Volume 1 – Arco 11

Capítulo 74: Casa

A chegada em casa não foi tão infeliz quanto pensava que seria. Antes de sair do Craveiro, foi acompanhado por Tiago, Margô, Dani, Lauro e até Fabio. Sanches só não fora porque estava ocupado demais em uma detenção com a professora Domingues. 

O rapaz se despediu dos amigos com abraços e promessas de que se veriam novamente, marcando encontros para o cinema ou então viagens em família. Diego também se despediu, recebendo um banho de lambida de Duque, o cachorro do Sr. Bjorn que justamente por conta dessas lambidas o fizera ganhar o apelido que tanto detestava. 

Depois o rapaz entrou dentro do carro, onde o seu mordomo dirigia. 

— Jovem Diego, como cresceu! — cumprimentou o calvo. 

Morfeus não mudou nada. Continuava o mesmo morto-vivo, pálido e com seu bem penteado bigode de sempre. Ele não fez nenhuma pergunta sobre o motivo de ser expulso, mesmo que possivelmente já soubesse a resposta. Na verdade, quis saber sobre todas as coisas boas que fez, e Diego não demorou a se gabar o quão incrível era nas lutas. 

Morfeus ficou chocado quando citou o dia em que quase matou Golias, aumentando ainda mais a história. E enquanto sorria das caras e bocas que seu mordomo fazia ao contar sobre sua bravura e justiça, viu o Craveiro desaparecer no meio dos montes.

Seguiram viajem falando pouco, mas foi comentado a respeito da demora de Elizel para voltar para casa. Desde novembro do ano anterior que ainda não tinha voltado de sua missão. Isso apenas instigou mais ainda as dúvidas do rapaz, com relação ao tio estar mesmo por trás de algo. 

Assim que chegou na grande, e até que assustadora, casa da rua Castilha, foi recepcionado de braços abertos por Angela; juntamente com alguns olhares curiosos dos vizinhos fofoqueiros. 

— Diego, como você cresceu. — Ela o olhou de cima a baixo. — Está alto e mais forte. Andou treinando muito para o torneio, não foi? Ouvi dizer sobre a sua luta. Meus parabéns.

Um tanto formal demais, podia-se notar. Aquela era mesmo Angela, a empregada da família Monte que, embora fosse mais séria e regrada do que Morfeus, sempre que podia estava tratando Diego como seu próprio filho, na medida do possível. 

Na ausência dos Monte, ela não deveria se portar daquela maneira. Ao menos era o que Diego pensava e isso o incomodou. Incomodou mais ainda se lembrar da vez em que machucou ela sem querer em um surto de raiva. 

— Angela, eu… — Não sabia se tinha coragem para falar. Era estranho como um simples pedido de desculpas podia ser difícil de ser verbalizado. 

— Sim, Jovem? — Ela se inclinou um pouco para frente, curiosa. 

Lábios finos, a pinta no rosto, os olhos relaxados e serenos, mas ao mesmo tempo carregados de seriedade. As mãos entrelaçadas uma na outra, pousadas elegantemente por cima da saia de empregada. E, claro, o coque. Pequenos detalhes que nem mesmo o rapaz sabia ter tanta saudade. 

Como não era bom com palavras, isso era coisa para gente como o Sr. Rosa ou até mesmo Faramir, resolveu ter atitude, uma coisas que era total sua cara. Deu um passo a frente e se jogou em um abraço apertado.

Angela ficou confusa por um momento, mas foi apenas um momento curto, tão curto que não faria diferença se percebessem ou não. Ela o abraçou de volta. Sem dizer uma palavra.

Os dias que se seguiram talvez tenham sido os mais estranhos vivendo na casa dos Monte. O rapaz estava se divertindo. Pela primeira vez foi a biblioteca da casa, que ficava bem abaixo do seu quarto, por vontade própria procurar por algum livro ou informação que pudesse lhe ajudar a voltar para o Craveiro no próximo ano letivo. Não foi muito bem sucedido com isso.

