, não a coceirinha atrás de sua nuca, algo mais íntimo, lhe dizia para deixar isso para lá. O rapaz apenas deu de ombro e fingiu que era melhor esquecer, já que de qualquer forma a menina estava ao lado dos Baderneiros.

“Boa companhia ela não é”, conformou-se.

Entretanto, enquanto Dani e Lauro começavam a conversar com ele, o rapaz não conseguia se manter muito atento. Ele se lembrava daquela menina constantemente, como rápidos lampejos de imagens que do nada brotavam e desapareciam de sua cabeça. 

Seja lá o que aquela ela tinha de tão especial, realmente instigou o rapaz. Pois conforme pensava mais e mais nela, sentia que as coisas poderiam ficar bem. Algo durante suas lembranças com relação à garota lhe lembrava… Menta.

Ele balançou a cabeça diversas vezes, se incomodando com os próprios devaneios. Sua próxima luta era com Alastor e ele conseguia fazer invocações de objetos pesados, como um soco-inglês. Isso era uma clara desvantagem, pois Diego não tinha nenhum segredo. 

Diego começou a ficar ansioso com a ideia de Alastor invocar uma faca, quando algo lhe tirou dos pensamentos mais profundos. Lauro, Dani e Tiago estavam brigando.

— Esse plano é o melhor, foi feito por mim — disse Dani, ao lado de Lauro. — Então é óbvio que tem qualidade! Para que melhor certificação do que isso?

— Delta, não é isso — começou Tiago. — Pensa direito nas possibilidades. E se você acabar errando? Você está jogando suas alternativas para o acaso. Isso aqui não é jogo de azar.

— Que ultraje! — exclamou Dani. — Eu estou dizendo que é assim, e é. Não é questão de sorte, é questão de lógica. E a lógica mostra que eu estou certo!

— Não, você não está certo — reiterou Tiago. — É questão de cinquenta por cento de chances de você estar certo. Ou seja, é sorte.

— Fica quieto aí, colega — se intrometeu Lauro. — Deixa o plano com a gente. Nós é mais experiente que você nos torneios.

Tiago ficou vermelho como um tomate.

— Olha aqui, Lagum, posso não ser muito participativo no torneio por não gostar de violência, mas hoje é diferente e estou participando, por que um amigo meu está nele. E se quer saber mais uma coisa, fui eu que informei a ele qual o plano correto para derrotar a senhorita Rocha, e funcionou, não funcionou?!

— Sim! Mas a que preço? — apontou Dani para o corpo do rapaz da cicatriz. — Ele levou tanto dano que quase perdeu a luta. Sua estratégia quase custou nossa vitória!

— A vitória é dele, não sua! E além do mais, o que era para ele fazer? Segurar os cabelos dela igual o Blitzes fez com a Sienna? Você acha que ele iria concordar em fazer uma coisa tão hedionda assim?

— Não diga o que o Diego faria ou não faria! Ele é quem deveria decidir depois de ouvir as opções! É claro que ele escolheria a minha, obviamente.

— Ah, é?! Pois então diga a ele qual é o seu plano fantástico, Delta. Fale para ele a sua grande invenção.

— Muito bem! — Dani deu um passo à frente e começou a falar com Diego. O rapaz ouviu tudo calado, pois estava muito surpreso com a agitação que se seguia naquele vestiário. — Diego, é o seguinte: Descobrimos que o Alastor está quebrando as regras. Ele não está invocando aquelas armas. Ao menos, não sozinho. Ele provavelmente está recebendo ajuda de Kisley e Golias para conseguir fazer essas invocações.

— Eu sabia! — disse Diego. — Então ele está desclassificado, não é? Quer dizer, se a gente falar para o professor isso acho que ele, não vou precisar brigar com o Alastor, vou?

— Rhá! — zombou Tiago. — Tá vendo? Eu disse que essa era a coisa mais óbvia a se fazer.

