Volume 1 – Arco 4

Capítulo 16: A Conversa E A Cor, O Baile E O Alastor

Diego estava na fila do refeitório ouvindo os cochichos dos alunos a seu respeito. Aquilo o irritava tanto que poderia arremessar sua bandeja na pessoa. Mas isso talvez resultaria em uma nova suspensão, e ele não queria ter de encarar outro professor no seu pé durante o sábado — já estava passando por isso com Riddley. 

 

É lógico que ele nunca se considerou um rapaz que ia atrás das encrencas. No geral, julgava que eram as encrencas que vinham até ele. Dessa vez não fora diferente.

— Ei, Léo! Cai fora da fila — gritou um dos rapazes da fila.

— É, mano, tu tá furando a fila aí, cara! Para de ser otário.

— Ei, ei — disse Léo, cheio de si. — Eu não sou otário por furar fila. Otário são vocês que não estão furando. 

E lá vamos nós. Antes que pudesse ter consciência do que seu corpo fazia, o rapaz já estava se aproximando, a bandeja em punhos.

— Vai para o fim da fila, Léo — disse.

— Ei, ora se não é o cachorro-campeão. O que foi, garoto, quer um osso? 

Aquilo tinha sido o suficiente para um dia. Já podia dizer que estava no ponto de ebulição. E com Léo ali, notou que poderia extravasar um pouco. 

Todos abriram espaço na fila quando Diego jogou a bandeja para o lado e empurrou Léo contra a parede. O impacto foi forte o suficiente para que ouvissem um gemido de dor. 

Diego tentou socar o rosto de seu oponente, porém Léo foi mais rápido e se desviou, fazendo o punho do rapaz colidir contra a parede. Além da mão doida por acertar com tudo o concreto, Diego teve a cabeça arremessada para trás por conta de um golpe com a mão aberta que lhe acertou o nariz. 

Antes de se afastar, o rapaz tateou rapidamente o ar e conseguiu segurar uma das orelhas de Léo. Os dois caíram no chão e começaram a se socar, cotovelar, morder e chutar. Aquela cena incomoda só parou quando a chefe da cantina chegou. 

Diego imaginava que levaria outra suspensão, ou no mínimo advertência. Ao menos deixou em Léo um olho roxo e um nariz sangrando. Mas não recebeu nenhuma advertência, para sua surpresa. O que recebeu foi a visão glorificante de Leo levando um esporro.

— Francamente, Leo! — gritava a mulher. — Furando a fila e brigando? Já não basta a confusão que você me causa tentando comer mais de três vezes?!

— Ei, ei! Calma aí, mulher. Não fui eu que comecei…

— Mulher? — Ela deu um cascudo na cabeça dele. — Eu me chamo Sophia, seu moleque. Sophia! 

— Moleque!? — disse ele imitando sua voz. — Eu me chamo Léo, sua velha do inferno.

— Leônidas Lupim! Eu não aceito que fale assim comigo! — Ela tentou puxar a orelha humana dele, mas ele foi mais rápido. 

— Sophia Bjorn, eu não aceito que a senhora fale assim comigo! — E ele começou a rir enquanto brincava com a cara da professora. 

As piadas dele só deixava as pessoas mais horrorizadas com a atitude desrespeitosa. 

Quando Sophia espantou Léo para longe e voltou, Diego pôde ser servido. Ela falou que sabia sobre a sua participação no torneio e o encorajou a comer bastante para se manter firme e forte. Depois lhe deu um grande beijo na testa, que lhe encheu de satisfação, pois logo se lembrou de Angela.

Talvez aquilo tivesse realmente lhe incentivado a vencer o torneio se não fosse imediatamente mais motivos para piadas e apelidos. De uma hora para outra, toda gratidão que sentia por Sophia fora por água a baixo. 

Mas não podia ser tão injusto assim, afinal ela lhe tratou muito bem. Bem até de mais se considerar a porção extra de comida e o que tinha feito com Leo. Quem será que era ela? A mulher da cantina, era um fato. Porém sentia que ela era familiar, de alguma forma. Mas como?