Como não havia nenhum tio ou tia para lhe dizer o que fazer, saía e voltava da casa com mais frequência que nunca. Só tinha agora de obedecer aos empregados, isto é, a Angela, já que Morfeus não era lá uma grande figura de autoridade. Ele viu alguns filmes e até tentou se encontrar com aqueles três garotos que ele surrou, mas por razões óbvias estavam todos lhe evitando.

Diego recebeu muitas cartas dos seus amigos nesse meio tempo. Elas vinham pelo correio, normal, o que foi um pouco decepcionante já que o rapaz fantasiava com corvos falantes. A maioria vinha de Margô que não economizava papel para enviar cartas com no máximo 300 letras. Recebia no mínimo 2 cartas dela por dia. 

Responde-las não era trabalho fácil, já que tinha de, obrigatoriamente, responder uma por uma. Era obrigado, pois caso esquecesse ou demorasse para responder, recebia ainda mais cartas exigindo respostas e por vezes até se perdendo durante a escrita, abordando novos assuntos nada a ver com os primeiros.

Já Tiago era mais esperto. Resumia uma semana inteira de novidades em uma carta com 3 folhas. Isso quando não resolvia resumir duas semanas, daí a carta vinha tão grossa que mal entrava pelo porta-cartas.

Diego se sentia mal por não conseguir detalhar tão bem suas cartas quanto a do loiro. Recebia cartas tão ricas e só enviava de volta cartas de uma folha com no máximo um terço dela escrita. Talvez devesse adotar a tática de Margô e enviar uma a cada instante. 

Durante o mês de julho e agosto, Diego não recebeu muita noticia a respeito de seu tio. Apenas algumas cartas endereçadas especificamente a Angela. O rapaz sabia do que se tratava. Eram instruções para que a empregada continuasse a lhe dar veneno.

Para sua sorte, Angela não seguia as ordens. E pela primeira vez até onde podia se lembrar o rapaz comia sem passar mal.

Por fim passou-se os dias com a rua Castilha se mantendo a mais pacifica possível sem a presença dos tios tiranos, onde Diego apenas brincava e se divertia com os empregados enquanto mandava e recebia mensagens para os amigos, brigando com eles, aconselhando, sendo aconselhado e falando abobrinha. 

Diego nem notou quando setembro chegou. Setembro de 2001, o mês programado para Elizel e Lidja voltarem do exterior. O mesmo mês em que o ano letivo no Craveiro iria começar. Entretanto, algo nesse mês atrapalhou a vinda deles, fechando completamente o espaço aéreo. 

Isso fez as esperanças do garoto de voltar para o Craveiro abaixarem. Achava que Elizel talvez conseguisse convencer o diretor a manter o garoto, mesmo que tivesse notas ruins ou que ainda nem tivesse corado. Mas agora teria de esperar pela vinda do tio, uma vinda que talvez demoraria ainda mais tempo.

E demorou. Setembro passou e com ele os seus escândalos do mundo. Outubro também passou, e nesse mês o rapaz já não recebia mensagem de nenhum dos amigos, pois estavam ocupados demais nos estudos excessivos que acontecia no segundo ano. 

Então chegou novembro, dia 9, o aniversário do rapaz. A comemoração foi melhor do que qualquer outro aniversário. Angela e Morfeus fizeram um enorme bolo de chocolate para o rapaz. Enfeitaram a casa inteira e até a nova mesa da sala, uma que Lidja havia comprado e que ao invés de ser oval agora era quadrada, estava bonita.

Cantaram parabéns, depois comeram e beberam muito refrigerante e suco. Apenas os três. Até mais ou menos meia-noite, a hora em que…

 

T

   O

      C

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   O

      C

 

— Pois não? — Angela foi até a porta chegar. Não obteve respostas até olhar no olho mágico. — Senhor Monte!

Ela abriu a porta e uma figura negra, encapuzada, vestindo um sobretudo negro, duas armas na cintura e um chapéu de caçador entrou pela porta. Ele encarou o ambiente inteiro antes de entrar. Olhou para Morfeus, depois para Diego e por fim para o bolo.

Quando olhou para o bolo, ficou irritado.

— Não sabia que o senhor vinha tão cedo, onde está a senhora Lidja?