Dani encarou o loiro de baixo para cima. Respirou fundo e voltou com educação:

— Precisamos de prova, e não tem como provar isso apenas com uma testemunha. Que no caso é o Lauro. Ele que descobriu. Então, sem a opção de denunciar, bolamos uma estratégia para você vencer a trapaça do Alastor.

— Não precisa disso! — fala Tiago. — É só falar com o professor. Eu tenho certeza que ele vai acreditar em uma denúncia…

— Continua logo, Dani — pede Lauro, começando a se aborrecer.

— Continuando! Kisley e Golias estão nos cantos do ringue, onde é um ponto cego. O professor Gutierrez não consegue ver os dois ali já que ele fica na mesa dele, bem de frente ao ringue. Então basta o Alastor precisar chegar perto dos cantos onde Kisley e Golias estão para conseguir a arma.

— Espera, eu não entendi. O Alastor pega a arma ali? Na cara dura?

— Não é assim tão simples. Isso com toda certeza atrairia a atenção de todo mundo. Veja bem, o Alastor é um Troca, então ele pode fazer invocações. E quanto mais próximo estiver o objeto, mais fácil de fazer a troca.

— Acho que entendi. As armas estão com Kisley e Golias, não é isso?

— Isso. Mas não é só isso. Mesmo com um soco-inglês a centímetros de distancia de você, seria muito difícil fazer uma invocação. Então é aí que entra a questão do peso. — Dani olha para Diego como se estivesse esperando uma resposta. Quando a resposta não vem, Dani fica inquieto. — O Kisley, Diego! O Kisley é um Transfigurador!

— E?

— E aí que ele pode deixar o soco-inglês mais leve, parceiro — diz Lauro, finalmente. — Os Transfiguradores conseguem alterar a matéria, ou coisa do tipo.

— Exato — volta Dani. — Ele deixa as armas mais leves, enquanto eles estão mais próximos. Daí, quando o Alastor faz a invocação da arma, o Kisley retira o segredo e o objeto volta a ter o mesmo peso inicial. Compreende? É uma falta múltipla, porque alguém de fora está usando segredos dentro do ringue!

Diego precisou parar para refletir um momento. Não sabia se tinha entendido muito bem. Se estavam mesmo fazendo todo esse sistema complexo, como que o Prof. Gutierrez não os flagrou no ato?

— E como vocês sabem de tudo isso?

— Ah! Essa é a melhor parte — zombou Tiago, balançando a cabeça com altivez e ajeitando os óculos, um sorriso sarcástico na cara. — Eles não sabem se é verdade. 

— Ei, tá me chamando de mentiroso? Eu sei o que eu vi! — exclama Lauro, partindo em direção ao loiro.

— Só estou dizendo que não tem como você ter certeza que viu tudo isso de relance. E mesmo que tivesse visto — começou, ao perceber que Lauro não estava ficando contente com o rumo da conversa — não é garantia que o plano de vocês dê certo.

— E qual seria o plano? — perguntou Diego aos dois garotos.

— Você vai manter Alastor longe dos cantos — respondeu Dani, com simplicidade. — Enquanto isso, eu e o Lauro vamos fazer todo o resto.

— A gente vai enfrentar o Kisley, parceiro. Provavelmente é ele que ‘tá com a arma.

Provavelmente — fala Tiago. — Vocês não podem ter certeza. Se for verdade, pode estar com Golias. E se vocês atacarem o Kisley, o Golias vai perceber e todo o plano de vocês vai por água abaixo.

— Tiago — começa Dani, ameaçador. — Você pode até ter as melhores notas, ou ser o favoritinho do diretor, ou fazer todo mundo engolir que você é um quente! Mas você é só um roxo metido a besta, que não entende nada de luta ou do torneio!