Suas dúvidas e sentimentos foram reprimidas e e deixadas de lado assim que avistou Tiago, sentado em uma mesa mais ao canto do refeitorio, acenando para ele. Quando os dois conversaram, o loiro se demonstrava tão preocupado com o torneio quanto Diego estava para com a situação de sua Hagar Selar. 

Isso lhe irritava um pouco. Não porquê não se sentia grato por ter um amigo que se preocupava — isso ele jamais poderia retrucar, já que tinha passado boa parte da vida sozinho e com pessoas indiferentes ao seu lado — mas sim por não aguentar mais todo aquele lenga-lenga a respeito da competição. 

Ele não se preocupava, então por que alguém deveria se dar esse trabalho? A única coisa que se importava era com os possíveis novos apelidos.

Diego sabia que em termos de força, poderia bater de frente com a maioria dos alunos frios, pois eram conhecidos por usarem mais a cabeça que os músculos. Ou seja: Pouca experiência real com batalhas, ou não saber lidar com a adrenalina, ou não saber usar a frustação como um combustível a seu favor.

Mas parando para pensar, Diego também não era bom em nenhuma dessas coisas. Então, tecnicamente, se viu na mesma. O que não tinha de inteligência, compensava com musculos. Sua reputação falava por si só. Os garotos no beco, os Baderneiros e Golias. 

Achava que poderia confiar 100% em seu poder de improvisar. Na capacidade de, no último instante, conseguir tirar algum plano mirabolante e sair por cima, vitorioso. Pensar assim lhe dava uma falsa sensação de segurança, já que não precisava admitir apenas estar com preguiça de ir treinar e se preocupar com o torneio.

Sua intuição também não lhe alertava sobre nenhum possível perigo. E ele confiava nela, embora já tenha lhe deixado confuso algumas vezes: Como com a briga com Golias.

A pouca preocupação que tinha com relação ao torneio era Alastor. Diziam que era o maior estrategista e isso significava alguma coisa. Também diziam que alguns professores o admiravam, como Rúnica. Mas qualquer admiração vinda daquela mulher parecia uma piada para Diego, embora, tinha de admitir, era um feito e tanto.

Perder não era um problema. Problema seria caso caísse sem causar algum dano em seus adversários. Se perdesse sem dar um show. E era lógico que não tinha com o que se preocupar, pois como já sabia, não era de ficar de fora de uma boa encrenca. 

Já o assunto sobre a Hagar Selar era sim uma preocupação real. Se tivesse quebrado sua pedrinha teria de arranjar outra, e como ele faria isso sem que as pessoas soubessem de suas mãos destrutivas? Dessa forma não diriam que tudo que ele toca se destrói? Não podia deixar isso acontecer. 

Ele poderia aceitar xingamentos por ter perdido um torneio, afinal era uma competição difícil. Agora, por conta de uma coisa tão simples quanto uma pedrinha? Isso seria o cúmulo.

— Diego!

Uma voz feminina e um tanto estridente lhe tirou do mundo dos pensamentos. Ele estava tão imerso que nem prestou atenção ao que Tiago estava falando.

Quando virou para ver quem era a pessoa que lhe chamava, se assustou: Era Selena, uma das gêmeas. Ela vinha desfilando como uma modelo até a sua mesa, o que era bastante incomum. No geral, Selena não dava atenção a nenhum outro garoto que não fosse Neto.

Ela apoiou as mãos por cima da mesa e encarou Diego fixamente nos olhos. Foi a primeira vez que o rapaz notou um estranho detalhe nas gêmeas. 

Embora às duas fossem morenas e com o mesmo cabelo, tão loiro que eram quase brancos, sues olhos eram diferentes. Sheila tinha os olhos azuis, mas Selena era a única que tinha os olhos com duas cores, um azul e outro verde.

Deslumbrado com o brilho no olhar de Selena — pois de fato era muito bonita, mas causava náuseas em Diego por conta de sua personalidade enjoativa — a moça começou:

— Escuta aqui, pivete. Se você perder nesse torneio eu juuuro que você vai me pagar caro, tá entendendo?

Diego franziu a testa. Pivete. Pivete.

— Pivete?! — disse. Sua voz deu uma afinada de tão indignado que ficou com aquela colocação. — Perder? Isso lá é problema teu? Quem tem mais chance de perder aqui é você. 