— Você deu as poções para ele? — A encarou com os olhos verdes brilhantes, enfurecidos. Sua barba negra bem aparada parecia dar um ar ainda mais macabro para sua expressão, fora a sombra projetada pela aba do chapéu.

— Sim, senhor — mentiu ela enquanto ele acendia um cigarro. — Como me…

Elizel se aproximou dela o suficiente para lhe dar uma baforada na cara. A mulher não aguentou e começou a tossir.

— Você não deu as poções para ele, deu? — Seus olhos estavam saltados, furiosos.

Angela tossia tanto que chegou a cair no chão, sem força. A porta da casa ainda estava aberta, deixando um vento forte entrar por todo o comodo.

— Deixa ela em paz! — gritou Diego, saltando da cadeira e indo em direção a figura negra a sua frente. Não sentia mais medo, era forte o suficiente para lidar com Golias, por que não seria forte o suficiente para…?

Elizel se aproximou do rapaz rápido demais. Com a sua mão fria que mais parecia uma aranha, segurou a boca do rapaz, enquanto com a outra abriu uma maleta que carregava consigo. De seu interior puxou um pequeno frasco com líquido negro. 

Diego tentou esmurrar o tio, sair do aperto, qualquer coisa, porém Elizel era forte demais. Abrindo o frasco, fez o rapaz abrir a boca por meio da dor e derramou o líquido em sua garganta, o fazendo engolir a força.

O rapaz ficou tonto enquanto sentia a queimação. Era como se seu interior estivesse pegando fogo. Caiu no chão imediatamente, tonto. Tentou levantar, mas não conseguia. Não era ele o resistente a veneno? 

— Leve ele para o quarto e tranque a porta para que não fuja — disse Elizel, acendendo o seu cigarro. Estava irritado com alguma coisa. — Ele já me deu trabalho demais.

Morfeus fez um aceno de cabeça, o pegou pelo braço e lhe levou arrastado até o seu quarto. O rapaz não teve o que fazer além de obedecer. Sentia uma dor angustiante, gritava e se contorcia de dor. O mordomo o colocou em cima da cama e tentou lhe reconfortar com palavras, mas o rapaz não ouvia.

Se deitou na cama, a forte dor na barriga que lhe fazia se contorcer e chorar. Ouviu a porta de seu quarto se fechando e a tranca. Ele não sabia o que faria a partir dali. Colocou toda a sua força de vontade para se levantar, porém assim que o fez vomitou no chão.

Não vomitou o bolo, vomitou sangue. Andou até uma comoda onde ficava um espelho e viu que seus olhos estava vermelhos. Suas lagrimas estavam ficando vermelhas. Seu rosto cheio de veias, como se fossem galhos de arvores. 

Caiu no chão mais uma vez. Se arrastou até a porta e tentou bater nela com força. Gritou, esperneou e voltou a vomitar mais sangue. Passou mal por muito tempo. Cada minuto era um novo inferno. Parecia que não ia piorar, porém sempre piorava.

Não soube quanto tempo ficou no chão vomitado, caído e se contorcendo, chorando sem parar, pedindo por ajuda. Um momento tentou se levantar. Iria se jogar pela janela e dar fim ao seu sofrimento. Sim, era isso que deveria ter feito desde o primeiro momento em que chegou ali.

Com dificuldade, andou até ela. Cada passo demorava minutos. Cada centímetro do seu corpo doía e se contorcia. Sua barriga parecia que ia explodir, como se houvesse algo dentro doido para sair.

Finalmente chegou na janela. Quando olhou viu que estava chovendo. Era uma chuva forte e poderosa, fazendo as arvores do lado de fora balançarem com o vento. As luzes não iluminavam muito bem. Exceto aquela no meio da rua.

Uma luz amarela. Na verdade, duas luzes amarelas e uma azul logo abaixo dessas duas.

Diego se afastou da janela com um susto. Sentiu sua nuca arrepiar. O mundo parar. Não podia se jogar pela janela, porque do lado de fora havia um nocivo sem um dos braços lhe esperando.

 



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