Tiago ficou vermelho e de boca aberta. Diego até queria falar alguma coisa em defesa do amigo, porém o golpe foi tão rápido que nem ele estava entendendo. Por qual motivo Dani e Lauro não gostavam do loiro? E porque o chamaram de roxo? Como assim os outros tinham de engolir que ele era um quente?

— E-Então tá! — disse Tiago, contendo toda a sua raiva. Estava realmente prestes a explodir. Ajeitava os óculos freneticamente, enchia as bochechas, batia o pé no chão e bufava. Parecia que algo estava prestes a quebrar. — Então… Boa sorte! — Ele foi em direção a saída, porém, assim que estava chegando na porta, se virou e gritou mais para Diego do que para os outros: — Só não esquece que o Alastor é um troca melhor do que você pensa!

Com a batida de porta, Dani e Lauro voltaram a falar o plano. Diego ficou assustado com tudo aquilo. Queria gritar com aqueles dois à sua frente, porém eles estavam tentando lhe ajudar, e tudo que queria agora era uma ajuda, por isso não falou nada.

— SENHORAS E SENHORES! AGORA É A ÚLTIMA BATALHA DO DIA! DO LADO DOS QUENTES…

Diego saiu do vestiário em direção ao ringue. Enquanto era apresentado e atravessava as cordas, começou a pensar sobre o plano que tinha discutido. Estava frente a frente com Alastor, aqueles olhos enormes e sorriso maníaco. O que será que passava na cabeça daquele garoto-cervo?

Depois de alguns segundos, Lauro e Dani começariam um tumulto ao redor do ringue. Eles iriam brigar contra Kisley e assim o professor seria obrigado a separar a briga. Dessa forma, Kisley seria mandado para longe do ringue, salvando Diego. Até que essa briga acontecesse, o rapaz devia manter Alastor longe dos cantos.

— E COMECEM! — ordenou Gutierrez.

Os dois ficaram em cima do ringue, rodeando um ao outro, sem realmente se aproximar de ninguém. Alastor continuava com o sorriso maníaco. A coceirinha atrás da nuca de Diego começou a lhe alertar de alguma coisa. Algo nos olhos de Alastor diziam mais do que ele podia captar. Será se…?

— E O QUE ESTÁ ACONTECENDO DO LADO DE LÁ? PAREM COM ISSO, GAROTOS!

O plano tinha se iniciado. Dani e Lauro estavam brigando com Kisley. Gutierrez entrou na briga e separou todos. Sim, agora poderiam ter uma luta justa. Olhou para o garoto-cervo procurando algum sinal de fraqueza. Não encontrou.

— Isso é curioso — disse, com aquela voz elegante. — Você fez um ótimo trabalho pensando nisso, Murdock. 

Alastor estalou os dedos, e um objeto se materializou em sua mão esquerda. Era pesado, ou ao menos parecia pesado. Diego engoliu em seco quando notou que a ferramenta se tratava de um martelo.

Depois de ver o objeto, encarou os cantos. Os dois estavam distantes, no meio do ringue. Como Alastor teria conseguido invocar aquela arma? Ele realmente era capaz de fazer aquilo? Mil ideias começaram a se passar pela sua cabeça quando finalmente ele viu: Golias estava em um dos cantos, no ponto cego do professor.

Então Tiago tinha razão desde o início. Alastor era realmente inteligente e o plano de Dani e Lauro não passavam de um jogo de azar e escolheram a opção errada. Na realidade, o rapaz mal sabia o motivo de terem escolhido Kisley ao invés de Golias. Era tão óbvio agora. De qualquer forma, ele não teve tempo para mais explicações.

Então voltou sua atenção ao Alastor. Não era bom desviar o olhar daquela maneira para alguém que tinha uma arma tão perigosa quanto um martelo. O garoto-cervo estava balançando seu martelo de um lado a outro, como um brinquedo. O sorriso maníaco, mostrando as gengivas, era ressaltado pelo vermelho de seu terno.

— Previsível, Murdock. Muito previsível.



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