— Queridinho, não é porque eu sou delicada que eu vou perder. Isso é óóóbvio. Eu tenho que estar pleníííssima para o baile. Eu não vou deixar nenhum vira-lata tirar uma casquinha minha. Sem ofensas. 

Diego não poderia se ofender, pois mal entendia o que Selena falava. Certamente preferia conversar com a irmã dela: Sheila, mais simpática e gentil, embora ainda tivesse a mesma voz enjoada.

A única coisa que conseguiu captar foi sobre o baile. Ocorreria depois do ano novo, mas ainda não tinha uma data confirmada. Muitos alunos estavam entusiasmados e fazendo diversos planos sobre o assunto, vestimenta, pares e eventos particulares. 

Claro, Diego não se importava, pois seria em um sábado, dia em que ficava suspenso com Holland Tirano Riddley. Mesmo assim ele se conformava, já que nunca foi de dançar — embora não dispensasse filmes com esse tema no cinema. 

— Ain, baba não, baby. — Ela empurrou levemente o queixo de Diego para fechar sua boca, aberta por pura incredulidade. — Só faz um favor para mim, tá bom?! Vê se não me atrapalha. Quando eu chegar na final, você pode desistir a vontade. 

Ela fez um último cumprimento, virou as costas e saiu desfilando até a mesa onde estava a irmã e Neto. Os cabelos compridos dela balançavam para lá e para cá. Rítmicos e sedosos.

— Quem que iria querer dançar com ela no baile?

Todo mundo, era óbvio. A maioria dos garotos do primeiro ano, e as vezes até do segundo, disputavam um minuto de atenção da moça. Fora que Neto parecia o candidato a sair com ela. Os dois pelo visto tinham muito em comum. Era por isso que Diego considerava Neto um traíra.

— Você já tem um par para o baile? — disse Tiago enquanto desviava o olhar várias vezes e ajeitava o óculos. Dava para ver seu rosto começar a enrubescer.

— Não. Suspensão, lembra? E mesmo que fosse não ia ter ninguém como par, então que diferença faz.

— A-ah… E-eu também não tenho par. Ahm. Acho que vou ficar em casa mesmo, já que para mim também não faz diferença. — Ele olhou para o próprio prato, os olhos meio pesados.

— Ah! Quê isso. Tu tem Nebeque como sobrenome. Tenho certeza que alguém vai querer sair contigo.

Naqueles poucos dias que os dois se tornaram amigos, Diego descobriu mais sobre Tiago. Tiago era neto do diretor-chefe e morava com ele desde que seus pais morreram em um acidente. Sua residência ainda era no Craveiro, porém não dormia no prédio de 13 andares cheios de letras. Morava em um complexo de casinhas que ficava mais ao leste, onde moravam os diretores. 

“Serviço VIP”, brincava Diego. O loiro não gostava muito.

— E você é um Murdock — retrucou Tiago. — Esse mesmo conselho se aplica a você. 

Diego riu.

— Acho que é verdade, quem não iria querer dançar com o maior encrenqueiro de toda a Espanha?

— Não pense assim — disse Tiago, começando a ficar irritado. — Se você vencer esse torneio, todo mundo vai te ver com outros olhos.

— Olha, não sei. Dizem que o Alastor é bom.

— Ele é um bom Troca, mas nada que a estratégia ideal não dê conta. Você sabe o que é um Troca, certo?

— Hum… Se eu disser que sim, você acreditaria?

Finalmente Tiago dá um sorriso. 

— Não. Com certeza não. Mas tudo bem, presta atenção à aula dessa tarde. A aula da professora Dominguez. A disciplina dela fala sobre os tipos de segredos. 

E então os dois conversam um pouco mais, riram e brincaram antes da aula começar. Em certo momento, eles passaram por Dani e Lauro que conversavam em sussurros frenéticos enquanto olharam para Diego, e Tiago começou a ficar diferente, desconfiado.

Quando Diego perguntou qual era o problema, Tiago falou algo sobre aqueles dois que deixou o rapaz irritado. 

Dani e Lauro estavam tramando um novo plano.

 

D    

    I

       N 

          G

D

   O

      N

          G

 

E agora era hora da aula. Era a vez de Diego traçar um plano para descobrir mais sobre o seu adversário na competição.



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