Volume 1 – Arco 4

Capítulo 17: Os Três Segredos Mais Comuns

Já na sala da professora Domingues — onde a entrada não era nada fácil graças as escadas, primeiro uma que subia e outra que descia, isso sem falar da falta de apoio — Diego se sentou ao lado de Tiago, como de costume, determinado em se pendurar em cada palavra que a professora fosse falar. Não dormiria.

Se manter desperto, para sua surpresa, não foi uma tarefa tão difícil assim. A professora era excelente e conseguia fazer ótimas piadas, nem muito exageradas, mas também não obsoletas, misturando com a disciplina que inventava.

Durante alguns bons minutos o rapaz teve uma leve crise de riso com toda a sala enquanto Domingues explicava o motivo de não ter o corpo suficientemente alto para fazer algumas tarefas. E como todos deveriam ser fortes para conseguir entrar na sala, já que se ela conseguia todos também eram.

Sua matéria era Prática dos Mistérios, e Diego traduzia isso para Prática das Magias, embora fosse proibido chamar os segredos dessa maneira. 

Então estava realmente prestando atenção, pois logo ela poderia soltar o ouro, a informação que tanto queria. Uma informação que lhe desse alguma dica de como lidar com Alastor e suas habilidades.

A Prof. Domingues não só explicou algumas funções de poderes estranhos, como os usuários raros de Antevisão, eram capazes de detectar coisas perigosas à distância — pessoas, armadilhas, criaturas não-terrenas, etc — como também explicou a relação que o poder tinha com a personalidade de seu portador.

Ao todo existiam 7 tipos de segredo, e todas as pessoas nasciam com um único tipo. Ao longo da vida esse poder deveria ser estimulado para ficar mais forte e mais aparente. O que antes seria uma brasa imperceptível, se transformaria em uma enorme chama.

Não era impossível conseguir outro tipo de segredo, porém era tão difícil que poderiam se contar nos dedos todas as pessoas que tivessem mais de três por todo o globo. Fora que para começar a aprender a pessoa já deveria estar masterizando o seu tipo. 

Como Diego nem sabia qual era o seu segredo natural, não podia pensar em tentar despertar outro.

Mas havia uma grotesca exceção, pessoas que nasciam com dois tipos de segredos. Os multi-tipos. 

A muitos anos atrás, antes da prática ser abolida, famílias estudaram as criaturas não-terrenas, usaram elas para experimentos e fizeram alterações absurdas e horripilantes com seus corpos, apenas para que sua linhagem pudesse nascer como “híbridos”. 

Claro que o resultado fora bem diferente do esperado. Seus descendentes, ao inves de terem as mesmas propriedades de bestas, nasciam com dois tipos de segredos naturais, como se uma criança já nascessem com propensão a falar duas línguas de forma nativa.

Embora fazer tais experimentos estivesse atualmente proibido, as famílias ainda estavam firmes e fortes. Com filhos que Diego poderia considerar como aberrações. Anti-naturais. A mais famosas dessas famílias eram os Balthazar.

Mas Diego não vinha de uma linhagem de pessoas que fizeram aquele tipo de coisa. Saberia disso, pois todas as famílias com multi-tipos são contabilizadas em um livro de registro público.

— Muito bem, turma, chega de histórias. Isso é coisa para o professor Nemo — disse ela, colocando seu livro de lado e subindo em cima de sua mesa para ser vista por todos. Ela tirou três fósforos do bolso de suas pequenas vestes e disse: — Agora, vamos lá. Me digam: Quais são os três segredos mais comuns?

E, além disso, ainda haviam tipos de segredos encontrados com mais frequência. Se Diego bem podia se lembrar, o primeiro deles era…

— Transfigurador! — disse Selena um segundo antes do rapaz se lembrar. Todos da sala ficaram surpresos ao ver que ela estava participando da aula. Geralmente ficava na dela, mascando chiclete com cara de paisagem.

— Excelente, senhorita Sienna! — elogiou a professora. — Transfigurador é com toda certeza o tipo mais comum entre todos. Eu diria que a maioria aqui no craveiro são Transfiguradores. Mas então, senhorita, poderia explicar o que um faz um Transfigurador?

A pergunta não foi um desafio. Domingues não estava tentando testar a moça, apenas pedindo com educação. Mas Selena não pareceu ter entendido isso.

— Claaaaaro que sei — disse, em tom desafiante. Ela fez um biquinho, balançou o corpo de um jeito altivo e falou com um tom que irritava Diego até os ossos: — Um Transfigurador transforma. Óóóóbvio.

De fato, óbvio. Ela se sentou enquanto fazia uma pose meio modelo, meio nariz empinado e deu um meio sorriso, orgulho. Alguns estavam tentando segurar o riso. Diego estava tentando controlar a vontade de dizer o que se tornaria óbvio caso ela não calasse a boca. Mas talvez fosse realmente óbvio, e ele era o único que não sabia.

— Excelente… senhorita, Sienna. — O tom de voz insatisfeito da professora lhe deixou mais relaxado. Não era o único mal-contente com a falta de informação. — Complementando o que disse, senhorita: Transfiguração é a arte de transformar fisicamente algum objeto, ou mudar as suas propriedades. Por exemplo: Transfiguradores bem treinados podem transformar pedra em ouro, ou até mesmo as suas mesas em grandes espadas. Os excepcionalmente talentosos poderiam até mesmo fazer suas mochilas ficarem mais leves.

Tiago soltou um suspiro de entusiasmo. Na verdade, não apenas ele, mas toda a sala ficou muito feliz com ao saber daquilo. Fizeram barulhos animados e conversaram sobre o quão ser um Transfigurador era algo incrível. 

Diego achava que era impressionante, porém não aquilo combinava com ele. Preferia algo mais físico, mão-a-mão.

De qualquer forma, a professora fez questão de acabar com toda a alegria.

— Classe! Vamos parando por aí. Para a maioria dos Transfiguradores, fazer um palito de fósforo virar uma agulha já é um grande sacrifício. Imaginem para alunos do primeiro ano. Apenas os mais talentosos conseguiriam fazer um décimo do que disse.

A pequena professora mostrou um dos fósforos e fez um movimento de mãos estranhos.

— Mas com treino e estudo, a única limitação será a sua imaginação.

Todos da sala se inclinaram para ver melhor. Diego achou que estava ficando louco. Esfregou os olhos. Mas não adiantou, a coisa estranha estava mesmo acontecendo. O fósforo começou a se mexer de um lado para o outro, como se fosse uma folha recebendo uma brisa.

De repente, a cabeça do fósforo rodopiou e desabrochou, o palito esverdeou e esticou enquanto dele brotaram vários espinhos.

— Uma rosa, parceiro! — gritou Lauro, surpreso, e todos começaram a aplaudir.

— Muito bem observado, senhor Lagum. — Ela deu um sorriso, desceu da mesa em um salto, andou de um jeito engraçado até a mesa das gêmeas e entregou a flor.

Selena pegou a flor e agradeceu, mas seu rosto não mentia, não estava nem um pouco satisfeita com a rosa. Recebia tantas flores dos outros garotos que mais uma não faria diferença. Diego sentiu uma vontade de lhe dar um pontapé.

A professora viu a expressão da aluna, soltou um suspiro de insatisfação e deu as costas. Foi em direção a mesa e assim que subiu mais uma vez, estalou os dedos com um sorriso. Imediatamente a rosa ficou completamente dourada, como ouro.

Selena teve uma crise de gritos agudos cheios de alegria. Passaria o dia inteiro exibindo a sua rosa de ouro. Mas logo quando a aula da professora acabasse, a rosa voltaria a ser um fósforo. O que causaria uma insatisfação em Selena, e um ataque de risos de Diego.

— Então, qual o próximo tipo? — perguntou a professora, pronta para mais uma grande demonstração de suas habilidades.

— Gerador, fessora! — disse Lauro, primeiro do que os outros, ansioso para receber algo tão incrivel quanto uma rosa de ouro. Ele não sabia que o efeito dos fósforos passavam assim que a professora saísse da sala. Diego também não sabia, então ficou irritado por não ter dito primeiro.

— Excelente, senhor Lagum! Bom, Geradores são aqueles que manipulam a energia. São diferentes dos Transfiguradores, que apenas modificam a realidade, um objeto. Os Geradores são capazes de criar a partir do nada. Por exemplo: Podem criar bolas de neve, redemoinhos, fazer chover e eletrocutar.

Enquanto a sala vibrava sobre o quanto os Geradores eram incríveis, a professora pegou mais um fósforo. Com um novo movimento de mãos, o fósforo se acendeu, mas não com uma simples chama, era uma chama de cores diversas. Azul, preto, branco, amarelo, roxo, todas as cores. Tudo dependia de como você olhava para ele.

Todos ficaram impressionados, especialmente os garotos. Lauro agradeceu e ficou virando seu fósforo de um lado para o outro. A chama pelo visto não o queimava. Não queimava nada. Era até que bastante simples com relação a Rosa, porém Lauro achava que aquilo era, em suas palavras, a coisa mais maneira do mundo, mano.

— De nada, senhor Lagum — disse, assim que subiu mais uma vez em sua mesa. — Mas não fiquem muito exaltados, a maior parte dos Geradores do primeiro ano mal são capazes de fazer um fósforo pegar fogo. Agora, qual o último?

Dessa vez Diego iria obter a sua resposta.

— Troca! — disse primeiro.

Todos o encararam. Principalmente Kisley, que deve ter percebido o interesse do rapaz. Talvez não fosse uma boa ideia ele ter dito aquilo tão largado, porém queria participar da aula. Estava divertido. O que isso custaria a ele mais na frente?

— Excelente, senhor Murdock. Troca, ou Permuta, depende do país, é um dos segredos mais complicados de se dominar, mesmo que seja o terceiro mais comum. Trocas são capazes de trazer coisas de um lugar, ou levar. Parece simples, não? Mas não subestimem os Trocas. Os mais experientes podem invocar objetos a quilômetros de distância, e pode ser qualquer coisa, de qualquer tamanho. 

Dessa vez toda a sala ficou impressionada, contidos, esperando por mais informações.

— Diferente dos outros dois tipos mais comuns, este está envolvido o fator distância e peso do objeto. Quanto mais pesado for o objeto, mais difícil será a troca. A mesma coisa com a distância. Até mesmo os melhores alunos do primeiro ano só são capazes de invocar coisas leves a poucos metros de distância.

Ela puxou uma barrinha de chocolate do bolso e jogou para Diego. O rapaz pegou ainda no ar. Então ela deixou o último fósforo bem exposto e ao estalar os dedos, agora era Diego quem segurava um fósforo e ela a barrinha de chocolate. Ela deu um sorriso e estalou mais uma vez os dedos, deixando o rapaz com o chocolate.

Para sua sorte e intensa satisfação, o chocolate foi o único dos três que não desapareceu.

Aquilo fez o rapaz pensar um pouco. Era muito dificil ter pessoas que tivessem mais um tipo de poder. Três eram algo raro. Tão raro que poderia se contar nos dedos todas as pessoas no mundo capazes de fazerem isso. Então, se era assim tão raro, como que Domingues era capaz de realizar todas essas três coisas?

Talvez ela fosse uma joia rara, mas o rapaz duvidava muito disso. Desde o primeiro momento que havia colocado os pés nas aulas e se deparado com professores como Rúnica e Holland, Diego duvidava com toda sua força que houvesse algum profissional realmente poderoso entre eles.

O poder de Rúnica, capaz de estourar ouvidos, era uma excessão a esses pensamentos. Ela não era realmente poderosa. Ao menos era isso que o rapaz sentia, aquela coceirinha na nuca lhe avisando mais uma vez. Mas ela poderia estar enganada, como esteve algumas vezes. Ainda assim, deveria ter um ponto fraco.

De todas as pessoas que talvez tivesse alguma chance de serem estupidamente incríveis, como ter três tipos de segredo por exemplo, eram os diretores; assim pensava o rapaz. Todos falavam bem dos diretores e de seus incriveis feitos para toda a sociedade como Assistentes Sociais. Especialmente Nebeque.

Mas então, se Domingues não tinha três tipos, qual era o seu segredo? Como ela poderia ter um segredo que imitava os dos outros? Isso era ao menos possível? Anotou mentalmente a pergunta para fazê-la mais tarde a quem ele mais sabia no mundo que poderia responder: Tiago.

— Então, já que discutimos isso, vamos falar sobre os testes de vocês — continuou a professora. Todos ficaram insatisfeitos ao saber sobre a prova que ela iria estabelecer. Diego não se saiu tão bem quanto esperava, porém já tinha o que queria.

Sabia sobre o segredo de Alastor. Ele era um Troca, como Tiago havia dito mais cedo. E fazer trocas de objetos pesados e distantes era quase impossível. Ele não poderia levar nada para o combate, isso era proibido. Então, estava são e salvo. 

Na verdade, de todos os três tipos de segredos mencionados, Troca parecia o mais difícil e sem graça, já que achava que seus poderes se limitavam em invocar coisas. Agora que os poderes não eram problemas, deveria se preocupar com a estratégia que Alastor porventura poderia bolar.

O que o garoto-cervo faria para compensar a falta de força? Sua estratégia teria de ser muito boa. E Kisley agora tinha uma informação importante. Ele sabia que Diego estava interessado em saber mais a respeito de seus adversários. Talvez isso tivesse denunciado suas intenções, estragado as coisas.

Era bem possível que Alastor estivesse contando com a falta de interesse que Diego estava demonstrando. Afinal, passou dias sem treinar uma única vez. Agora sabia que o rapaz da cicatriz não estava sem fazer nada. 

“Pode vir”, pensou, confiante em sua força. “Pode bolar qualquer coisa. Eu posso até cair, mas você não vai sair ileso.” Ele se largou na cadeira e voltou a pensar, tranquilamente, em todos os ossos que partiria de Alastor, caso ele não pedisse para desistir. Um pensamento que lhe fazia sorrir orelha a orelha.

No dia seguinte, o dia do torneio, viu que subestimar Alastor não tinha sido uma boa ideia.



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